• Nenhum resultado encontrado

Álvaro Vieira Pinto10 (1909 – 1987), considerado um dos mais importantes filósofos brasileiros de todos os tempos, foi catedrático da Faculdade Nacional de Filosofia da

10 As informações sobre o professor e filósofo Álvaro Vieira Pinto apresentadas neste subcapítulo foram elaboradas com base na “Nota do Editor”, contidas no livro “O conceito de Tecnologia” de Vieira Pinto (2005).

Universidade do Brasil (hoje UFRJ). Unia formação clássica rigorosa à condição de matemático.

Professor por várias gerações, ganhou projeção a partir de 1956, quando se juntou ao grupo de fundadores do Instituto Superior de Estudos Brasileiros – ISEB -, a mais importante entidade envolvida no debate desenvolvimentista nas décadas de 1950 e 1960. No ISEB, passou a chefiar o Departamento de Filosofia e dedicou-se a compreender filosoficamente os vários modos de pensar o ser nacional a partir da periferia do sistema mundo, mantendo-se fiel ao seu propósito investigativo: compreender o lugar do trabalho e da forma de trabalhar na configuração cultural do povo brasileiro. Dentro do ISEB e fora dele, o professor e filósofo Vieira Pinto influenciou significativamente a geração de intelectuais de sua época.

Vieira Pinto teceu uma teia analítica ao redor do conceito de trabalho, no transcorrer de duas décadas, entre 1955 e 1985, período em que desenvolveu seus principais escritos: Consciência e realidade nacional, El conocimiento crítico en demografia, ciência e existência, e O conceito de tecnologia, ao qual dedicaremos especial atenção no decorrer desta dissertação, por sua profunda e exaustiva reflexão sobre o fenômeno da técnica e seus impactos sobre a sociedade. Seus três primeiros trabalhos foram escritos durante o exílio no Chile, onde fixou moradia depois do golpe militar de 1964.

O estudioso Vieira Pinto destaca-se pela sua obra O conceito de Tecnologia, originalmente com 1.410 laudas, concluída e revisada pela última vez em 5 de abril de 1973. Foi publicada pela primeira vez somente em 2005, muitos anos após a sua morte. Não fosse casualmente encontrada por seu irmão, que a encaminhou a Marília Barroso, ex-aluna de Álvaro, talvez jamais saberíamos de sua existência.

De acordo com o panorama intelectual brasileiro do século XX, Vieira Pinto, na opinião de muitos, era compreendido como expressão do “seu contexto”. De temperamento reservado, foi capaz de protagonizar o papel de “ideólogo do desenvolvimento”.

Segundo Freitas (2005), O conceito de Tecnologia é um manuscrito denso e monumental que para os críticos indica a completude da obra de Vieira Pinto. Nela ele apresenta sua plataforma conceitual para responder à questão: o que é trabalhar na periferia sob a dominação econômica e cultural do centro? Sua análise acerca da dicotomia centro-periferia possibilita nossa compreensão em relação ao incremento tecnológico e a utilização da técnica para a substituição do trabalho manual.

Freitas (2005), aponta que para Vieira Pinto o centro se utiliza de um dos significados da tecnologia e ideologicamente o proclama universal, para levar o mundo da periferia à condição de “paciente receptor” das inovações técnicas e, assim, evitar que os povos periféricos tenham uma consciência crítica da própria realidade, em que não conseguem ver que, na verdade, já vivem uma “fase histórica” na qual também são capazes de atuar como “agente propulsor” do próprio desenvolvimento econômico e tecnológico.

Freitas (2005) ainda explica que Vieira Pinto compartilhava a tese de que no centro o crescimento industrial havia tocado amplos setores da sociedade, produzindo uma certa homogeneidade quanto à produtividade e qualidade de vida às populações assalariadas. Ao contrário na periferia, apenas os setores envolvidos com a industrialização do centro se beneficiavam dos avanços tecnológicos. Vieira Pinto encontrará nesses setores privilegiados algo que denominará “consciência ingênua”.

Ao discorrer sobre o tema O conceito de tecnologia, Vieira Pinto (2005) aponta que a consciência ingênua impede que as massas trabalhadoras tenham uma compreensão aprofundada de sua própria condição de trabalho. Essa consciência ingênua se deixa conduzir por falsas concepções ideológicas que se prestam para garantir a permanência ou condicionamento das massas num estágio de desenvolvimento desejado pelas nações centrais. Nesta perspectiva, salienta-se que uma consciência ingênua representará para as massas o seu atraso e impossibilidade de manusear a realidade com recursos cada vez mais elaborados. Para ele, o homem trabalha e quanto mais elaborada é a sua capacidade de trabalhar, mais humanizado ele se torna.

Freitas (2005), esclarece que para Vieira Pinto a consciência crítica é sempre um patrimônio das massas, sendo que essa consciência torna-se crítica na medida em que o trabalhador passa a ter clareza de que “deve” mudar a realidade:

A noção de “dever fazer”, adquirível num processo educativo, consolida-se num movimento que reúne redução e indução, ou seja, quem precisa mudar o mundo descobre o “porque” no mesmo momento em que descobre o “como” transformar a realidade, que passa, então, a ser percebida como mutável”. (FREITAS, 2005, p. 6).

Deste modo, na visão de Vieira Pinto compreende-se que a passagem de uma consciência ingênua para uma consciência crítica é possível somente a partir da ação dos sujeitos que efetivamente necessitam mudar a realidade vigente. Nesse sentido há uma convergência entre a concepção de Vieira Pinto e Gramsci. Ambos buscam na filosofia da práxis um caminho para o progresso intelectual das massas,

que as conduza a uma concepção superior de vida e à superação de concepções baseadas no senso comum, ou místicas. Essas concepções induzem as nações a um processo alienante, ou seja, a uma consciência ingênua, que impede uma elaboração superior da própria concepção do real.

Tanto Vieira Pinto (2005), quanto Gramsci (1995), ao tratar sobre consciência crítica, ou consciência de si, defendem o princípio de que uma real transformação da realidade será possível somente quando as massas trabalhadoras tiverem consciência da sua própria realidade e da necessidade de mudança, pois são as massas trabalhadoras a classe mais interessada numa efetiva mudança social, a fim de que também possam partilhar e se beneficiar mais igualitariamente tanto dos processos de construção, quanto da apropriação dos meios, utensílios, instrumentos, produtos, enfim, da gama de objetos artificiais e técnicas desenvolvidas pela humanidade.

Vieira Pinto (2005), ao sistematizar o conceito de tecnologia como um fenômeno da humanidade, além de discutir sobre o conhecimento tecnológico, nos revela e nos convida a refletir sobre a característica política inerente à tecnologia e, assim, nos aponta um caminho possível para a construção de uma consciência crítica, ou consciência de si. Passamos a seguir às contribuições deste autor sobre o conceito de tecnologia.

3.2. OS MÚLTIPLOS SENTIDOS DO TERMO TECNOLO-