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A restruturação produtiva

No documento Faculdade de Enfermagem (páginas 44-94)

1.1 O contexto neoliberal

1.1.1 A restruturação produtiva

O modo de produção capitalista apontado por Marx é baseado na produção de mais- valia absoluta e/ou relativa através da qual busca resolver as contradições presentes na relação valor e trabalho (MARX, 1996). A partir desse conhecimento, Giovanni Alves descreve a restruturação produtiva como o movimento de posição e reposição dos métodos de produção de mais-valia, em especial da relativa, por meio de uma nova organização do trabalho mais adequada a cada fase do capitalismo (ALVES, 2011a, 2011b).

Para melhor compreensão do processo de restruturação produtiva do capital, é necessário retomarmos a principal característica do sistema capitalista de produção que é a acumulação através da extração de mais valia. Neste contexto, alguns autores descrevem a centralidade da expansão e da obtenção de lucro como princípio do capitalismo. E para produção/extração da mais-valia utiliza-se da exploração do trabalho vivo na produção através da exploração da força de trabalho, sendo necessário para tal estabelecer modos de controle da produção, para mantê-la em constante crescimento, principalmente após a revolução industrial (HARVEY, 2007, 2008, 2012; MARX, 1996, 2010).

A revolução industrial, ocorrida no final do século XVIII, marca o início do capitalismo industrial, fase do sistema caracterizado pela produção de riqueza através da divisão do trabalho, do assalariamento e da exploração da mão de obra. A lógica era produzir com o menor custo para obter o maior lucro possível, num contexto em que havia concorrência, portanto, com preços definidos pelo mercado. A obtenção de lucro esteve fortemente relacionada ao processo produtivo e as formas de controle do trabalho e da produção. Os primeiros sistemas produtivos foram estruturados por Frederick Winslow Taylor e Henry Ford inovadores na produção em grande escala, aumentando a acumulação de riquezas pela exploração do trabalho e mais tardiamente substituído pelo toyotismo que apresentou-se como o sistema de produção capaz de atender às exigências do modelo neoliberal (RIBEIRO, 2012; SOUZA; MENDES, 2016).

Cabe ressaltar que o fordismo, taylorismo e toyotismo são expressões particulares de controle do processo de trabalho pela dinâmica da acumulação capitalista, entendidos como métodos de gestão que atuam como disciplinadores do trabalho. Nas últimas décadas do século XIX, alguns autores da economia clássica já vinham pensando sobre estratégias de organização e controle do trabalho. Nessa lógica foi Frederick Winslow Taylor quem desenvolveu a ideia de gerência científica (RIBEIRO, 2015).

Taylor propôs o modelo de uma gerência que através de métodos de controle do trabalho, estabelece regras e maneiras padronizadas de executar o trabalho baseadas no controle do tempo, na divisão do trabalho, na classificação deste e no estabelecimento de metas. O que Taylor defendia era um intenso predomínio do trabalho, impondo ao trabalhador maneiras rigorosas pela qual o trabalho deve ser executado (RIBEIRO, 2015; TAYLOR, 2011).

Ainda no que concerne ao controle laboral, proposto pelo sistema de produção taylorista, vale-se da análise de Richard Sennett (2014) sobre o controle sistemático e rigoroso do processo de trabalho. Este processo, para o autor, representa uma estratégia de dominação através da desapropriação do trabalhador sobre o processo produtivo, pela fragmentação do trabalho, pela rotinização do processo e alienação do trabalhador.

Assim, pode se apreender que os mecanismos adotados no taylorismo, através da dominação do tempo, criam um ambiente de trabalho degradante, uma fonte de captação da subjetividade do trabalhador imerso nessa realidade laboral. Impede-o também de ter qualquer visão mais ampla de futuro ou de adquirir qualquer conhecimento de como fazer a mudança deste cenário arrebatador e perpetuador de dominação do capital sobre o trabalhador (SENNETT, 2014).

O taylorismo expressou a questão da dominação e subordinação do trabalhador na relação capital trabalho. A subordinação deste ao capital ganha contornos de cientificidade.

