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3 VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS

3.1 VIOLÊNCIA DA INSTITUIÇÃO ESCOLAR

É fato, desde sua origem, que a escola é local de poder e ideologia, disputa de consciências e de controle, seja de mentes ou de corpos. Embora tenha passado por mudanças no decorrer dos anos, é importante compreender a ideia do duplo caráter: ensinar e controlar.

A esse respeito, Bourdieu e Passeron (1982) criaram uma obra importante intitulada A reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Neste livro, os autores analisaram o funcionamento do sistema escolar

francês e concluíram que, em vez de ter uma função transformadora, ele reproduz e reforça as desigualdades sociais.

De acordo com o autor, a estruturação dessas práticas não é um processo que se faça macanicamente, de fora para dentro, de acordo com as condições objetivas presentes em determinado espaço ou situação social. Por outro lado, não é um processo conduzido de forma autônoma, consciente e deliberada pelos sujeitos individuais. Para Bourdieu (1983), cada sujeito em função de sua posição nas estruturas sociais vivenciaria uma série de característica de experiências que estruturariam internamente sua subjetividade, constituindo uma espécie de matriz de percepções, que orientaria suas ações. Essa matriz seria o que o autor chama de habitus,

[…] um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções, de apreciações e de ações – e torna possível a realização de tarefas infinitamente diferenciadas, graças às transferências analógicas de esquemas [...] (BOURDIEU, 1983, p. 65) Através do uso da noção de violência simbólica eles tentam desvendar o mecanismo que faz com que os indivíduos vejam como naturais as representações ou as ideias sociais dominantes. Nesse sentido, Bourdieu e Passeron (1982) consideraram que a transmissão pela escola de (conteúdos, programas, métodos de trabalho, avaliação, relações pedagógicas, práticas linguísticas), próprios da classe dominante, revelam uma violência simbólica exercida sobre os alunos de classes populares. Esse tipo de violência é desenvolvida pelas instituições e pelos agentes que dela fazem partem, sobre a qual se apoia o exercício da autoridade.

A violência simbólica, do professor para o aluno, ocorre principalmente entre quatros paredes, na sala de aula, local por excelência de convívio de ambos. É neste ambiente que ocorre a construção de uma cultura abusiva no relacionamento interpessoal. O problema começa quando se aborda o conflito através do exercício da autoridade, do castigo, das humilhações, provocando um clima de tensão dentro da sala de aula, o qual o professor não sabe resolver, pois o núcleo desta questão está submerso em um currículo oculto de relações interpessoais instaladas no processo ensino-aprendizagem.

Para Macedo (2007, p. 50), o habitus disciplinar e sua força simbólica constituem numa estrutura significativa para dificultar as iniciativas não- disciplinares. Nesses termos, sua hipótese é que

[…] o habitus e o ethos disciplinares por muito tempo ainda guiarão as concepções e implementações curriculares. Ou seja o currículo oculto disciplinar dirá durante um tempo significativo como devemos organizar as nossas formações, por mais que reconheçamos o importante e construtivo movimento relacional não-disciplinar que habita hoje o argumento epistemológico e formativo e, por consequência, as práticas curriculares.

Sendo assim, a violência escolar assume diversas facetas. Por exemplo, alguns professores que usam os ditados e cópias, sem intencionalidade pedagógica, como maneira de manter os alunos em silêncio, assim como as discriminações e exclusões. Outro exemplo típico dessa violência se traduz no caráter disciplinador que, por vezes, é conferido à avaliação, que serve como um instrumento que mede a capacidade do aluno através da exigência de respostas idênticas às formuladas em sala de aula.

Perde-se de vista a avaliação como diagnóstico, que serve de instrumento de orientação ao professor no processo ensino-aprendizagem, ela deve indicar os ganhos cognitivos que o aluno ainda não alcançou. No entanto, essa noção de processo pode ser, por vezes, esquecida, e a avaliação é esvaziada, tornando-se um instrumento autônomo, de controle da disciplina.

O conceito de violência simbólica aparece como eficaz para explicar a violência da escola, a que se reproduz na dimensão pedagógica e institucional, se expressando através do controle, da autocracia, da brutalização das relações. Partindo deste conceito, percebe-se o professor com um duplo papel: de um lado, como representante do poder dominador e de outro, o de dominado, submetendo-se a regulamentos e exigências burocraticamente estabelecidas.

Peralva (1997), com base em estudo de caso realizado em um colégio da periferia de Paris, argumenta que as condições históricas que incidiram para consolidação desse processo de controle, centralização do poder através do Estado Moderno; normatização dos comportamentos; e interesse dos indivíduos em aderir a esta ordem e abrir mão da força em suas relações,

preferindo a influência e persuasão, estariam ausentes ou em crise, quando referidas à realidade escolar francesa.

Resultados de sua investigação indicaram que a escola atual não mais atuaria como um micro Estado, assegurando um modelo de ordem. Em primeiro lugar, porque o próprio modelo teria se debilitado diante das transformações atuais em que os indivíduos se orientariam mais por escolhas individuais que por regras de comportamento exteriores. Em segundo, porque a massificação escolar, ocorrida na França em um contexto de modernização, competitividade e desemprego, teria enfraquecido os ganhos provenientes da adesão a esta ordem, principalmente para o público popular, que tem dificuldades em enfrentar a competição escolar.

Repensar a escola é refletir sobre a sociedade, sobre o Estado e perceber a sutileza de suas relações. Quando a escola não se realiza em suas ações como uma instituição transformadora, ela se mostra uma entidade vazia, e no vazio da escola habita o vazio da política, e nestes vazios se instala uma das figurações da violência que aniquila o “mundo partilhado” e o “mundo sensível”, como nos indica Hannah Arendt (1995, p. 189):

A política que nos referimos, não é o sinônimo de governar, mas de falar e ser ouvido, estabelecendo um diálogo em que todos têm o direito à palavra, pois é com a palavra que nos inserimos no mundo humano, e esta inserção confirma o fato original e singular de estar no mundo. A noção de política é constituída a partir do conflito e do diálogo, que deve se fazer presente na escola pela prática da ação e do discurso. A corrosão da ação, o esvaziamento do discurso conduz a deterioração da política à destruição do mundo comum, nos restando um mundo sombrio, onde o mal é banalizado e as mais distintas violências se naturalizam aniquilando o sentido dialético da vida e a perspectiva libertadora do pensamento.

Nesse sentido, a escola, como uma agência destituída de possibilidades políticas, de pensamento colonizado, é um lugar de múltiplas violências, concebida como uma fábrica de ordens que esvazia o sentido da política.

Por conta dessa ausência de sentido político, a escola não consegue dialogar sobre as razões de sua violência, tampouco sobre complexidade da violência fora dela, que lhe atinge cotidianamente, pelas diversas ações do crime organizado, ou pelas rivalidades de “galeras” de rua.

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