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Violência Doméstica

No documento Download/Open (páginas 87-98)

Partindo-se de um total de (105) matérias sobre violência, (21) delas se enquadram como violência doméstica:

A violência doméstica contra crianças e adolescentes representa todo ato de omissão, praticado por pais, parentes ou responsáveis, contra crianças e/ou adolescentes que – sendo capaz de causar dano físico sexual e/ou psicológica à vítima – implica, de um lado uma transgressão

do poder/dever proteção do adulto e, de outro, uma coisificação da infância, isto é uma negação do direito que a criança e adolescente têm de ser tratados como sujeitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento (GERRA, 1998 apud SILVA, 2002, p. 32-33).

Nesta perspectiva, a análise crítica das matérias procurou identificar em quais contextos e por quais motivos ocorreu a maioria das violências domésticas cometidas contra crianças. As matérias foram agrupas em ordem de prevalência: (13) A relação violência doméstica e homicídio; (08) a criança vista como objeto da família: abandono, agressões e maus tratos.

Neste sentido, alguns aspectos e indagações foram fundamentais para nortear as análises destas 21 matérias. São elas: a) qual o contexto da violência?; b) quantas geraram óbitos?; c) em que circunstancias e como ocorrem?; d) quem são os agressores?; e) qual a ideia/concepção de criança no contexto de violência doméstica?; f) como o conceito de criança e infância no contexto de violência doméstica se reflete no plano da família? ; g) as questões sociais afetam as relações familiares?; h) porque a incidência de violência doméstica é tão forte?; i) como isso pode ser visto na questão do sujeito de direitos?; j) como e qual é o papel do jornal diante destas matérias?

Para compreender as questões acima colocadas, é necessário situar a violência doméstica no campo da relação entre sociedade-família-Estado-Educação. Assim,

a infância compreendida como fase especial do desenvolvimento humano passou a ser objeto de controle, educação e práticas de saúde que visavam, segundo a expressão de Donzelot (1986), a conservação das crianças. Ao percorrermos a história, percebemos que a família, a criança e o adolescente foram alçados à condição de objeto das políticas públicas, tendo em vista a constituição e a afirmação dos Estados Modernos (MOREIRA; SOUSA, 2012, p. 38-39).

Os dados da pesquisa indicam uma forte relação entre a violência doméstica com o homicídio. Este assunto, bem como as demais problematizações acima, são objetos das reflexões que se seguem.

A relação violência doméstica e homicídio

Pela análise das matérias constatou-se um alto índice de homicídios cometidos contra crianças. Ou seja, trata-se da retirada da vida da criança por parte de seus familiares. Abordar-se-á aqui dados que levaram à estas reflexões.

Inicialmente, o número de matérias demonstra dados que nos levaram a compreender que a violência doméstica praticada contra as crianças ocorre em contextos de agressões físicas e psíquicas que, em sua maioria, levaram à óbito. Das (21) matérias sobre violência doméstica, (13) delas resultaram em mortes de crianças por meio do uso de violência por seus familiares.

Para o aprofundamento destas questões é preciso compreender quais são os contextos desta violência em que circunstâncias elas ocorreram, bem como quem foram seus agressores. Deste modo, o primeiro aspecto recorrente entre as matérias diz respeito ao contexto das violências. Este, de forma geral, pode ser percebido nos grandes centros urbanos. Os espaços específicos cuja violência se apresentaram nas matérias foram: na casa das crianças; em terrenos baldios; parques; aterro sanitário; matagal; prédios; quintais; estação de metrô; e cachoeiras.

Outro aspecto que foi identificado nos dados, diz respeito às circunstâncias nas quais os fatos de violência doméstica ocorreram. Elas derivaram de brigas familiares, questões emocionais, questões físicas, dentre outras, e variaram entre espancamento, agressões físicas e psíquicas, homicídios, maus tratos, atropelamento, brigas familiares, abandono, tortura, esfaqueamento, estelionato e queimaduras. A exemplo do exposto, alguns títulos das matérias são ilustrativos: a) mãe queima filho em fogueira no quintal por ele apresentar semelhança com o ex- marido; b) o pai abandonou um bebê de três meses em uma estação de metrô; c) mulher ateia fogo à própria casa com as crianças dentro após brigar com o marido.