Ciência e técnica colocados a serviço do capital para a extração crescente de mais-valor através de técnicas e procedimentos administrativos, que objetivaram a produção em escala crescente, submetendo o trabalhador a uma rígida disciplina fabril e a controles e hierarquia que retiram qualquer autonomia trabalhador. A perspectiva taylorista está claramente voltada para a subordinação do operário ao capital, cujas bases foram aperfeiçoadas no fordismo (SANTOS, 2015).

O fordismo foi criado por Henry Ford em 1913 e tinha como objetivo desenvolver ainda mais a produção a partir dos princípios Tayloristas e assim atender a um elevado número de consumidores. A grande novidade técnica e em termos de organização da produção foi a introdução da esteira rolante, com dramáticos ganhos de produtividade e controle do tempo de produção e determinados agora pela máquina e não somente pelo sistema gerencial (LIMA; BRISOLA, 2008; SANTOS, 2015).

Assim como o taylorismo, o fordismo também assume com princípio o controle do trabalho, no entanto, Ford, além de dominar a força de trabalho, buscava a adesão dos trabalhadores. Se no aspecto técnico a grande inovação foi a esteira de produção com intensificação do trabalho, automatização, mecanização e produção em massa, no campo ideológico essa se expressava pela ideia do consumo em larga escala (RIBEIRO, 2015;

SANTOS, 2015).

No que concerne ao controle do trabalho, tanto o taylorismo quanto o fordismo utilizaram de mecanismos para o convencimento da força de trabalho baseados no uso da força. Taylor e Ford acreditavam na necessidade de sujeitar o trabalhador à disciplina e à hierarquia, ou seja, apropriam-se do conhecimento do operário, transferindo para os mecanismos técnicos, os equipamentos e a gerência o máximo das capacidades intelectuais do trabalhador. Tal estratégia de expropriação do saber e do controle operário sobre o processo de trabalho contribuiu para o estabelecimento de uma estreita dependência entre o empregado e a organização capitalista do trabalho (LIMA; BRISOLA, 2008; RIBEIRO, 2015; SANTOS, 2015).

Nesta dinâmica de rígida disciplina, que assegura o domínio no terreno produtivo, na extração de mais-valia decorrente da absorção da força de trabalho e da redução permanente do tempo improdutivo, há grande empenho para subordinar o trabalhador em termos hierárquicos, tanto quanto ao processo e organização da atividade laboral para poder afirmar

que o controle, a disciplina e a hierarquia tornam-se fundamentais à dominação no trabalho e na organização taylorista-fordista (RIBEIRO, 2015; SANTOS, 2015).

Outro aspecto relevante na análise da dominação do trabalhador consiste no exame da centralidade da categoria trabalho na produção capitalista e a teoria do valor de Marx. Com o desenvolvimento do sistema de produção e a consequente mercantilização de todas as esferas da vida, o trabalho deixou de ser espaço de produção coletiva/social para ser mercadoria a ser vendida e comprada pelos detentores dos meios de produção. Desta forma, tendo como mediações o assalariamento e divisão técnica do trabalho, o sistema produtivo submete o trabalhador à determinação do capital e à destituição de seu poder de controle sobre o sistema produtivo, tornando o trabalho abstrato e alienado (BRITO, 2013; MARX, 1996, 2010;

POSTONE, 2014)

Na segunda metade do século XX, os sistemas produtivos taylorista e fordista promoverem a superprodução, esta alavancada pela introdução tecnológica no processo produtivo, pela organização gerencial, juntamente com o aumento da concorrência e internacionalização dos mercados, desencadeando assim, a crise estrutural do sistema capitalista. Essa fase foi caracterizada pela superacumulação produtiva, queda na extração de mais-valia no processo produtivo e financeirização do capital, algo que contribuiu para a estagnação do sistema produtivo e impulsionando sua reconfiguração por não mais atender às necessidades de produção e acumulação de riquezas do capitalismo (ALVES, 2007, 2011a, ANTUNES, 2012, 2014; ANTUN I UR , 2010; BRITO, 2013).

