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PARTE I: ENQUADRAMENTO TEÓRICO-EMPÍRICO

3. Vinculação na infância

3.1. Vinculação na primeira infância

Bowlby (1964/1984) propõe que a vinculação se desenvolve ao longo de quatro fases distintas, sendo que as primeiras três sucedem durante o primeiro ano de vida, enquanto a quarta ocorre por volta dos 3/4 anos de idade. A primeira fase, orientação e

sinais com uma discriminação limitada das figuras, decorre aproximadamente até às 8/12

semanas de vida. O bebé apresenta comportamentos percursores de vinculação, comportando-se de maneira característica para com os seres humanos (e.g. seguir com olhar, sorrir ou parar de chorar ao ouvir uma voz humana), embora esteja ainda incapaz de discriminar e diferenciar as figuras para quem orienta os seus actos. A segunda fase,

orientação e sinais dirigidos para uma figura discriminada, desenvolve-se por volta dos 3 e

dos 6 meses. O bebé exibe uma responsividade diferenciada, orientando-se tendencialmente para determinados estímulos e aproximando-se do que lhe é familiar. Expressa comportamentos diferentes a pessoas diferentes, pelo que no final deste período tende a procurar proximidade junto de uma determinada figura com maior perseverança. A

terceira fase, manutenção de proximidade com uma figura discriminada através da locomoção e de sinais, tem início cerca dos 6/7 meses e estende-se até aos 24 meses. O

desenvolvimento psicomotor, especialmente a locomoção e a linguagem, promove maior eficiência à procura/manutenção de proximidade com uma figura preferencial que funciona como uma base segura a partir da qual o bebé explora o meio. Contrariamente aos dois níveis anteriores de organização diádica, os padrões comportamentais simples de acção fixa são, nesta fase, substituídos por comportamentos de vinculação que começam a organizar- se num sistema de objectivos corrigidos. A quarta fase, formação de uma relação recíproca

corrigida por objectivos, inicia-se por volta dos 24/30 meses. Ocorre uma crescente

sofisticação dos sistemas comportamentais corrigidos por objectivos que se faz acompanhar de uma competência (moderada) para assumir o ponto de vista do outro. Progressivamente, a criança vai sendo capaz de fazer deduções sobre os objectivos e planos da figura de vinculação, o que lhe permite acomodar os seus próprios comportamentos e objectivos aos desta figura, mas também influenciar os planos desta pessoa a fim de que sejam mais

congruentes com os seus. Emerge ainda um acréscimo na capacidade para tolerar a distância relativamente aos pais, aceitando separações mais prolongadas, embora a acessibilidade a estes esteja ainda muito associada à sua segurança (Ainsworth et al., 1978; Waters et al., 1990; Marvin & Britner, 1999; Soares, Martins & Tereno, 2007b).

Neste sentido, facilmente se percebe que a segurança da vinculação não pode ser directamente constatada, apenas inferida a partir do que é observável. A avaliação da vinculação tende assim a incidir especificamente na segurança dos comportamentos de vinculação (George & Solomon, 1999). Com base nesta noção, e tendo em vista a capacidade da criança para utilizar a figura de vinculação como base segura durante as suas incursões pelo meio, Ainsworth e colaboradores (1978) desenvolvem um procedimento laboratorial estandardizado designado por Situação Estranha. Este tornou-se no método de investigação mais amplamente utilizado para avaliar, na primeira infância, a qualidade da vinculação da criança às pessoas que dela cuidam (Bretherton, 1992; Waters et al., 2002; Rabouam, 2004). Constituído por uma sequência fixa de vários episódios destinados a activar o sistema comportamental de vinculação da criança num setting não familiar, o seu foco de avaliação centra-se: a) nos comportamentos específicos expressos em cada episódio; b) no comportamento do bebé para com a figura de vinculação atendendo à sua análise em função de quatro escalas de comportamentos interactivos5; c) na classificação dos bebés de acordo com padrões de comportamento (Ainsworth et al., 1978; Soares et al., 2007b).

A categorização em termos de padrões de vinculação, assume especial saliência pois permite identificar diferenças individuais na organização comportamental da vinculação. Nos seus estudos, Ainsworth e colaboradores (1978) distinguem três grupos distintos de organização do comportamento de vinculação na criança: o grupo inseguro-evitante (A), o

grupo seguro (B) e o grupo inseguro-ambivalente/resistente (C).

