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Na Formação da literatura brasileira (1957), Antonio Candido dedica atenção exclusiva aos momentos decisivos do processo sugerido no título de seu livro, pensando acerca da dinâmica de configuração e de funcionamento de um sistema literário caracterizado pela articulação entre autor, obra e público. As produções anteriores à constituição do referido sistema, que teria se configurado claramente a partir do Arcadismo (século dezoito), são classificadas como “manifestações literárias”, ou seja, manifestações que teriam existido, porém sem circulação e repercussão, sem contribuição, portanto, para a “formação da continuidade literária”. O crítico cita o escritor barroco Gregório de Mattos como um exemplo deste tipo de manifestação:

(...) embora tenha permanecido na tradição local da Bahia, ele não existiu literariamente (em perspectiva histórica) até o Romantismo, quando foi redescoberto, sobretudo graças a Vernhagen; e só depois de 1882 e da edição Vale Cabral pôde ser devidamente avaliado. Antes disso não influiu, não contribuiu para formar o nosso sistema literário, e tão obscuro permaneceu sob os seus manuscritos, que Barbosa Machado, o minucioso erudito da Biblioteca Lusitana (1741-1758), ignora-o completamente, embora registre quanto João de Brito e Lima pôde alcançar.392

Entre as decisões de Candido na Formação, foi justamente a colocação das produções do Barroco como “manifestações literárias” a que gerou maior controvérsia, animando inclusive a publicação de um livro por Haroldo de Campos nos anos oitenta, no qual o crítico denuncia O seqüestro do barroco na formação da literatura brasileira, concentrando-se, mais especificamente, no caso Gregório de Mattos. Haroldo centra fogo na “perspectiva histórica” que Candido apresenta como justificativa para a ausência do Barroco na

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CANDIDO, Antonio. A formação da literatura brasileira vol. 1. 8a ed. Belo Horizonte: Rio de Janeiro: Editora Itatiaia Limitada, 1997, p.24.

176 Formação, pois, para o poeta, o seqüestro não seria resultado de um determinado tipo de orientação histórica que separa “sistema” de “manifestações literárias”, mas de um “modelo semiológico” que teria a funcionalidade como aspecto fundamental. Um modelo baseado na função comunicativa da linguagem em conexão com uma concepção veicular de literatura, o que, para Haroldo, determina que apenas com o estabelecimento da comunicação, através de uma linguagem econômica e austera, seja possível a articulação dos três pólos do sistema literário, o que torna inviável a inclusão do Barroco devido a sua estética da superabundância e do desperdício. De acordo com esta leitura, a Formação se inclui em “um certo tipo de história: a evolutivo-linear-integrativa, empenhada em demarcar, de modo encadeado e coerente (...) um certo tipo de tradição”.393 Pois bem, nos quarenta números da Revista USP

ora enfocados, o periódico preponderantemente se volta para um cânone estruturado sobre um eixo monumental que se apóia na segunda fase de Machado de Assis e na literatura de Guimarães Rosa, com ênfase em Grande Sertão: Veredas, de modo que a discordância acima resumida, que constitui uma das maiores querelas da crítica literária brasileira recente, não teve desdobramentos explícitos na revista, ainda que Antonio Candido colabore no ciclo inicial da publicação e Haroldo de Campos esteja entre seus principais colaboradores.

O espaço do barroco na revista se constitui através de ensaios que abrigam revisões e releituras que o reivindicam no século vinte, configurando uma textualidade usualmente chamada de neobarroca, com freqüência inscrita na reflexão sobre a crise do moderno. Nessa dinâmica se inserem as reflexões do professor e poeta espanhol Andrés Sánchez Robayna e de Horácio Costa. Robayna pensa o neobarroco enquanto um “barroco da leveza”, que “perdeu a ‘circunspecção’ terminal, ‘atormentada’, característica do barroco histórico, mas que se relaciona com este em um duplo sentido: nas suas propostas formais, por um lado, e na freqüente homenagem ao seu modelo, por outro”394, em uma operação que não implica repetição, e sim renovação da poética seiscentista. Os exemplos citados são escritos do poeta espanhol Justo Navarro, o poema “Klimt; tentativa de pintura (com modelo ausente)”, de Haroldo de Campos395, e um trecho do romance de Severo Sarduy Colibri, no qual se realiza uma paródia das Soledades, de Góngora. Horácio Costa chama a atenção para o resultado “desconstrutivo” da produção de Severo Sarduy, como uma força de insubordinação mesmo em relação à literatura de alguns de seus coetâneos. Para ele, o projeto literário sarduyano

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CAMPOS, Haroldo de. O seqüestro do barroco na formação da literatura brasileira: o caso Gregório de

Mattos. Salvador: FCJA, 1989, p.36.

