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3 VIOLÊNCIA NAS ESCOLAS

3.4 VIOLÊNCIA DIRIGIDA AOS PROFESSORES

Além da pesquisa que demonstrou que discriminações são comuns a professores no ambiente escolar, as notícias nos meios de comunicações também revelam casos de outros tipos de violência dirigidas a esses profissionais. Nessas matérias, possuem relatos dos educadores que não só envolvem discriminações, mas agressões físicas, violência psicológica, e incluem ainda danos aos seus patrimônios. A violência geralmente é praticada por alunos, ex-alunos, e até familiares em seu ambiente de trabalho; além disso, os professores ainda sofrem com as consequências da violência urbana, assédio do narcotráfico, e as brigas de gangues no entorno da escola. Alguns passam por problemas psicológicos e chegam até a pedir exoneração.

Algumas das manchetes têm se tornado frequentes desde 2000, a ver: Professor é assassinado dentro de escola em Duque de Caxias. Revista Época, Rio de Janeiro, 10 de setembro de 2002; Professor da Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC) sofre traumatismo craniano depois de ser agredido por aluno. Jornal A Tarde, Salvador, 3 de outubro de 2003; Professor sofre violência no seu ambiente de trabalho. Folha de São Paulo, São Paulo, 27 de setembro de 2005; Professores são agredidos em diferentes cidades do interior de São Paulo. Folha de São Paulo. São Paulo, 11 de julho de 2007; Professora que sofre traumatismo craniano em Porto Alegre depois de uma agressão de alunas na Escola Estadual Bahia. Zero Hora, Porto Alegre, 24 de março de 2009; Professor é espancado na Ceilândia. Sindicado dos professores do Distrito Federal, DF, 3 de junho de 2009; Professor é esfaqueado por aluno em escola de Salvador. G1 Portal de notícias Globo, 3 de março de 2010.

As reportagens refletem uma realidade nacional e têm contribuído para fazer aflorar a questão da insatisfação dos professores no magistério, um tema que tem sido objeto de estudo cada vez mais frequente nos últimos anos, tanto no Brasil como em outros contextos. Fatores como o estresse da profissão, associado ao excesso de trabalho, baixos salários, desvalorização profissional, dificuldades materiais, indisciplina do aluno, e violência na escola, entre outros, são entendidos como causadores do chamado "mal-estar docente".

Essas situações podem ainda levar à manifestação de uma síndrome denominada Burnout, um distúrbio psíquico de caráter depressivo, precedido de esgotamento físico e mental intenso, cuja causa está intimamente ligada à vida profissional. A síndrome de Burnout (do inglês to burn out, queimar por completo) foi assim denominada pelo psicanalista nova-iorquino, Freudenberger, após constatá-la em si mesmo, no início dos anos 70.

Do ponto de vista político, vemos ainda a relativa importância (para não dizer pouca) que os sistemas gestores dedicam ao assunto. Segundo a Associação de Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), em 2006, a Secretaria Estadual de Educação registrou 2,3 mil casos de violência contra professores em 2006. Mesmo tomando conhecimento da gravidade da questão, os sistemas gestores estaduais parecem se limitar com decisões provisórias sem o enfrentamento cuidadoso de um problema que está tendo enorme efeito negativo sob a saúde do professor e desenvolvimento do ensino e aprendizagem de crianças e jovens.

A mesma associação, na pesquisa em 2006, trouxe dados alarmantes sobre a violência dentro das salas de aula das escolas públicas de São Paulo. Segundo o estudo, 87% dos professores entrevistados afirmam ter ciência de casos de violência ocorridos na sua escola em 2006. Este número representa 583 professores dos 672 que responderam à questão. A violência verbal foi a mais citada, com 96% dos casos. Os atos de vandalismo aparecem em segundo lugar, com 88,5% das dos casos, seguidos da agressão física e do furto, com 82% e 76% dos casos, respectivamente.

Outros tipos de violência que se encaixam entre os que podem ser chamados de incivilidades são também comuns segundo os dados da pesquisa. Essas manifestações partem tanto dos alunos como dos pais de alunos. Praticamente, 77% dos professores já haviam sido xingados por alunos, sendo que 23% afirmam que os insultos são frequentes, enquanto 54% afirmam que eles ocorrem raramente. Com relação aos pais esta porcentagem é menor, mas mesmo assim significativa, uma vez que 27,5% dos professores afirmaram que já foram ameaçados, xingados ou agredidos por pais de alunos. A pesquisa buscou também captar manifestações da violência ligadas a discriminação. Cerca de 22% dos docentes afirmaram já ter sofrido algum tipo de discriminação pela opção sexual, pela raça, ou pelo gênero, pelo seus

alunos. Assim, vemos que as discriminações não são dirigidas apenas aos alunos, os professores também sofrem os efeitos dessas atitudes.

O Estado de São Paulo ainda foi escolhido, juntamente com o Rio Grande do Sul, para participarem de uma pesquisa que envolveu 15 cidades no mundo inteiro, que avaliou o impacto de fatores sobre o índice de rendimento escolar de estudantes. Entre alguns indicadores já tradicionais em estudos desse gênero – como tamanho das classes e nível de formação dos professores –, dessa vez incluiu-se a variável "clima emocional em sala de aula"; item que traduz algo como a tranquilidade com que o professor consegue executar seu trabalho, o relacionamento com os alunos e o nível de violência na escola.

