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A inteligência da espécie humana é uma de suas características mais marcantes. Foi com o emprego de sua grande inteligência que o Homo sapiens criou sistemas de linguagem e sociabilidade, empregou tecnologias e ferramentas, modificou seu ambiente, numa proporção jamais atingida por qualquer outra espécie que exista ou já existiu no planeta.

O alto grau de inteligência esta relacionada com o desenvolvimento de um grande e complexo cérebro. A espécie humana atual apresenta um volume cerebral em media de 1350 cm³, cerca de três vezes maior que o de um chimpanzé de mesmo tamanho corporal que apresenta, em média, 350 cm³, e é

considerado um dos animais mais inteligentes. Existe uma diferença enorme entre o grau de inteligência dos homens a de qualquer outro animal, mesmo os mais inteligentes nem se aproximam da capacidade intelectual humana.

O desenvolvimento de um cérebro grande alterou características básicas da historia de vida observada em outros primatas. O cérebro do símio adulto, por exemplo, é quase 2,3 vezes maior que o cérebro do recém nascido; nos humanos essa diferença é 3,5 vezes maior. A diferença entre o recém-nascido humano, comparado com o de um símio de tamanho e período de gestação similar, é maior , ainda. Os recém-nascidos humanos são aproximadamente duas vezes maiores e possuem cérebros duas vezes maiores do que os recém-nascidos dos símios.

Outra diferença é o padrão de crescimento: nos primatas, que apresentam filhotes precoces, o crescimento do cérebro prossegue rapidamente até o nascimento, posteriormente segue uma fase de crescimento lento, por cerca de um ano. Nos seres humanos, a fase pré-natal de crescimento acelerado do cérebro continua por um período mais longo após o nascimento, seguindo o padrão das espécies altriciais.

O cérebro é um órgão energeticamente dispendioso. Em humanos adultos, mesmo representando apenas 2% do peso total corporal, o cérebro consome cerca de 18% da energia disponível (Lewin, 1999). Sendo energeticamente tão dispendioso, e visto a exclusividade do cérebro humano no mundo natural, é necessário compreender sob quais condições biológicas a evolução do cérebro humano ocorreu.

Para manter-se um cérebro grande é necessário um suprimento de alimentos estável, rico em energia, com o mínimo de pressão de predação. A

pressão de predação não deve ter sido muito grande entre hominídeos ancestrais pois os chimpanzés atuais, que vivem em ambientes semelhantes e apresentam, provavelmente, modo de vida parecido com os dos primeiros hominídeos, sofrem pouquíssima predação.

Contudo, foi no gênero Homo que o cérebro humano teve o aumento considerável, e nesse gênero as proporções corporais já eram bem maiores. É também no gênero Homo que ocorrem as mudanças mais significativas na dentição (ver tópico dentição). Essas mudanças refletem uma mudança na dieta, que pode ter ocorrido por uma co-evolução com o cérebro: o cérebro se desenvolvendo possibilitava o uso de táticas e ferramentas melhores para a aquisição de maior quantidade de alimentos energéticos. Esses alimentos mais energéticos, por sua vez, davam o suporte energético necessário para que o cérebro tivesse a possibilidade de continuar a aumentar.

É fato que o volume cerebral dos humanos é maior do que os outros mamíferos, mas que pressões seletivas foram responsáveis para a expansão do cérebro?

Uma hipótese popular, que vem desde Darwin (1871), é que o aumento do cérebro aconteceu em humanos que faziam o uso de ferramentas. O domínio de habilidades práticas seria o agente propulsor da expansão do cérebro surgindo assim a idéia generalizada do “Homem, o fabricante de ferramentas”. Essa visão tem como argumento o fato do aumento do cérebro ter sido acompanhada por uma maior complexidade das ferramentas.

Outra hipótese é que o desenvolvimento do cérebro humano estaria relacionado com a capacidade de comando dos chefes do grupo, os quais

precisavam usar linguagem complexa pra planejarem caçadas e desenvolver armas cada vez mais eficientes. Sendo os chefes provavelmente poligâmicos, seus genes da inteligência passariam rapidamente pra gerações seguintes (Mayr 1974).

