• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO III: ANTÓNIO JACINTO: A POESIA COMO FORMA DE RESISTÊNCIA COLONIAL

2. Visão epistemológica sobre o poeta e a sua obra

Dentro da produção literária jacintiana destacam-se diversas obras de cunho poético e narrativo, incontornáveis para a compreensão do pensamento literário africano, desde o início da luta de libertação colonial até à independência do continente. Assim sendo, citam-se os livros

Poemas (CEI, 1961; 2ª ed., LIMIAR / INALD, 1982; 3ª ed., INALD, 1985); Vôvo Bartolomeu

(EDIÇÕES 70, 1979); A Importância do Controlo e Revisão (DIP, 1984); Em Kiluanje do Gulungo (INALD, 1984; 2ª ed., UEA, 1987); Sobreviver em Tarrafal de Santiago (INALD, 1985); Uberleben

in Tarrafal de Santiago, Plaquete bilingue (Frankfurt, 1986); Prometeu (UEA, 1987); Fábulas de Sanji (UEA, 1988)228. Entretanto, algumas são coletâneas poéticas, outras são contos e ensaios

literários.

Neste ínterim, as influências na poética jacintiana «giram em torno daqueles escritores que buscavam uma forma de libertação dos moldes clássicos e uma aproximação com as classes populares, uma vez que se tratava de escritos que se revestiam de muita crítica social»229. Na

mesma senda, de acordo com o poeta, nos anos 40, inícios de 50 do século XX, António Jacinto leu poesia cabo-verdiana do movimento da Claridade e Certeza, e também poesia brasileira. Acrescenta ainda que nos anos 40 também leu os neorrealistas portugueses da coleção do “Novo

226Cf. Ibidem.

227Cf. António Jacinto, Vôvo Bartolomeu, p. 34. 228Cf. Ibidem, p. 39.

229Cf. Antonio de P. de S. e Silva, A poesia da Mensagem angolana e a mensagem da poesia afro-brasileira,

54

Cancioneiro” ligada a revista Vértice sob o signo do galo e os escritores do Renascimento negro norte-americano. Todavia, o que mais lhe marcou foi Langston Hughes. Nos anos 50, apesar de já ter um “rumo definido”, declara António Jacinto ter mantido contato com os poetas da Negritude230.

Muitas das poesias jacintianas, sobretudo as do livro Poemas, têm um caráter político. Tal como afirma o poeta, em 1948, «o que era preciso era dar uma mensagem política. Os meios? O que era acessível era a poesia: então, pois, seria a poesia. Se houvesse outra possibilidade, seria outra… Através do conto, da poesia, a preocupação era de ordem política»231.

Por outro lado, trata-se de um poeta que tinha plena consciência do seu trabalho: «eu ia fazendo os poemas: eram lidos pelos amigos e, na medida do possível eram publicados»232.

Portanto, entende-se que a produção poética jacintiana é fruto da sua realidade social, sem a qual seria um dado de existência do acaso, porquanto os companheiros desempenham o papel de críticos literários. Logo, o valor dos versos deste poeta é mensurável pela realidade histórica angolana do período colonial e do pós-independência. Asserta ainda António Jacinto, «os poemas foram feitos nas mais diversas circunstâncias, nos mais diversos momentos»233. O que não retira a

linearidade em muitos dos seus textos.

À luz dos pressupostos basilares da sociologia literária, pode afirmar-se que António Jacinto não foi apenas um poeta. Foi e continua a ser, ao mesmo tempo, um verdadeiro sociólogo do canto da angolanidade, na medida em que, segundo Lopo do Nascimento, «a sua ligação à realidade da vida fez dele um atento e profundo analista da vida social, descobridor das belezas sutis da terra e professor da compreensão da vida»234. Na mesma senda, são vários os

epítetos que se lhe atribuem, por exemplo, Manuel Ferreira no prefácio da obra Vôvo

Bartolomeu considera-o um verdadeiro “pedagogo”, acrescentando ainda que «com um ardiloso

tato para agir na semiclandestinidade, na era do terror colonialista, ele, António Jacinto, pertencia àquela raça de ativistas que têm o génio da subversão contra a tirania»235.

