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Capítulo II “Uma geral Epidemia de Bexigas” (1776-1778)

XVII- XIX), op cit.,p 65.

396FERREIRA, Jaqueline. O corpo sígnico. In: ALVES, Paulo; MINAYO, Maria Cecilia. Saúde e Doença, um olhar antropológico. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1994, p101.

As razões e motivações que levavam a frequentes deserções de soldados no Grão-Pará poderiam ser variadas e complexas. De uma forma geral, índios, brancos pobres e negros fugiam do recrutamento militar e do trabalho compulsório nas fortalezas e vilas, preferindo viver nas matas e junto as suas roças.397 Flávio Gomes, em sua tese sobre fugas e constituições de mocambos na Amazônia colonial, destaca que o alistamento militar também se revestia de um meio empreendido para controlar a população livre de índios, mestiços e negros. Para garantir a defesa da região todos os homens livres disponíveis podiam ser utilizados na formação de tropas. Do mesmo modo, o autor ressalta que inúmeras fugas e deserções faziam parte do cenário colonial amazônico. Tal situação era vista com preocupação pelas autoridades coloniais. Considerando ainda que com os índios emancipados, a população negra livre crescendo e “um mar de floresta”, identificar e capturar fugitivos e amocambados tornava-se uma árdua tarefa. Com tantos fugidos, desertores e mocambos, as suspeitas e ações de vigilância se asseveravam e generalizavam-se.398

Em meio a esse cenário, ainda enquanto as bexigas eclodiam, o mestre de campo de Cametá mais uma vez recebeu ordens do governador. Um ano após de esse agente militar ter informado sobre os soldados que haviam desertado e morrido em ocorrência das bexigas, foi ordenado para que ficasse vigilante quanto “aos excessos de licenças, com que alguns soldados do Regimento de Macapá , se têm e estão demorando no distrito desta vila”. A diretriz enviada a João Bitancourt ainda ressaltava que o mesmo deveria:

“(...)Vigiar, assim como as Justiças respectivas, o consintam, e não procurem evitar, como as Leis de S. Majestade, e as minhas Ordens tem estabelecido, pelo que é preciso que V. EXª e os seus Oficiais cuidem muito em atalhar

esta desordem, fazendo precisamente exibiraos soldados as licenças, que

levarem, e procedendo logo a prisão, e remessa contra os q´ as excederem, sem hum notório motivo de desculpa (...) havendo toda a cautela em senão admitirem pretextos afetados, como de doenças fingidas (...)”.399

O governador ordenava a vigilância e todo cuidado voltado para os soldados de Macapá encontrados naquela vila. Orientava que se deveria ter “cautela” em relação às motivações alegadas pelos mesmos que estivessem com as licenças excedidas, entre elas o “pretexto de doenças fingidas”. Nesse sentido, pela ótica de Pereira Caldas, as

397 GOMES, Flávio dos Santos. A Hidra e os Pântanos: Quilombos e mocambos no Brasil (Sécs.

XVII- XIX). Tese de Doutorado. Campinas: Universidade Estadual de Campinas-SP, 199, p.105, 106.

398Idem, p 105-108.

399Carta do governador do Estado do Grão- Pará e Rio Negro, João Pereira Caldas, para o Mestre de Campo João de Moraes Bitancourt, em 5 de janeiro de 1778. APEP, Fundo: Secretária da Capitania. Diversos com o Governo. Códice 319.

justificativas utilizadas por alguns desertores, como estarem enfermados ou o medo que tinha das bexigas, outrora apresentados, poderiam ser apenas usadas como justificativa para não retornarem aos seus postos. Nota-se que já era da ciência do governador o caso dos desertores do regimento da cidade, em que afirmavam ter fugido por medo da epidemia.

Para alguns soldados dos regimentos de Belém e Macapá a epidemia de bexigas foi mortal, sobretudo, os que compunham as Tropas Pagas. Para outros, foi considerada como motivo para desertarem, na tentativa de fugirem do contágio. Sobre estes últimos, não nos foi possível mensurar de qual tropa faziam parte e nem quais eram suas etnias, já que alguns soldados, sobretudo de tropas de terceira linha400, poderiam ser tanto brancos e mestiços, quanto negros e indígenas.401

Todos esses processos não apenas foram percebidos pelas autoridades coloniais, como foram pautas para alguns direcionamentos nesse sentido. Tanto os esforços do governador voltados para a nomeação de soldados para as tropas pagas, diante dos postos vagos devidos à morte ocasionada pelas bexigas, como os direcionamentos em relação à vigilância sobre os desertores, nos são reveladores da forte preocupação com a configuração dos quadros militares do Grão-Pará. Contudo, não devemos esquecer que a preocupação com o setor militar também estava conectada com os processos históricos voltados a militarização, desenvolvidos na região amazônica.

Segundo Shirley Nogueira, o Grão- Pará por está situado em uma região de fronteira foi placo para um extenso histórico de disputas e conflitos durante os anos setecentos, que inclusive extrapolou o período colonial. Pois, mesmo no contexto imperial houve disputas acerca da definição de seus limites com as antigas possessões coloniais francesas e espanholas e os países americanos nascidos das guerras de independência espanhola. Levando-se em consideração todos esses elementos referentes à defesa e ao domínio das fronteiras do Grão- Pará, não era de se estranhar a demanda por mão- de- obra para o exército, para que pudessem compor as tropas regulares, ser de caráter contínuo402.

Ainda de acordo com Nogueira, o espaço territorial do Estado do Grão-Pará e Rio Negro tinham seus limites territoriais com colônias estrangeiras, como ao norte, a Guiana Francesa, Caribana Espanhola, atual Venezuela e a Guiana Inglesa, não

400 ROCHA, Rafael Ale. Os índios oficiais na Amazônia Pombalina, op. cit., p. 104.

401 GOMES, Flávio dos Santos. A Hidra e os Pântanos: Quilombos e mocambos no Brasil (Sécs.

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