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A oralidade prevista na BNCC

3.3 APRESENTAÇÃO DA COLEÇÃO

3.3.1 A oralidade prevista na BNCC

No subtítulo anterior, apresentei a coleção BMC (2017) e indiquei alguns pontos de convergência entre o texto do Guia e a BNCC (BRASIL, 2018). Destaco, agora, especificidades previstas na BNCC sobre a abordagem da oralidade em Língua portuguesa e justifico esta escolha através do dialogismo bakhtiniano.

No capítulo introdutório desta Dissertação de Mestrado, realizei um breve apontamento sobre algumas previsões da BNCC acerca do ensino de CN e da oralidade. Retorno a este documento, assinalando que se trata de uma norma nacional para a Educação Básica a qual, em 2017, teve a primeira parte homologada para a Educação Infantil e Ensino Fundamental. Já a segunda parte da BNCC (BRASIL, 2018) foi homologada em 2018, para a etapa do Ensino Médio. É um referencial para a elaboração dos currículos das escolas de educação básica, tanto públicas quanto privadas.

A BNCC (BRASIL, 2018) foi elaborada com fundamentação nos PCN (BRASIL, 1997) e nas DCNEB (BRASIL, 2013), sendo que um documento não anula os outros; há, sim, uma complementação entre os três. Os parâmetros não assinalavam obrigatoriedade, eles apresentavam orientações sobre o cotidiano escolar, conteúdos, além de subsídios para a melhoria da prática pedagógica docente. Eles referenciaram a reelaboração da proposta curricular escolar, a qual foi complementada pelas DCNEB (2013). Já este documento

85 estruturou as normas obrigatórias para a Educação Básica. Seu objetivo foi o de orientar os conteúdos mínimos a serem considerados pelas escolas. Deste modo, as DCNEB (2013) buscaram atender à Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), estabelecendo competências e diretrizes para todas as etapas da Educação Básica.

Assim, esta norma pretende que todos os direitos de aprendizagem e desenvolvimento dos alunos sejam colocados em prática. Para isso, reafirma o Plano Nacional de Educação (PNE), aplicando-se exclusivamente à educação escolar, o que é definido pelo § 1º do Artigo 1º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei nº 9.394/1996).

A BNCC (BRASIL, 2018) não é um currículo, mas sim orientações que buscam promover a elaboração dos currículos locais. Nela são definidas dez competências gerais a serem asseguradas aos alunos durante o desenvolvimento da Educação Básica, permeando a esfera pedagógica, o desenvolvimento de habilidades e os direitos de aprendizagem (conceitos e procedimentos).

Entre as competências gerais da BNCC, às quais se inter-relacionam, perpassando todos os componentes curriculares da Educação Básica, destaco a habilidade de o aluno utilizar conhecimentos das linguagens verbal (oral e escrita) “para expressar-se e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e, com eles, produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo” (BRASIL, 2018, p. 9).

Antes de esmiuçar as previsões da BNCC (BRASIL, 2018) acerca do viés com a linguagem oral, apresento uma das críticas a este documento, feita pela Associação Nacional de Políticas e Administração da Educação (ANPAE)34 a qual diz,

assim, não é necessário que todas escolas tenham o mesmo currículo: o currículo precisa fazer sentido e ser construído contextualmente, atender demandas e necessidades que não são homogêneas. Sujeitos diferentes não produzem nem mobilizam os mesmos saberes, não se inserem nas mesmas experiências de vida, não constroem os mesmos projetos de futuro (AGUIAR;

DOURADO, 2018, p. 25).

Sob este olhar, a BNCC seria um equívoco por tentar homogeneizar os currículos escolares, não atendendo às necessidades locais. Estas críticas referem-se à questão centralizadora do currículo. Os autores afirmam que a qualidade da educação não depende

34 A ANPAE foi fundada em 1961, é uma associação civil de utilidade pública e natureza acadêmica. Atua no campo da política e da gestão educacional, formada por pesquisadores, docentes e estudantes de educação superior;

técnicos dos sistemas de ensino; e professores e diretores de escolas e outros espaços sociais de educação e

formação cidadã. Disponível em

https://anpae.org.br/simposio2011/pergunta_01.htm#:~:text=A%20ANPAE%20%E2%80%93%20Associa%C3

%A7%C3%A3o%20Nacional%20de,de%20ensino%3B%20e%20professores%20e. Acesso em 22 jun.2020.

