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OS USUÁRIOS DA ASSISTÊNCIA SOCIAL EM MUNICÍPIOS DE PEQUENO PORTE: uma análise da questão étnico-racial a partir do Cadastro Único

Thaís dos Santos Silva1

Eliane Christine Santos de Campos2 Isabella Fresnedas Bolzan3

Soraia Braga de Souza4

RESUMO

Esse artigo é resultado das primeiras aproximações com o debate sobre questões étnico-raciais e gestão da política de assistência social em municípios de pequeno porte. A partir da sistematização dos dados do Cadastro Único, foi possível identificar a expressividade da população negra, usuária do Sistema Único de Assistência Social- SUAS, nos municípios analisados. Contudo, para além de estatísticas, os dados dão visibilidade a realidade territorial dos municipios demonstrando que há necessidade de ações que considerem as particularidades da população negra. A pobreza no Brasil tem cor e está presente nos diferentes e diversos municipios.

São nos municipios pequenos que as pessoas residem, vivenciam e buscam soluções para suas necessidades. O reconhecimento da questão étnico-racial e suas determinações no aprofundamento das desigualdades sociais no país é essencial nesse processo. Essa desigualdade é reforçada pela fragilidade de políticas públicas para o seu enfrentamento.

Palavras-chave: Questão étnico-racial. Gestão. Cadastro Único.

ABSTRACT

This article is the result of the first approaches to the debate on ethnic-racial issues and management of social assistance policy in small municipalities. From the systematization of the Unified Registry data, it was possible to identify the expressiveness of the black population, users of the Unified Social Assistance System - SUAS, in the analyzed municipalities. However, in addition to statistics, the data give visibility to the territorial reality of the municipalities, demonstrating that there is a need for actions that consider the

1 Graduada em Serviço Social pela Universidade Estadual de Londrina (2018), mestranda do Programa de Pós-graduação em Serviço Social e Política Social da UEL. E-mail:

ssilvathais26@gmail.com

2 Graduada em Serviço Social pela Universidade Estadual de Londrina (1990), mestrado em Serviço Social e Política Social pela Universidade Estadual de Londrina (2004) e doutorado em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2015). Professora Adjunta da Universidade Estadual de Londrina. Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Serviço Social e Política Social da Universidade Estadual de Londrina. E-mail: elianecampos@uel.br

3 Graduada em Serviço Social pela Universidade Estadual de Londrina (2019), mestranda do Programa de Pós-graduação em Serviço Social e Política Social da UEL. E-mail:

isabella.bolzan@uel.br

4 Graduada em Serviço Social pela Universidade Estadual do Paraná- UNESPAR. Mestranda do Programa de Pós-graduação em Serviço Social e Política Social da UEL, Assistente Social na Prefeitura do Município de Apucarana. E-mail: soraia_braga_souza@hotmail.com

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particularities of the black population. Poverty in Brazil has a colour and is present in different and diverse municipalities. It is in small municipalities that people live, experience and seek solutions to their needs. The recognition of the ethnic-racial issue and its determinations in the deepening of social inequalities in the country is essential in this process. This inequality is reinforced by the weakness of public policies to face it.

Keywords: Ethnic-racial Question. Management. Single Registration.

1 INTRODUÇÃO

O Brasil foi o último país do mundo a abolir o trabalho escravo de pessoas de origem africana, em 1888, após ter recebido, ao longo de mais de três séculos, cerca de quatro milhões de africanos como escravos (HERINGER et al., 1989).

Diferentes pesquisas demonstram a presença e a persistência das desigualdades raciais a da situação subalterna do negro na sociedade brasileira, evidenciadas pelas suas condições de vida precárias e pela discriminação racial.

Essa realidade começou a ser alterada devido à crescente visibilidade de um ativo Movimento Negro, à presença de um expressivo grupo de intelectuais negros e de artistas que provocam debates sobre o assunto em diferentes instâncias.

Podemos inserir nesse enfrentamento as ações do Estado, ainda insuficientes, porém necessárias para o enfrentamento de demandas históricas da população negra.

É seguindo esse direcionamento que este artigo foi construído. Resultado das primeiras aproximações com o debate sobre questões étnico-raciais e gestão da política de assistencia social em municipios de pequeno porte no norte do Paraná, este breve estudo buscou, a partir da sistematização dos dados do Cadastro Único, identificar a expressividades da população negra, usuária do Sistema Único de Assistencia Social – SUAS, no municipios pequenos.