394

ROBAYNA, Andrés Sanchez. Barroco da leveza. Revista USP n.8. São Paulo: Edusp, 1990-1991, p.138.

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Andrés Sánchez Robayna lembra que Haroldo de Campos foi o primeiro escritor latino-americano a utilizar a expressão “neobarroco” em um artigo de 1955, intitulado “A obra de arte aberta”.

177 emerge como um “dos mais importantes da literatura continental do pós-boom dos anos 60”, ao transgredir e inventar “sobre esta tradição imediata”. Através da utilização constante da paródia e de uma concepção radical quanto à construção de seus personagens, Sarduy, já em De donde son los cantantes, de 1967, obtinha um efeito de distorção do cânone da representação, em certa medida, mimética que caracteriza a escritura do boom.396 Pela via do “descentramento narrativo” e da “arqueologização caricata da totalizante teoria da identidade nacional latino-americana”, o escritor marca a sua diferença em relação ao realismo maravilhoso de Carpentier.

O que me interessa aqui não é mergulhar profundamente nas análises do neobarroco realizadas na revista, mas sim desenhar os contornos da rede que nos leva de volta ao sertão, mais especificamente, a Grande Sertão: Veredas. O viés barroco da narrativa de Guimarães Rosa já foi investigado em diferentes aspectos por alguns autores no âmbito latino-americano. Carmen Bustillo materializa um desses exemplos quando estuda os motivos que freqüentam a arte barroca. De um mundo repleto de espelhos, ecos e sonhos a autora aponta para o desprendimento de outra imagem: a metamorfose, ligada ao instável, ao movimento incessante de essências e aparências. Um princípio de mutação que, para ela, explica a significação dos disfarces e máscaras. A seu ver, a narrativa de Riobaldo encarna

una versión contemporánea – aunque poco festiva – de este ‘juego vital’ se puede encontrar, dentro de la narrativa latinoamericana, en Grande sertao:

veredas, de Joao Guimaraes Rosa, construida enteramente sobre la noción de

teatro y máscaras: a nivel de la anécdota, y en medio de una naturaleza y un ambiente humano en constante metamorfosis, Riobaldo se convierte accidentalmente en yagunzo motivado por la conflictiva y confusa atracción que ejerce sobre él su amigo Diadorin, quien hasta el final no se despoja del disfraz que ocultaba realmente una mujer; a nivel del discurso, el relato de aventuras enmascara un transcurrir reflexivo que es el verdadero meollo de la narración y del personaje, y cuya meta es la búsqueda de un sentido que explique la vida en un mundo percibido como azar y sin sentido. Un mundo – escenario incomprensible, donde la parte de cada representador... ‘Já foi inventada no papel’. Y el recuento de Riobaldo lo coloca como actante y espectador que proyecta las escenas de su propia vida, tratando de entenderse a sí mismo bajo

396 Ao refletir sobre onde situar no presente os efeitos de um discurso barroco, Sarduy escreve que não se trata

“de recopilar los residuos del barroco fundador; sino – como se produjo en literatura con la obra de José Lezama Lima – de articular los estatutos y premisas de un nuevo barroco que al mismo tiempo integraría la evidencia pedagógica de las formas antiguas, su legibilidad, su eficacia informativa, y trataría de atravesarlas, de irradiarlas, de mirarlas por su propia parodia, por ese humor y esa intransigencia – con frecuencia culturales – propios de nuestro tiempo. Ese barroco furioso, impugnador y nuevo no puede surgir más que en las márgenes críticas o violentas de una gran superficie – de lenguaje, ideología o civilización -: en el espacio a la vez lateral y abierto, superpuesto, excéntrico y dialectal de América: borde y denegación, desplazamiento y ruina de la superficie renaciente española, éxodo, trasplante y fin de un lenguaje, de un saber”. (SARDUY, Severo. La simulación. In: Obra Completa – Severo Sarduy. Tomo II. Madrid: ALLCA XX / Scipione Cultural, 1999, p.1307-1308.)

