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Artigo publicado na Revista Fórum de Direito Tributário – RFDT, Belo Horizonte, ano 15, n. 86, p. 99-112, mar./abr. 2017.

Autor: Fabiana Carsoni Alves F. da Silva Paulo Coviello Filho

APLICAÇÃO DO REGIME ESPECIAL DE TRIBUTAÇÃO, INSTITUÍDO PELA LEI N. 10.931/2004, PARA RECEITAS DE VENDA DE IMÓVEIS APÓS A CONCLUSÃO DA OBRA OBJETO DA INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA

Resumo: O presente artigo analisa a tributação das receitas decorrentes da venda de unidades imobiliárias componentes de projetos de incorporação imobiliária sujeitos ao Regime Especial de Tributação (RET) instituído pela Lei n. 10.931, de 2.8.2004, identificando se este regime é aplicável às receitas oriundas de vendas efetuadas após o término da construção.

Palavras-chave: Incorporação imobiliária.

Patrimônio de afetação. Regime especial de tributação.

Key words: Income Tax. Deductibility.

Promotional gifts.

Abstract: This paper examines the taxation of the revenues derived from the sale of real estate units that are components of real estate development projects subjected to the so-called

“Special Regime of Taxation” (RET), created by Law no. 10.931, 2.8.2004. This paper analyzes whether revenues derived from the sales of units after the conclusion of construction are submitted or not to RET.

Keywords: Real estate development. Segregate estates. Special Regime of Taxation (RET).

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1. Introdução

O presente artigo versa sobre o Regime Especial de Tributação (RET) aplicável às incorporações imobiliárias, instituído pela Lei n. 10.931, de 2.8.2004. Nele, buscaremos demonstrar o período de vigência deste regime, identificando se ele se aplica às receitas de vendas de imóveis após a conclusão da obra objeto da incorporação imobiliária.

O tema é relevante, porque há duas manifestações sobre ele proferidas pelo fisco, ambas proferidas pela Coordenação-Geral de Tributação (COSIT), no sentido da inaplicabilidade desse regime fiscal diferenciado após o término da obra.

Além disso, a discussão do tema também é atual, porque, sendo o RET um regime fiscal mais brando para as incorporadoras imobiliárias, a prevalecer o entendimento manifestado pelo fisco, a tributação sobre as receitas auferidas após o término das construções será mais elevada, o que tem despertado a atenção das incorporadoras, notadamente porque o mercado imobiliário brasileiro vem sendo impactado negativamente pela crise econômica que assola o país,1 tanto que as vendas de unidades imobiliárias apresentaram grande queda nos últimos anos, o que significa, como consequência, a manutenção pelas incorporadoras de unidades imobiliárias em estoque, após o encerramento do projeto de construção.

Para dar encaminhamento ao tema objeto deste estudo, inicialmente, será feita breve exposição sobre os institutos da incorporação imobiliária e da afetação patrimonial, bem como sobre o RET. Derradeiramente, será abordada a controvérsia objeto de discussão.

2. Incorporação imobiliária

Nos termos do parágrafo único do art. 28 da Lei n. 4.591, “considera- se incorporação imobiliária a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas”.

1 Nesse sentido, veja-se: SECOVI-SP (2016, on-line).

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Arnoldo Wald2 leciona que:

“[...] chama-se incorporação imobiliária, incorporação edilícia ou simplesmente incorporação, o contrato pelo qual uma parte (o incorporador) obriga-se a fazer construir um edifício composto de unidades autônomas, alienando-as a outras partes (os adquirentes), em regime de condomínio, com as frações ideais do terreno”.

Em suma, incorporação imobiliária é uma atividade de coordenação e consecução de edificações visando à venda das unidades que as compõem.

Na atividade de incorporação imobiliária, há coordenação dirigida a organizar e executar o empreendimento imobiliário, mediante captação de recursos necessários ao andamento, até a consecução, das obras. O incorporador busca alienar antecipadamente as unidades imobiliárias, entregando-as depois da conclusão da obra.3 Nem sempre, contudo, o empreendedor consegue alienar todos os imóveis antes do término das obras, ocasionando, assim, a manutenção de unidades em estoque.

A atividade de incorporação imobiliária não se restringe à construção civil. Este é, sim, um dos aspectos materiais, que se soma a diversos outros, como planejamento, captação de recursos, promoção e venda das unidades, acompanhamento das obras.

