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Sistema Único de Assistência Social - SUAS.

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POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL: Os desafios da proteção social à criança e ao adolescente com a institucionalização do Programa Criança Feliz vinculado ao

Sistema Único de Assistência Social - SUAS.

Thaynara Evelyn Nascimento de Souza

1

Jacilene Batista de Souza

2

Elaine Carvalho Faustino Almeida de Araújo

3

Rosiglay Cavalcante de Vasconcelos

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RESUMO: O objetivo desse estudo é analisar a política de proteção social à criança do Programa Criança Feliz, relacionando à utilização de técnicas nas ações sociais. Na atual conjuntura, os direitos sociais e a política de assistência social encontram-se fragilizados, mediante o papel do Estado neoliberal em priorizar as técnicas em detrimentos da política, direcionado pelo pensamento racional instrumental. Nesse sentido, a proteção social deixa de funcionar numa perspectiva universal e de totalidade, e estrutura-se por meio de políticas pontuais. Com isso, o método de pesquisa é o materialismo histórico dialético, através da análise de dados e de documentos.

Palavras-chave: Direitos Humanos. Política de proteção social. Assistência Social. Racionalidade Instrumental.

Programa Criança Feliz.

ABSTRACT: The objective of this study is to analyze the child welfare policy of the Child Happy Program, relating to the use of techniques in social actions. At the current juncture, social rights and social assistance policy are weakened by the role of the neoliberal state in prioritizing techniques at the expense of politics, guided by rational instrumental thinking. In this sense, social protection ceases to function in a universal and totality perspective, and is structured through specific policies. With this, the research method is dialectical historical materialism, through the analysis of data and documents.

Keywords: Human Rights. Social protection policy. Social Assistance. Instrumental Rationality. Happy Child Program.

1 Graduanda do curso de Serviço Social do Centro Universitário São Miguel – UNISÃOMIGUEL – Recife-PE.

2 Graduanda do curso de Serviço Social do Centro Universitário São Miguel – UNISÃOMIGUEL – Recife-PE.

3 Graduanda do curso de Serviço Social do Centro Universitário São Miguel – UNISÃOMIGUEL – Recife-PE.

4 Assistente Social e Professora Doutora do curso de graduação em Serviço Social do Centro Universitário São

Miguel – UNISÃOMIGUEL.

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1. INTRODUÇÃO

No primeiro momento o artigo procura retratar a trajetória histórica da constituição dos diretos na sociedade moderna, os quais fazem parte de um movimento dinâmico, se configurando de acordo com as características culturais, sociais, políticas e econômicas de cada país ou nação, inseridos em um movimento de lutas, resultando em consideráveis conquistas para vários indivíduos ao longo dos séculos.

Nesse sentido, procurou-se trazer à tona a particularidade da assistência social brasileira, representando um enorme avanço ao constituir-se como uma política de direito no âmbito da proteção social a partir da Constituição Federal de 1988, regulamentada pela Lei nº 8.742, Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS em dezembro de 1993. Esse avanço só foi possível através da materialização da Seguridade Social brasileira, englobando o tripé da Previdência Social, Saúde e Assistência Social. Avanços que expressam a consolidação de um amplo sistema de proteção social brasileiro, mas, que se depara com um cenário de retrocessos no campo dos direitos sociais, ocasionado pela ofensiva neoliberal desenvolvida no país a partir da década de 1990.

Nessa perspectiva, no tópico seguinte o artigo explana sobre a criação do Programa Criança Feliz que vem se desenvolvendo no Sistema único de Assistência Social – SUAS, o qual, à luz de uma política neoliberal configura-se como um programa segmentado e seletivo, compreendendo um conjunto de práticas e ações tecnicistas, oposto à lógica do direito social e que vem cada vez mais se distanciando dos princípios constitucionais.

