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A ANÁLISE MORFOSSINTÁTICA TRADICIONAL, A LÍNGUÍSTICA E A PSICANÁLISE

O ponto de que partiremos neste item é o seguinte pensamento lacaniano: “A linguagem, para nascer, deve sempre ser tomada em seu conjunto. Em contrapartida, para que possa ser tomada em seu conjunto, é preciso que ela comece a ser tomada pela ponta do significante” (LACAN, [1956] 1991, p. 260).

A linguagem é, de acordo com Saussure, uma faculdade que os falantes desenvolvem a partir do sistema linguístico (SAUSSURE, [1915] 2004, p. 17). Ela tem,

dentro da concepção saussureana, um lado social e um lado individual (SAUSSURE, op.cit., p. 17). Por enquanto, falaremos apenas de seu lado social. Abordaremos o lado individual da linguagem no capítulo 2 desta dissertação.

O lado social a que Saussure faz alusão resulta da subordinação da linguagem à língua. A linguagem só pode ser desenvolvida a partir de um sistema que é comum a todos os falantes. Este sistema se organiza de acordo com uma estrutura específica, a qual pudemos visualizar na questão das relações sintagmáticas e das relações associativas. De acordo com Benveniste

Cada sistema, sendo formado de unidades que se condicionam mutuamente, distingui-se dos outros sistemas pela organização interna dessas unidades, organização que lhe constitui a estrutura. Certas combinações são freqüentes; outras, mais raras; outras enfim, teoricamente possíveis, não se realizam nunca. Encarar a língua (ou cada parte de uma língua – fonética, morfologia, etc.) como um sistema organizado por uma estrutura que é preciso desvendar e descrever é adotar o ângulo

‘estruturalista’. (BENVENISTE, [1966] 2005, p. 102)

Há no sistema linguístico um condicionamento mútuo entre os termos. Cada unidade linguística se constitui em relação às outras. Quando a língua é utilizada para a produção da frase, estas relações podem ser visualizadas. O aspecto social da linguagem diz respeito à organização do sistema linguístico. Trata-se de uma organização a que todos os falantes recorrem pelo simples fato de serem falantes de uma língua. A linguagem deve se desenvolver, obrigatoriamente, de acordo com a estrutura específica do sistema lingüístico.

Portanto, a estrutura da linguagem revela a estrutura da língua. Por outro lado, para que esta linguagem possa ser visualizada como parte de um todo é necessário que haja o significante.

A estrutura da linguagem sobre a qual podemos fazer uma análise morfossintática constitui-se de um encadeamento no qual os termos se relacionam para produzir o sentido. Para esta análise, o que importa é o plano da frase, a superfície do discurso em que os termos podem ser visualizados e seus efeitos de sentido podem ser determinados. Para o sentido, contudo, não é apenas o que está no primeiro plano que é importante, mas também o que está além deste plano. Um sentido só pode ser atribuído a uma frase porque cada elemento apresenta um significado que provém das diferenças que são estabelecidas entre outros elementos do sistema. Estes elementos estão apensos

àquilo que a frase traz em sua estrutura. Para que o sentido se produza é necessário que se considere que as unidades linguísticas que compõem a frase só apresentam um significado porque se opõem a outras unidades que poderiam igualmente ocupar-lhes o lugar.

A existência da frase, portanto, abre espaço para que a visão lacaniana considere que não é apenas a sua linearidade que pode conduzir à produção do sentido. É o que podemos representar a partir do seguinte pensamento: “Segundo uma espécie de lei geral de ilusão concernente ao que se produz na linguagem, não é o que aparece no primeiro plano que é importante” (LACAN, [1956] 1991, p. 256). Para a análise sintático-semântica o que importa é o sentido que se produz na frase, no primeiro plano da linguagem, aquilo que podemos ler imediatamente na estrutura. De acordo com a visão deste tipo de análise gramatical, o que se produz na linguagem é o sentido. Ao compreendermos que o sentido não depende apenas do que está no primeiro plano, podemos afirmar que uma leitura sintático-semântica só pode ser feita porque a estrutura da frase está subordinada a uma outra estrutura, referente às associações possíveis a partir das unidades linguísticas presentes na oração.