A responsabilidade da incorporação imobiliária é do incorporador que, conforme preceitua o art. 31 da Lei n. 4.591, somente poderá ser: (a) o proprietário do terreno, o promitente comprador, o cessionário deste ou promitente cessionário, (b) o construtor ou corretor de imóveis; ou (c) o ente da Federação imitido na posse em processo judicial de desapropriação em curso ou o cessionário deste.

É importante destacar que a lei não requer que o incorporador seja o construtor. De fato, permite a lei que se estipule com terceiros a edificação, sob

2 Wald (2000, p. 431).

3 Rizzardo (2015).

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o regime de empreitada ou administração. Nesse contexto, o incorporador deve comandar ou dirigir a construção, assumindo quaisquer responsabilidades junto aos adquirentes.

Esse é o panorama geral do instituto da incorporação imobiliária, necessário para o estudo da questão objeto da controvérsia.

3. A afetação patrimonial nas incorporações imobiliárias A Medida Provisória n. 2.221, de 4.9.2001, introduziu em nosso ordenamento jurídico o chamado “patrimônio de afetação”. Por este instituto, atualmente disciplinado na Lei n. 4.591, de 16.12.1964, com as alterações promovidas pela Lei n. 10.931, de 2.8.2004, o terreno e as acessões objeto de incorporação imobiliária, bem como os demais bens e direitos a ela vinculados, ficam apartados do patrimônio do incorporador, constituindo patrimônio de afetação, destinado à consecução da incorporação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes (art. 31-A da Lei n. 4.591).

O objetivo da criação do regime de afetação foi viabilizar um mecanismo legal que possibilitasse maior proteção aos adquirentes de unidades imobiliárias.4 Nas palavras de José Vicente Amaral Filho,5

“[...] a situação trazida com o diploma legal veio justamente ao encontro do que era pretendido pelo mercado imobiliário, oferecendo segurança ao adquirente de unidades autônomas em construção e restabelecendo a confiança na aquisição de imóveis na planta, que passou a ser protegida pelas disposições legais”.

4 Na Justificação ao Projeto de Lei n. 2.109/1999, posteriormente convertido na Lei n.

10.931, restou consignado que “Para maior eficácia e abrangência da proteção dos adquirentes seria de todo conveniente atribuir a cada incorporação imobiliária o caráter de patrimônio de afetação, de modo que todo o conjunto de direitos e obrigações do empreendimento ficasse vinculado à consecução desse negócio, especificamente”.

5 Amaral Filho (2016, p. 436).

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Da mesma forma, Melhim Namem Chalhub6 diz que:

“[...] o patrimônio de afetação visa proteger a incorporação afetada contra os riscos patrimoniais de outros negócios da empresa incorporadora, visando a que seus eventuais insucessos em outros negócios não interfiram na estabilidade econômico- ficanceira da incorporação afetada”.

Esse conceito de segregação de riscos teve origem em 2001, após casos em que diversos adquirentes de imóveis viram-se prejudicados com a perda do valor investido em empreendimentos imobiliários, em razão de contingências oriundas de outros empreendimentos e do próprio incorporador e seu grupo econômico.7

Assim, com vistas à proteção dos adquirentes de unidades imobiliárias, instituiu-se o patrimônio de afetação, o qual funciona como um

“[...] patrimônio autônomo, separado do patrimônio geral do incorporador destinado especificamente à consecução de incorporação e não pode ser agredido por credores do incorporador, não sendo contaminado pelos efeitos da falência.

(Exposição de motivos do projeto que originou a Medida Provisória n. 2.221, de 4.9.2001)”

Justamente por constituir uma garantia aos adquirentes das unidades imobiliárias, a lei determina seja feita a segregação dos ativos da incorporação submetida ao regime de afetação dos demais ativos do incorporador e de outros empreendimentos imobiliários. Realmente, diz a lei que os recursos financeiros integrantes do patrimônio de afetação devem ser utilizados somente para pagamento ou reembolso das despesas inerentes à incorporação, ficando tais recursos em conta de depósito aberta especificamente para tal fim. Também dispõe a lei que o patrimônio de afetação não se comunica com os demais bens, direitos e obrigações do patrimônio geral do incorporador ou de outros patrimônios de afetação por ele constituídos, somente respondendo por dívidas e obrigações vinculadas à incorporação respectiva,

6 Chalhub (2012, p. 66).

7 Gonçalves (2007, p. 343).

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sem prejuízo de o incorporador responder pelos prejuízos que causar ao patrimônio de afetação (art. 31-A, parágrafos 1º, 2º e 6º, da Lei n. 4.591).

