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O incentivo governamental à prevenção de doenças, ocorrido principalmente nas últimas décadas, apresentou uma importante repercussão nas condições gerais de vida da população mundial, inclusive nos países em desenvolvimento (OPAS - Organização Pan-Americana de Saúde, 2005). Como exemplo, a expectativa de vida aumentou nos últimos vinte anos e a taxa de mortalidade infantil foi reduzida. No contexto mundial, o Brasil ocupa, segundo a Organização das Nações Unidas, por meio de sua Divisão de População, a 108a posição no ranking dos 187 países para os quais foram estimadas as esperanças de vida ao nascer, para o período 2000 a 2005. Apesar dos ganhos recentes, ainda há uma longa trajetória para o Brasil alcançar patamares como o da França (79 anos) e o do Japão (81 anos). (IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2005).

Esses dados refletem a melhoria nas condições de vida das crianças e de suas famílias, cujas estratégias começaram a ser mais bem implantadas a partir da década de 90, em relação aos anos anteriores. Um exemplo destas estratégias está na Atenção Integrada às Doenças Prevalentes da Infância (AIDPI), cujo objetivo é aplicar medidas de promoção da saúde da criança, instruindo os pais a respeito de conhecimento e práticas para o cuidado adequado da saúde de seus filhos. Neste sentido, os pais e profissionais de saúde podem atuar juntos para melhorar as condições de vigilância do desenvolvimento infantil, promovendo condições mais adequadas para a sobrevivência infantil e identificando eventuais problemas que possam surgir na trajetória de crescimento e desenvolvimento da criança (OPAS, 2005).

Dados recentes do relatório sobre a situação mundial da infância divulgados pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF, 2008) revelaram que a taxa de mortalidade infantil (menores de um ano de idade) no Brasil reduziu de 46,9 por mil nascidos vivos em 1990 para 24,9 por mil nascidos vivos em 2006. Além disso, o país melhorou sua posição no ranking mundial da taxa de mortalidade na infância (menores de cinco anos de idade), passando da 86ª para a 113ª posição.

Em termos mundiais, a evidência mais recente é que quatro milhões de bebês morrem a cada ano em seu primeiro mês de vida, e cerca de 50% destas mortes ocorrem nas primeiras 24 horas de vida. A probabilidade de uma criança morrer no primeiro dia de vida é 500 vezes maior do que após um mês de vida. A mortalidade neonatal responde por quase 40% de todas as mortes de menores de cinco anos, e por cerca de 60% das mortes de bebês com menos de um ano de idade (UNICEF, 2008).

Apesar de não existirem estudos estatísticos confiáveis que retratem a real incidência de crianças com problemas de desenvolvimento, a Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que 10% da população mundial de qualquer país é constituída por pessoas com algum tipo de deficiência (World Health Organization, 2002). No Brasil, alguns estudos realizados em amostras locais apontam para um índice de risco de 34% (Halpern, Giuliani, Victora, Barros & Horta, 2000) e 37% (Figueiras et al., 2001) para crianças menores de dois anos e 33% de risco para problemas no desenvolvimento em crianças menores de quatro anos (Santa Maria- Mengel, 2007), avaliadas pelo Teste de Triagem do Desenvolvimento de Denver II.

Sabendo-se que o crescimento e desenvolvimento da criança é produto da interação entre características intrínsecas (biológicas) e extrínsecas (ambientais), fatores adversos que venham a ocorrer nestas áreas podem alterar o ritmo normal e

comprometer a saúde da criança (Marcondes, 2004). Diversos fatores podem ser responsáveis pelos problemas de desenvolvimento nas crianças, mas não é possível estabelecer uma única causa, podendo existir uma associação de diversas etiologias.

De acordo com a perspectiva desenvolvimental, a probabilidade de ocorrência do problema ou impacto negativo futuro é chamado de risco para o

desenvolvimento. Neste sentido, os fatores de risco são atributos mensuráveis da

pessoa, do ambiente, suas relações ou do contexto associado com o risco (Masten & Gewirtz, 2006). Em contrapartida, os mecanismos de proteção neutralizam o efeito negativo do risco potencial no desenvolvimento do indivíduo (Reppold, Pacheco, Bardagi & Hutz, 2002; Silva & Dessen, 2005).

De acordo com Masten e Gewirtz (2006), o termo vulnerabilidade se refere a predisposição ou susceptibilidade do indivíduo para apresentar doenças específicas ou problemas de adaptação no desenvolvimento dentro do contexto de risco ou adversidade. O termo resiliência, por sua vez, se refere aos padrões positivos de adaptação e enfrentamento do indivíduo em desenvolvimento em situações de risco e adversidade.