Apesar de a análise morfossintática ser feita sobre o material que se apresenta na superfície, a frase em si, deve-se considerar que o que está na frase é resultado de um sistema de oposições. O importante não é apenas o que a frase diz, mas o que ela não diz. Se ela traz a palavra “sonhos”, significa que lemos “sonhos” porque não lemos

“pensamentos”. Caso não fosse possível opor “sonhos” a pensamentos”, não teríamos condições de ler “sonhos”, pois não teríamos como determinar que a palavra em questão é esta e não qualquer outra a que pudéssemos associá-la. Portanto, não há como dissociar a existência de uma unidade linguística à existência de outras unidades da mesma ordem. A associação só pode ser feita, contudo, pela existência de algo que possa ser lido. Segundo o pensamento da psicanálise lacaniana, o que lemos é, em primeiro lugar, o significante. A partir dele pode-se tomar a linguagem como algo que vai além da estrutura da frase, como algo que está ligado a um funcionamento social da língua.

Quando Lacan afirma que o que não está no primeiro plano é o que importa ao que se produz na linguagem (LACAN, [1956] 1991, p. 256), ele está fazendo referência a uma outra estrutura, a estrutura do inconsciente, que pode se revelar na linguagem, como veremos no capítulo 2.

Não há a possibilidade de associação caso não se parta da estrutura da frase, ou seja, daquilo que está no primeiro plano da linguagem. Ou seja, os outros planos de constituição da linguagem só podem ser considerados pela análise sintática, se tomarmos como ponto de partida o primeiro plano, o nível da frase. Se a frase com a qual trabalhamos não trouxesse os elementos fundamentais para a análise sintática, não poderíamos fazer qualquer tipo de associação. Se não houvesse a frase, não haveria condições para que estabelecêssemos um vínculo entre os elementos presentes em sua linearidade e os elementos que estão apensos a cada um deles. Isto significa que, ao tomar como ponto de partida a análise sintática tradicional da frase, o que está em primeiro plano é indispensável para que se possa visualizar o que acontece para a constituição dos significados dos elementos e do sentido que pode surgir através de seu posicionamento na estrutura do período. Do ponto de vista do pensamento lacaniano – segundo o qual o que não está no primeiro plano é o que importa à produção do sentido (LACAN, [1956] 1991, p.256) – a análise do que se diz através da estrutura descrita anteriormente, o que está em primeiro plano é tão importante quanto o que está nos outros planos em que a linguagem se constitui. Isto é, para que a linguagem e os efeitos de sentido que o psicanalista busca a partir de sua estrutura sejam percebidos, não se pode prescindir do que é significante nesta estrutura. Para que se visualize o todo, deve- se partir de algum lugar. Este lugar é a frase na qual o significante se articula para suscitar as associações que dão à estrutura sua possibilidade de produzir sentidos.

Para a psicanálise, os efeitos de sentido que se produzem através da estrutura da linguagem estão na fatídica dependência do que é interno a esta estrutura. O que é interno a esta estrutura repousa no que é interno à estrutura do significante. Trata-se de uma estrutura que se constitui simultaneamente a partir de dois tipos de oposição: a oposição entre os elementos presentes na linearidade do significante e a oposição entre os elementos que estão apensos àquilo que se apresenta nesta linearidade. Há, portanto, dois tipos de vínculos que se devem considerar na constituição do significado e, consequentemente, na constituição do sentido, de acordo com Lacan:

Em primeiro lugar, o vínculo posicional, que é o fundamento do vínculo que chamei ainda há pouco proposicional. É o que, numa dada língua, instaura esta dimensão essencial que é aquela da ordem das palavras. Para que vocês compreendam isso, basta lembrarem-se de que Pedro mata Paulo não é equivalente a Paulo mata Pedro. (LACAN, [1956] 1991, p. 256) [grifos do autor]

De acordo com nosso entendimento, este vínculo posicional parte do mesmo princípio que Saussure utiliza para estabelecer as relações sintagmáticas (SAUSSURE, [1915] 2004, p. 142), mesmo sendo olhares que buscam efeitos diferentes. Para que possamos afirmar através da análise sintática que há um sentido numa frase, é fundamental que se considere o posicionamento dos termos. A partir deste posicionamento podemos determinar as relações entre os elementos e atribuir um sentido ao que o signo nos permite ler do período.