Para Karl Marx, o sistema capitalista apresenta contradições estruturais que conduzem à crise e, como resposta, à criação de novas contradições, tendo o trabalho como a principal fonte de produção de riquezas. Esse valor do trabalho não é apropriado ao trabalhador que o produz e sim ao capitalista detentor do sistema de produção, sob a forma de mais-valia (MARX, 1996). Nesse sentido, a crise do sistema taylorista e fordista é considerada a própria crise estrutural do sistema produtivo que com a incorporação tecnológica, promove a ressignificação do valor do trabalho, acarretando, desse modo, na diminuição da taxa de lucro, na superprodução com esgotamento da acumulação, pela incapacidade de responder a retração do mercado de consumo al m da superação do capital financeiro sobre o capital produtivo ( TU TU I UR , 2010).

Aliado à crise estrutural, o processo de globalização e internacionalização do mercado, a ampliação da concorrência, o surgimento do eurodólar na Europa, a crise do petróleo, a desaceleração da economia e a queda da bolsa de valores com prejuízos ao capital especulativo dão início, nos Estado Unidos, a uma reordenação do mercado e do modo de

produção, diante da ameaça da perda da hegemonia econômica do sistema capitalista. No mesmo período a economia japonesa recupera-se do período pós-guerra com um crescimento admirável e sustentada em altos indicadores de produtividade do trabalho (ALVES, 2011a, 2011b; RIBEIRO, 2015; SANTOS, 2015).

O modelo japonês mostrou-se adequado à nova necessidade de acumulação e restruturação do sistema produtivo nos moldes das ideias neoliberais. Denominado toyotismo, por ter sido idealizado e implementado incialmente nas fábricas da Toyota, apresentava-se como a estratégia japonesa de expansão e consolidação do novo sistema produtivo e que muito rapidamente se propagou para as grandes companhias daquele país e do mundo, tendo por base a flexibilização das relações de trabalho e da produção (RIBEIRO, 2015; SOUZA;

MENDES, 2016b).

O toyotismo enquanto estratégia produtiva do capital dissemina, consolida e explicita sua capacidade de controle social por meio de três dimensões distintas da restruturação produtiva. Ou seja: inovações tecnológicas através da inserção da tecnologia, como a robótica, a telemática, com vistas a automação do processo de trabalho (aliada ao aumento da concorrência e da massificação o consumo) processos produtivos e os organizacionais que visam obter o máximo da capacidade produtiva de cada trabalhador (HORST; SOBOLL;

CICMANEC, 2013).

A reestruturação e adoção de inovações organizacionais em que o controle e a mobilização da subjetividade dos trabalhadores aparecem enquanto ferramentas de gestão, acentuada a exploração da força de trabalho e normatização da produção configurando a cooperação complexa da nova produção capitalista e, por fim, as inovações sociometabólicas, entendidas como matrizes analíticas portadoras de múltiplas formas de precarização (objetiva ou subjetiva) da força de trabalho (ALVES, 2011b).

O toyotismo tem como características a reorganização do sistema produtivo utilizando fortemente o conceito de flexibilização das e nas organizações. Em suma, este modelo flexibiliza o trabalho onde o trabalhador deve ser capaz de ocupar diferentes postos de trabalho, devendo ser ágil, flexível, qualificado e polivalente. Além disso, possui formas de regulamentação jurídica, no que refere aos direitos trabalhistas e formas de contratação e econômicas, no que diz respeito a remuneração e manutenção do emprego. Porém, todas essas variáveis dependentes da regulação do mercado e do capital ( b TU TU TU I UR , 2010; RIBEIRO, 2015, 2012).