2. DIREITOS HUMANOS E A POLÍTICA DE PROTEÇÃO SOCIAL À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE NA SOCIEDADE CAPITALISTA

A política de proteção social à criança e ao adolescente tem seu marco inicial na sociedade brasileira com a Constituição Federal de 1988, quando no Título VIII, da Ordem Social, a Política de Assistência Social (Artigo 203), constituinte da Seguridade Social, apresenta como um dos objetivos o amparo às crianças e adolescentes carentes. Além desse capítulo, destaca-se também o capítulo que aborda o dever da família, da sociedade e do Estado na proteção social à criança e ao adolescente:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária,

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além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Essa conquista representou um avanço significativo na construção do Sistema de Garantia de Direitos à Criança e ao Adolescente, quando institui o Estatuto da Criança e do Adolescente5, que no Artigo 3º estabelece que a criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo de proteção integral, inclusive faculta o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Nesse sentido, a política pública no seu sentido amplo é considerada uma forma de organização política que se pauta pelo interesse comum, da comunidade, da soberania popular e não da soberania dos que governam como bem retrata Pereira (2008, p. 94-95):

(...) Numa República ou num Estado Republicano, os governantes não são os soberanos, mas, sim, o povo, como ensinava Rousseau. É na soberania popular que possibilita, todos os cidadãos manifestarem a sua vontade como vontade geral, que deve ser respeitada e incorporada nas leis, assim como exercerem com legitimidade o controle democrático.

O Estado democrático de direito na sociedade brasileira é oficializado na segunda metade da década de 1980 com a institucionalização da Constituição Federal de 1988, que tem como princípios fundamentais: soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana. Na ordem social, o caráter democrático e descentralizador da administração enfatiza a participação da sociedade civil na construção de políticas públicas.

Com isso, a proteção à criança e ao adolescente constitui o reconhecimento dos direitos de cidadania, sendo assim, a conquista mais recente com os direitos humanos. Uma vez que a proteção aos direitos humanos da criança começou a ganhar força com a Declaração Universal dos Direitos da Criança em 19596, editada pelas Nações Unidas.

Em relação à conquista dos direitos humanos e da cidadania, Couto (2009) ressalta a aquisição dos direitos na sociedade capitalista, quando estabelece uma ligação com a cidadania. Com isso, os direitos são identificados através de três gerações: Na primeira

5 O Estatuto da criança e do adolescente – Lei Federal nº 8.069, de 13/07/1990 – constitui uma legislação referente à proteção da criança e do adolescente, que aborda em sentido amplo o artigo 227 da Constituição Federal de 1988. A base normativa dessa lei é o reconhecimento dos direitos fundamentais comuns e especial da criança e do adolescente, através da garantia de direitos e da proteção integral.

6 Declaração dos Direitos da Criança, adotada pela Assembleia das Nações Unidas de 20 de novembro de 1959 e ratificada pelo Brasil. Nesse documento, considerando que a criança em decorrência de sua imaturidade física e mental, precisa de proteção e cuidados especiais, inclusive proteção legal.

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geração, destacam-se os direitos civis e políticos referentes aos direitos reconhecidos nos séculos XVIII e XIX, respectivamente, na busca dos homens pela sua liberdade individual, autonomia, direito de ir e vir, direito ao voto.

Em relação à segunda geração, os direitos sociais são reconhecidos na fase do capitalismo monopolista, entre a segunda metade do XIX e a primeira metade do XX, configurando-se pela expansão e dominação do capitalismo na sua fase madura, ao mesmo tempo, que se acentua o processo de opressão e exploração à classe trabalhadora pela burguesia, que já havia se consolidado no poder político e econômico (NETTO, 2011).

E, no caso da terceira geração, destacam-se os direitos difusos, considerados direitos amplos, ligados a diferentes movimentos que vem acontecendo na humanidade nas últimas décadas. Os direitos humanos, assim, fazem parte de um intenso movimento de lutas dos cidadãos em diferentes estágios da sociedade, que se materializaram pela busca por liberdade, autonomia, igualdade e o reconhecimento das minorias.

Nesse aspecto, os segmentos sociais mais vulneráveis, como criança e adolescente, avançam na afirmação de sujeitos de direitos no bojo da sociedade capitalista. Uma vez que a Organização das Nações Unidas – ONU - ratifica a Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948 reafirmando a dignidade e os valores centrais do ser humano.