O quarto aspecto levantado por meio da análise das matérias refere-se aos sujeitos agressores. Estes são considerados como familiares das vítimas, ou seja, há uma relação de parentesco pré-estabelecida. Estas violências foram praticadas de forma individual e coletiva. Foram encontradas matérias em que os agressores eram: mãe; pai; mãe e tio; mãe e pai; mãe x pai; mãe e padrasto; padrasto; tio; etc.

Em relação aos homicídios de crianças e adolescentes, em 2015 a UNICEF realizou uma importante pesquisa12 e sinalizou que “no Brasil, todos os dias, 31 crianças e adolescentes morrem assassinados”. Ainda nesta pesquisa, é apresentado que os índices de violência vêm aumentando a cada ano.

12

Sabendo-se que a pesquisa da UNICEF relata vários elementos constitutivos da violência urbana e doméstica, e que seu maior foco de atuação é o público adolescente, sua estrutura contribuiu de forma significativa para repensar aspectos elementares sobre quem são os sujeitos do contexto de violência doméstica deste estudo.

A criança vista como objeto da família: abandono, agressões e maus tratos.

Outro aspecto constatado na análise das matérias sobre a violência doméstica, refere-se ao fato de como a família, bem como o conteúdo dos jornais, abordam o olhar sobre o sujeito da infância no contexto desta violência. Assim, a criança é tida como um objeto da família. De modo geral, as matérias analisadas não passam a compreensão da criança como um sujeito portador de diretos e especificidades humanas, tão pouco expressa a infância como uma categoria social, como um tempo da vida, cuja garantia é um dos papeis atribuídos ao mundo dos adultos. Esta criança, a todo momento, vem sendo retratada de forma a ocupar um espaço no seio familiar, bem como no meio social, como um sujeito objeto.

A concepção de criança e infância expressa nas matérias, remete à historicidade da criança no plano social. Assim, as crianças foram vistas durante a história por diferentes olhares e sob diferentes perspectivas.

Neste sentido, Ariès (1981), faz alguns apontamentos sobre esta historicidade em relação à concepção de criança. De forma sintética: a) na arte medieval não há nenhum sentimento de infância expresso; b) no Século XIII, surge o conceito de infância em meio a paparicação familiar, bem como ela passa a ser representada no mundo da arte como: adultos em miniatura, como anjos, como jovens; como o menino jesus, enrolados em cueiros e vestidos; c) no século XVIII, a sociedade passa a perceber que a criança não poderia ser tratada como um adulto.

Neste sentido, Heywood (2004) discute a ideia de que a ausência de um sentimento de infância, resultou inclusive em um descaso social de pais com relação à figura dos filhos. Assim, nas palavras do autor,

pode-se apresentar um argumento contundente para demonstrar que a suposta indiferença com relação à infância nos períodos medieval e moderno resultou em uma postura insensível com relação à criação de filhos. Os bebês abaixo de 2 anos, em particular, sofriam de descaso

assustador, com os pais considerando pouco aconselhável investir muito tempo ou esforço em um pobre animal suspirante, que tinha tantas probabilidades de morrer com pouca idade (p.87).

Para Ariés (1981),

um sentimento superficial da criança – a que chamei de “paparicação” – era reservado á criancinha em seus primeiros anos de vida, enquanto ela ainda era uma coisinha engraçadinha. As pessoas se divertiam com a criança pequena como um animalzinho, um macaquinho impudico. Se ela morresse então, como muitas vezes acontecia, alguns podiam ficar desolados, mas a regra geral era não fazer muito caso, pois outra criança logo a substituiria. A criança não chegava a sair de uma espécie de anonimato (p.10).

As crianças perpassaram um longo caminho histórico e conceitual para afirmarem seu estatuto social. Desde a ideia da criança como página em branco, cuja responsabilidade era atribuída aos pais para lhes empregarem valores morais para a vida adulta, até os dias atuais, pode-se perceber que aqui a criança já apresentava traços de conceitualização como um sujeito objeto da família.