Estudos de campos com primatas, incentivaram o surgimento da idéia da expansão do cérebro e da inteligência terem surgido devido às interações sociais, que são muito mais complexas em primatas do que em qualquer outro mamífero. Observando outras espécies de mamíferos percebe-se que em situações de conflito é fácil prever qual animal será o vencedor: o maior, ou o mais forte, ou o com caninos maiores, ou chifres maiores etc., sendo, assim, os atributos físicos preponderantes. Entre os símios o mesmo não é valido, os primatas em geral são estrategistas sociais. Os indivíduos do grupo gastam mais tempo estabelecendo alianças e observando os demais do grupo. Assim, um indivíduo fisicamente inferior pode triunfar num conflito se no momento estiver mais aliados e esses estiverem presentes. Consequentemente, os indivíduos mais habilidosos no estabelecimento e manutenção de alianças têm um maior sucesso reprodutivo. O

Homo sapiens adotou o caminho evolutivo de utilizar alianças sociais para obter

sucesso reprodutivo, precisando de um cérebro bem desenvolvido, para poder prever o comportamento dos demais e evitar que seu próprio comportamento seja previsível. A consciência deve ter surgido nesse contexto, sendo capaz de compreender a própria mente, o individuo poderia prever mais precisamente como os outros do grupo irão reagir à mesma situação.

A expansão significativa do cérebro ocorreu no gênero Homo, justamente quando os ancestrais humanos passaram a viver em campos mais abertos e

passaram a produzir armas, o que indica que estavam tornando-se caçadores. Atividades como a caça e a defesa do grupo em ambientes abertos exigiam uma interação social maior ainda, assim a linhagem humana teria levado o padrão evolutivo de fazer alianças dos primatas ao seu máximo desenvolvimento.

Uma outra hipótese encara o desenvolvimento do cérebro humano como uma exaptação (este termo designa um órgão ou um caráter que não foi diretamente selecionado por sua utilidade atual, sensu Gould & Vbra,1982). Nessa hipótese o cérebro humano teria aumentado de tamanho, pois características neotênicas, como cabeça grande, eram valorizadas pelas fêmeas na hora de selecionar os parceiros sexuais. A expansão do cérebro, e consequentemente, a inteligência humana, seriam resultados indiretos de uma preferência sexual das fêmeas por características juvenis.

Essa hipótese, apesar de interessante, não demonstra muita lógica evolutiva. Um órgão como o cérebro, que consome cerca de 18% da energia disponível do ser humano dificilmente se desenvolveria para acompanhar o crescimento da cabeça simplesmente por um motivo visual. Uma cabeça grande, só que cheia de espaços vazios ou tecido conjuntivo, teria a mesma função visual atrativa para as fêmeas e não acarretaria no enorme gasto de energia, o que do ponto de vista evolutivo seria muito mais interessante.

4.5 Cultura

Uma das características mais intrigantes da espécie humana é a presença de cultura. Qualquer sociedade atual apresenta costumes e comportamentos próprios, que os diferem dos demais da espécie.

Uma das maiores dificuldades no estudo da cultura é definir a mesma. Para os antropólogos, cultura é uma característica essencialmente humana, já alguns zoólogos considerariam cultura qualquer comportamento passado de forma não genética.

Nesse estudo, consideraremos cultura um total dos comportamentos e conhecimentos humanos que são aprendidos e adquiridos durante a vida e passíveis de serem passados de forma oral ou visual aos descendentes (diferentemente de um comportamento instintivo, que é inato, de herança genética, nascendo com o individuo). A transmissão da cultura humana exigiria linguagem para a possibilidade de ensino e uma tomada de perspectiva, que seria uma atenção conjunta dos indivíduos e seria diferente da dos demais animais por apresentar um caráter cumulativo na passagem de gerações. (Tomassello, 1999).