Um dos artigos fundamentais dessa Declaração refere-se à proteção social à criança deste a maternidade: “No parágrafo 2, do Artigo 25 delimita-se que a maternidade e a infância têm o direito a ajuda e a assistência especial (...) todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozam da mesma proteção social.‘’

Diante de tais avanços, na sociedade brasileira, Carvalho (2013) evidencia que é com o Estatuto da Criança e do Adolescente que o Estado tem o papel de atuar na proteção integral, quando atua nas mudanças da legislação direcionada à criança e ao adolescente a partir de três diretrizes centrais: A articulação interinstitucional, a articulação comunitária e a proposta de uma intervenção pedagógica – é o tripé constituído pela educação, assistência social e o poder judiciário.

Esse tripé constitui o sistema de rede de proteção integral7, através da articulação entre os diferentes atores sociais do Sistema de Garantia de Direitos. Segundo Oliveira (2015) esse Sistema de Garantia de Direitos coloca-se como primordial para a promoção, proteção e o controle social referente às violações de direitos a crianças e adolescentes.

Isso porque, as instituições sociais – escolas, saúde, assistência, família, sistema jurídico -,

7 Os programas, serviços ou equipamentos que compõe o sistema de proteção integral e institucional às crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência, compostas por equipe multidisciplinar especializada, pode contar com delegacias especializadas, serviços de saúde, perícia médico-legal, serviços socioassistenciais, varas especializadas, Ministério Público e Defensoria Pública entre outros.

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através do trabalho dos seus profissionais constituem uma alternativa para o enfrentamento e o cerceamento dessas violações.

Contudo, tais conquistas avançam num período de conjuntura adversa diante dos impactos da política econômica neoliberal quando ocasiona a desarticulação, a desmontagem e a retração de direitos e investimentos na área social por meio da valorização de ações pontuais e segmentadas (COUTO; YAZBEK; RAICHELLIS, 2011).

Isso porque a conjuntura atual se depara com políticas que defendem a viabilização da proteção social, mas que ao mesmo tempo, vive-se o crescimento dos índices de desemprego, da pobreza e da indigência. Diante desse período de crise do capitalismo, constata-se que a atuação do Estado está voltada prioritariamente às políticas econômicas em detrimento da fragilização das políticas sociais que atuam na área da proteção social.

Na concepção de Couto, Yazbek e Raichellis (2011) a fragilização da Política de Assistência Social ocorreu ainda na década de 1990, com a primeira Política Nacional de Assistência Social, que só foi aprovada em 1998, cinco anos após a regulamentação da Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS - e, ainda assim apresentou insuficiência. Além disso, ocorreu o paralelismo do Programa Comunidade Solidária, instituído pela Medida Provisória nº 813/1995.

Nesse aspecto, a Assistência Social como política de Estado não contributiva que atua na universalização do direito para quem dela necessitar, sofre os impactos da gestão política de valorização de políticas segmentadas, destacando o Programa Criança Feliz8, vinculado ao Sistema Único de Assistência Social.

3. A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL NA PROTEÇÃO SOCIAL À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE E A PRIORIDADE DO ESTADO BRASILEIRO AO PROGRAMA CRIANÇA FELIZ

A década de 1980 representa o marco regulatório na constituição da Política de Assistência Social como uma política pública de direito, de responsabilidade estatal. É a partir desse escopo que a assistência social rompe com seus antigos paradigmas caritativos, assistencialistas e filantrópicos, passando a se constituir enquanto uma política de direito com caráter universal.

8 O Programa Criança Feliz foi criado pelo Decreto presidencial nº 8.869/2016, e estabelece o modelo de gestão intersetorial para assegurar atenção integral às famílias a partir da articulação dos diferentes equipamentos da rede de proteção social existente nos territórios.

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O marco inicial de concretização do que foi proposto no texto constitucional se dá através da regulamentação da Lei nº 8.742 de 07/12/1993 – Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS, que dispõe sobre a organização da Assistência Social para o destaque de suas definições e seus objetivos:

Art 1º. A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social, não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas.

Diante dessa definição, os três objetivos da assistência social representam os fundamentos na construção de uma política integrada na promoção da universalização dos direitos sociais:

Art. 2º. I – Proteção social, que visa à garantia da vida, à redução de dados e à prevenção da incidência de riscos; II – A vigilância socioassistencial, que visa a analisar territorialmente a capacidade protetiva das famílias e nela a ocorrência de vulnerabilidades, de ameaças, de vitimização e danos;

III – A defesa dos direitos que visa a garantir o pleno acesso aos direitos no conjunto das provisões socioeconômicas.