86 apenas desse projeto unificador dos currículos, pois pouco se discute acerca de outros elementos essenciais à educação, como a “valorização do comprometimento dos docentes com seu trabalho, a melhoria das condições de trabalho, o estudo e a infraestrutura nas escolas, a formação de quadros nas secretarias para trabalharem com e sobre o currículo” (AGUIAR;

DOURADO, 2018, p. 27).

Concordo com as ponderações dos críticos acerca das limitações apontadas sobre o documento de cunho nacional, entretanto, ressalto que vejo positivamente as previsões do DC- GO, o qual se baseia fundamentalmente na BNCC (BRASIL, 2018), mas utiliza-se da possibilidade de incluir o aspecto da ‘Goianidade’ como fator que identifica as experiências de vida regional, própria deste Estado.

Reforço que, no Capítulo 2 desta Dissertação de Mestrado, apresentei uma proposta da construção de uma relação dialógica entre os componentes curriculares de CN e os Língua Portuguesa. Nesta relação, referenciei-me em Bakhtin/Volochínov (2014), Bakhtin (1998), nas DCNEB (2013), na BNCC (BRASIL, 2018) e em Guedes; Souza (2011).

Sobre este conceito, Scorsolini-Comin (2014, p. 251) afirma que o dialogismo é

“construído pela emergência de várias vozes relacionadas a um tema específico [...]” sendo que estas vozes “estabelecem uma variedade de ligações e inter-relacionamentos”.

Assim, respaldo-me para apontar o que a BNCC vem normatizando sobre o ensino do eixo da oralidade em Língua Portuguesa e, desta forma, sob o aspecto dialógico, inter- relacionando as demais áreas do conhecimento para estas práticas da linguagem oral.

Di Fanti (2003) também se referencia em Mikhail Bakhtin, corroborando com o caráter dialógico da língua/linguagem defendido pelo filósofo. A pesquisadora aponta que há uma arquitetura de vozes discursivas/sociais

[…] a linguagem constitui-se num espaço de tensão entre vozes sociais, num movimento dialógico que indissocia forças interdependentes, não- dicotômicas: as forças centrípetas e as centrífugas. Ao lado da centralização verbo ideológica e da união, caminham ininterruptos os processos de descentralização e desunificação. Enquanto as forças centrípetas se empenham em manter a “unidade” e procuram resistir às divergências, as forças centrífugas se empenham em manter a variedade, as diferenças (DI FANTI, 2003, p. 103).

Neste caso, a força centrípeta própria das CN centraliza o foco da produção oral para os conteúdos inerentes ao ensino deste componente curricular. Por outro lado, a força centrífuga descentralizadora convoca outras vozes, sendo uma delas a da Língua Portuguesa, para, em conjunto com as CN, interagir e constituir a dinâmica da produção de textos orais em sua

87 diversidade de gêneros.

Assim, na busca de propor esta relação dialógica, apresento, a partir do texto da BNCC (BRASIL, 2018), as previsões do trabalho com a oralidade em Língua Portuguesa, bem como as suas relações com as habilidades orais nas CN.

Antes, porém, relembro que a oralidade já era prevista como uma prática de linguagem de ensino desde os PCN (BRASIL,1997). No entanto, foi a partir da normatividade da BNCC (BRASIL, 2018) que se tornou necessária a implementação efetiva da oralidade nos currículos escolares, o que considero um grande avanço.

Como docente dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, pude perceber a importância dada à produção escrita e à leitura em sobreposição às atividades orais. A exigência dos pais, a competitividade entre os colegas de turma e a cobrança da gestão escolar muitas vezes estavam ligadas ao quantitativo de alunos que já dominavam a leitura e a escrita, ficando para um segundo plano o domínio da produção oral da criança.

Sobre isto, Marcuschi (2010) diz que a oralidade e a escrita são essenciais, a importância de uma não se sobrepõe à outra, pois são práticas se complementam e apresentam um dinamismo próprio do uso da língua. Assim, acredito nesta relevância dada às questões orais, como também indico a proposta da BNCC (BRASIL, 2018) para a oralidade, a qual é apresentada como fundamental para a formação da criança e do jovem.

Segundo a BNCC (BRASIL, 2018), entre as dez competências gerais da Educação Básica, a utilização da linguagem oral está contemplada para se desdobrar no tratamento didático que compõe as três etapas da Educação Básica, ou seja, as questões da oralidade se articulam “na construção de conhecimentos, no desenvolvimento de habilidades e na formação de atitudes e valores, nos termos da LDB” (BRASIL, 2018, p. 9). Ressalto que delimitei meus estudos apenas à etapa do Ensino Fundamental (Anos Inicias).

