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2.2 ANTECEDENTES HISTÓRICO-ECONÔMICOS DO AMAZONAS

2.2.2 A Zona Franca de Manaus

De acordo com Giambiagi (2016), com o final das duas guerras mundiais e o início da Guerra Fria, o Brasil passa por um período de escassez de dólares, com recorrentes crises no Balanço de Pagamentos que levaram o país a adotar, sob influência do debate acerca das teorias do desenvolvimento regional, um modelo de industrialização caracterizado por crescente intervenção estatal. Segundo o autor, as décadas de 50 e 60 foram marcadas por expansões no PIB, pressões inflacionárias e aumento da taxa média de investimento, resultados do avanço do processo de industrialização e do aumento de gastos públicos em infraestrutura. O principal legado desse período, conta ainda Giambiagi (2016, p. 21), foi “[...] o reforço da industrialização baseada na substituição de importação, no incremento no valor agregado da produção interna e na continuidade de um nacionalismo pragmático”.

Nesse contexto, tentou-se também transplantar o modelo de substituição de importações para a Amazônia, após as frustradas medidas para resgatar a região do caos econômico, social e político que se via envolta com a derrocada da economia da borracha (FONSECA, 2011). Em 1957, o deputado federal do Amazonas, Francisco Pereira da Silva, propôs a Lei nº 3.173, que dava à Manaus a atribuição de um “porto franco”13. Contudo, esse embrião da Zona Franca de Manaus praticamente não gerou impacto sobre a economia da região, já que se tratava ser tão comente um pequeno armazém alfandegário no também não muito grande Porto de Manaus (REY, 2019).

Conta Corrêa (2002) que a influência da política foi tão pouco significativa que a economia do Amazonas continuou a depender do já decadente comércio de borracha.

As seguidas desventuras econômicas na Amazônia até meados da década de 60 resultaram em uma série de problemas políticos e sociais e, como consequência, a população, sem emprego e em condições de penúria, passou a emigrar da região.

Neste contexto, a preocupação com a possível perda da soberania brasileira sobre as fronteiras levou o então presidente Castelo Branco a adotar medidas mais robustas para recuperar, de forma mais efetiva, a economia regional.

Nesse contexto, o governo militar institui então a “Operação Amazônia”, uma política regional traçada pela Lei nº. 5.173/1966 e orientada para estabelecer “polos

13 Uma zona franca para armazenamento ou depósito, guarda, conservação, beneficiamento e retirada de mercadorias, artigos e produtos de qualquer natureza, provenientes do estrangeiro e destinadas tanto ao consumo interno da Amazônia como dos países interessados, limítrofes do Brasil ou que sejam banhados por águas tributárias do rio Amazonas (Lei 3.173 de 1957, art. 1º).

de desenvolvimento” estáveis e autossuficientes, com o “[...] objetivo de estimular a imigração, e para os quais seriam direcionados investimentos em infraestrutura, pesquisa sobre os potenciais naturais, além de incentivos ao capital privado”.

(MAHAR, 1978, p. 21-22).

Com a Operação Amazônia, o governo reformou os arranjos institucionais que já não mais geravam os resultados esperados para a região. Dentre eles, transformou o Banco de Crédito da Amazônia em Banco da Amazônia (Basa) e a SPVEA em Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e, com o objetivo de ocupar o território amazonense, promulgou o Decreto-Lei nº 288 de 1967, que reformulou a Zona Franca de Manaus. (HOLLAND et al., 2019; REY, 2019)

Nos termos do novo diploma legal, conforme disposto no Art. 1º Decreto-Lei 288/1967, a ZFM passou a ser denominada como:

Uma área de livre comércio de importação e exportação e de incentivos fiscais especiais, estabelecida com a finalidade de criar no interior da Amazônia um centro industrial, comercial e agropecuário dotado de condições econômicas que permitam seu desenvolvimento, em face dos fatores locais e da grande distância, a que se encontram, os centros consumidores de seus produtos. (DECRETO-LEI Nº 288 DE 28 DE FEVEREIRO DE 1967, ART.1º).

Objetivos que ensejaram a criação dessa área de exceção fiscal podem ser destacados a partir da Exposição de Motivos 21/1967, que deu origem ao Decreto-Lei 288/1967, quais sejam: (a) criar um polo de desenvolvimento no centro da Amazônia;

(b) facilitar o consumo interno; (c) atrair investimentos; e (d) atrair mão de obra para assegurar o progresso. Ainda que o caráter geopolítico tenha o principal argumento para a institucionalização da estratégia desenvolvimentista, Benchimol (1977, p.469) endossa o que parecer ser de uníssimo entendimento: “[...] a gênese da política adotada para a região estava ancorada na teoria da polarização econômica de François Perroux, de 1960”.

