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3.2 A reestruturação da matriz curricular do curso de Pedagogia da UEG em 2020

3.2.2 A autonomia da UEG

A reforma da estrutura organizacional e pedagógica na UEG instituiu critérios para a oferta dos cursos, ou seja, o funcionamento da UnU. Por exemplo, a ausência de efetivos não é do âmbito da UnU, mas do poder central. No entanto, isso teve impacto na ponta, pois implica o fechamento de cursos em cidades interioranas de Goiás. Nesse processo aconteceram debates que “em grande parte, não [têm] levado em consideração a história e o protagonismo de seus profissionais, bem como o investimento público necessário para o fortalecimento dessa instituição de ensino” (DOURADO; SIQUEIRA, 2019, p. 280).

Dito isso, pode-se inferir que a representação do poder do Estado configura-se mediante suas políticas. Isso revela que a política é o meio pelo qual o Estado expressa as relações de poder nas quais que os agentes do campo político conseguem direcionar suas ações – neste caso, ações direcionadas ao microcosmo da UEG. Próxima à Classe 5, localiza- se a Classe 1, intitulada “A autonomia da UEG”.

Figura 12 - A autonomia da UEG

Fonte: Elaboração própria, por meio do Cmap Tools, com dados do software IRaMuTeQ.

Como mostra o mapa, a autonomia da UEG é reflexo do poder do estado de Goiás, que detém capital para institucionalizar a Universidade. Trata-se de um governo que tem uma trajetória consubstancializada em autoritarismo, que traz marcas de uma política coronelista.

Alguns entrevistados relatam tanto a marca coronelista como a marca autoritária do governo, citando demandas como a imposição da data-limite para a reestruturação da matriz curricular:

Eu acho que essa diminuição de câmpus é do Caiado. Nitidamente você vê que o Caiado tem algum problema com a UEG, a forma de tratamento dos professores da UEG e a forma dos professores da SEDUC, por exemplo, é totalmente diferente.

Existe algo que eu não sei também e como há muito bairrismo, porque Caiado é coronel, mas ele é coronel no poder e tem um monte de coroneizinhos em todos os câmpus, entendeu? E isso é uma característica de Goiás, muito forte [...] E o Caiado, ele se dá a esse direito. Ele manipula, ele coloca pessoas, dizem que algumas pessoas são colocadas nitidamente por ele para fazer, para manter essa relação de poder (ENTREVISTADO 5).

Foi assim, foram debates bem calorosos, mas enfim intervenção, ordem do governador como de um governo autoritário que nós temos com data, se não entregasse dia 30 de junho nós não teríamos vestibular. Dadas as circunstâncias fizemos a reunião com o NDE e resolvemos atualizar a matriz (ENTREVISTADO 1)

Lena Castelo Branco empreende análises sobre a família Caiado e sinaliza elementos de sua imagem autoritária:

A imagem de autoritarismo da família projetou-se com a campanha de demonização dos Caiado, deflagrada por seus adversários ainda na Velha República, em jornais do Rio de Janeiro e replicada nos periódicos locais. Esse perfil negativo consolidou- se durante o longo consulado de Vargas e Ludovico, quando o Poder Legislativo permaneceu desativado e a imprensa estava sob censura. Referida imagem não me parece inteiramente destituída de fundamento, até porque a sociedade goiana era (ainda é) marcada por atributos “de força, virilidade e autoritarismo”, ancorados no agrarismo predominante na fronteira em deslocamento, rumo ao Oeste e ao Norte do País (OLIVEIRA; SILVA, 2019).

O Entrevistado 8, que não é integrante do NDE e faz parte do grupo gestor do IAEL, explica que

a primeira coisa que a gente deve situar em relação a essa reforma é que ela surge pela necessidade da intervenção ocorrida na Universidade. A princípio, a última reforma curricular pela qual passou os cursos de licenciaturas na UEG foi no ano de 2015. Então uma das principais questões quando essa demanda da nova reforma veio por meio da necessidade de unificação das matrizes, das grades, dos cursos, essa necessidade foi amplamente propagandeada pelo próprio governador Ronaldo Caiado quando ele precisava justificar o processo de intervenção ocorrido na Universidade [...] Não foi uma reforma curricular completa, completamente pensada, digamos assim, para atender as necessidades de fato dos cursos de graduação, de licenciaturas, principalmente por conta disso, de não ter sido um processo que sua ampla maioria tenha sido escolha dos docentes que lecionam nos

cursos [...] surgia também o desafio de pensar como fazer isso tendo por base o contexto de imposição também da normativa do Conselho Nacional de Educação, chamado Normativa 2 de 2019 também conhecida como BNC-Formação (ENTREVISTADO 8).