Um outro aspecto sobre a oralidade previsto na BNCC é em relação à “oralização de textos em situações socialmente significativas” (BRASIL, 2018, p. 79). Esclareço que não verificarei esta abordagem. Justifico meu posicionamento através da perspectiva dos autores genebrinos. Dolz, Schneuwly e Haller (2011) diferenciam gênero oral e atividade de linguagem oral. Estes autores defendem que, ao ler um texto, há, assim, uma atividade de linguagem oral, através da escuta deste texto, porém não há a produção de texto, ou seja, não se produz um gênero, e sim a oralização de um texto escrito.

88 Apresento, na sequência, o Quadro 4. Nele, mostro o “tratamento para as práticas de linguagem que ocorrem em situação oral” (BRASIL, 2018, p. 79), para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental.

Quadro 3: O tratamento para as práticas de linguagem que ocorrem em situação oral

Fonte: BNCC (BRASIL, 2018, p. 79-80)

A partir das indicações da primeira coluna, percebi que a primeira e a última linha possuem uma certa aproximação no aspecto da multissemiose. Assim, conforme dizem Carlomagno; Rocha (2016), busquei evitar a replicação do estudo e proporcionar a homogeneização das categorias de análise. Deste modo, adaptei estas previsões em 3 (três) categorias, as quais se relacionam com o primeiro objetivo desta Dissertação de Mestrado. As previsões às quais investiguei foram: compreensão de textos orais, construção de sentido utilizando para isso recursos multissemióticos e produção de textos orais.

A partir destas três categorias adaptadas por mim, acredito que é possível, enquanto se estuda os conteúdos das CN (no LD), produzir GOs e, concomitante a isto, o aluno ser mediado pelo professor para observar a prática da sua oralidade.

Sobre a importância do desenvolvimento da linguagem, a coleção BMC (2017) afirma que

89 O trabalho com a linguagem nesta obra, portanto, não pretende desviar o olhar do aluno dos conhecimentos das Ciências e do desenvolvimento das competências e habilidades relacionadas, mas, ao contrário, procura promover uma maior reflexão de forma a potencializar a aprendizagem destes conteúdos (YAMAMOTO, 2017, p. XXI).

Ainda, nesta reflexão, referente ao componente curricular de Língua Portuguesa, a BNCC salienta que o eixo da oralidade

[…] compreende as práticas de linguagem que ocorrem em situação oral com ou sem contato face a face, como aula dialogada, webconferência, mensagem gravada, spot de campanha, jingle, seminário, debate, programa de rádio, entrevista, declamação de poemas (com ou sem efeitos sonoros), peça teatral, apresentação de cantigas e canções, playlist comentada de músicas, vlog de game, contação de histórias, diferentes tipos de podcasts e vídeos, dentre outras. Envolve também a oralização de textos em situações socialmente significativas e interações e discussões (BRASIL, 2018, p. 78-79).

São muitas as oportunidades de se desenvolver as competências orais dos alunos (propondo que produzam GOs). Desta maneira, verifiquei se o LDCN atende estas normatizações da BNCC, mesmo tendo a clareza que estas previsões são para Língua Portuguesa, mas considerando a possibilidade de se criar uma relação dialógica.

Findadas as referências sobre material didático, no próximo capítulo trago a análise dos dados ‘frutificados’ com a pesquisa da coleção BMC (2017).

90 4 A FRUTIFICAÇÃO DOS DADOS

Se não houve frutos, valeu a beleza das flores; se não houve flores, valeu a sombra das folhas; se não houve folhas, valeu a intenção da semente.

Henfil

A fase da frutificação ocorre logo após a polinização da flor, ou seja, ela necessita de procedimentos transcorridos da natureza, garantindo, assim, a formação dos frutos daquilo que se plantou. Analogamente é o que considero acontecer na análise dos dados de uma pesquisa, já que são necessários os procedimentos metodológicos que assegurem a busca pelas respostas aos objetivos traçados durante o estudo.

Assim, neste capítulo, demonstro a análise dos dados obtidos com a pesquisa da coleção BMC (2017). Esses dados revelam os resultados que envolvem os três objetivos desta Dissertação de Mestrado: a) quanto à abordagem dos gêneros orais e o alinhamento com a BNCC (2018); b) quanto ao favorecimento ao letramento crítico do aluno; c) quanto à contribuição para a ampliação de capacidades requeridas em esferas extraescolares relacionadas a esses gêneros orais. Para analisar as propostas, estabeleci categorias de análise com as quais trabalhei.