A linearidade da frase representa o vínculo posicional ao qual Lacan faz referência. É esta linearidade que “instaura a dimensão essencial da ordem das palavras”. A partir desta linearidade o sentido pode se produzir uma vez que nela se considera o encadeamento dos termos e as funções sintático-semânticas que cada um exerce sobre o outro.

Partindo deste vínculo posicional em que se podem identificar as funções sintáticas dos elementos vimos que sempre há na frase a possibilidade de um termo ser substituído por outro. No exemplo que utilizamos, tomamos por base apenas um dos elementos da frase para demonstrar como isso ocorre. Dissemos, contudo, que as associações podem ser feitas com todos os termos que compõem a frase. Isto é, cada um deles suscita uma associação em face de sua constituição sistêmica. É o que vemos representado no esquema a seguir:

Meus sonhos apresentam imagens vulgarmente distorcidas.

A seta dupla posicionada acima da frase representa a atuação das relações sintagmáticas que produzem os efeitos de ação e retroação que possibilitam a leitura de um sentido. O mesmo movimento de ação e retroação é representado pelas setas duplas posicionadas abaixo de cada elemento. Este movimento é produzido pelas relações associativas a que cada unidade está sujeita.

A análise sintático-semântica da frase, portanto, pode considerar que o material significante de que ela dispõe é resultado de relações que revelam quatro dimensões nas quais o sentido se produz como efeito da articulação do significante. Duas destas dimensões verificam-se na porção diacrônica da língua, o percurso de ida e volta a que nos referimos anteriormente e que condiciona o significado e a função de cada termo da oração em vista da relação linear que existe entre eles. As outras duas verificam-se na sincronia a que cada elemento e, consequentemente, todo o discurso estão subordinados pelo fato de sua existência ocorrer partir das diferenças com outros elementos que fazem parte do sistema lingüístico. Há que se perceber a complexidade deste funcionamento para que se entenda que ele pode, eventualmente, falhar ou não funcionar de acordo com o que o sujeito pretende expressar através da estrutura da linguagem. Este é um aspecto de que trataremos mais à frente, no capítulo 2 da presente dissertação.

Tudo o que se verifica na porção diacrônica da frase é fruto de pares de oposição sincrônica. Não se pode considerar a estrutura sem considerar o todo de que ela faz parte, mas para se considere o todo deve-se partir do material significante, que para Saussure está unido ao significado no signo linguístico. É a estrutura da linguagem que nos possibilita afirmar que o significado de uma unidade linguística é diferente dos outros significados aos quais esta unidade pode ser associada na porção sincrônica da língua. Afirmamos que um significado é diferente de outro porque para cada significado existe um significante distinto. O significante, portanto, dá ao significado um corpo a partir do qual as diferenças possam ser estabelecidas. É interessante verificar o que diz Lacan no seguinte trecho: “O significante não faz senão dar o invólucro, o recipiente da significação, ele a polariza, a estrutura, a instala na existência” (LACAN, [1956] 1991, p. 295).

Ao afirmar que o significante instala a significação na existência, Lacan mostra uma sensível diferença com o pensamento saussureano, visto que parao mestre genebrino os dois se unem no signo linguístico. Essa separação que interessa à psicanálise não é objeto da linguística. Na concepção saussureana do sistema linguístico, com a qual concordamos, existe o signo com duas partes indissociáveis ,ainda que uma seja mais material e a outra mais abstrata. Não há, portanto, um significado que preexista à constituição do sistema. De acordo com Saussure ([1915]

2004):

Tudo que precede equivale a dizer que na língua só há diferenças. Quer se considere o significado, quer o significante, a língua não comporta nem idéias nem sons preexistentes ao sistema lingüístico, mas somente diferenças conceituais e diferenças fônicas resultantes desse sistema (SAUSSURE, 2004, p.139) [grifo do autor].

O fato de que estas diferenças não existem apenas no plano da frase, onde se estabelece o vínculo posicional, é primordial para que se conceba que o sentido que se produz na estrutura vem da constituição sistêmica da língua, onde o signo existe antes de chegar à frase.

Saussure afirma que o significante não é material. Ele é psíquico (SAUSSURE, op. cit., p. 80-81). Além disso, trata-se de um elemento que é linear (SAUSSURE, id., p.