Inicialmente, os benefícios fiscais da ZFM abrangiam uma área de dez mil quilômetros quadrados, que incluía a cidade de Manaus e os municípios de Presidente Figueiredo e Rio Preto da Eva. Ao longo dos anos, os benefícios do modelo foram estendidos, em parte, para uma área superior a 8,5 milhões de quilômetros quadrados, contemplando a Amazônia Ocidental – estados do Amazonas, Acre, Rondônia e Roraima (Decreto-Lei nº 356/1968) – e as cidades de Macapá e Santana, no estado do Amapá (Lei nº 8.397/1991). (HOLLAND et al., 2019; SUFRAMA, 2019).

A administração das instalações e dos serviços da ZFM foi atribuída à Suframa, entidade autárquica criada pelo Decreto 61.244/1967, que regulamentou o Decreto-Lei 288/1967. Os incentivos tributários previstos no citado decreto-lei e administrados pela autarquia consistiam, em linhas gerais, na isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Imposto de Exportação (IE) e Imposto de Importação (II).

Posteriormente, outros normativos modificaram o benefício deste último tributo que, em vez de isenção, passou a ter redução calculada com base em coeficiente que tem proporcionalidade inversa ao valor de insumos importados (Decreto-Lei 1.435/1975 e Lei 8.387/1991). (SUFRAMA, 2019).

A partir de 1989, a Suframa passou a abrigar em seu espaço de jurisdição sete Áreas de Livre Comércio (ALCs), com o objetivo de promover o desenvolvimento de municípios que fazem fronteiras internacionais na Amazônia e integrá-los ao restante do país (SUFRAMA, 2019). Atualmente, a política pública financiada pela concessão de incentivos fiscais administrados pela Suframa pode ser classificada sob três referências: a Zona Franca de Manaus, a Amazônia Ocidental e as Áreas de Livre Comércio.

Criada em 1967, com prazo inicial de vigência de 30 anos, a Zona Franca de Manaus passou por quatro prorrogações ao longo da sua história. Na mais recente, em 2014, o Congresso Nacional, por meio da Emenda Constitucional 83/2014, prorrogou os incentivos fiscais da ZFM até o ano de 2073, tendo como justificativa, dentre outras, a necessidade de serem superados os seguintes desafios: i) intensificar o adensamento das cadeias produtivas; ii) buscar a internacionalização da indústria local; e iii) irradiar os efeitos positivos do modelo em sua área de abrangência, incluindo a alavancagem do processo de industrialização das Áreas de Livre Comércio, com base nos insumos regionais. (DE SOUZA; DE OLIVEIRA JÚNIOR, 2020; SUFRAMA, 2019).

Embora sejam o comercial, o agropecuário e o industrial os pilares do modelo, o Polo Industrial de Manaus (PIM) é considerado a base de sustentação do projeto ZFM desde o final da década de 80, quando o Brasil deixou de adotar o regime de economia fechada (SILVA, 2019). Alguns indicadores de desempenho (Tabela 4) revelam o dinamismo do PIM, que, em 2021, alcançou o faturamento recorde de R$

158,62 bilhões, com cerca de 450 empresas dos setores de bens de informática, eletroeletrônicos, duas rodas, termoplásticos, químico, metalúrgico, entre outros

(Gráfico 1), que geraram por volta de 500 mil empregos diretos e indiretos na região.

(SUFRAMA, 2022).

Tabela 4 - Indicadores de desempenho do Polo Industrial de Manaus, 2021 Empresas

(un)

Faturamento (US$ Bilhões)

Empregos (mil)

Grau de aquisição de insumos (%)

Investimento (US$ bilhões)

Exportações (US$ bilhões)

Nac. Reg. Ext. Externas Domésticas

459 29,78 105.810 14,3 17,47 68,23 7,08 0,45 29,3

Fonte: elaborada pelo autor com dados de Suframa (2022).

Nota: https://www.gov.br/suframa/pt-br/publicacoes/indicadores/indicadoresjanajulho2022.pdf

Gráfico 1 – Participação dos subsetores de atividade no faturamento do Polo Industrial de Manaus – Jan a Dez/2021

Fonte: Suframa (2022).

Nota: Calculado sobre os valores em U$.

Apesar dos crescentes indicadores de desempenho, a concentração da dinâmica econômica gerada pelo PIM na capital Manaus tem atribuído à ZFM o status de modelo de desenvolvimento para uma região que, em geral, ainda apresenta indicadores socioeconômicos intrarregionais assimétricos, fato este diagnosticado na subseção 2.1 deste estudo, que mostra, entre outros dados, que o PIB per capita de Manaus (R$ 38.881) é pouco mais que três vezes maior do que o do restante dos municípios amazonenses (R$ 11.884) e quase sete vezes maior do que o de Ipixuna, município com o menor PIB per capita do Amazonas.