Contata-se, assim, que a LOAS organiza um conjunto de inovações na qual a política de assistência social deve se apoiar, enfatizando seu status de política de direito, como direito do cidadão e dever do Estado. E, assim, prove os mínimos sociais e o atendimento às necessidades básicas dos cidadãos.

Um dos pontos fundamentais dessa política é a participação da sociedade civil e a autonomia dos gestores nas esferas governamentais ao estabelecer atribuições no campo da implementação dos direitos, provendo ações de enfrentamento da pobreza, atendimento à família, às crianças e adolescentes, aos idosos, às gestantes, às pessoas com deficiência e aos que se encontram desempregados ou desprovidos de renda.

Na concepção de Sposati (2017) a assistência social busca as atenções na política que sejam acessíveis a todos os indivíduos por meio do alcance da universalidade na proteção social distributiva que compete à política pública de assistência social e ao Suas, o seu sistema gestor. Com isso, a todos aqueles que utilizam os serviços, aos três tipos de benefícios – eventual, continuado e transferência de renda -, e aos cidadãos que estão inseridos no CADÚnico para obter benefícios em outras políticas sociais.

No que se refere à organização e a gestão da Política de Assistência, a proteção social básica e a proteção social especial constituem-se conjunto de serviços, programas, projetos e benefícios da assistência social. Em relação à proteção social básica, a assistência visa prevenir situações de vulnerabilidade e risco social por meio do

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desenvolvimento de potencialidades e aquisições e do fortalecimento de vínculos familiares e comunitários.

Já a proteção social especial, a finalidade da assistência é reconstruir os vínculos familiares e comunitários a defesa de direito, o fortalecimento das potencialidades e aquisições e a proteção de famílias e indivíduos para o enfrentamento das situações de violação de direitos.

Sobre os serviços de proteção e atendimento integral às famílias – PAIF – consiste na oferta de ações e serviços de prestação continuada por meio de trabalho social com famílias em situação de vulnerabilidade social.

Nesse sentido, segundo Yazbek (2016) a Assistência Social ao lado da Previdência Social e da Saúde traz a questão para o campo dos direitos e para a esfera da responsabilidade estatal. Com isso, a assistência social pública é o mais importante mecanismo pelo qual são estendidos aos segmentos mais pauperizados de uma classe serviços e recursos.

A assistência social, enquanto mediação entre o Estado e os segmentos sociais mais vulneráveis, se objetiva em um conjunto de programas e projetos que põem ao alcance da população empobrecida bens e serviços sociais. A implementação desses programas e serviços podem apresentar propostas orientadas por concepções assistencialistas e paternalistas, como com programas e atividades socioeducativas e organizativas. Têm-se ainda propostas que supõem a participação da população nos serviços a ela destinados e outras em que se constata a ausência de participação dos usuários (YAZBEK, 2016).

É na perspectiva de programas e atividades socioeducativas organizadas que emerge o atendimento às famílias e à criança na proteção social básica na Política Nacional de Assistência Social – PNAS/20049 – ao considerar a família como unidade de referência, ofertando um conjunto de serviços locais que visam a convivência, a socialização e o acolhimento para crianças de 0 a 6 anos por meio do fortalecimento dos vínculos familiares, o direito de brincar, as ações de socialização e de sensibilização para a defesa dos direitos das crianças.

Sendo assim, a Política Pública de Assistência Social criou uma ampla rede de proteção social intersetorial e articulada, designada a diversos segmentos da sociedade brasileira. Nessa perspectiva, direcionando o eixo da análise para a infância e reafirmando a

9 A Política Nacional de Assistência Social – PNAS - foi aprovada pela Resolução nº 145, de 15 de outubro de 2004, do Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS como resultado de um intenso e amplo debate nacional na construção das diretrizes para a efetivação da Assistência Social como direito de cidadania e responsabilidade do Estado, apoiada em um modelo de gestão compartilhada pautada no pacto federativo (COUTO; YAZBEK; RAICHELLIS, 2011).

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centralidade e atenção às famílias, o SUAS dispõe de ações e atribuições dirigidas às gestantes, crianças e adolescentes, tanto no âmbito da proteção social básica como da proteção especial, em conformidade com o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (1990).