Ainda, os bens e direitos integrantes do patrimônio de afetação somente podem ser objeto de garantia real em operação de crédito cujo produto seja integralmente destinado à consecução da edificação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes (art. 31-A, parágrafo 3º, da Lei n. 4.591).

Esses regramentos evidenciam que o regime de afetação patrimonial foi instituído com o objetivo de proteger os adquirentes de imóveis, fomentando, assim, o mercado imobiliário.

O regime de afetação patrimonial, nessas condições, constitui uma garantia aos adquirentes, capaz de tornar alguns empreendimentos imobiliários mais atrativos.

4. O Regime Especial de Tributação (RET) aplicável às incorporações imobiliárias

Com o objetivo de fomentar a adesão dos incorporadores ao regime de afetação patrimonial, conferindo, assim, maior proteção aos adquirentes de unidades imobiliárias, foi instituído um regime especial de tributação, que unifica e, pois, simplifica o pagamento de alguns tributos.

De fato, a Lei n. 10.931 instituiu o chamado “Regime Especial de Tributação” (RET). Nos termos do art. 1º da referida lei, o RET tem “caráter opcional e irretratável enquanto perdurarem direitos de crédito ou obrigações do incorporador junto aos adquirentes dos imóveis que compõem a incorporação”.

O art. 2º da referida norma estabelece dois requisitos que devem ser observados para que se efetive a opção pelo regime. O primeiro requisito é a entrega do termo de opção pelo RET na unidade competente da Secretaria da Receita Federal do Brasil. O segundo é a afetação do terreno e das acessões objeto da incorporação imobiliária, conforme art. 31-A a 31-E da Lei n. 4.591, de

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16.12.1964. A Lei n. 4.591 dispõe, entre outras coisas, sobre as incorporações imobiliárias, e os referidos artigos tratam justamente do patrimônio de afetação.

O art. 3º prevê que o terreno e as acessões objeto da incorporação imobiliária sujeitas ao RET não responderão por dívidas tributárias da incorporadora relativas a Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (“IRPJ”), Contribuição Social sobre o Lucro (“CSL”), Contribuição ao Programa de Integração Social (“contribuição ao PIS”) e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), exceção feita ao pagamento mensal nos termos do RET.

O art. 4º diz que a incorporadora ficará sujeita ao pagamento de 4%8 sobre a receita mensal recebida, pagamento esse que corresponderá a IRPJ, CSL, contribuição ao PIS e COFINS. O parágrafo 1º desse dispositivo dispõe que a receita mensal é composta pela totalidade das receitas auferidas pela incorporadora na venda das unidades imobiliárias que compõem a incorporação, bem como pelas receitas financeiras e variações monetárias decorrentes dessa operação. O parágrafo 2º estabelece que o pagamento será considerado definitivo e não gerará, em qualquer hipótese, direito à restituição ou à compensação com o que for apurado pela incorporadora.

Os demais parágrafos do art. 4º possuem outras disposições importantes. O parágrafo 3º estabelece que as receitas, custos e despesas próprios da incorporação não deverão ser computados na apuração das bases de cálculo dos tributos e contribuições devidos pela incorporadora em virtude de suas outras atividades empresariais. O parágrafo 4º também trata da apropriação dos custos para cada incorporação.

Os parágrafos 6º, 7º e 8º estabelecem tratamento específico para os projetos de incorporação de imóveis de interesse social, assim classificados como aqueles destinados à construção de unidades residenciais de valor de R$100.000,00 no âmbito do Programa Minha Casa, Minha Vida.

8 Vale ressaltar que esse percentual já foi alterado em outras oportunidades.

Inicialmente, era de 7%, passou para 6%, e agora são 4%.

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A Secretaria da Receita Federal do Brasil editou a Instrução Normativa RFB n. 1.435, de 30.12.2013,9 na qual regulamentou os requisitos para o exercício da opção pela aplicação do RET.