Para além de estatísticas, os dados dão visibilidade a realidade territorial dos municipios demonstrando que há necessidade de ações que considerem as

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particularidades da população negra. A pobreza no Brasil tem cor e está presente nos diferentes e diversos municipios. São nos municipios que as pessoas residem, vivenciam e buscam soluções para suas necessidades. O reconhecimento da questão étnico-racial e suas determinações no aprofundamento das desigualdades sociais no país é essencial nesse processo. Essa desigualdade é reforçada pela fragilidade de políticas públicas para o seu enfrentamento.

Para tanto, o artigo está organizado a partir de dois eixos. O primeiro contemplando os aspectos teóricos que embasam o debate sobre a questão étnico- racial no Brasil e na política de assistência social. O segundo buscamos as primeiras aproximações ao perfil étnico-racial nos municípios de pequeno porte da Associação dos Municípios do Médio Paranapanema – AMEPAR.

Os dados apresentados retratam a existência expressiva da população negra, porém invisibilizada nos planos de governo. Esperamos que as informações e análises aqui contidas, ainda embrionárias, possam despertar nos gestores e técnicos de municípios de pequeno porte reflexões profundas sobre a desigualdade racial no Brasil e no seu município.

2 COMPREENDENDO A QUESTÃO ÉTNICO-RACIAL NO BRASIL

Para compreender a composição da sociedade brasileira em termos étnico- raciais é necessário considerar como ocorreu o processo de formação do país. Em linhas gerais, é primordial a aproximação sobre como foram os períodos de colonização, escravidão e pós-abolição da escravidão. Momentos históricos que reverberam suas consequências até a contemporaneidade.

O que, em seu princípio, é a colonização? É concordar que não é nem evangelização, nem empreendimento filantrópico, nem vontade de empurrar para trás as fronteiras da ignorância, da doença e da tirania, nem expansão de Deus, nem extensão do Direito; é admitir de uma vez por todas, sem recuar ante as consequências, que o gesto decisivo aqui é do aventureiro e do pirata, dos merceeiros em geral, do armador, do garimpeiro e do comerciante; do apetite e da força, com a sombra maléfica, por trás, de uma forma de civilização que, em um momento de sua história, se vê obrigada internamente a estender à escala mundial a concorrência de suas economias antagônicas. (CÉSAIRE, 2020, p. 10).

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O colonialismo foi um projeto que pregoava o progresso, a civilização, ancorado em ideários cristãos que defendiam a necessidade de levar a “luz” e acabar com o paganismo desses povos, elevando-os ao patamar de civilizados, assim como os europeus. Contudo, seu verdadeiro interesse e finalidade foram o genocídio, escravização de povos inteiros pelo mundo, a partir de brutalidade e violência para garantir a dominação e exploração (CÉSAIRE, 2020).

E o grande responsável nesse campo é o pedantismo cristão, por ter elaborado as equações desonestas: cristianismo = civilização; paganismo = selvageria, das quais só poderiam resultar as abomináveis consequências colonialistas e racistas, cujas vítimas seriam os índios, amarelos e negros (CÉSAIRE, 2020, p. 11).

A formação sócio-histórica brasileira tem suas bases calcadas no colonialismo, sob um cenário de genocídio e violência brutal contra os povos originários – povos indígenas – espoliação de recursos naturais e escravização de povos negros sequestrados do continente Africano, sistema escravista que perdurou por quase quatro séculos, o Brasil foi o último país ocidental a proibir a escravização de pessoas negras. Apesar, de tanta violência empreendida contra o povo negro esse período foi marcado pela luta e forte resistência negra (MOURA, 1992).

A história do negro no Brasil confunde-se e identifica-se com a formação da própria nação brasileira e acompanha a sua evolução histórica e social.

Trazido como imigrante forçado e, mais do que isto, como escravo, o negro africano e os seus descendentes contribuíram com todos aqueles ingredientes que dinamizaram o trabalho durante quase quatro séculos de escravidão. Em todas as áreas do Brasil eles construíram a nossa economia em desenvolvimento, mas, por outro lado, foram sumariamente excluídos da divisão dessa riqueza (MOURA, 1992, p. 7).

Uma soma de fatores contribuiu para que o período de escravidão negra chegasse ao fim no Brasil. Um deles foi a quilombagem, “o movimento de rebeldia permanente organizado e dirigido pelos próprios escravos que se verificou durante o escravismo brasileiro em todo o território nacional” (MOURA, 1992, p. 22).