A cultura, de acordo com Foley (1998), pode significar uma de duas coisas básicas. Uma delas seria o feixe de características que apenas os humanos possuem e, caso outras espécies possuam também, será de forma limitada e pouco desenvolvida. A outra seria de que todos esses traços têm origem na capacidade humana de construir um mundo mental, de modo que a cultura

significaria as capacidades mentais que geram esses fenômenos observáveis. (Foley, 1998)

A cultura complexa e simbólica é uma conseqüência do grande cérebro desenvolvido pelos humanos e do desenvolvimento da linguagem: sem uma comunicação complexa os conhecimentos e costumes de um grupo não poderiam ser transmitidos. Sendo assim, o desenvolvimento cultural é dependente de um cérebro desenvolvido e de uma capacidade de linguagem complexa, que não necessariamente aparecem na escala evolutiva contemporaneamente.

Em relação ao desenvolvimento da linguagem, existem forte indícios da existência de uma estrutura gramatical universal, de modo que não apenas a capacidade física da fala seria produto da evolução, mas também a capacidade mental (Pinker 1994).

A linguagem é virtualmente invisível no registro arqueológico. Para estudá- la existem duas alternativas: a analise arqueológica de vestígios humanos que apresentem sinais de linguagem, como impressões em objetos, pinturas, escritas propriamente etc.; e a analise paleontológica, trabalhando com moldes internos de crânios de hominídeos extintos e com indicações das estruturas capazes de produzir voz no pescoço (laringe e faringe).

Os moldes internos do crânio produzem mapas grosseiros das características da superfície do cérebro. Consequentemente os paleoneurologistas podem obter poucos sinais das capacidades de fala a partir de moldes internos de fosseis. Sinais da área Broca (área do cérebro associada com capacidade de fala) foram encontrados em Homo rudolfensis e espécies mais tardias do gênero Homo, mas não no gênero Australopithecus, o que indica que a capacidade de fala

iniciou-se e já se apresentava de forma rudimentar no inicio da linhagem Homo (Falk, 1991). As analises do aparato vocal são de suma importância. O trato vocal dos seres humanos é único em todo reino animal. Nos demais mamíferos a posição da laringe situa-se no alto do pescoço, o que permite que o animal engula e respire simultaneamente. Nos humanos a laringe se situa mais abaixo do pescoço, sendo necessário que a passagem de ar se feche temporariamente quando o animal engole algo. A posição inferior da laringe aumenta muito o espaço acima dela, permitindo que os sons emitidos sejam modificados num grau maior que em outros mamíferos. A posição da laringe esta refletida na forma da base do crânio, o basi-cranio. Nos seres humanos esta estrutura é arqueada, nos demais mamíferos é achatada. Observando esta característica no registro fóssil é possível descobrir algo sobre as capacidades verbais das espécies extintas de hominíneos. (Laitman 1983)

A análise de fósseis de australopitecineos mostrou que eles provavelmente possuíam tratos vocais muito semelhante ao dos símios viventes, com posição elevada da laringe, sendo impossível que produzissem os sons de algumas vogais universais. Já Homo ergaster e Homo erectus apresentavam a laringe numa posição intermediaria. Apenas em Homo sapiens arcaico, há cerca de 300.000 anos, o padrão moderno apareceu, indicando o potencial mecânico para toda a gama de sons produzidos pelos humanos atualmente. (Laitman 1983)

Uma linguagem mais sofisticada é identificada até em macacos do novo mundo, estudos mostram que esses macacos são capazes de produzir diferentes sinais sonoros de acordo com o tipo de predador que os ameaça. Porém linguagem falada é um evento evolutivo bastante recente, intimamente relacionado