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las máscaras de la supervivencia cotidiana y el espejo de la mirada de los otros.397

O argentino Hector Libertella é mais um que leva em conta os aspectos barrocos do livro de Guimarães Rosa, percebendo conexões entre o excesso, o acúmulo, a proliferação, as dobras, na literatura de Lezama Lima e em Grande sertão: veredas:

(…) entregado a un trabajo de laboratorio, un trabajo casi adiposo, de celulitis, de engordar procedimientos – escritura gorda (Lezama Lima), visceral, orgánica, húmeda, donde las palabras se funden hasta perder expectativas de significado - , el cavernícola ni siquiera busca un amplio intercambio: pesado, glotón inmóvil, cerrado sobre sí, gozador, solamente “se comunica” por una operación lugareña: el ejercicio de lectura y trizado tenaces, en una napa subterránea y sobre una masa de libros y elementos alcanzados de la biblioteca universal. (...) una máquina de triturar que usa las especies ‘universales’ (...) como telón de fondo para marcar deliberadamente el primer plano de una manufactura latinoamericana, en su sitio, doméstica, de puro uso (piénsese también en Gran sertón: veredas, de Guimaraes Rosa.398

Pois bem, a esses autores se soma Severo Sarduy, como visto, um personagem central na leitura do neobarroco que se arma na revista. O autor ressalta os traços barrocos de Grande sertão: veredas, em um ensaio de 1972 intitulado “Barroco e neobarroco”. O escritor se debruça sobre as estratégias de artificialização e paródia do jogo neobarroco; jogo que inclui a releitura do festim barroco “com sua repetição de volutas, de arabescos e de máscaras, de confeitados chapéus e brilhantes sedas, a apoteose do artifício, da ironia e irrisão da natureza”399. Nos exemplos de Sarduy dessa arte proliferante, que reflete estruturalmente o desequilíbrio, a desarmonia, a ruptura da homogeneidade e do logos enquanto absoluto estão incluídos, entre outros, Paradiso, de Lezama Lima e o próprio Grande sertão: veredas. Para o ensaísta, o romance do escritor mineiro é um exuberante exemplo de barroquismo, no qual se detectam a proliferação e a substituição, apontadas no ensaio como procedimentos barrocos:

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BUSTILLO, Carmen. Barroco y América Latina: un itinerario inconcluso. Caracas: Monte Ávila Editores, 1990, pp.125-126.

398

LIBERTELLA, Hector. Nueva escritura en Latinoamérica. Caracas: Monte Ávila Editores, 1977, pp.40-41.

399

SARDUY, Severo. Barroco e neobarroco. In: MORENO, C. Fernandez (Org.). América Latina em sua

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Na exuberância barroca de Grande Sertão: veredas, de João Guimarães Rosa, são detectáveis, como sustentamentos oratórios, os procedimentos antes mencionados, mas fundidos numa mesma retórica: o significado “Diabo” excluiu do texto toda denominação direta – substituição -; a cadeia onomástica que o designa ao longo do romance – proliferação – permite e suscita uma leitura radial de atributos, e esta variedade de atribuições que o assinala vai enriquecendo, à medida que o advinhamos, nossa percepção do mesmo. Chamá- lo de outra maneira já é abundar em sua panóplia satânica, é ampliar o registro de seu poder.400

Os membros do conjunto formado em torno da literatura hispano-americana na revista também participam dessa movimentação intelectual direcionada ao livro de Rosa. Irlemar Chiampi, por exemplo, em Barroco e modernidade, dedica um capítulo aos artifícios que “sobrecodificam” a enunciação narrativa em Grande sertão: veredas. O percurso da autora descreve uma investigação dos problemas da emissão e recepção do relato, operando sobre dois códigos de significantes: “como o narrador vê sua história e como o leitor percebe a história narrada”.401 Mapeando a narrativa de Riobaldo, ela termina por embrenhar-se por sua proliferação, assinalando as várias facetas de seu método narrativo, que, aos seus olhos, pode ser desordenado, detalhístico, digressivo, recorrente, memorialístico, seletivo, objetivador, presentificador, tensionador e fictício. Haroldo de Campos, por seu turno, no ensaio sobre “A ruptura dos gêneros na literatura latino-americana”, assim como Libertella, posiciona o livro de Guimarães Rosa ao lado de Paradiso, de Lezama Lima.