Destarte, o RET é um regime de apuração de tributos federais10 aplicável às incorporações imobiliárias funcionando como norma indutora da constituição do patrimônio de afetação, tendo em vista a simplificação da tributação e a diminuição da carga tributária que dele decorrem.

Contextualizada a instituição do regime de afetação patrimonial e do RET, passemos a analisar a controvérsia objeto deste artigo, qual seja, o regime fiscal aplicável à tributação das receitas decorrentes da venda de unidades após a conclusão da obra, isto é, o regime fiscal aplicável às receitas oriundas da venda de unidades imobiliárias em estoque.

5. A aplicação do RET para receitas auferidas após a conclusão da obra objeto da incorporação

Conforme exposto no tópico anterior, nos termos do art. 1º da Lei n.

10.931, o RET tem “caráter opcional e irretratável enquanto perdurarem direitos de crédito ou obrigações do incorporador junto aos adquirentes dos imóveis que compõem a incorporação”. Essa disposição é repetida no art. 2º da Instrução Normativa RFB n. 1.435/13, e é justamente sobre o alcance desse dispositivo que versa a presente controvérsia.

Inicialmente, é importante que se diga que inexiste qualquer outro dispositivo que disponha sobre o término da vigência do RET, seja na Lei n.

10.931, seja na própria Instrução Normativa RFB n. 1.435/13.

Nesse cenário, a definição do alcance do referido regime passa primordialmente pela análise do art. 1º da Lei n. 10.931 (reeditado no art. 2º da Instrução Normativa RFB n. 1.435/13).

9 Essa instrução normativa revogou a anterior, Instrução Normativa RFB n. 934, de 27.4.2009.

10 Nesse sentido, Martins (p. 210- 215).

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Pois bem. A compreensão do real alcance das normas, como é cediço, não decorre de mera leitura fria do texto das leis. O texto legal (interpretação literal) deve ser o ponto de partida do processo de compreensão do alcance da norma jurídica, cabendo ao intérprete, em seguida: (i) relacionar o dispositivo legal interpretado com outros em vigor no ordenamento ou na própria lei interpretada (interpretação sistemática); (ii) proceder à sua análise de modo que o comando normativo contenha um sentido lógico e não leve à conclusão absurda, no contexto em que está inserido (interpretação lógica); (iii) verificar a evolução histórica da legislação, antes e depois da edição da norma interpretada (interpretação histórica); e, finalmente, (iv) o intérprete deve ter em mente que a norma jurídica, como instrumento que regula as relações sociais, tem sempre uma finalidade, um objetivo, devendo a interpretação estar em linha com essa finalidade (interpretação finalística ou teleológica).

O método literal, conforme exposto, é a porta de entrada para o intérprete da lei. Da leitura do texto legal extrai-se que as receitas da alienação de imóveis que compõem a incorporação são tributáveis pelo RET, independentemente do momento da alienação. Isso porque a lei dispõe que o regime é opcional e irretratável, “enquanto perdurarem direitos de crédito ou obrigações do incorporador junto aos adquirentes dos imóveis que compõem a incorporação”.

Ora, quando o incorporador aliena uma unidade a um cliente, há um direito de crédito do primeiro junto ao segundo, bem como há obrigações daquele junto a este, independentemente do momento da alienação, seja antes ou após o término da obra.

Em outras palavras, ainda que a venda seja posterior à conclusão da obra, a partir desse ato nascerá direito de crédito para o incorporador em face do cliente, assim como obrigações do incorporador junto ao adquirente da unidade imobiliária que compõe a incorporação, sendo a tributação das receitas pelo RET mandatória, por força da literalidade do art. 1º da Lei n. 10.931.

Mas essa conclusão não é fruto, apenas, da análise gramatical do texto lei. Pelo contrário: ela tem assento também nas interpretações histórica, sistemática e finalística do regime especial ora em análise. Senão, veja-se.

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Após a conclusão da obra, o incorporador assume determinadas obrigações em relação a todos os adquirentes, mesmo aqueles que efetuaram a aquisição durante a construção. Como exemplo de obrigação do incorporador após a conclusão da obra, pode-se destacar a obrigação de averbação da construção junto ao Cartório de Registro de Imóveis, nos termos do art. 44 da Lei n. 4.591:

“Art. 44. Após a concessão do ‘habite-se’ pela autoridade administrativa, o incorporador deverá requerer, (VETADO) a averbação da construção das edificações, para efeito de individualização e discriminação das unidades, respondendo perante os adquirentes pelas perdas e danos que resultem da demora no cumprimento dessa obrigação.

