• Nenhum resultado encontrado

3 O TEMPO RAZOÁVEL DO PROCESSO COMO UM DIREITO

3.9 VINCULAÇÃO DO LEGISLADOR E DO APLICADOR DA LEI

A constitucionalização dos direitos do homem acabou gerando a positivação de direitos fundamentais, conseqüentemente, levando os direitos humanos a alcançarem um patamar de “normas jurídicas vinculativas”. Portanto, toda violação ou desrespeito aos direitos fundamentais ensejam uma dura e imediata reprovação.

Relevante contribuição à imposição vinculativa dos direitos fundamentais foi dada pelas declarações de direito. A partir da Declaração dos Direitos do Homem Universal, de 10 de dezembro de 1948, os direitos do homem tornaram-se vinculativos jurídico-positivamente no âmbito internacional, por meio do Pacto internacional Sobre Direitos Civis e Políticos, de 19 de dezembro de 1966.

Essencial é o papel do legislador no Estado de Direito, que é subordinado à Constituição Federal e à legislação infra-constitucional. Mesmo o legislador tendo uma certa discricionariedade, não está o mesmo livre de limites e parâmetros. Antes de tudo, o legislador está subordinado à Constituição, que lhe impõe determinadas restrições, baliza sua atuação e regula sua atividade.

Num Estado Democrático de Direito como o nosso, o legislador ocupa uma posição de destaque, que lhe exige uma intensa responsabilidade no seu atuar. É essencial uma afinidade com a sociedade em que vive, para filtrar as suas carências, anseios e perspectivas, com o fito de perspectivamente supri-las.

A Carta Magna de 1988 elencou em seu texto um extenso rol de direitos fundamentais positivadores de regras a serem cumpridas por todos, levando a uma total vinculação do legislador acerca da observância desses preceitos em sua atividade legislativa. Ao transportar princípios de índole humanitária do âmbito metajurídico e positivá-los no sistema

constitucional, estabeleceu-se um compromisso do Estado de ser este o garantidor de efetiva concretização material desses princípios.

O nosso catálogo de direitos fundamentais está disposto no início do texto constitucional, no Título II, a partir do artigo 5º, demonstrando um tratamento especial dado pelo legislador constituinte, em razão da vinculação desses direitos a seus titulares e ao Estado.

Estando o direito fundamental à razoável duração do processo inserido neste contexto, quando observamos a falta de uma atitude política para efetiva concretização do mesmo direito, verificamos uma verdadeira violação, por omissão desse direito do homem, que aponta um desrespeito do legislador a uma posição democrática que lhe é exigida pela Constituição Federal de 1988. Portanto, o preceito constitucional em estudo não é norma dirigida somente aos órgãos do Poder Judiciário, mas também ao Legislativo.

O dispositivo constitucional que representa a duração razoável do processo traz em sua parte final a expressão “e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”, deixando patente a vinculação do Legislativo.

Nesse sentido, é de suma importância a efetiva concretização desse direito, tendo em vista que, com base neste, outros direitos fundamentais podem ser concretizados.

José Joaquim Gomes Canotilho120 nos ensina que:

(...) ser dever da atuação legislativa democrática não permitir que a pretexto de não haver meios jurídicos, os direitos fundamentais se tornem fórmulas vazias, em virtude de o legislador não ter vontade ou ser incapaz de atualizar os direitos econômicos, sociais e culturais, constitucionalmente garantidos.

O legislador precisa estar atento à realidade para perceber as dificuldades de concretização do direito fundamental em estudo e apontar soluções, promovendo as alterações

120 CANOTILHO, José Joaquim. Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo para

necessárias na legislação, sempre tendo em mente que está diante de um direito de caráter fundamental e não simplesmente instrumental. É de incumbência do Legislativo observar o sistema processual, objetivando uma correta adequação deste ao dinamismo da realidade social e o seu anseio de efetividade do direito a duração razoável do processo.

Aqui, nos cabe abrir um parêntese para fazer uma breve crítica, no sentido de frisar que o legislador pátrio ora legisla em excesso, ora legisla em menor intensidade do que o necessário.

Mesmo diante desse contexto, deve o Legislativo cumprir sua função de implementador do direito fundamental garantido no inciso LXXVIII do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, criando normas com o escopo de alterar o processo pátrio na busca de uma maior efetividade, sem se distanciar de uma sólida segurança jurídica.

Resta esperarmos que o legislador pátrio, sensibilizado com os novos rumos do processo brasileiro, possa refletir sobre o mais recente direito fundamental positivado no rol da nossa Carta Magna de 1988 e buscar caminhos para a sua plena concretização. São inúmeras as possibilidades de medidas que podem ser tomadas pelo Legislativo, capazes de tutelarem o direito fundamental ao tempo razoável do processo. Aliás, o nosso legislador já demonstra uma preocupação, tendo introduzido no sistema processual pátrio algumas medidas, objetivando a rápida resolução das lides postas ao Judiciário, embora essas medidas sejam extremamente instrumentalistas e voltadas simplesmente ao imperativo de celeridade.

Mas a vinculação relativa ao direito fundamental ao tempo razoável do processo não só atinge o legislativo, recaindo também no aplicador da lei.

Robert Alexy nos ensina:

(...) os direitos fundamentais são direitos com hierarquia constitucional. O grau de hierarquia extremo seria de pouco interesse se não acrescesse o segundo, a força de imposição extrema. Dela dispõe direitos fundamentais quando eles, primeiro vinculam todos os três poderes, portanto, também o

dador de leis, e quando essa vinculação é controlada judicialmente, portanto, é justificável.

Uma não vinculação do aplicador do direito a um direito fundamental caracterizaria uma infração contra direitos do homem. É por isso que as constituições modernas dotam os direitos fundamentais de uma força extremamente impositiva, que brotam de dois aspectos: do grau de hierarquia extremo e do conteúdo de suma importância. De certo, a competência para a aplicação das normas que encartam os direitos fundamentais, se não cumpridas por seus destinatários, é do Poder Judiciário.

Os direitos fundamentais regulam situações jurídicas como normas de um grau hierárquico extremo e com uma força vinculativa também extrema. Se normas fundamentais da constituição não são encaradas como vinculantes, torna-se difícil sustentar que outras normas sejam levadas a sério.

Diante da existência de um Estado de Direito ninguém, pode ficar alheio às normas de sua Constituição, nem tampouco pode alegar o desconhecimento destas normas e muito menos tentar afastar sua incidência.

Compreendidas todas as faces do direito fundamental ao tempo razoável do processo, procede-se, a seguir, ao estudo da aplicabilidade imediata desse direito e possibilidades de sua concretização.

4 UMA CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL AO TEMPO