Obviamente, o caráter social e revolucionário das poesias do “poeta enorme da angolanidade”, como escreveu Costa Andrade, fez e faz dele o mensageiro e cantor do sofrimento do povo de Angola, que soube usar a escrita para se revoltar contra o sistema colonial português que perdurou por mais de cinco séculos em África. Além disso, a genialidade do poeta é notável na simplicidade dos versos, na valorização da língua do colonizado, na «“pilhagem”da língua portuguesa»236, para africanizá-la, bem como do conto popular angolano. Neste particular,

segundo Carlos Ervedosa, «António Jacinto escreve então alguns dos mais belos poemas do

230Cf. Michel Laban (org.), Angola – Encontro com Escritores, p. 140. 231Cf. Ibidem, p. 149.

232Cf. Ibidem, p. 167. 233Cf. Ibidem, p. 168.

234Cf. Lopo do Nascimento,” PREFÁCIO”, in António Jacinto, Fábulas de Sanji, Luanda / Porto, União dos

Escritores Angolanos / ASA, col. “Prosa KK”, 1988, p. 7.

235Cf. Manuel Ferreira, “PREFÁCIO”, in António Jacinto, Vôvo Bartolomeu, pp. 10-11.

236Cf. Ana Mafalda Leite, Oralidade e Escrita nas Literaturas Africanas, Lisboa, Edições Colibri, 2ª ed.,

55

Movimento, com temas que se inscrevem tanto no mundo urbano como no mundo rural»237.

Sublinha-se que este escritor se refere ao Movimento dos Novos Intelectuais de Angola, composto por indivíduos profundamente comprometidos com a (re)descoberta dos elementos culturais africano, sobretudo angolano, que fora desvalorizado pelo colonialismo.

A importância da obra e do poeta também é manifestada pelo maior teorizador da Negritude lusófona, Mário Pinto de Andrade:

assim nasceu a literatura angolana moderna, distinguindo-se os primeiros poetas que começaram a decifrar o real quotidiano: Viriato da Cruz, António Jacinto, Agostinho Neto. A geração da Mensagem entoou, com efeito o novo canto da angolanidade238.

De igual modo, Agostinho Neto reconhece nos poemas jacintianos, bem como nos outros seus coetâneos, a tradução da vida dos homens do campo. Assim também se refere Fernanda Santos:

a sua produção poética refletiu as preocupações sociais. Por ser um homem conscientemente politizado, não conseguiu escapar a questões determinadas pelo seu ambiente social. Para além disso, o poeta procurou, através da sua poesia, uma identidade africana, a “africanização” da língua do colonizador, refazendo-a e condicionando-a à realidade angolana (caso da introdução de frases em quimbundo nas obras literárias)239.

Segundo Alberto Oliveira Pinto, António Jacinto «tem sido considerado um caso singular em todo o mundo por se tratar de um “poeta da Negritude”… que era “branco!”. Só no início da década de 1960 é que António Jacinto publicaria os seus 4 poemas maiores»240. Entretanto,

Alberto Oliveira Pinto refere-se aos poemas “O grande desafio”, “Castigo pró comboio Malandro”, “Carta dum contratado”, e “Monangamba”.

Por fim, António Jacinto é, obviamente, um dos grandes representantes da literatura angolana.

237Cf. Carlos Ervedosa, in António Jacinto, Fábulas de Sanji, p. 61. 238Cf. Mário Pinto de Andrade, in ibidem.

239Cf. Fernanda Santos, “Um arrojo na desmedida: a centralidade de Angola em António Jacinto e Ruy

Duarte de Carvalho”, in Ana Paula Tavares, Fábio Maria da Silva e Luís Pinheiro (org.), António Jacinto e a

sua época: A modernidade nas literaturas africanas de língua portuguesa, pp. 153-154.

240 Cf. Alberto Oliveira Pinto, História de Angola da Pré-História ao Início do século XXI, Lisboa, Mercado de

56

3. Compreensão ideológico-literária das poesias negritudinistas