Movimento que contribuiu de forma significativa para o desgaste do sistema escravista nacional. Foi um movimento radical, anterior ao movimento abolicionista que tinha um caráter liberal. Além da formação de quilombos esse movimento

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organizava guerrilhas, protestos individuais e coletivos, sempre com o protagonismo negro (MOURA, 1992).

Somada à pressão internacional para a adoção do trabalho livre, quando em 1850 ficou proibido o tráfico de pessoas oriundas do continente Africano5. O fato da vida útil de um escravo ser de 7 a 10 anos, essa lei impossibilitou a reposição da mão de obra nacional. Questões políticas internas para que fosse instaurada a república no país, entre outros, culminaram em 1888 na Abolição sem reformas ou indenizações feita pela coroa, uma vitória para os proprietários de escravos que mantiveram intactas suas propriedades e foram indenizados pela perda de seus escravos (MOURA, 1992).

Além dessas causas estruturais, fatores externos levam o sistema escravista a um impasse cuja solução foi a Abolição sem reformas. O dilema se apresentava diante dos fazendeiros: ou aceitavam a Abolição compromissada como o Trono queria, conservando-lhes os privilégios, ou correriam o risco de ver a Abolição feita pelos próprios escravos, através de medidas radicais, como a divisão das terras senhoriais. A concordata foi feita. O problema da mão-de-obra já estava praticamente resolvido com a importação de milhares de imigrantes. O trabalhador nacional descendente de africanos seria marginalizado e estigmatizado. O ideal de branqueamento das elites seria satisfeito, e as estruturas arcaicas de propriedade continuariam intocadas. O negro, ex-escravo, é atirado como sobra na periferia do sistema de trabalho livre, o racismo é remanipulado criando mecanismos de barragem para o negro em todos os níveis da sociedade, e o modelo de capitalismo dependente é implantado, perdurando até hoje (MOURA, 1992, p. 62).

Acontecimento que afeta até os dias atuais a condição de vida da população negra, que foi atirada à margem do trabalho livre, pois o país incentivou e financiou a imigração europeia para substituir a mão de obra nacional negra com o propósito de satisfazer um ideário de embranquecimento da população brasileira, ideário racista que foi disseminado no mundo naquele período.

3 A DIMENSÃO ÉTNICO-RACIAL NA POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

O conceito de raça expressa sentidos distintos ao longo da história, bem como diferentes definições e origens. É um conceito complexo e multifacetado, mas necessário para a análise das relações raciais, tanto no

5 Lei Eusébio de Queirós nº 581 de 4 de setembro de 1850.

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âmbito acadêmico, como no âmbito das políticas públicas (ABEPSS, 2018, p. 14).

A construção das relações étnico-raciais e de gênero revelam-se diferentemente em cada período histórico e para compreende-las é necessário realizar uma breve análise de conjuntura, bem como uma leitura de realidade.

Considerando que a questão étnico-racial se constitui como um elemento estruturante das relações sociais e, assim, deve ser apreendida com profundidade e em toda a sua complexidade histórica (ABEPSS, 2018, p.

19).

Sendo assim, analisamos que no período colonial, marcado pelo poder da família patriarcal, o espaço destinado à mulher branca era o espaço doméstico, enquanto que o espaço designado à mulher negra escravizada, concentrava-se a partir de sua condição brutal de objeto de trabalho e também satisfação de desejos sexuais para os seus senhores brancos (NADER, 2001). Desta forma, a mulher negra, a partir do imaginário social é vista como uma mulher sensual, promíscua e incapaz de formar uma família (CARNEIRO, 2002).

No período pós-abolição – republicano – presumiu-se a existência biológica de raças superiores e não superiores, sendo os brancos e os negros respectivamente. No entanto, houve também ideias sexistas apontando a inferioridade das mulheres e, então, as ações de caráter racista e sexista foram as bases para as posturas das classes dominantes e do Estado brasileiro, “em especial, diante da população negra no pós-abolição com a ideia de

“aperfeiçoamento racial” da nação brasileira, a partir da miscigenação, sobretudo entre mulheres negras e homens brancos” (COSTA, 2017, p. 228).