84). Como se trata de um elemento psíquico e linear, a sua linearidade não corresponde apenas àquilo que podemos ler no encadeamento dos termos na frase. Na verdade, a frase só apresenta um encadeamento linear porque o significante que nela se torna visível é linear em sua própria constituição psíquica. Se entendemos a linearidade como aquilo que vemos na cadeia da frase, é porque o caráter de linearidade dos significantes

“aparece imediatamente quando os representamos pela escrita” (SAUSSURE, [1915]

2004, p. 84).

A partir deste pensamento, podemos afirmar, citando Lacan, que “O que aparece a nível gramatical como característico do vínculo posicional se acha a todos os níveis para instaurar a coexistência sincrônica dos termos” (LACAN, [1956] 1991, p. 257).

Isto significa que a mesma relação linear que se verifica na frase para a formação de

“sonhos” é verificada nos termos que coexistem sincronicamente a esta unidade linguística. Trata-se de uma linearidade que é inerente ao significante esteja ele em que nível estiver.

Para a psicanálise esta constituição psíquica do significante é fundamental para a investigação do inconsciente. A frase que traz a superfície do dito carrega em si outros ditos possíveis. O que se diz nem sempre é o que se pode depreender do dito. Os significantes nem sempre apontam para aquele significado que é o mais aparente.

“Sonhos” podem ser “devaneios”, “pensamentos”, “delírios” ou algo totalmente distinto do que a sua constituição na frase pode nos levar a perceber. De acordo com Lacan “O de que se trata no discurso analítico é sempre isto – ao que se enuncia de significante, vocês dão sempre uma leitura outra que não o que ele significa” (LACAN, [1973] 1982, p. 52). Portanto, é essencial à psicanálise considerar que tudo o que ocorre no nível da

frase, ocorre nos níveis em que a coexistência dos termos se constitui porque é neste campo em que se pode detectar uma enunciação inconsciente, capaz de levar à identificação do que importa ao discurso analítico: o sujeito do inconsciente. Esta será uma questão que abordaremos no capítulo seguinte desta dissertação.

A análise morfossintática só pode ser desenvolvida por conta do material linguístico disponível no plano da frase. Portanto, a frase que a análise morfossintática pode estudar está sempre na dependência do significado e do significante. O signo linguístico possibilita percebermos as diferenças que se instauram entre os elementos para que façamos a leitura dos significados e dos sentidos decorrentes do encadeamento dos termos na frase.

A partir disso, podemos afirmar que não importa o que se analise sintaticamente.

O que importa é que tudo surge da estrutura da linguagem, a qual é uma estrutura significante. Sem esta estrutura, não há análise que se sustente e não há real que se constitua através da linguagem senão o que surge de acordo com o que representamos no esquema abaixo:

Meus sonhos apresentam imagens vulgarmente distorcidas.

Este esquema acrescenta ao anterior três setas horizontais cortando as setas verticais que estão posicionadas abaixo de cada um dos termos da frase. As setas verticais representam a coexistência sincrônica de outras unidades linguísticas apensas ao que se apresenta na frase. Cada unidade coexistente é constituída linearmente, assim como o que acontece com os termos da oração. Esta é a linearidade psíquica do significado e do significante instala a existência de cada um dos elementos e dá “o invólucro de sua significação”. É o que representamos com as setas horizontais que estão abaixo do período. As associações possíveis a partir do plano da frase surgem dos signos que nela se articulam e apontam para outros signos. A remissão dos signos a outros signos é fundamental para que os significados sejam estabelecidos.

Como vimos, através da análise morfossintática somos capazes de explicar como o sentido de uma frase se produz através das relações entre os termos na linearidade da frase. O sentido que se pode perceber na linearidade, contudo, só se constitui porque há uma relação entre o que está na frase e o que se encontra além do que ela diz. Na verdade, se observarmos o esquema anterior, vamos perceber que toda a frase apresenta a possibilidade de dizer algo diferente do que pode ser lido, já que todos os seus elementos podem ser substituídos por outros em vista das relações associativas em que a constituição destes elementos está baseada.

Até este momento podemos verificar que a análise morfossintática e semântica da frase pode cumpre seu papel na observação da produção de sentidos ao considerar a constituição sistêmica das unidades linguísticas que se apresentam na estrutura do período. Combinando os princípios da análise morfossintática e semântica aos princípios saussureanos das relações sintagmáticas e das relações associativas podemos contemplar a produção dos sentidos na frase por um prisma diferente do que é apresentado pela visão tradicional de gramática. Através deste entendimento podemos compreender que a constituição do significado e a posterior atribuição do sentido ocorrem a partir de um fluxo que se dá na porção diacrônica da frase e na coexistência sincrônica de outros elementos que estão apensos a cada uma das unidades linguísticas presentes na linearidade da oração.