aos processos cognitivos do desenvolvimento do imaginário e da arte. A criação da arte representa uma abstração do mundo real em uma forma diferente. Processo que exige habilidades cognitivas altamente refinadas (Davidson e Noble, 1989). Se considerarmos a expressão artística como indicativo de fala complexa e consequentemente inicio de uma estrutura cultural devemos admitir que a cultura surgiu entre 60 e 30 mil anos atrás, aproximadamente 40 mil anos depois que os primeiros Homo sapiens anatomicamente modernos surgiram. A explosão cultural da espécie humana ocorre na transição do Paleolítico Médio ao Paleolítico Superior. É nessa época que os primeiros indícios de sepultamentos ritualizados são encontrados. (Mithen, 1996). Alguns esqueletos encontrados de Homo

neanderthalensis apresentam indícios de sepultamento ritualizado, mas as

evidencias são fracas, e é mais provável que os indivíduos tenham sido enterrados apenas para não atrair carniceiros, e que os indícios de ritual, como ossos e pólen de flores sejam frutos de contaminação posterior ao enterro.

A cultura é um grande enigma para evolução. Ao longo de nosso processo cultural os humanos desenvolveram muitos aspectos comportamentais que não tem função alguma de sobrevivência ou reprodução. Pensando de forma darwinista, a seleção natural deveria produzir maneiras mais eficientes de caçar ou correr de predadores, mas não melhores artistas.

Talvez a cultura deva ser encarada como uma nova forma de evolução. Mais rápida que a genética, e tão importante quanto para nosso sucesso evolutivo. Um Homo sapiens há 40 mil anos atrás, dotado de talento artístico e linguagens complexas poderia transmitir para seus descendentes as técnicas e conhecimentos adquiridos durante uma vida toda, e que antes seriam

simplesmente perdidos. Seus filhos não precisariam desenvolver seu conhecimento do estagio zero, podendo assim aperfeiçoar os conhecimentos aprendidos, tendo maior sucesso. Ao visualizarmos indivíduos que caçam e correm melhor estamos pensando principalmente na sobrevivência do individuo em si, e na evolução, uma prole bem sucedida é o fator principal, sendo assim, um bom artista ou um bom contador de estórias, que transmite aos seus filhos conhecimento, seria bem sucedido na transmissão de seus genes e na transmissão de seus conhecimentos e cultura.

Pra Dawkins (1976) a transmissão cultural pode ser considerado como uma forma de evolução, que funcionaria de forma análoga com a evolução genética. As idéias culturais que são transmitidas por gerações foram tratadas, assim como os genes, como replicadores e denominadas de Memes. Algumas idéias teriam a capacidade de serem transmitidas para um maior numero de cérebros sofreando pequenas mudanças a cada transmissão. Práticas como celibato, por exemplo, que teriam chance nula de serem transmitidos pela genética, podem ser transmitido pelos Memes, que dependem apenas da influência dos sacerdotes, os quais utilizam à linguagem falada e escrita para influenciar novos adeptos à prática do celibato.

5. Conclusão

As cinco características que foram consideradas como indicadores de humanidade (bipedia, dentição, sexualidade, expansão cerebral, cultura) não são exclusivas de Homo sapiens e muitas vezes nem do gênero Homo. Essas características surgiram em momentos diferentes na escala evolutiva, e por circunstâncias diferentes e apenas se aperfeiçoaram e se adaptaram ao longo da evolução.

A bipedia já aparece em espécies de 7 milhões de anos (Sahelanthropus

tchadensis). A dentição se torna caracteristicamente humana em Homo erectus,

porém deste Australopithecus a tendência de mudanças na direção moderna vem sendo constatada. A sexualidade humana parece estar relacionada com a expansão do cérebro, que exigiu modificação a estratégia de vida precoce, típica de símios, para uma estratégia altricial secundaria. A cultura é a característica mais polêmica, pois existem variadas definições. Na adotada nesse estudo, cultura simbólica seria uma característica do Homo sapiens, com alguma possibilidade de ter sido compartilhada como os Homo neanderthalensis, porém a transmissão de comportamentos de forma aprendida, que alguns consideram como cultura, já esta presente em todos os primatas.

Não existe uma única adaptação que caracterize o Homo sapiens. É o conjunto das características discutidas nesse estudo que faz com que a espécie humana se torne tão particular no mundo natural.

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