Ambos – o Grande Sertão e o Paradiso – são livros barrocos: neobarrocos, melhor dizendo. O de Rosa, por suas constantes invenções vocabulares; por seus rasgos sintáticos inovadores; pelo hibridismo léxico (que vai do arcaísmo ao neologismo e à montagem de palavras); pelo confronto oximoresco de barbárie e refinamento (o Sertão metafísico, palco das andanças ontológicas do Jagunço-Fausto, debatendo-se entre Deus e o Demo); pelo topos do “amor proibido”, “perverso” (Diadorim, a mulher travestida de homem, que desperta no protagonista, Riobaldo, uma paixão que este não pode confessar).402

O barroquismo do texto de Guimarães Rosa referido por Severo Sarduy, Haroldo de Campos e Irlemar Chiampi em fóruns externos à revista se instala como ponto central na complexa articulação da literatura brasileira ao debate sobre o neobarroco no periódico, pois tal

400

Idem. Ibidem, p.166.

401

CHIAMPI, Irlemar. Barroco e modernidade: ensaios sobre literatura latino-americana. São Paulo: Perspectiva: FAPESP, 1998, p.93.

402

CAMPOS, Haroldo de. Ruptura dos gêneros na literatura latino-americana. São Paulo: Perspectiva, 1977, p. 33-34.

180 articulação não se dá através do que a revista aborda, e sim, pelo reverso, pelo que lá não aparece. O Grande sertão: veredas neobarroco está quase que totalmente ausente das páginas do periódico, porém, quando observadas as elaborações dos autores que lêem a literatura hispano-americana, essa imagem não cessa de se insinuar. Quase não participa da imagem frontal, mais evidente, do Grande sertão isolado, monumentalizado, contudo, estabelece com ela um diálogo surdo que articula a narrativa de Riobaldo à produção literária que relê, que recicla, que retoma o barroco, passando-a da imobilidade da tumba à cercania da proliferação do texto neobarroco do Haroldo de Campos das Galáxias, de Lezama Lima, de Severo Sarduy.

Para terminar, reporto-me a uma imagem que assombra como um fantasma a vacuidade da literatura contemporânea assinalada pela revista. O “quem-é-quem”, pelo menos no campo da poesia, termina por se realizar a muitos quilômetros de distância com a supervisão de Horácio Costa, que organiza em 1990 o encontro “A Palavra Poética na América Latina: Avaliação de uma Geração”. O encontro reúne dezesseis poetas: oito hispano-americanos, um espanhol e sete brasileiros403, com o intento, como evidencia o nome

do evento, de avaliar a poesia recente e identificar pontes entre os campos culturais dos vários países da América Latina pela via do contato entre os criadores.A Revista USP n.13 publica em 1992 uma seleção de poemas dos escritores que participaram do encontro intitulada “Antologia de poesia hispano-americana atual”, na qual figuram Roberto Echavarren e Eduardo Milan, do Uruguai; Orlando González-Esteva, de Cuba; Juan Malpartida, da Espanha; Victor Manuel Mendiola e Manuel Ulacia, do México; Raúl Zurita, do Chile; e os argentinos Arturo Carrera e Néstor Perlongher.404 Tal antologia termina por realizar uma operação de duplo efeito: por um lado, põe em circulação no Brasil exemplares da poesia hispano-americana recente, por outro, instala mais um fantasma para assombrar o vazio da literatura brasileira contemporânea apontado na Revista USP, visto que Horacio Costa, no texto de apresentação da antologia, anuncia a publicação dos poemas dos autores brasileiros que participaram do evento na Revista de la Universidad Nacional Autónoma de México. No texto de apresentação da revista mexicana, a rede continua a se entrelaçar, pois se afirma que, embora no âmbito da América Hispânica os contatos entre a poesia de língua espanhola e de língua portuguesa não tenham sido tão sólidos e tão intensos, nos últimos

403

O encontro, realizado em 1990, motivou, dois anos despois, a publicação de um livro composto por ensaios e por uma antología de poemas dos participantes. O volume, intitulado A palavra poética na América Latina, foi organizado por Horácio Costa.

404

Em 1991, Néstor Perlongher foi organizador de uma importante antologia chamada Caribe transplatino:

poesia neobarroca cubana e rioplatense, que contém poemas de alguns dos escritores publicados pela revista404, o que, em certa medida, dá maior potência à atualidade da seleção do periódico.