Como características do toyotismo verifica-se também a obsessão pelo controle do tempo, pela produção e pela diminuição do desperdício. Utiliza-se assim da concepção de lean production, ou empresa enxuta, para a redução dos custos da produção através da adoção de tecnologias cada vez mais avançadas, como a informática e a microeletrônica, exigindo cada vez menos trabalhadores na linha de produção, controlando a produção de acordo com a demanda do mercado e promovendo desemprego de um grande número de pessoas. Por sua vez, o desemprego contribui para a desvalorização da força de trabalho, criando assim, um exército de reserva que é mais facilmente dominado face à necessidade de subsistência pelo sistema (ALVES, 2011b; ANTUNES, 2012, 2014; ANTUNES; PRAUN, 2015; RIBEIRO, 2015, 2012).

O toyotismo difere do fordismo basicamente pela produção muito vinculada à demanda que além de variada é bastante heterogênea. Fundamenta-se no trabalho em equipe, fragmentado, desprovido de controle do trabalhador, onde este pode ter de lidar com múltiplas tecnologias ao mesmo tempo, exigindo qualificação e multifuncionalidade. Adota como princípio o just in time, o melhor aproveitamento possível do tempo de produção, e funciona eliminando a remuneração do tempo não produtivo, através da intensificação e da sobrecarga de trabalho. Por fim tem a gestão de todo processo produtivo e redesenho das linhas de produção realizados pelo sistema de kanban, que é o meio utilizado para administrar todos os elos da cadeia produtiva através de informações e de sua circulação (ALVES, 2011b;

ANTUNES, 2012, 2005; ANTUNES; PRAUN, 2015; LIMA; BRISOLA, 2008) .

Desta forma o processo produtivo é horizontalizado, as empresas passam a se organizar de formas hierárquicas (de acordo com sua importância na cadeia produtiva) em grandes redes e muitas vezes transferindo muitas atividades para terceiros e empresas mais flexíveis em países, cujas regulações do trabalho permitem uma maior exploração (ANTUNES, 2014).

A vigência do novo capitalismo flexível com o surgimento de novas modalidades de contratação salarial, desregulação da jornada de trabalho e instauração de novos modos da remuneração flexível, podem ser consideradas formas de precarização da força de trabalho (ALVES, 2013).

1.1.2 A precarização do trabalho.

O termo precarização tem sido utilizado atualmente em referência a uma diversidade de situações laborais atípicas em consequência da reestruturação produtiva estabelecida com base nas políticas econômicas neoliberais. Dentre as formas de precarização do trabalho, a inserção no mercado de trabalho através de vínculos não regulamentados pelo contrato de trabalho típico e as condições de trabalho nelas contidas tem sido a principal abordagem utilizada, principalmente por produzirem uma condição inferior ao assalariamento da força de trabalho (GALEAZZI, 2011).

Robert Castel, em uma visão ampliada da precarização conceitua:

A precarização do trabalho como elemento central da nova dinâmica do desenvolvimento do capitalismo, criando uma nova condição de vulnerabilidade social: um processo social que modifica as condições do assalariamento (estável) anteriormente hegemônico no período da chamada sociedade salarial ou fordista. A perda do emprego ou a perda da condição de uma inserção estável no emprego cria uma condição de insegurança e de um modo de vida e de trabalho precários, nos planos objetivo e subjetivo, fazendo desenvolver a ruptura dos laços e dos vínculos, tornando-os vulneráveis e sob uma condição social fragilizada, ou de "desfiliação"

social (CASTEL, 2013; p.516-518).

Cabe ressaltar que para esse trabalho adotaremos o conceito de precarização postulado por Castel (2013), pois este considera precarização o processo que modifica a questão do assalariamento, e o substitui por novas formas de contratação através de terceirizações, cooperativas, organizações sociais e qualquer outra forma de inserção no trabalho que não corresponda ao contrato de trabalho que garanta estabilidade e seguridade social.