§1º Se o incorporador não requerer a averbação (VETADO) o construtor requerê-la-á (VETADO) sob pena de ficar solidariamente responsável com o incorporador perante os adquirentes.

§2º Na omissão do incorporador e do construtor, a averbação poderá ser requerida por qualquer dos adquirentes de unidade”.

Destarte, trata-se de obrigação do incorporador perante os adquirentes, o que também faz perdurar a vigência do RET após o término da obra, conforme art. 1º da Lei n. 10.931.

Outrossim, é importante que se destaque que após a conclusão da obra o incorporador é responsável pelos vícios de construção, ainda que a construção tenha sido realizada por outra pessoa. Nesse cenário, o incorporador e o construtor respondem pelos danos causados.

Sobre o assunto, Sérgio Cavalieri Filho11 leciona que:

“O incorporador é o responsável por qualquer espécie de dano que possa resultar da inexecução ou da má execução do contrato de incorporação. [...] Em nada altera esta conclusão o fato de ter sido a construção cometida ao construtor. O incorporador continua responsável porque é o contratante. Responde também o

11 Cavalieri (2003, p. 373).

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construtor, porque é causador direto do dano, e tem responsabilidade legal, de ordem pública, de garantir a solidez e segurança da obra em benefício do seu dono e da incolumidade coletiva, conforme já demonstrado. Desta forma, quando o incorporador celebra contrato de incorporação com o construtor, nada mais faz do que estender-lhe a sua obrigação, passando ambos a ser responsável ela construção. O incorporador, na realidade, está apenas se fazendo substituir pelo construtor”.

Essa responsabilidade do incorporador indica que, a despeito de a obra ser entregue, permanece o vínculo obrigacional entre incorporadora e clientes, o que é mais uma razão para que o tratamento pelo RET para as receitas auferidas na alienação de unidades seja mantido mesmo após a conclusão da obra, já que ele vigora “enquanto perdurarem [...] obrigações do incorporador junto aos adquirentes dos imóveis que compõem a incorporação” (art. 1º da Lei n. 10.931).

No mais, como dito anteriormente, mesmo após a conclusão da obra, em caso de alienação de unidade em estoque pelo incorporador, nascerá para esse direito de crédito junto a adquirente do imóvel que compõe a incorporação optante pelo RET, o que torna a tributação dessa receita pelo RET mandatória, eis que ele vigora “enquanto perdurarem direitos de crédito [...] do incorporador junto aos adquirentes dos imóveis que compõem a incorporação” (art. 1º da Lei n. 10.931).

Para confirmar essa afirmação, imagine-se que determinada pessoa adquira imóvel durante o período de construção, mas contrate com o incorporador que a quitação dar-se-á em parcelas, algumas com vencimento após a conclusão da obra. Nessa situação, não haverá dúvidas de que as parcelas em comento serão tributadas conforme o RET, eis que ainda perduram direitos de crédito do incorporador contra o adquirente.12 Ora, não há razão para se

12 Tanto que a Solução de Consulta COSIT n. 244/2014 expressamente afirma que

“Considerando que, de acordo com o art. 1º da IN RFB n. 934, de 2009, e com o art. 2º da IN RFB n. 1.435, de 2013, a opção pelo regime é irretratável enquanto perdurarem direitos de crédito ou obrigações do incorporador junto aos adquirentes dos imóveis da incorporação, interpreta-se que o RET será adotado em relação às receitas recebidas após a efetivação da opção, referentes às unidades vendidas antes da conclusão da obra, as quais componham a incorporação afetada, mesmo que essas receitas sejam recebidas após a conclusão da obra ou a entrega do bem” (destacamos).

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pensar diferente quanto às vendas ocorridas após o encerramento da obra, visto que não existe na lei nenhuma exceção, tampouco vedação nesse sentido.

De fato, a lei não distinguiu essas situações, estabelecendo um comando único sobre a vigência do regime, não sendo possível que o intérprete ou aplicador da lei queira distinguir ou acrescentar elemento novo na interpretação do dispositivo legal. A Lei trata de “direitos de crédito ou obrigações do incorporador junto aos adquirentes”, não fazendo distinção sobre o momento em que esses direitos nascem ou deixam de existir.