Foi ainda por volta do século XV, XVI, XVII, que um outro sentimento familiar sobre a criança e a infância foi se constituindo. Deste modo, Ariés (1981), diz que

a família começou a se organizar em torno da criança e a lhe dar uma tal importância que a criança saiu de seu antigo anonimato, que se tornou impossível perdê–la ou substituí–la sem uma enorme dor, que ela não pôde mais ser reproduzida muitas vezes, e que se tornou necessário limitar seu número para melhor cuidar dela (p.12).

Esta mudança, está ainda interligada à concepção de criança enquanto adulto imperfeito. Todavia, em passos lentos, estas concepções foram sendo ampliadas, mas nem sempre de forma linear e constante até chegarmos às considerações e concepções que temos na atualidade sobre a criança e a Infância. Deste modo, Heywood (2004), diz que “somente em épocas comparativamente recentes veio a surgir um sentimento de que as crianças são especiais e diferentes, e, portanto, dignas de ser estudadas por si sós” (p.10). Romper com a lógica da criança objeto para a criança como sujeito de direito é uma tarefa histórica que precisa ser revisitada todos os dias.

MATÉRIA

Título e Fonte: JOGUEI NO FOGO E SEGUREI, CONFESSA MÃE EM DEPOIMENTO – Jornal O Popular - 01/07/2017

A matéria selecionada evidencia a relação dos pais na prática de homicídio contra as crianças, motivados por aspectos sociais que refletem de forma direta o trato com os sujeitos mais frágeis do contexto familiar.

Outro aspecto que se destacou durante a análise das matérias, foi que as questões sociais exercem forte influência sobre as relações familiares, bem como as concepções de sujeitos. Assim, os fatores sociais que interferem nestas relações familiares, muitas vezes estão relacionadas às drogas, aos vícios, aos fatores socioeconômicas, à falta de emprego, à falta de escolarização, à vida amorosa do casal. Deste modo, atribui-se ao mundo adulto as questões de violência, de criminalidade, de processos sociais desumanos, etc., ou seja, coisas que se revelam pela ação do sujeito adulto.

Se por um lado é preciso considerar o desdobramento destas questões no campo subjetivo, como por exemplo o fato de que a exposição das crianças às contextos de violência doméstica, o abuso sexual, a violência urbana podem marcar e desencadear processos psíquicos, bem como severos traumas e transtornos como depressão, agressividade e ansiedade na infância, por outro lado, é precisos levar em conta o papel do Estado na construção de políticas públicas para enfrentamento do tema. Deste modo, é preciso que os poderes públicos conheçam as relevâncias destes dados, criem programas, tracem metas no intuito de diminuir os índices de violência, bem como a causa motivadora deste crime, ou seja, a desigualdade social.

MATÉRIA

TÍTULO E FONTE: POLÍCIA PRENDE MÃE PADRASTO PELA MORTE DE CRIANÇA COM 2 ANOS – Jornal O Popular - 20/11/2017

A matéria em questão mostra a violência de familiares contra a criança, motivados por desconsiderar e desrespeitar as questões e especifidades do sujeito. Também aponta para um entendimento de que os contextos de violência são diversos, e muitas vezes derivam de maus tratos. Pode-se aqui também afirmar que estes sujeitos, antes de irem a óbitos, passam por um longo caminho de tortura física e psicológica.

Já em relação à criança como objeto da disputa de familiares, a matéria abaixo é ilustrativa.

MATÉRIA

TÍTULO E FONTE: MULHER COLOCA FOGO EM CASA COM FILHO DENTRO – Jornal O Popular - 27/09/2017

Nesta matéria fica claro a ideia da criança como objeto de disputa em meio à conflitos conjugais.

MATÉRIA

TÍTULO E FONTE: PAI ABANDONA BEBÊ DE TRÊS MESES EM ESTAÇÃO – Jornal O Popular - 08/11/2017

Esta MATÉRIA relata o abandono de incapaz. Assim, como também evidencia o entendimento de que quando se abandona um incapaz, também se abandona os seus direitos de proteção, direitos de família, direitos de saúde, de vida, de desenvolvimento, etc.