A objetivação da reestruturação institucional da UEG pode estar relacionada ao projeto do atual governo. Dourado e Siqueira (2019) evidenciam que

o governo Caiado (DEM), a despeito das críticas que faz ao governo anterior, reafirma as políticas, os programas e as ações vigentes, sobretudo as parcerias entre o público e o privado, as escolas militares, as Organizações Sociais, a concepção de avaliação estandardizada, entre outros. Esse cenário caminha para ratificar processos de desobrigação do Estado em relação às políticas e aos investimentos na Educação.

O que sustenta essa afirmação é a exposição de uma pauta de parceria entre público e privado, em que se evidencia a gerência de entidades e organismos externos à Educação goiana. Essa forma de gestão, marcada de “fora para dentro”, ratifica marcos regulatórios e de gestão que ressignificam o sentido do público nas políticas educacionais (DOURADO; SIQUEIRA, 2019, p. 281).

Os entrevistados salientam a estreita relação da UEG com a SEDUC. Para um dos entrevistados, a Secretaria quer “que a UEG forme professores aplicadores da BNCC. É isso que ela quer. Ela não quer professor que vá pensar além daquilo, além do conteúdo que ele tem que aplicar. A SEDUC quer um professor que aplique bem aqueles conteúdos”

(ENTREVISTADO 3). Para outro, a SEDUC está, de certo modo, interferindo na autonomia da Universidade:

Acho que as secretarias, tanto a estadual quanto as municipais, nos municípios que nós tivemos, elas devem ser nossas parceiras, mas eu faço uma defesa assim bem contundente com relação a isso, elas são parceiras desde que não fira autonomia universitária, desde que não seja uma submissão ou uma legitimação das ações da SEDUC. A UEG não pode estar a serviço disso. A reforma propõe aproximação sim da SEDUC, inclusive a meu ver ela propõe submissão (ENTREVISTADO 1).

O primeiro diretor do Instituto Acadêmico de Educação e Licenciaturas não era efetivo na UEG, mas fazia parte do quadro da SEDUC. O Entrevistado 8 explicou:

O diretor que assumiu o Instituto era de um quadro da Secretaria de Educação, alguém que liderou os grupos, que promoveu a reforma curricular operacionalizada pela chamada BNCC nas escolas de Goiás. Então, a minha impressão inicial é essa, de que a expectativa do governo ao colocar [...] na direção do Instituto era atender a essa questão, mas o fundamental é que, com o passar do tempo, o professor Francisco, ele nunca cobrou definitivamente a adesão a essa Resolução nº 2 de 2019 (ENTREVISTADO 8).

A intenção de aproximar a SEDUC e a UEG constitui-se como uma estratégia nesse processo de reforma da estrutura organizacional e pedagógica, especialmente no alinhamento

da instituição com a BNCC. A SEDUC tem realizado ações, principalmente a partir do governo Caiado, para objetivar as premissas do projeto formativo discente nacional, dando centralidade à BNCC no estado de Goiás. Dourado e Siqueira (2019) mostram que, para a efetivação do Ensino Médio em Goiás, ela

promoveu o “Dia D da BNCC no Ensino Médio”, com o intuito de construir um Documento Curricular para o Ensino Médio do estado. Pelo exposto, já se percebe uma contradição que referenda a ação. Há uma ideia padronizadora de ação que prevê a revisão e alteração de todos os Projetos Político-Pedagógicos no estado e a confusão entre aquilo que deveria diferenciar uma BNCC de um currículo. O estado de Goiás converteu a BNCC em Proposta Curricular (DOURADO; SIQUEIRA, 2019, p. 279).

Segundo Barbosa (2022, p. 91), “para garantir que os estudantes sejam capazes de aprender técnicas e padrões de ações possíveis nas situações diárias, é preciso formar professores treinadores”. Encontrou espaço na UEG a estreita relação entre a BNCC e BNC- Formação, no sentido de estimular uma formação docente centralizada no treinamento dos professores, tem como eixo as competências e as habilidades, e não o conhecimento.

A proposta de reestruturação da matriz curricular dos cursos de licenciatura da UEG, em face da Resolução CNE/CP nº 2/ 2019/ BNC-Formação pode estar relacionada, entre outras demandas, a essa proximidade com a SEDUC e a seu interesse na BNCC. O curso de Pedagogia foi o único que resistiu a aderir a essa normativa, como salienta o Entrevistado 8:

Nenhum dos cursos aderiu, digamos assim, à Resolução nº 2 de 2019, a não ser alguns cursos, com a exceção da Pedagogia, fizeram uma adesão no que se refere à divisão dos núcleos de carga horária presentes naquela resolução, mas não fizeram uma adesão às premissas ou à filosofia da educação (ENTREVISTADO 8).

O curso de Pedagogia, por meio do NDE, fez concessões no processo de reestruturação da matriz porque reconhece o poder da força e das relações de poder do Estado na luta política e pedagógica empreendida. A próxima classe, a Classe 4, ramificada com a Classe 1, foi intitulada “As resistências”.