É a típica situação de aplicação do brocardo ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus (onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete distinguir), o qual é definido por Carlos Maximiliano13 da seguinte forma:

“300 – Quando o texto dispõe de modo amplo, sem limitações evidentes, é dever do intérprete aplicá-lo a todos os casos particulares que se possam enquadrar na hipótese geral prevista explicitamente; não tente distinguir entre as circunstâncias da questão e as outras; cumpra a norma tal qual é, sem acrescentar condições novas, nem dispensar nenhuma das expressas”.

Ora, não havendo diferenciação na lei, descabe a exclusão de qualquer situação fática do regime jurídico criado pelo legislador, o que atesta que o RET é aplicável independentemente do momento da alienação, seja durante as obras, seja após o seu encerramento.

O tratamento distinto a situações similares ou equivalentes ainda fere o brocardo ubi eadem ratio, ibi eadem dispositivo, definido por Carlos Maximiliano como: “Onde existe a mesma razão fundamental, prevalece a mesma regra de direito’, os casos idênticos regem-se por disposições idênticas”.14 Ou, nas palavras de Miguel Reale: “[...] em identidade ou semelhança de supedâneo factual, aplica-se a mesma norma jurídica [...]. Não há, em verdade, nada que justifique a existência de diferentes critérios jurídicos para reger a mesma ou análoga ordem de fatos”.15

13 Maximiliano (2011, p. 201).

14 Maximiliano (2011, p. 200).

15 REALE, Miguel. Parecer não publicado, datado de 8.6.1995.

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Se não há razão para diferenciar situações semelhantes, como o são as compras de unidades imobiliárias antes ou após o término da obra, não se pode afastar a aplicação do RET.

O RET, portanto, é aplicável a todas as receitas da incorporação imobiliária objeto do referido regime, inclusive aquelas referentes à alienação de unidades após a conclusão da obra.

Em que pesem os fundamentos até aqui apresentados, a Receita Federal do Brasil, baseada em questões formais atinentes à adesão ao regime, pronunciou-se no sentido de que o RET é inaplicável após o término da obra.

Para o fisco, uma vez entregue a obra e, consequentemente, extinto o patrimônio de afetação, nos termos do inciso I do art. 31-E da Lei n. 4.591,16 ou seja, uma vez averbada a construção e registrados os títulos de domínio ou de direito de aquisição em nome dos respectivos adquirentes, não mais seria possível tributar as receitas auferidas após esse momento pelo RET. Nesse sentido, inclusive, foi o entendimento manifestado pela Coordenação-Geral de Tributação (COSIT), por meio das Soluções de Consulta n. 214, de 21.7.2014, e 244, de 12.9.2014, da qual se transcreve a ementa:

“INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA. REGIME ESPECIAL DE TRIBUTAÇÃO. OPÇÃO. A opção da incorporação imobiliária no Regime Especial de Tributação (RET), instituído pelo art. 1º da Lei n. 10.931, de 2 de agosto de 2004, será considerada efetivada quando atendidos os requisitos previstos no art. 2º dessa lei, e na Instrução Normativa da RFB vigente. É possível a opção da incorporação imobiliária no RET, ainda que iniciada a obra, hipótese em que o recolhimento dos tributos, na forma do regime

16 Art. 31-E. O patrimônio de afetação extinguir-se-á pela:

I – averbação da construção, registro dos títulos de domínio ou de direito de aquisição em nome dos respectivos adquirentes e, quando for o caso, extinção das obrigações do incorporador perante a instituição financiadora do empreendimento;

II – revogação em razão de denúncia da incorporação, depois de restituídas aos adquirentes as quantias por eles pagas (art. 36), ou de outras hipóteses previstas em lei; e

III – liquidação deliberada pela assembleia geral nos termos do art. 31-F, § 1º.

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especial, deverá ser feito a partir do mês da opção. Não existe previsão legal para opção retroativa pelo RET. Considerando que a opção pelo regime é irretratável enquanto perdurarem direitos de crédito ou obrigações do incorporador junto aos adquirentes dos imóveis da incorporação, o RET será adotado em relação às receitas recebidas após a efetivação da opção, referentes às unidades vendidas antes da conclusão da obra, as quais componham a incorporação afetada, mesmo que essas receitas sejam recebidas após a conclusão da obra ou a entrega do bem.