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As escalas de comportamento interactivo são as seguintes: procura de contacto e estabelecimento de proximidade, manutenção do contacto, resistência e evitamento.

Tal como o seu nome indica, os bebés classificados como seguros encontram na figura de vinculação a sua base segura. O grupo seguro (B) caracteriza-se pela procura e manutenção activas de proximidade e interacção com a figura de vinculação, nomeadamente após a separação, não exibindo resistência ou evitamento no contacto com esta figura. Em situações de stress estes bebés encontram segurança e conforto na figura de vinculação e são, por isso, capazes de se acalmar e de voltar ao comportamento exploratório.

Em oposição a estes encontram-se os bebés classificados como inseguros. Por um lado, o grupo inseguro-evitante (A) manifesta comportamentos de evitamento da proximidade/contacto com a figura de vinculação e, consequentemente, escassos comportamentos de afecto e/ou segurança. Estas crianças parecem pouco afectadas pela separação, e centram-se, sobretudo, nos objectos. Mesmo em situações de níveis de stress

e de ansiedade crescentes tendem a não recorrer à figura parental, pois interiorizaram a noção desta figura como inacessível e irresponsiva para com as suas necessidades. Por outro lado, o grupo inseguro-resistente (C) mostra-se afectado pela separação. Evoca uma mescla de comportamentos de procura/contacto com a figura de vinculação e de comportamentos de resistência (e.g. protestos, irritabilidade), visto conceber a figura de vinculação como inconstante na prestação de cuidados (Ainsworth et al., 1978; Waters, 2004; Rabouam, 2004; Soares et al., 2007b).

Sucintamente, Yunger, Corby e Perry (2005) referem que na organização de

vinculação segura a criança constrói um modelo interno dinâmico no qual o cuidador está

disponível (sempre que necessário) e o self é amado e merecedor de cuidado, por isso, busca suporte e conforto na figura de vinculação. A criança aprendeu uma regulação emocional adequada e experiências recíprocas de afecto positivo, assim como desenvolveu expectativas favoráveis sobre o self, os outros e o mundo em geral. Em antítese, a

organização de vinculação insegura remete para um modelo interno dinâmico no qual a

figura parental é irresponsiva, inconsistente e não apoiante e o self é percepcionado como não amado. A criança desenvolveu expectativas mais negativas acerca do self e dos outros,

o que explica os níveis de isolamento, hostilidade ou vulnerabilidade a que está sujeita e o fracasso na utilização da figura de vinculação como base segura.

Mais tarde Main e Solomon (1990) identificam o grupo D, desorganizado/desorientado, caracterizado por sequências de: comportamentos

contraditórios, movimentos despropositados, estereotipias, posturas anómalas, sinais de apreensão em relação à figura de vinculação, expressões de confusão, desorganização e desorientação. As histórias de relações desorganizadas revelam resultados desenvolvimentais mais desfavoráveis e fortes preditores de psicopatologia (Carlson, 1998).

Diversos estudos com amostras normativas seguiram o método de investigação desenvolvido por Ainsworth e colaboradores (1978) e identificam o predomínio da organização de vinculação segura, seguindo-se-lhe a organização de vinculação inseguro- evitante (um quinto a um terço dos bebés) e uma pequena minoria representativa da organização de vinculação inseguro-ambivalente (Soares, 1996). Van IJzendoorn e Kroonenberg (1988) concluíram na sua meta-análise que 65% das crianças revela um padrão seguro, 20% um padrão inseguro-evitante e 10 a 14% um padrão inseguro- ambivalente6. Tem sido igualmente encontrada uma considerável constância intercultural (pelo menos nos países industrializados) (Grossmann, Grossmann & Huber, 1981; Sagi, Van IJzendoorn & Aviezer, 1994), bem como uma constância temporal entre os 12 e os 18 meses (Rabouam, 2004).

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No entanto, Van IJzendoorn, Goldberg, Kroonberg & Frankel (1992) ressalvam que nas amostras de risco e nas populações clínicas as percentagens de sujeitos incluídos no grupo inseguro tendem a aumentar, particularmente naquelas em que o mau-trato se encontra presente (VanIJzendoorn, Schuengel & Bakermans- Kranenburg, 1999). Esta temática será discutida mais detalhadamente no ponto referente à vinculação e psicopatologia.