Apesar de tais avanços, Yazbek (2016) enfatiza que os gastos na área social estão vinculados cada vez mais ao desempenho geral da economia, o que abre caminho para políticas assistencialistas e de precário padrão. Isso provoca de um lado a subordinação de vastas parcelas da sociedade à distribuição das migalhas; enquanto de outro lado não se estrutura verdadeiras políticas sociais, cujo objetivo seja realmente o de compensar, pela via da política as iniquidades do mercado.

É nessa conjuntura de crise econômica e de uma política gestada na ótica neoliberal, que no governo de Michel Temer é criado o Programa Criança Feliz vinculado ao Sistema Único de Assistência Social – SUAS10.

O governo de Michel Temer (2016-2018), na concepção de Demier e Melo (2018) adveio de um golpe de Estado, uma vez que na segunda metade do ano de 2013 o cenário brasileiro se estrutura em torno de uma crise orgânica11 em grandes proporções. A tentativa da burguesia brasileira em resgatar seus ideais hegemônicos tratou de destilar uma oposição reacionária ao Partido dos Trabalhadores (PT) transmutada em um crescente ódio de classe.

Paralela à crescente onda neoconservadora, o governo de Michel Temer atuou na área social com a valorização aos programas assistencialistas e segmentados como o Programa Criança Feliz. Esse modelo de política pode ser constato com as diretrizes e a definição de estratégias e ações para o desenvolvimento integral às crianças na primeira infância, priorizando as técnicas e os instrumentos na viabilização da felicidade da criança usuária desse programa.

A metodologia de visita domiciliar voltada à criança do Programa Criança Feliz -

“Cuidados para o Desenvolvimento da Criança – CDC” - fundamenta-se no cuidado dado à criança na fase da primeira infância e nos vínculos estabelecidos entre ela e seus

10 Resolução nº 130, de 15 de Julho de 2005, aprova a Norma Operacional Básica da Assistência Social – NOB/SUAS, no qual a IV Conferência Nacional de Assistência Social (2003) deliberou o modelo de gestão para todo o território nacional, que integra os três entes federativos e objetiva consolidar um sistema descentralizado e participativo, instituído pela Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS.

11 Os autores Demier e Melo caracterizam a crise dos regimes políticos como crise orgânica, onde, ‘’

[...] tal crise se constitui como orgânica, pois seu conteúdo é a crise de hegemonia das classes dominantes, que não podem mais manter o processo de dominação nos mesmos moldes [...]’’ (2018, p. 258).

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cuidadores. É, portanto, uma metodologia pautada na orientação e no apoio aos esforços das famílias sobre vinculação e cuidados para o desenvolvimento da criança (BRASIL, 2017).

Constata-se, a partir do Guia para Visita Domiciliar do Programa Criança Feliz que a metodologia adotada pela equipe técnica requer esforços da família no cuidado e desenvolvimento da criança. Com isso, a problemática recai sobre a família como instituição responsável pelo desenvolvimento da criança, através do uso de técnicas adequadas para

“solucionar” os problemas sociais.

Mioto (2009, p. 482-483), ao realizar os estudos econômicos, apontam o sentido da predominância da técnica sobre a política na intervenção da assistência social sobre os problemas sociais no período inicial de atuação do Assistente Social:

Os estudos socioeconômicos na trajetória do Serviço Social brasileiro tiveram um grande desenvolvimento técnico no período da consolidação da profissão (...) o “método de tratamento”, incluía a necessidade de diminuir ou resolver o problema trazido pelos “clientes” e, se possível, modificar as dificuldades e complicações fundamentais (...) esse método previa que, quando um “cliente” pedia auxilio, era necessário a realização do estudo social de caso, numa primeira etapa, posteriormente o diagnóstico e por último o tratamento”.

Diante do retorno desse modelo de intervenção na proteção social à criança é possível identificar que há predomínio da racionalidade instrumental, uma vez que as relações sociais dos indivíduos são compreendidas no plano do imediato e a solução dos problemas sociais, como responsabilidade das famílias no uso adequado às técnicas trabalhada pela equipe do Programa Criança Feliz.