A concepção de Lacan sobre o significante foge ao entendimento linguístico precisamente porque a busca da psicanálise ao analisar o discurso é diferente. Segundo o pensamento lacaniano, as relações só podem ser feitas porque são relações essenciais à constituição de um elemento sem o qual nenhum significado pode ser estabelecido: o significante. Para a psicanálise, em todos os níveis nos quais a linguagem se constitui, é a existência do significante que possibilita a condição para que o significado se estabeleça. A sua própria estrutura é constituída pelo mesmo jogo de relações que podemos visualizar a partir da frase, tanto em sua porção diacrônica quanto em sua porção sincrônica. O que ocorre na estrutura da frase para a produção dos sentidos, de fato, é uma conseqüência de ela ser um lugar em que o significante pode se articular. Na perspectiva psicanalítica, as leis de estruturação do significante, portanto, são as leis que regem a estrutura da frase e possibilitam a leitura dos significados que nela se encontram e dos sentidos que ela pode produzir.

Dentro desse entendimento, o que a estrutura do significante revela é a existência das mesmas relações gramaticais que se verificam na frase nos níveis que são

exteriores a ela e que são vitais para a produção dos sentidos. Mas, como afirmamos anteriormente, a busca da psicanálise é outra. Trata-se de verificar nestes níveis exteriores como se pode perceber a atuação do inconsciente.

Em vista disso, focalizaremos na sequência a perspectiva lacaniana do que se pode estabelecer entre a enunciação consciente que se apresenta no plano da frase e a enunciação inconsciente que está além daquilo que a frase diz, seguindo na comparação e na distinção entre as duas visões: a linguística e a psicanálise.

CAPÍTULO 2

A FRASE E O INCONSCIENTE

“There´s a sign on a wall That she wants to be sure

‘cause you know sometimes words Have two meanings3 Led Zepellin – Starway to heaven

Sempre devemos nos certificar daquilo que lemos porque pode haver mais de um sentido para o que se revela através de uma escrita. Esta é a preocupação da personagem mostrada na epígrafe com a qual abrimos este capítulo. Há algo escrito em um muro, algo que o sujeito lírico descreve como um signo. A personagem citada por este sujeito quer se certificar do que o signo que lhe chama a atenção representa porque sabe que “às vezes” há mais de um sentido para o que se escreve.

Na verdade, observando a constituição dos significados e a produção dos sentidos no capítulo 1, entendemos que o sentido sempre pode ser outro. Vimos que a produção de sentidos envolve um sistema complexo de relações. Podemos partir da estrutura gramatical e utilizar uma análise morfossintática e semântica para determinar como os sentidos podem ser produzidos. O fato que destacamos é que, se tomamos esta análise morfossintática e semântica considerando que ela se baseia nas relações sintagmáticas e nas relações associativas, percebe-se que a produção dos sentidos não depende apenas daquilo que está no nível da frase. Existe, portanto, algo além do que é expresso através das unidades linguísticas que se encadeiam na frase. Pode-se dizer que é o que não está claramente expresso no nível da frase que interessa à psicanálise.

Isto ocorre porque a psicanálise preocupa-se com a produção dos sentidos como um gramático ou um linguista se preocupam. A frase só importa à psicanálise na medida em que nesta frase uma outra linguagem se faz ouvir: a linguagem do inconsciente.

Lacan afirma que “só há inconsciente no ser falante” (LACAN, [1973] 2003, p. 510).

Sendo assim, para a psicanálise, a frase e sua constituição estrutural só importam pelo fato de que ela parte de um sujeito, um ser da fala.

O sujeito que é importante à psicanálise, o sujeito do inconsciente, pode se revelar no discurso do sujeito que fala. O discurso do inconsciente revela-se mais claramente quando algo falha no processo de produção da frase que descrevemos no

3 “Há um signo num muro/ Do qual ela quer se certificar/ Porque você sabe que às vezes as palavras/ Têm dois sentidos” (Tradução livre)