A miscigenação, na perspectiva da teoria do embranquecimento, surge então como uma “porta de saída” interessante e viável para a constituição de uma nação branca, livre da “mancha negra”, tão indesejada pela classe dominante no período pós-abolição (ABEPSS, 2018, p. 13).

Desta forma, o racismo brasileiro é norteado a partir da construção de uma nação miscigenada marcada pelo símbolo nacional de mulata, bem como a democracia racial. Nesse mesmo contexto, a assistência social é calcada por ações

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filantrópicas e um Estado autoritário varguista, que em 1942 por meio da primeira dama, Darcy Vargas, é fundada a Legião Brasileira de Assistência (LBA). Nesse período era realizado um trabalho voltado aos “mais necessitados”, pois as famílias deveriam seguir um padrão de “normalidade” (COSTA, 2017).

Com o advento da Constituição Federal de 1988, a assistência social ganha contornos enquanto política pública estatal e destina-se aos que dela necessitarem (art. 203 e 204 da CF 88). Em 1993 é regulamentado os artigos constitucionais por meio da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), porém, apenas nos anos 2000 no governo Lula, especificamente em 2003, é dada a conformação da assistência social conforme Sistema Único (Sistema Único de Assistência Social – SUAS), sobretudo a “busca pelo alcance da transversalidade da promoção da igualdade racial e de gênero nas políticas públicas” (COSTA, 2017, p. 229).

Nessa direção, a presente Política Nacional de Assistência Social – PNAS busca incorporar as demandas presentes na sociedade brasileira no que tange à responsabilidade política, objetivando tornar claras suas diretrizes na efetivação da assistência social como direito de cidadania e responsabilidade do Estado (PNAS, 2005, p. 13).

Apesar da conformação da assistência social enquanto política pública estatal, ainda há raízes na realidade conservadora que norteiam as ações dessa política. Sendo assim, resta a indagação de: quem são os(as) que dela necessitam?

E para além, como este perfil incide e traça o desenvolvimento desta política?

Tem-se então este segmento, sobretudo, as mulheres negras, como a maioria atendida no SUAS, incluindo o acesso a equipamentos públicos como o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), a que os(as) beneficiários(as) do Programa Bolsa Família (PBF) e do Benefício de Prestação Continuada (BPC) possuem prioridade no acesso (COSTA, 2017, p. 230).

O órgão responsável pela organização da política de Assistência à nível nacional, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), regista que quase 80% dos titulares do Programa Bolsa Família entre homens e mulheres são negros quando realizada estatisticamente essa comparação sexista e, se

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comparado entre gênero, as mulheres são a maioria, sobretudo as mulheres negras, se comparado à raça.

3.1 Aproximações ao perfil étnico-racial nos municípios de pequeno porte da AMEPAR

O Cadastro Único para Programas Sociais foi criado em 2001 como um instrumento de coleta de dados acerca das famílias em situação de desproteção social e risco nos municípios brasileiros, para promover acesso à programas sociais a partir de uma base unificada de informações (TORRES, 2016). Em seus formulários são registradas informações acerca da família referentes à moradia, renda, composição familiar, documentação civil, escolaridade, profissionalização e trabalho de seus integrantes.

O Cadastro Único é utilizado pela União, municípios e estados e o Distrito Federal para promover o acesso a programas sociais (VIUDES, 2016). A princípio o cadastro único seria utilizado para selecionar famílias para programas sociais de enfrentamento à pobreza e combate à fome na PNAS, porém com o aperfeiçoamento na gestão dos dados e a percepção de seu alcance, o cadastro único passou a ser utilizado por diversas políticas sociais como seleção para programas de interesse social e de isenção de tarifas, como os cadastros habitacionais, matrículas escolares e universitárias, isenção para concursos públicos e etc. (TORRES, 2016).

Até abril de 2021 há 29.847.849 famílias cadastradas e 76.999.108 pessoas cadastradas na base de dados nacional do cadastro único. Considerando que a população brasileira é composta por 213.393.180 pessoas, segundo a estimativa populacional do IBGE para 2021, 36.08% dos brasileiros estão inscritos no Cadastro Único. Torres (2016) classifica o Cadastro Único como uma ferramenta de “gestão da pobreza”:

Não se pode desconsiderar, porém, que também a formulação do Cadastro Único não é neutra, ela própria se sustenta numa concepção de mundo, numa forma de olhar uma determinada população, de localizá-la socialmente. A própria interpretação de que ele é um “instrumento de

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controle administrativo dos beneficiários” já sugere isso e o põe em equivalência a outras formas desenvolvidas historicamente para conhecimento de uma população, e mais precisamente para “gestão da pobreza”. (p. 234,235).