O desenvolvimento tecnológico e científico ocorrido no período pós-segunda guerra até a década de 1970 impulsionaram o modelo de produção taylorista/fordista. Ou seja, através da mecanização e otimização dos processos de trabalho contribuindo para a maior produtividade, lucratividade, acumulação de capital e consequente desenvolvimento econômico (LIMA; BRISOLA, 2008; RIBEIRO, 2015)

O crescimento econômico e financeiro nesse período permitiu principalmente nos países desenvolvidos como França, Inglaterra e Estados Unidos a constituição de uma ampla rede de proteção social e elevação da qualidade do trabalho assalariado. Pressupondo o estabelecimento de contratos de trabalhos com limites rígidos no que diz respeito à demissão e reduzindo as taxas de desemprego globais, tornou viável o crescimento real do salário dos trabalhadores, além das garantias sociais de proteção, das lutas dos trabalhadores através do fortalecimento dos movimentos sindicais (ALVES, 2011a; SOUZA; MENDES, 2016b).

Entretanto, a quebra das barreiras econômicas e financeiras dos mercados produtivos impulsionadas pelo desenvolvimento tecnológico e a globalização exigiram dos sistemas de produção a reformulação de seus processos com o objetivo de manter a competitividade e a lucratividade das empresas. Neste sentido, modelo taylorista/fordista mostra sua fragilidade em atender a tais exigências, dando lugar ao modelo toyotista japonês (MONTAÑO, 2010).

Para Montaño (2003), o projeto neoliberal representa a estratégia hegemônica para a restruturação geral do capital e se desdobra em três frentes articuladas: o combate às leis e políticas trabalhistas e as lutas sindicais as chamadas restruturações produtivas (toyotização ou flexibilização da indústria fordista) e a reforma do estado (flexibilidade das relações sociais, políticas e econômicas).

No Brasil o processo de precarização é acirrado a partir da década de 1990 com a reformulação do Estado imposta pelos mecanismos internacionais de regulação econômica e financeira, em especial o FMI e Banco Internacional de Desenvolvimento (BID), agencias responsáveis pelo financiamento do governo brasileiro que vincularam a adoção de políticas neoliberais pelo governo como critério para liberação de recursos financeiros aos países (MONTAÑO, 2010).

Em atendimento as exigências neoliberais, o Estado brasileiro inicia uma reformulação política e econômica com um movimento de mudança das regulações legais dos mercados econômicos e das relações de trabalho, enfraquecendo as conquistas sindicais e trabalhistas conquistadas nas décadas de 1960 a 1980 (MONTAÑO, 2010).

A precarização no caso brasileiro surge como a principal forma de flexibilização do trabalho através de uma série de mudanças na legislação que permitem a descentralização e a transferência da responsabilidade empregatícia do estado para o setor privado, liberando-o dos encargos e diretos trabalhistas, sob a justificativa de melhoria na gestão dos recursos públicos e de enfrentamento da crise financeira global (FRANCO; DRUCK; SELIGMANN-SILVA, 2010).

No setor saúde, a falta de investimentos no SUS, principalmente no que diz respeito à contratação de trabalhadores de forma estável através de concursos públicos, associados aos problemas estruturais, desencadearam a crise da saúde que constituiu em um terreno fértil à precarização do trabalho como forma de recomposição da forca de trabalho (ALVES; ASSIS, 2011).

O sistema de saúde brasileiro adotou a precarização do trabalho com matrizes diferentes nas três esferas de governo, acarretando na heterogeneidade de vínculos. As diversas formas de inserção e manutenção do trabalhador da saúde no Sistema Único de

Saúde estabeleceram novas relações de trabalho e novos desafios para a gestão dos serviços de saúde e para os trabalhadores das diversas categorias profissionais (CARVALHO, 2014;

DRUCK, 2011; GOMES et al., 2016).

1.1.3 O processo de precarização do trabalho de enfermagem

O trabalho de enfermagem é desenvolvido por equipes de trabalhadores que estão inseridos no setor terciário da economia, o de prestação de serviço. Assim como os demais profissionais de saúde, a equipe de enfermagem também sofreu com as reformulações do mundo do trabalho sob a lógica da precarização deste.