De acordo ainda com dados da investigação, 46% disseram ter dificuldade em conter a indisciplina e despertar a atenção dos alunos, 47% deles já sofreram agressões verbais vindas de alunos e 11/% chegaram a ser agredidos fisicamente

Sendo assim, o referido estudo constata que nada tem tanto impacto sobre o desempenho dos alunos como a variável relacionada à violência escolar. Nas escolas em que o clima é considerado bom, as notas dos estudantes são 36% mais altas do que a média em testes de linguagem e 46% maiores em matemática. Segundo o filósofo chileno Juan Casassus, coordenador da pesquisa, um bom ambiente para aprender tem mais peso do que todos os demais fatores somados na pesquisa. Para ele, tornar mais harmoniosas as relações na escola, portanto, não é relevante apenas para reduzir o estresse dos professores e a desmotivação dos alunos. É, antes de tudo, decisivo para fazer a educação avançar.

De acordo com Abramovay (2006), as principais causas de violências de alunos para com seus professores são quando eles lhes reprovam, ou dão notas baixas; quando vão para recuperação e repetem o ano; quando passam o prazo de entrega dos trabalhos; quando exigem o uso de uniforme; quando discordam da avaliação; quando transferem os alunos; quando chamam a atenção do aluno; quando o encaminha para a coordenação ou quando o expulsa.

Essa constatação da autora foi revelada depois de uma pesquisa realizada em 2003, em cinco capitais brasileiras – Belém, Salvador, Rio de

Janeiro, São Paulo, Porto Alegre – e no Distrito Federal, e contou com entrevistas a adultos (professores, diretores e funcionários) em 143 escolas da rede pública.

Embora a pesquisa tenha ocorrido em estabelecimentos da educação básica, na educação superior, vale ressaltar que o desrespeito e a desconsideração pelo papel dos professores, bem como da autoridade deles, também é vista.

Nesse sentido, é oportuno discutir a relação entre professor e aluno, enfatizando a chamada crise da autoridade docente. Segundo Aquino (1998), que pesquisou e analisou as categorias de violência e autoridade no contexto escolar, os atos de violência no cotidiano escolar estariam relacionados à crise da autoridade docente – dispositivo essencial para a eficácia da intervenção institucional.

A autoridade delegada aos agentes de determinada instituição é um dos elementos basais de estruturação e efetivação da própria intervenção institucional. Para ele os significados do termo autoridade remetem a direito, poder de comandar, de obrigar a fazer alguma coisa; domínio, jurisdição, arbítrio, vontade própria, aquele que exerce autoridade, consideração, influência, importância, autorização e permissão.

Sua premissa é de que

[...] a potência virtual da ação institucional dá-se via delegação de “poderes” aos agentes, pela clientela/público, avalizada pela crença numa certa “superioridade” hierárquica (leia-se, “saberes”) daqueles – porque mais próximos do objeto institucional, quer pela sua posse quer pela sua guarda. E, finalmente, na definição do termo autoridade, desponta uma evidente justaposição semântica a um dos sentidos do termo violência: o de “obrigar a fazer alguma coisa”. (AQUINO, 1998, p. 9)

Sabemos que a relação escola e violência é bem antiga; está na base da instituição escolar. O uso de palmatórias ou da violência simbólica fazia parte de uma prática usual, positiva e, portanto, não poderia ser considerada uma violência tal como ela é definida no momento atual. Hoje, essas práticas não gozam mais de nenhuma legitimidade no campo jurídico, social ou pedagógico.

Apesar dessas práticas não gozarem de legitimidade nos estudos mais contemporâneos, autores ainda apontam que a crise da autoridade estaria basicamente instalada nas escolas, dada a ausência de antigos métodos disciplinares, de controle, seja por meio de práticas pedagógicas dos docentes, ou força impositiva do diretor escolar para manter a ordem.

Como afirma Aquino,

[...] poder-se-ia concluir que, de um ponto de vista institucional, não há exercício de autoridade sem o emprego de violência, e, em certa medida, não há o emprego de violência sem exercício de autoridade. Portanto e em suma, a violência como vetor constituinte das práticas institucionais teria como um de seus dispositivos nucleares a própria noção de autoridade, outorgada aos agentes pela clientela/público, e avalizada pelos supostos "saberes" daqueles. Por essa razão, reafirmamos a convicção de que há, no contexto escolar, um

quantum de violência "produtiva" embutido na relação

professor-aluno, condição sine qua non para o funcionamento e a efetivação da instituição escolar. (AQUINO, 1998, p. 9)

Nesse sentido, os professores e diretores não conseguem mais imprimir a “violência positiva”, pela ausência de antigos métodos disciplinares, de controle, seja por meio de práticas pedagógicas dos docentes, ou força impositiva do diretor. Ou seja, este aspecto, particularmente defendido por Aquino (1998), permite entender que a escola contemporânea, quando não exerce mais a “opressão”, ela não impõe mais autoridade.

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