181 quarenta anos, a relação das culturas em nosso continente tomou corpo através da atuação de “dois de suas maiores figuras poéticas: Octavio Paz e Haroldo de Campos”. O balanço da nova geração de poetas de fala castelhana se instala como mais um desafio à baliza fincada pela revista em Grande sertão: veredas, como uma força que desfaz a solidão do mausoléu e que, além de realçar a efervescência da literatura no âmbito hispano-americano, tangencialmente dá acesso, através da intervenção de uma imagem ausente, a um “quem é quem” na poesia brasileira recente, algo considerado impossível alguns fascículos depois no dossiê “30 anos sem Guimarães Rosa”. Nessa intrincada discussão, Frederico Barbosa, Duda Machado, Régis Bonvicino, Nelson Ascher, Júlio Castañón Guimarães, Fernando Paixão e Carlos Ávila são incluídos no circuito que se prolonga até o México. A inclusão de Ana Cristina Cesar e de Paulo Leminski justifica o título “Diez brasilenõs” dado à antologia, que termina por constituir uma contrapartida à alegada vacuidade da literatura contemporânea.

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O MOSAICO E AS SOMBRAS

Iniciei esse percurso pensando na Revista USP como uma imagem, cujos fragmentos não cessam de se insinuar. Imagens dentro da imagem. A área de maior nitidez desse mosaico, sua parte mais frontal, é formada por reflexões que se concentram em um intervalo que se inicia com Memórias póstumas de Brás Cubas, pela pena de João Alexandre Barbosa e de outros colaboradores que se encarregam de inaugurar no periódico uma espécie de ciclo machadiano nos dez primeiros fascículos. No período de formação desse ciclo, atua a primeira formação do Conselho Editorial, que contava com os professores Bóris Schnaiderman, Fernando de Castro Reinach, Henrique Fleming e Regina Maria Prosperi Meyer, sob a supervisão de Décio de Almeida Prado. Como afirma Francisco Costa em sua entrevista, o primeiro Conselho Editorial constituiu um “núcleo duro” que, capitaneado por Décio de Almeida Prado com lupa, determinou e supervisionou a consolidação do projeto editorial. Uma fase em que Antonio Candido se instala como o colaborador mais assíduo da revista, publicando, inclusive, um texto sobre Memórias póstumas. Essa dobradinha refaz o laço formado em Clima nos anos quarenta e repetido no Suplemento Literário do jornal O Estado de S. Paulo tempos depois. Esses personagens pertencem a uma geração de críticos formada a partir de meados da década de trinta pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da USP. Um grupo que, segundo o próprio Candido, compartilhou da presença viva da grande geração modernista e dos escritores firmados depois de 30, que despertavam seu respeito e eram vistos como “os reveladores da arte, da literatura e do próprio país”. Um momento em que o que se chama modernismo, nas artes e na literatura, “estava ficando pão quotidiano” e que o peso do passado imediato, que incluía a Semana de Arte Moderna e a revelação dos ficcionistas do Nordeste, era enorme. Esse cenário incluía, para o autor da Formação da literatura brasileira, um “traço que desapareceu quase inteiramente: a reverência literária, o respeito sagrado pela literatura e a arte, mesmo com o tempero do sarcasmo e da irreverência”.405

João Alexandre Barbosa, ao abrir a fase machadiana da revista, posiciona as inovações de linguagem de Memórias póstumas de Brás Cubas como precursoras das Memórias

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183 sentimentais de João Miramar, dando caminho às elaborações críticas que fincam a primeira base do eixo que sustenta a reflexão sobre a literatura na revista. Sua base complementar se materializa em Grande sertão: veredas, quando este é posicionado como o último marco da literatura estética e socialmente comprometida, como última baliza da literatura reverenciada a qual se referia Antonio Candido. Em Literatura e sociedade o crítico se refere ao desmantelamento dessa imagem reverenciada em conexão com os elementos que participaram do processo de saída do modernismo. A leitura desenvolvida na revista por Willi Bolle busca justamente levantar ligações entre o romance de Guimarães Rosa e os esforços de interpretação da nacionalidade, de configuração de um retrato do Brasil, que motivaram estudos caracterizados, muitas vezes, pela revelação de estreitos laços com a literatura, que