Não se sujeitam ao RET as receitas decorrentes das vendas de unidades imobiliárias realizadas após a conclusão da respectiva edificação”. [Destacamos]

Confira-se o raciocínio defendido pela COSIT na referida decisão:

“Nota-se que a averbação da construção, registro dos títulos de domínio ou de direito de aquisição em nome dos respectivos adquirentes e, quando for o caso, extinção das obrigações do incorporador perante a instituição financiadora do empreendimento, extingue o patrimônio de afetação, constituído mediante averbação, no Registro de Imóveis, de termo firmado pelo incorporador e, quando for o caso, também pelos titulares de direitos reais de aquisição sobre o terreno, nos termos dos artigos 31-A a 31-E da Lei n. 4.591, de 1964. Ou seja, estando o empreendimento em situação que lhe conferiria a extinção do patrimônio de afetação, nessa fase, não há que se falar na constituição deste. Assim, restaria prejudicada a opção pelo RET, já que descumprido o requisito previsto no inciso I, do art. 2º da IN RFB n. 934, de 2009, e no inciso I, do art. 3º da IN RFB n. 1.435, de 2013, considerando-se as respectivas vigências dessas normas”.

[Destacamos]

Como se vê, a decisão em comento conferiu muita importância ao fato de o patrimônio de afetação ser extinto com a averbação da construção.

Desse fato, “restaria prejudicada a opção pelo RET, já que descumprido o requisito previsto no inciso I, do art. 2º da IN RFB n. 934, de 2009, e no inciso I, do art. 3º da IN RFB n. 1.435, de 2013, considerando-se as respectivas vigências dessas normas”.

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Entretanto, tal entendimento parte da premissa – inexistente na lei – de que o RET seria aplicável até a extinção do patrimônio de afetação.

Entretanto, como visto, a Lei n. 10.931 não vincula o tempo de aplicação do RET à vigência do patrimônio de afetação, estabelecendo, na verdade, que ele deve vigorar “enquanto perdurarem direitos de crédito ou obrigações do incorporador junto aos adquirentes dos imóveis que compõem a incorporação”.

O que a lei exige, não como critério para definir o tempo de vigência do RET, mas, sim, como requisito necessário ao ingresso no programa é que a pessoa jurídica faça prova da afetação patrimonial. Realmente, quando da opção pelo regime, o incorporador deve demonstrar a afetação do terreno e das acessões objeto da incorporação imobiliária, nos termos do art. 2º da Lei n.

10.931 e do inciso I do art. 2º da IN RFB n. 934, de 2009, e do inciso I do art. 3º da IN RFB n. 1.435, de 2013, referidos pela COSIT.

Ora, os requisitos necessários ao ingresso no regime especial de tributação não se confundem com o tempo de duração deste regime.

Se o legislador quisesse que o RET terminasse com a conclusão da obra e com a extinção do patrimônio de afetação, bastaria ter dito isso expressamente em seu art. 1º. Contudo, considerando que o legislador não procedeu dessa forma, autorizando que o RET vigore “enquanto perdurarem direitos de crédito ou obrigações do incorporador junto aos adquirentes dos imóveis que compõem a incorporação”, não merece guarida a interpretação da COSIT, materializada nas Soluções de Consulta ns. 214/14 e 244/14.

Aqui é importante dizer que o texto normativo representa o ponto de partida e o limite para a atividade de interpretação.17 Consequentemente, o aplicador do direito não pode, sob o pretexto da interpretação, criar ou atribuir significados subjetivos e arbitrários aos enunciados normativos, assim como não pode ir além do seu sentido linguisticamente possível.18 Portanto, não se pode admitir a interpretação proposta pelas Soluções de Consulta ns. 214/14 e 244/14, a qual representa extensão da previsão contida no art. 1º da Lei n.

10.931.

17 Larenz (2012, p. 282-285 e p. 450-469).

18 Coelho (2011, p. 89 e p. 103).

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Ainda sobre o entendimento do fisco acerca do tema, é importante destacar a Solução de Consulta n. 274, de 26.9.2014, também proferida pela COSIT, segundo a qual

“[...] após formalizada a opção pelo RET, serão tributadas na forma do caput do art. 4º da Lei n. 10.931, de 2004, independentemente do momento em que auferidas, as receitas efetivamente recebidas pela incorporadora com a venda das unidades imobiliárias que compõem a incorporação submetida Regime, bem como as receitas financeiras e variações monetárias decorrentes desta operação”.