Já em relação aos contextos sociais em que as violências ocorrem, a matéria a seguir ilustra do debate.

MATÉRIA

TÍTULO E FONTE: MÃE É PRESA POR TORTURAR FILHO DE 3 ANOS – Jornal O Popular - 02/08/2017

A MATÉRIA apresenta um contexto familiar em que a tortura se constituía como prática cotidiana.

Da mesma forma, os dados desta pesquisa afirmam que as matérias não tratam de explicar os direitos de proteção das crianças. Muitas expõem as crianças em seus contextos de violência. Apresentam um discurso velado sobre os sujeitos que sofrem estas violências.

O contexto de violência como um todo é amplo e variado. Ela acontece sob diferentes modos (maus tratos, fatalidades, acidentes, estupros, infanticídios, homicídios, abandonos, estelionatos, tráficos de humanos, sequestros, raptos, abusos sexuais, (...) e sob perspectivas diversas (contextos, classes sociais, disputas, educativas, familiares, por questões morais, (...). Neste processo, o sujeito mais afetado, tanto nas discussões e matérias do jornal, quanto no plano do real, da convivência, da existência, é a criança. É neste caso que o abandono de incapaz é tão recorrente na sociedade.

CAPÍTULO III

A CRIANÇA NA PERSPECTIVA SOCIAL PELA ÓTICA DO JORNAL:

INVISIBILIDADES DOS DIREITOS DE PROVISÃO

O presente capítulo trata dos direitos de provisão no campo temático da educação e da saúde na infância. Toma como ponto de partida os resultados da pesquisa a partir das matérias do jornal. Por ordem de prevalência, a educação e a saúde foram, respectivamente, os segundo e terceiro temas mais recorrentes nos achados da pesquisa. De um modo geral, os resultados sinalizam para a ausência do poder público na garantia do direito de provisão na infância. Se por um lado o campo dos direitos não pode ser tratado isolando-os em sua natureza jurídica, por outro, reconhecer suas especificidades é importante para sua operacionalização. Assim,

a tradicional distinção entre direitos de proteção (do nome, da identidade, da pertença a uma nacionalidade, contra a discriminação, os maus-tratos e a violência dos adultos, etc.) de provisão (de alimento, de habitação, de condições de saúde e assistência, de educação, etc.) e de participação (na decisão relativa à sua própria vida e à direção das instituições em que atua), constitui uma estimulante operação analítica. Não obstante, a distinção analítica não apenas pode gerar uma hierarquia, como favorece uma percepção errônea da própria natureza desses direitos. Com efeito, a interdependência dos diferentes direitos é a condição da sua própria realização. Não se vê, por exemplo, como garantir a participação das crianças nas políticas de escola e na definição das respectivas lógicas de ação, se se não garante a provisão educacional aferida por critérios de qualidade, em que o principal é, precisamente, a garantia do direito de participação em condições reais de igualdade e não discriminação (SARMENTO; PINTO, 1997, p.19).

3.1. A CRIANÇA E A EDUCAÇÃO

Durante as análises das matérias jornalísticas foi encontrado um alto índice de temas ligados à educação. Deste modo, a outra categoria de estudo deste trabalho discute como as matérias sobre educação vêm sendo retratadas socialmente. Por se constituir em um campo amplo, as matérias apresentaram diferentes temáticas de analise: violência na escola; evasão/repetência; avaliação externa; afeto/ educação e diversidade; organizações sociais na educação (OS); assistência; educação infantil; educação e direito; educação e inclusão;

tecnologia/lazer; professor; base nacional comum curricular (BNCC); educação no trânsito; gênero; e religião. Sendo assim, a partir da leitura de todas as matérias, foi feita uma nova reclassificação sobre o assunto, a fim de encontrar aspectos mais discutidos dentro do tema. Assim, de um total de 64 matérias sobre educação, aquilo que mais se destacou foi: (11) sobre educação na primeira infância; (07) sobre perspectivas da educação inclusiva na infância matérias; (05) sobre bullying, infância e educação; e (06) sobre educação, direito e cidadania. Portanto, totalizou- se (29) matérias que compuseram o texto desta pesquisa e que também encontram- se anexo neste trabalho.

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