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3 ANÁLISE ARGUMENTATIVA NO LIVRO DIDÁTICO DO ENSINO

3.1 APRESENTAÇÃO DO CORPUS E PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE

3.1.1 Visão geral da coleção didática Português Linguagens

A coleção didática Português Linguagens, cuja edição analisada neste trabalho é a sétima, é composta por três volumes. Cada um desses volumes, por sua vez, organiza-se em

quatro unidades, cujo critério é a sequência dos estilos de época literários. Textos verbais e não verbais, sempre relacionados ao movimento literário em foco, introduzem as unidades. Cada uma das unidades aborda um movimento literário, além de tópicos sobre produção de texto, escrito ou oral, e conhecimentos linguísticos.

Apresenta também um capítulo sobre interpretação de texto, desenvolvido a partir das habilidades previstas pelo ENEM, e termina com as seções Em dia com o Enem e o

vestibular e Intervalo, esta última centrada na proposta de um projeto didático. Os capítulos

intitulados Diálogos estabelecem relações temáticas entre literatura, cinema, artes plásticas, música popular e outras manifestações culturais. Em todos os capítulos há quadros coloridos que apresentam pequenos textos relacionados ao texto principal ou que destacam informações, curiosidades, sugestões e aspectos gramaticais.

Seguindo o formato de manual10, a coleção didática em questão destaca-se pela articulação entre os eixos de ensino leitura, literatura e produção textual, além de promover o envolvimento do aluno em práticas sociais de linguagem através do trabalho com gêneros textuais das mais variadas esferas, como a jornalística, a acadêmica, a literária e a publicitária, entre outras.

No eixo da leitura, trabalha tanto o desenvolvimento do aluno como leitor de textos em geral quanto de textos literários, em todos os capítulos das unidades. As atividades destacam como se dá a construção de sentidos, o diálogo entre múltiplas linguagens e o desenvolvimento de diferentes estratégias cognitivas. Nos capítulos destinados à literatura, embora o foco seja os conhecimentos literários, há a seção Leitura, composta por um conjunto de perguntas que exploram a compreensão do texto. Também nos capítulos destinados à produção de texto, são trabalhados aspectos relacionados à leitura do gênero textual tomado como objeto de estudo. Os textos são explorados não apenas em seu aspecto estrutural, mas também em relação a seu conteúdo temático e aos recursos usados em sua composição.

10 O livro didático do tipo compêndio é uma obra que visa, primordialmente, a: expor e discutir,

sistematicamente, todos os objetos de ensino mais relevantes da disciplina; recomendar e orientar sobre as práticas didáticas mais compatíveis com os pressupostos teóricos e metodológicos assumidos pela obra; e oferecer subsídios para o trabalho em sala de aula, como atividades e exercícios de referência, modelos, sugestões de trabalho, textos complementares etc. “Assim, as atividades e os exercícios, num compêndio, constituem, antes de mais nada, exemplos e/ou modelos, a serem replicados e adaptados. A seleção, a ordenação e o tratamento didático efetivo a ser dado aos objetos de ensino propostos ficam a cargo do planejamento e das práticas do próprio docente, inclusive no que diz respeito à elaboração de atividades complementares”. (BRASIL, 2011, p.14) Já o manual, é um tipo de livro didático que se organiza como uma sequência de etapas e atividades cujo tratamento didático se relaciona a uma determinada prática docente. Cada unidade de um manual corresponde a uma sequência de aulas acerca de um tópico. Dessa forma, contém um planejamento de ensino próprio, permitindo também escolhas e adaptações por parte do professor. (Cf. BRASIL, 2011, p.14)

Nos capítulos categorizados como Língua: uso e reflexão e na seção Intervalo, ao final de cada unidade, percebe-se a atenção com o ensino da leitura por conta do estímulo dado para que o aluno tenha contato com outras leituras e assim possa construir sua autonomia como leitor. É visando a essa autonomia que a coleção investe em estratégias cognitivas de leitura, como ativação de conhecimentos prévios, formulação e verificação de hipóteses, compreensão global, localização e retomada de informações e inferências. Esse investimento estende-se às habilidades de leitura avaliadas no ENEM, exploradas em capítulos específicos com atividades que incluem a identificação do tipo de habilidade/competência.