A busca da solução dos problemas e a proposta de felicidade das crianças e suas famílias acompanhadas pela Política de Assistência Social está relacionada ao “uso correto e adequado” do Guia para Visita Domiciliar proposto pelo Programa. Nessa perspectiva, Iamamoto (2013) ao analisar a assistência na sociedade brasileira referente ao período vulgar da prática social do Serviço Social dá ênfase à concepção utilitária da prática social com a preocupação da eficácia técnica, com o resultado imediato e visível, quantificadamente mensurável.

A constatação da racionalidade instrumental do Programa Criança Feliz está relacionada ao papel do supervisor e do visitador que são subdivididos em duas categorias profissionais: Visitador, que pode ser de Nível Médio – Educador social/orientador social/cuidador social -; e o Supervisor, que pode ser um Técnico de nível superior, preferencialmente, psicólogo, assistente social, pedagogo, terapeuta ocupacional.

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Guerra (2011) ao abordar a perspectiva racionalista formal-abstrata no sistema capitalista, ou seja, a racionalidade instrumental evidencia que as medidas governamentais construídas para o combate das questões sociais encontram-se assentadas no plano estrutural, sob a ótica da racionalidade do processo de trabalho; e no plano superestrutural pela sua descaracterização enquanto questão política. Isso significa que enfrentar as questões sociais deve ocorrer por meio da administração técnica e/ou no campo da terapia comportamental.

As políticas sociais como mediações para enfrentar as expressões da questão social rompe com a unidade orgânica entre as diversas dimensões da realidade, e passa a operar com a decomposição e fragmentação, que se assenta na previsão e controle racional por meio de uma visão técnico-burocrática (GUERRA, 2011).

Conclui-se, assim, que a proteção social direcionada à criança e ao adolescente com a institucionalização do Programa Criança Feliz representa retrocessos na área da assistência social, uma vez que a visão tecnicista dos profissionais do Programa Criança Feliz, seguindo um receituário de como atuar e se portar diante das famílias de forma respeitosa e agradável, facilita a entrada das famílias no programa, sob a forma de controle social da pobreza.

4. CONCLUSÃO

A assistência social brasileira tornou-se alvo de um significativo avanço ao se constituir como política de direito, não contributiva, inserida no tripé da Seguridade Social junto às políticas de Previdência Social e Saúde. Avanço que se fez possível em um contexto de lutas e reinvindicações de diversos segmentos da sociedade civil em busca de uma nova forma de cidadania, resultando na materialização da Constituição Federal de 1988. Nessa direção, a assistência social que por muito tempo foi marcada por práticas clientelistas, assistenciais e caritativas, concretiza-se enquanto uma política de proteção social, inovando ao regulamentar a Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS.

A política de assistência social articula um conjunto de ações para atender diversos segmentos sociais, se desenvolvendo através dos níveis de Proteção Social Básica e Proteção Social Especial. Na particularidade da proteção social à infância, a política de assistência social articula uma gama de serviços, programas e ações em conformidade com a Constituição de 88 e o Estatuto da Criança e do Adolescente - 90.

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Contrário ao cenário de avanços e conquistas, a partir da década de 1990 a sociedade brasileira é surpreendida pelo advento da ideologia neoliberal, compreendendo um movimento de retrocessos para o embrionário sistema de proteção social brasileiro.

Nessa conjuntura a política de assistência social torna-se um alvo importante, trilhando um caminho que se distancia da lógica de políticas sociais universais, ao passo em que tem focado em políticas seletivas, fragmentadas e pontuais.

Observou-se que a política de assistência social integra um amplo sistema de garantia de direitos às crianças e aos adolescentes, em conformidade com a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Contraditoriamente, a criação do Programa Feliz parece dispensar esse histórico aparato protetivo, desenvolvendo ações que outrora já eram realizadas.

Nesse processo, o Programa Criança Feliz se institui como um programa segmentado, ao não se destinar a todas as fases da infância. Um programa que mantém e reafirma a lógica da racionalidade instrumental, não levando em conta a perspectiva de totalidade dos indivíduos. Dessa forma, o Programa Criança Feliz fragiliza as políticas sociais e descaracteriza a universalização dos direitos, se desenvolve como um programa seletivo e pontual mantendo seus aspectos característicos de uma política neoliberal.

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Referências

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