A precarização do trabalho na enfermagem também se consolidou a partir do Governo de Fernando Henrique Cardoso, o qual iniciou a reforma administrativa no serviço público, sob a justificativa de modernizar a gestão através das privatizações da saúde e da flexibilização da contratação de profissionais. Adotando diretrizes neoliberais, promoveu a desinstitucionalização dos direitos preconizados na Constituição Federal de 1988, sobretudo com a privatização dos serviços prestados a sociedade e com a transferência gradativa da sua gestão para instituições de iniciativa privada, permitindo a contratação de trabalhadores na saúde, em especial os da enfermagem, através de vínculos com baixos salários, sem estabilidade e com ampla redução dos direitos trabalhistas (CAVALCANTE; LIMA, 2013).

Nesse contexto de instabilidade promovido pelas reformas político administrativas e com a inserção da lógica neoliberal e da iniciativa privadas na saúde, principalmente com a contratação de profissionais através de vínculos sem estabilidade e garantias, verifica-se uma diminuição da contratação de trabalhadores e o aumento do desemprego, culminando em um ciclo vicioso de insegurança quanto à manutenção do emprego (SILVA et al., 2013).

Como consequência tem-se a configuração do trabalho precário na enfermagem, entendido como “toda ação profissional desenvolvida sem estabilidade benefícios e segurança ao trabalhador cuja vulnerabilidade do vínculo é a principal provocadora da insegurança do trabalhador e de sua desmobilização política” ( T I 2013.p 250).

Soma-se a essas condições produzidas pela reforma administrativa os baixos investimentos no setor saúde que acabam por intensificar a manutenção de condições desfavoráveis ao exercício profissional da enfermagem devido à falta de insumos,

sucateamento das estruturas físicas das unidades de atendimento, baixo investimento em tecnologias e manutenção do parque tecnológico.

No trabalho da enfermagem, principalmente no ambiente hospitalar, estão presentes características que funcionam como agentes estressores ou riscos psicossociais, como a necessidade de informação, formação e treinamento; ambiguidade de papéis; o relacionamento interpessoal conflituoso; o ritmo de trabalho intenso diante da pressão do tempo para a realização de tarefas; o trabalho em turnos, os recursos humanos e materiais insuficientes, a terceirização e o duplo vínculo empregatício (OLIVEIRA et al., 2010).

Neste contexto a precarização do trabalho, em especial o da equipe de enfermagem, caracteriza-se pela dominação que mesclam insegurança, incerteza, sujeição, competição, intensificação do trabalho, perda do sentido do trabalho, impactando a subjetividade do trabalhador gerando violência e adoecimento (FRANCO; DRUCK; SELIGMANN-SILVA, 2010).

As transformações ocorridas no mundo do trabalho em decorrência da precarização modificaram as relações de trabalho e a vida social dos trabalhadores, produzindo desestabilização e vulnerabilidade social com perda da autoimagem, corrosão dos sistemas de valores, acarretando adoecimento físico e mental (FRANCO; DRUCK; SELIGMANN- SILVA, 2010).

Ao refletir mais sobre a precarização do trabalho deve-se considerar que a subjetividade dos trabalhadores é duramente atingida, pois estes vêm, ao longo das últimas décadas, perdendo direitos trabalhistas que são resultados de longas lutas e duras conquistas de proteção social e psíquica dos trabalhadores. Pois este acaba ficando em condições de vulnerabilidade porque são submetidos a normas impostas pelo mercado de trabalho (MONTAÑO,2010).

O processo de precarização altera a vida do trabalhado, tais de estratégias, que maximizam o controle sobre a subjetividade do trabalhador através de medidas que visam sua dominação e submissão, produzem insegurança. Além disso, este trabalhador é incentivado à uma competição voraz promovida pelo paradigma da excelência, o sequestro do tempo pela intensificação do trabalho, a multifuncionalidade exigida pelas mudanças constantes no cenário do trabalho, impactando, assim, negativamente na saúde mental dos trabalhadores (FRANCO; DRUCK; SELIGMANN-SILVA, 2010).

Neste contexto, a manutenção de regulamentações frágeis torna este trabalhador desprotegido, uma vez que a desoneração do Estado, no tocante ao seu papel de protetor da saúde e da dignidade no trabalho, contribuem para as estratégias estabelecidas pela

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