Esse é um aspecto que consideramos relevante, haja vista que defendemos a importância de se compreender a leitura como processo sociocognitivo. No Guia do Livro Didático 2012 há uma sutil ressalva com relação ao modo como a coleção enfatiza o reconhecimento das competências de leitura - “o procedimento parece interessar mais ao professor que ao aluno” (BRASIL, 2011, p.54) -, ressalva com a qual não coadunamos, pois entendemos que compreender o processo de leitura significa compreender o funcionamento da linguagem. Se para isso é necessário lidar com metalinguagem (termos como competência,

habilidade, conhecimentos prévios, hipóteses, inferências etc.) então é o que devemos fazer –

já não lidamos com a metalinguagem gramatical? –, pois assim podemos trabalhar a leitura de forma mais sistemática sem, no entanto, limitar seu caráter multifacetado.

Os estudos sobre oralidade, por sua vez, são voltados para os gêneros da comunicação pública formal, com propostas consistentes, embora em um número reduzido. Trabalha-se esta modalidade tanto na leitura quanto na produção textual. O eixo da oralidade mostra-se bem organizado, com propósitos bem delineados. Há detalhes sobre o planejamento, a construção e a avaliação dos gêneros seminário, mesa-redonda, júri

simulado, entrevista e debate. As atividades orientam acerca do uso de recursos audiovisuais

como elementos auxiliares à produção oral, além de referências a outros elementos necessários em uma apresentação pública. As atividades indicam a aproximação entre as modalidades escrita e oral, embora não efetivem uma análise dessa relação (Cf. BRASIL, 2011, p.56).

As atividades que tratam sobre os conhecimentos linguísticos levam a uma reflexão sobre a natureza e o funcionamento interativo da língua e assim vários conceitos são explorados na leitura e análise de textos. O ensino gramatical, em alguns pontos, dá ênfase a nomenclaturas e uma abordagem classificatória, mas na maioria das vezes as estratégias são bastante significativas, privilegiando as dimensões textual e discursiva.

O estudo da literatura, de abordagem cronológica, abrange a leitura de textos literários de autores brasileiros, portugueses e africanos, representativo de diferentes épocas e estilos. Há uma boa articulação entre textos literários e não literários, enfatizando-se as relações intertextuais. Observa-se a preocupação em explicitar a atualidade de temas, questões e propostas estéticas, numa abordagem que busca afastar a ideia de literatura como coisa do passado e destacar o caráter reconstrutor das obras literárias.

A proposta para o trabalho com a produção de textos escritos, por sua vez, dialoga de modo equilibrado com outros eixos, estabelecendo relações fundamentais entre leitura e escrita ao trabalhar gêneros como notícia, reportagem, resumo, seminário, e-mail, blog,

poema, texto teatral, fábula, apólogo e crônica literária. Detalha-se tanto aspectos da forma e

da organização dos textos quanto aspectos de seu funcionamento social. Nesse sentido, são dadas orientações sobre temas, registros e aspectos de textualização, além de orientações para autoavaliação das produções textuais.

Com relação ao manual do professor, destaca aspectos didáticos e pressupostos teóricos essenciais ao trabalho docente. Na introdução é definido o aporte teórico para o ensino de língua, o que inclui conceitos como língua, interação verbal, discurso,

intencionalidade discursiva, discurso citado, intertextualidade/interdiscursividade, variedades linguísticas e textualidade, relacionados às áreas de Semântica, Linguística

Textual, Pragmática e Teoria do Discurso.