A base de dados do cadastro único é disponibilizada aos municípios por meio de sistemas e ferramentas de gestão da informação da Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação (SAGI). Ferramentas como o CECAD - Consulta, Seleção e Extração de Informações do CadÚnico, disponibilizam aos municípios a sistematização de dados extraídos do cadastro único e do programa bolsa família, fortalecendo o processo de planejamento, monitoramento e avaliação da política municipal de assistência social.

A sistematização de dados do cadastro único é de extrema importância para identificação de desproteções sociais nos territórios e para compreender as características da população atendida. A vigilância socioassistencial, enquanto uma das funções da política de assistência social, é exercida quando o conhecimento produzido é articulado ao planejamento das intervenções da política e produz indicadores para monitoramento dos impactos das ações na realidade social dos municípios (RIBEIRO, 2017).

Os instrumentos de gestão, em especial o monitoramento e a avaliação, se forem pensados em sua dimensão política, conforme prevê a legislação na área, podem ser impulsionadores do avanço da assistência social como política pública profissionalizada e qualificada (BUENO E CARLOTO, 2015, p.20).

Ao se tornar uma política pública, a assistência social não passa somente por uma mudança organizacional, cria-se também a necessidade de atender as demandas da sociedade referente à proteção social, para isso é preciso estabelecer meios de alcançar conhecimento acerca das desigualdades sociais e dos conflitos, suas características em cada território que geram os quadros de desproteção e risco social (FRITZEN, 2014).

3.1. As especificidades étnico-raciais dos municípios analisados

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A partir de estudos realizados a Associação dos Municípios do Médio Paranapanema - Amepar, terceira maior região do Estado, nasceu em 1973 e representa municípios da região norte do Paraná. A criação de associações no Estado foi resultado do trabalho dos prefeitos de então, no reconhecimento do municipalismo enquanto sistema capaz de trazer crescimento e desenvolvimento sustentável para as diferentes regiões do estado do Paraná (CAMPOS et al., 2019).

Atualmente a Amepar conta com 22 municípios associados, totalizando 965.159 habitantes. Dos municipios pertencentes a essa associação, 17 são considerados de pequeno porte. Destes, quatro foram escolhidos para serem analisados, sendo eles: Cafeara (2.695 hab.), Guaraci (5.227 hab.), Prado Ferreira (3.434) e Sertanópolis (15.638 hab.)6, a escolha intencional, considerou as diferenças dos números de habitantes, fator determinantes para pensar a gestão de políticas sociais.

Tabela 1 – Distribuição da população segundo cor/raça e naturalidade – Paraná – 2010

Nas duas últimas décadas, voltou a verificar-se maior incremento relativo da população negra no estado. O número de pretos foi ampliado em 73% entre 1991 e 2010 e, na última década, quase todo crescimento populacional do Paraná decorreu do incremento no número de pardos. Essa dinâmica demográfica, segundo o autor, segue um padrão observado nacionalmente, no qual o crescimento mais elevado dos negros relaciona-se, para além dos fatores endógenos de crescimento

6 O número de habitantes dos municipios foram retirados do IBGE, 2010.

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populacional, a uma mudança na autoidentificação racial da população (FILHO, 2018).

No estado do Paraná, 36,62 % da população negra está inscrita no cadastro único. Quando trazemos está divisão para os municipios analisados encontramos a seguinte organização:

Quadro 1: percentual da população negra cadastrada no Cadastro Único.

% da População Negra % da População Branca

Cafeara 74,9 41,39

Guaraci* 47,65 33,43

Padro Ferreira 87,37 62,94

Sertanópolis 25,37 49,65

A maioria das pessoas inscritas são mulheres negras.

Fonte: dados coletados na Cadúnico, 2021.

Na sociedade brasileira, as diferenças sociais entre brancos e negros são nítidas no cotidiano. Além do aspecto socioeconômico, no qual pessoas pretas e pardas7 são maioria entre as que possuem rendimentos mais baixos, dados demonstram situações de extrema vulnerabilidades nos campos da educação, saúde, moradia, entre outros, demonstrando o desequilíbrio na garantia de direitos em prejuízo para a população negra.

