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9. ANÁLISE DAS VIOLÊNCIAS SEXUAL E POR ARMA DE FOGO: COMETIDAS E SOFRIDAS

9.1. Violência Sexual

Nenhuma forma de comunicação é neutra. Conforme já foi visto, o referencial vandijkiano recomenda a leitura da manchete e, em seguida, a notícia e a informação relevante do texto jornalístico para uma compreensão psicológica da notícia. Neste sentido, serão resgatados nesta seção, os dados coletados no capítulo 8, descrevendo-se as manchetes e notícias sobre violência sexual. Isto posto, serão analisadas as mediações que levam ao tipo de discurso elencado e a forma que esse discurso é apresentada. A manchete será destacada em negrito, seguida da notícia, entre aspas, destacando-se os elementos relevantes que serão analisados ao longo da seção.

A manchete do CB de 27 de janeiro de 2014, “Pai acusado de estuprar e matar filha de 12 anos de idade em Porto Seguro (BA)”, foi seguida da notícia: “O ajudante de pedreiro, MAIOR41, 36 anos, está preso acusado de ter estuprado e estrangulado sua filha de 12 anos de idade. Após cometer o crime, MAIOR, ainda tentou matar o filho de três anos de idade, de outro relacionamento, se jogando com o garoto contra um ônibus, mas o motorista conseguiu desviar evitando a batida. MAIOR teve ferimentos leves”.

Esta notícia ocorreu na Bahia e registra crime sexual de estupro contra vulnerável42, seguido de homicídio e tentativa de homicídio de outro filho. O autor, o próprio pai. Nesta notícia destaca-se o aspecto formal discursivo tanto quanto a linguagem utilizada, que dizem respeito ao contexto dessa adolescente que não foi

41 Doravante, MAIOR é a pessoa homem ou mulher, maior de 18 anos de idade, assim descritas para desidentificar, nos jornais, as citações nominais ou abreviadas.

42 O crime de estupro de vulnerável está configurado no art. 217-A do Código Penal, como conduta típica “ter conjunção carnal ou praticar ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos”, com pena de reclusão de 8 (oito) a 15 (quinze) anos (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009).

apenas estuprada (o que por si só é hediondez) senão também, estrangulada. A manchete retrata um pai que estupra a adolescente, matando-a em seguida por estrangulamento. E, na sequencia criminal, tenta matar outro filho de três anos de idade. A notícia não informa sobre as políticas públicas para o atendimento dessa família, a exemplo do Projeto Viver43, o que coloca para leitores e pesquisadores, novos desafios para compreender esses fatos que ocorrem no tecido social.

De igual modo, a manchete44 “Autônomo é acusado de matar companheira e dois enteados, ainda, estuprado uma garota de 12 anos de idade”, foi seguida da notícia: “O ajudante de pedreiro, MAIOR, 36 anos, está preso acusado de ter estuprado e estrangulado sua filha de 12 anos de idade. Após cometer o crime, MAIOR, ainda tentou matar o filho de três anos de idade, de outro relacionamento, se jogando com o garoto contra um ônibus, mas o motorista conseguiu desviar evitando a batida”.

Aqui, o aspecto formal discursivo da linguagem utilizada diz pouco a respeito do contexto da violência sofrida pela adolescente. A manchete mostra um autônomo homicida e também estuprador. Todavia, no corpo da notícia a Delegada descreve que o casal tinha um relacionamento aparentemente estável. Discussões (anteriores) “normais” de um casal sem nenhum registro de violência (grife-se) que no futuro, culminou com a morte da companheira, dois enteados e o estupro da adolescente. O discurso da Delegada amplia o conceito de extrema violência posto que “o casal tinha um relacionamento aparentemente estável”, nada obstante, o homicida comete vários crimes (mata a companheira e dois enteados) e estupra uma garota. Ele não estuprou “a”, senão “uma” garota de 12 anos de idade, por conseguinte, adolescente. Isto porque “a”, é artigo definido, feminino, singular. Ao passo que “uma” é indefinido. Não se sabe quem era a adolescente, sua importância e singularidade no contexto familiar

43 Projeto Viver. O Serviço de Atenção a Pessoas em Situação de Violência Sexual (Viver) foi criado pela Secretaria da Segurança Pública para atender pessoas em situação de violência sexual. O Viver oferece em sua sede, localizada no andar térreo do Instituto Médico Legal Nina Rodrigues (IMLNR), na Avenida Centenário, em Salvador (BA.), serviço especializado de assistentes sociais e psicólogos, além de médicos, enfermeiros e auxiliares de enfermagem que atendem de Segunda a Sexta das 07:00 às 19:00 horas. Segundo dados do site do Viver, setenta e três por cento dos casos encaminhados ao Viver são relativos a menores de idade, e os 27% restantes a adultos. Em todas as faixas etárias, o maior percentual de atendimentos no Viver é relativo a estupros. Disponível no site: http://www.ssp.ba.gov.br. Acessado em 02.03.2016

e social, muito menos enquanto sujeito humano de direitos, razão pela qual analisa- se a notícia nos processos de interpretação e de interação social.