[Destacamos]

A presente Solução de Consulta, apesar de posterior, não revogou expressamente as Soluções de Consulta n. 214/14 e 244/14. Isto porque as decisões em questão não se manifestaram sobre a mesma situação. De fato, enquanto as Soluções de Consulta ns. 214/14 e 244/14 trataram expressamente da tributação das receitas decorrentes da venda de imóveis após a conclusão das obras, a Solução de Consulta n. 274/14 não tratou especificamente desse tema, mas das receitas anteriores à opção.

A despeito disso, a importância da Solução de Consulta n. 274/14 está no fato de ela ter consignado que qualquer receita recebida após a opção, ainda que relativa à venda anterior à opção, deve ser tributada conforme o RET.

Ora, se a receita de venda anterior à opção deve ser tributada conforme o RET, qual a razão para não se tributar pelo RET a receita recebida após a opção e após o término da obra, se não há na lei nenhuma vedação nesse sentido?

Como dito anteriormente, o tratamento distinto não previsto em lei esbarra no brocardo ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus (onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete distinguir). No mais, o tratamento distinto não se justifica no caso em análise, na medida em que, como destacado,

“onde está a mesma razão, está o mesmo dispositivo” (ubi eadem ratio, ibi eadem legis dispositivo).

Quer dizer, a abrangência conferida ao RET pela Solução de Consulta n. 274/14 está em linha com os brocardos ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus e ubi eadem ratio, ibi eadem dispositivo.

(17)

Não bastasse, a interpretação conferida pela Solução de Consulta n.

274/14 ainda se coaduna com o caráter indutor do RET.

O RET, por beneficiar o incorporador com tributação mais branda, constitui norma de caráter indutor,19 na medida em que induz que os incorporadores constituam o patrimônio de afetação em proveito dos adquirentes e também em proveito próprio (dado o tratamento tributário simplificado e mais benéfico aos optantes). Esse caráter indutor está diretamente associado ao intuito do regime de afetação patrimonial, qual seja, proteger os adquirentes e fomentar a atividade imobiliária.

Nesses moldes, constituindo o RET um regime fiscal de caráter indutor, criado com o objetivo de incentivar que os incorporadores imobiliários procedam à afetação patrimonial de modo a conferir maior segurança e credibilidade ao mercado imobiliário, seria incompatível como essa natureza a extinção do regime especial quando do término da afetação. É que, para induzir e fomentar a segregação patrimonial, a lei deve assegurar a tributação mais branda até que todas as vendas de unidades imobiliárias sejam concluídas, sob pena de desestimular o uso do RET e, pois, do regime de afetação, em descompasso com a finalidade da lei.

Portanto, as receitas oriundas de vendas de unidades imobiliárias após a conclusão da obra também devem ser tributadas pelo RET.

6. Conclusão

Diante do exposto, entendemos que as receitas decorrentes da alienação de imóveis após a conclusão da obra de incorporação imobiliária devem ser tributadas com base no RET, nos termos do art. 1º da Lei n. 10.931.

Esse entendimento decorre da interpretação literal, sistemática, finalística e histórica da legislação, além de encontrar guarida nos brocardos ubi

19 Sem prejuízo do efeito indutor de qualquer norma, ainda que este não tenha sido o objetivo primordial dela. Sobre o tema, veja-se Schoueri (2005).

(18)

lex non distinguit nec nos distinguere debemus e ubi eadem ratio, ibi eadem dispositivo.

Daí que a interpretação conferida pelo fisco nas Soluções de Consulta COSIT ns. 214 e 244, ambas de 2014, no sentido de que o RET tem aplicação somente até o término da obra, não tem amparo na escorreita interpretação da legislação, decorrendo de análise incompleta e insuficiente das normas que cuidam do assunto.

(19)

Referências

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SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

SECOVI-SP. Departamento de Economia e Estatística. Pesquisa do Mercado

Imobiliário. Set. 2016. Disponível em:

(20)

<http://www.secovi.com.br/files/Arquivos/pmi-setembro-2016.pdf>. Acesso em: 24 nov. 2016.

WALD, Arnoldo. Obrigações e contratos. 14. ed. São Paulo: RT, 2000.

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