A maioria dos estudos classifica os riscos para problemas no desenvolvimento da criança em dois tipos: riscos biológicos e riscos ambientais. (Sameroff, 1998; Andraca, Pino, Parra, Rivera & Castillo, 1998). Os fatores de risco biológicos são eventos que ocorrem no período pré, peri e pós-natal que resultam em danos biológicos e que podem aumentar a probabilidade de prejuízo no desenvolvimento da criança. Entre eles, pode-se destacar a prematuridade, o baixo peso ao nascimento, a anóxia neonatal. As causas de origem genética também podem ser incluídas no grupo de fatores de risco biológicos, entretanto, há autores

que separam estas causas em fatores estabelecidos (Graminha & Martins, 1997; Sweeney & Swanson, 2004). Os fatores de risco ambientais estão relacionados às experiências adversas ligadas à família, ao meio ambiente e à sociedade em que a criança vive. Entre eles, pode-se destacar a baixa escolaridade dos pais, a falta de recursos sociais e educacionais, as práticas inadequadas de cuidados, entre outros (Graminha & Martins, 1997).

Os eventos de risco tando da criança (internos) quanto do ambiente (externos) podem alterar o ritmo normal de funcionamento da criança e torná-la vulnerável a uma cadeia de acontecimentos adversos ao crescimento e desenvolvimento (Linhares, Carvalho, Padovani, Bordin & Martinez, 2004; OPAS, 2005).

As principais abordagens teóricas sobre o desenvolvimento humano focalizam os eventos biopsicossociais que ocorrem com o indivíduo em interação com o ambiente, ao longo de todo o ciclo vital. Embora diferentes teorias atribuam pesos diferenciados aos fatores biológicos, pode-ser afirmar que o desenvolvimento constitui um processo ao mesmo tempo universal e individual, que influencia e é influenciado por contextos externos (ambiente físico e social) e internos (próprio organismo histórico e biológico), em dimensões de tempo e espaço específicas. Neste sentido, o impacto de uma ampla variabilidade de fatores de risco define a maior ou menor vulnerabilidade da relação entre indivíduos e contextos ambientais (Gauy & Costa Júnior, 2005).

Alguns autores apontam para três grandes grupos de fatores de risco: fatores de risco sociais, fatores de risco familiares, fatores de risco pessoais (Bronfrenbrenner & Ceci, 1994; Oliveira, 1998; Rutter, Silberg, O’Connor & Simonoff, 1999). Os fatores de risco sociais se referem às condições de nutrição, moradia,

lazer, escola, experiências de privação, violência, dentre outros. Os fatores de risco familiares se referem às condições de interação familiar, como nível de autoridade parental, presença de transtornos mentais e/ou físicos na família, dentre outros. Os fatores de risco pessoais se referem às características do indivíduo, como temperamento, personalidade, percepção, estratégias de adaptação frente a situações adversas.

Embora seja útil do ponto de vista didático, esta divisão dos fatores pode não ser facilmente utilizada na prática cotidiana, uma vez que em muitas situações há a superposição de fatores biológicos e ambientais, acarretando uma maior probabilidade da ocorrência de transtornos no desenvolvimento da criança (Sameroff, 1998; Halpern, Giuliani, Victora, Barros & Horta, 2000).

Quanto maior o efeito cumulativo de fatores de risco, maiores serão as chances de a criança desenvolver-se de maneira mais lenta, quando comparada a outras da mesma faixa etária (Andraca, Pino, Parra & Marcela, 1998). Dessa forma, o bebê pré-termo em ambiente físico impróprio, com nível socioeconômico baixo, apresenta maior probabilidade de problemas no desenvolvimento que o bebê com risco apenas pela prematuridade (Halpern, et al., 2000; Salles, 2000; Linhares et al., 2004).

Diversos estudos têm demonstrado que o melhor desempenho das crianças vulneráveis do ponto de vista neurológico e psiquiátrico pode ser obtido quando elas recebem algum tipo de intervenção de acordo com as dificuldades detectadas (Ramey & Ramey, 1998). Entretanto, para que ocorra este processo de intervenção é necessária a identificação destas crianças com risco nos serviços de assistência aos egressos de UTIN. Neste sentido, é importante a presença de profissionais habilitados para realizar o acompanhamento preventivo de vigilância do

desenvolvimento a fim de identificar as crianças com problemas no ciclo vital e encaminhá-las oportunamente para tratamento especializado de acordo com as necessidades apresentadas (Figueiras, Puccini, Silva & Pedromônico, 2003; Linhares, Carvalho, Machado & Martinez, 2003; Linhares et al., 2004).

Além destes aspectos, os profissionais de saúde também devem considerar o papel das mães e famílias, o modo como a saúde da criança é acompanhada, a rotina e os cuidados. O cuidado da criança na atenção primária à saúde tem um caráter contigencial, deve lidar com a eventualidade, a incerteza e os acontecimentos ligados às experiências, integrando saberes práticos e técnicos (Mello, Lima & Scochi, 2007).