Outra manchete45, “Pedrinhas: ladrões do BANESE são conhecidos da região”. A notícia de Sergipe informa que: “Apenas este ano, há relatos de assaltos a estabelecimentos comerciais, arrombamento de escolas, furtos e até estupro de uma adolescente.” Analisa-se na notícia (“e até”) estupro de uma adolescente. E observe- se que a notícia faz referência que os ladrões são conhecidos da região. Se eles são conhecidos, dever-se-ia apontar o estuprador. Mas este é um crime hediondo incluído no rol da notícia de crime comum “assalto a estabelecimentos comerciais”. Se bem compreendido, arrombar escolas não é crime comum. E, como informa Machado (2006), o abuso sexual é um tipo de violência que é frequentemente silenciada, pois os agressores se situam no interior da estrutura familiar.

De outra feita, surge na internet conforme apontado na manchete “Em Estância - Crescem queixas de abusos pela internet” e informado na notícia: “Mas, na era da internet, no Estado, a exemplo do que ocorre no restante do País, são os abusos contra menores em redes sociais, como Facebook e WhatsApp, que mais têm preocupado os conselheiros tutelares”. Esta dimensão textual dá conta das estruturas do discurso no âmbito do mundo internético. Por sua vez, a dimensão contextual relaciona estas descrições estruturais com diferentes propriedades do contexto, notadamente convocando a presença do Conselho Tutelar46 para lidar com os abusos contra menores em redes sociais. Diversas outras notícias apresentam o fenômeno da violência sexual contra crianças e adolescentes flagrantes criminosos, possíveis linchamentos, turismo sexual enquanto fenômeno multifacetado47. Outras notícias apresentam casos de estupro de vulneráveis, chacinas, assassinatos, prostituição, exploração sexual, esquartejamento, crimes hediondos até mesmo de um menino de 12 anos de idade que estuprou outra criança de 8 anos.

45 Outro crime de estupro de vulnerável.

46 O papel dos Conselhos Tutelares como instância formal de atendimento à violação ou ameaça de violação de direitos. Os Conselhos Tutelares (CT) encontram-se instalados em 98,3% dos municípios brasileiros, num total de 5.472 Conselhos, com 27.360 conselheiros tutelares (IBGE, 2009a). Dos 92 municípios que não possuem CT 52% se concentram em três estados: Maranhão, Bahia e Minas Gerais.

Fonte: CONANDA (2010, p.13). Construindo a Política Nacional dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes e o Plano Decenal dos Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes 2011 - 2020.

Dijk (1990: p.178), enumera as imagens dominantes da sociedade tal como são compartilhadas nos jornais e, dentre elas, assinala-se a relevância, porque é preferida a notícia sobre ações que são relevantes para o leitor.

Os resultados encontrados radiografam as relações no tecido social nas diversas formas de violência sexual, notadamente na família, onde dominadores e dominados convivem com seus códigos de conduta. Essas relações quando reveladas, saem do mundo da intimidade, redundam em crimes hediondos, chegam à esfera social, são rompidas, retratadas pela mídia e transformam-se na extimidade.

Os resultados revelam ainda diferentes formas de poder existentes na sociedade apontadas na literatura (Sousa Santos, 1999; Rosa, 2004), tendo no patriarcado, o mecanismo de poder que violenta o espaço doméstico e no espaço público, as diferentes formas de dominação, muitas vezes, ocultas.

A análise das notícias foi contemplada em dezessete notícias e teve como escopo atender as possibilidades de representar socialmente essa violência. Algumas notícias foram esclarecedoras, outras obscurecidas em vista do pouco informe disponibilizado, e outras ainda, não puderam ser melhor analisadas com a realidade. Neste sentido encontra-se no ensinamento de Sousa Santos (1987) que a construção científica da realidade pressupõe necessariamente uma deformação da realidade, o que não significa, automaticamente, uma deformação da verdade.

A limitação do corpus reduz informações. Inobstante, foi construída uma leitura representacional dessa realidade midiática, na expectativa de abarcar conteúdos reveladores de aspectos pertinentes que focassem expressões em suas dimensões possíveis, analisando os contextos sociais da violência a que são submetidas crianças e adolescentes, conforme as categorias pré-estabelecidas.