Defende-se que o ensino de português no Ensino Médio deve voltar-se para a formação de cidadãos autônomos, capazes de interagir com a realidade em que estão inseridos. Destaca ainda o papel da disciplina no desenvolvimento de habilidades indispensáveis para a construção de conhecimentos nas mais diferentes áreas e disciplinas. De acordo com os autores, a disciplina língua portuguesa:

[...] também participa ativamente do desenvolvimento de outras habilidades, principalmente daquelas relacionadas com a produção de textos, orais e escritos. Por exemplo, a de defender um ponto de vista pessoal sobre assunto polêmico, de negociar uma posição intermediária, de contra argumentar sem suscetibilizar o interlocutor. A disciplina desenvolve também habilidades mais gerais, a partir de operações cognitivas ou “esquemas de ação”, na terminologia do Enem, como comparar, relacionar, levantar hipóteses, analisar, explicar, interpretar, comentar [...] (CEREJA, 2010, p.6)

Com relação à interpretação de textos, um ponto do manual que consideramos positivo é o questionamento sobre a competência leitora ficar a cargo principalmente dos textos literários. O manual chama a atenção para as ideias de “aprender a aprender” e

“aprendizagem para a cidadania” como fatores determinantes para o aprendizado de leitura. Afirma que por causa da ênfase nos textos literários deixou-se em segundo plano a diversidade de gêneros textuais. Dessa forma, a coleção se propõe a preencher essa lacuna, apresentando capítulos específicos voltados à interpretação de textos e focalizando as habilidades que compõem a competência leitora, como observação, identificação, análise e inferência, tudo com base nos eixos cognitivos do ENEM.

No que tange à produção de textos, adota a perspectiva dos gêneros textuais ou discursivos, sem desconsiderar a tipologia textual. No âmbito da argumentação, explica a relação entre técnicas de argumentação e contra argumentação nos gêneros argumentativos.

Ao tratar dos gêneros textuais, define o conceito de gênero desde a literatura, do clássico (lírico, épico e dramático) ao moderno (romance, novela, conto, etc.). Cita Bakhtin como o primeiro estudioso a utilizar o conceito de gênero de modo amplo, ou seja, referindo- se aos textos que empregamos nas situações cotidianas de comunicação. Segundo os autores:

Quando estamos numa situação de interação verbal, a escolha do gênero não é completamente espontânea, pois leva em conta um conjunto de coerções dadas pela própria situação de interação: quem fala, sobre o que fala, com quem fala, com qual

finalidade. Todos esses elementos condicionam as escolhas do locutor, que, tendo

ou não consciência deles, acaba por fazer uso do gênero mais adequado àquela situação (CEREJA, 2010, p.11).

Os autores explicam que os gêneros compõem a nossa realidade sociocultural e lidar com eles no âmbito escolar pede um tratamento teórico e didático que consiste em agrupá-los de acordo com as capacidades globais de linguagem dos alunos. Os critérios para esse agrupamento, de acordo com Dolz & Schneuwly (2004), são: domínio social de

comunicação, capacidades de linguagem e tipologia textual.

O agrupamento e seleção dos gêneros acontecem com base em progressão curricular, na qual o aluno tem contato com gêneros dos diferentes grupos em todos os níveis escolares. Tudo isso de acordo com o grau de dificuldade dos gêneros, a faixa etária dos alunos e as capacidades que se pretende desenvolver. De modo geral, é explorado um gênero por unidade.

Considerando-se a perspectiva dos gêneros, o professor, portanto, passa a ser um especialista em variadas modalidades textuais, orais e escritas, de uso social. Outro foco também é deslocado: bom texto passa a ser aquele que é adequado à situação comunicacional para a qual foi produzido e não apenas aquele que segue critérios gramaticais e literários. Dessa forma, Cereja & Magalhães (2010) ressaltam a importância dos parâmetros de

avaliação textual propostos por Antunes (2007): elementos linguísticos, elementos de textualização e elementos da situação.

De modo geral, a língua é tomada como “processo dinâmico de interação, isto é, como um meio de realizar ações, de agir e atuar sobre o outro” (CEREJA, 2010, p.19). Dessa forma, segundo os autores, espera-se que o aluno seja capaz não apenas de descrever a língua, mas também de fazer escolhas e aplicações conscientes.

A seção 3.2 a seguir trata sobre a descrição e a análise dos gêneros argumentativos selecionados a partir da coleção que acabamos de apresentar.