Dados demonstram que 54% da população brasileira é negra. Complementar, dados do Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada de 2016, demostram que mulheres brancas recebem salários 70% a mais que mulheres negras. Esses dados também podem ser reproduzidos nas análises das mulheres inscritas, quando analisamos os dados dos municípios estudados (IBGE, 2010).

Esse contexto traz reponsabilidades para o Estado.No âmbito governamental, as iniciativas de combate às desigualdades raciais ainda têm um alcance limitado e podem ser mais facilmente identificadas nos documentos e recomendações do que por meio de ações práticas.

7 (a combinação desses grupos forma a classificação negra, segundo o IBGE).

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De maneira geral, percebemos que o Estado brasileiro, nas suas diversas instâncias, ainda não demonstrou o comprometimento necessário com a diminuição das desigualdades raciais. Mesmo as políticas sociais concretizadas nos diferentes serviços, programas e projetos implementados, é possível identificar a insuficiência de recursos materiais e humanos que garantam impactos positivos.

A efetividade das ações públicas está relacionada ao conhecimento dessa realidade socioeconômica e sua relação com o perfil étnico-racial dos territórios.

Entender esta realidade brasileira envolve a inter-relação de questões centrais relacionada aos usuários das políticas sociais: gênero, etnia, classe social, entre outras. Parte desse conhecimento pode ser encontrado na base de dados do IBGE, mas também na base de dados do Cadastro Único.

No Paraná, onde muitas vezes se dá maior valor à imigração europeia, as marcas dos africanos são presentes e significativas em todo o estado8.

Estudos realizados por Felipe (2018), apresentam que ao retratar a presença da população negra no Paraná, a partir do resgate histórico, é possivel entender a negação identitária dessa população no estado a partir de uma política de invisibilidade na história e tradições culturais do Paraná.

Em 1853, quando ocorreu a emancipação política do Paraná, 40% da população do Estado, era composta por negros. Hoje, segundo dados do Instituto Brasileiro Geografia e Estatística (IBGE), eles representam 28,5%, o que confere ao Paraná a maior população negra do sul do país. (SILVA, 2010, p. 1 apud Lau Filho, 2018, p. 39)

No Paraná e demais estados do sul do país, há um enaltecimento, pela população, da composição racial de tradição europeia. Contudo, segundo a autora, os dados dos censos entre os séculos XIX e XX mostram ter havido um processo de branqueamento na população, seguindo a tendência nacional, o que implica a existência de raízes negras em considerável parcela da população paranaense (GILLIE, 2018).

Pobreza tem cor no Brasil. E, existem dois Brasis”9, essa é a conclusão apresentada pelo economista Marcelo Paixão no estudo “Desenvolvimento humano

8 https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/legado-afro-em-solo-paranaense- 0b6um2bmnfdjfwju0o1wy009a/

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e desigualdades étnicas no Brasil: um retrato de final de século”. Esse reconhecimento traz responsabilidade para sociedade brasileira. Cabe às políticas sociais responder as particularidades da população brasileira e com isso as da população negra.

Assim como as demais políticas sociais, cabe a política de assistencia reconhecer suas responsabilidades e dar visibilidade as condições ético-raciais presentes nos dados do Cadúnico. O primeiro passo é reconhecer a presença significativa da população negra nesses territórios.

4 CONCLUSÃO

Não são poucas as pesquisas que demonstram o caráter estrutural da desigualdade entre brancos e negros na sociedade brasileira. Essa desigualdade é reforçada pela Estado a partir das fragilidades das políticas públicas para o seu enfrentamento.

Organizar a história da presença dos negros no Paraná não é uma tarefa fácil, há escassa bibliografia existente sobre o tema (FILHO, 2018). O autor complementa essa falta de referências com uma reflexão importante, “o estado que se considera terra de todas as etnias sempre relegou a segundo plano a existência e importância dos seus filhos negros na sua formação sociocultural” (FILHO, 2018, p.

44).

Se defendemos a construção de uma sociedade igualitária, é necessário compreender qual o papel que cada estrutura socioeconômica desempenha na reprodução do racismo, a fim de desenhar estratégias eficazes para o seu enfrentamento. Nesse cenário, o combate à desigualdade racial nas políticas sociais em especial na assistencia social é essencial, enquanto elemento indispensável para qualquer mudança. Os dados estão disponibilizados em diferentes bancos de

9 https://www.geledes.org.br/pobreza-tem-cor-no-

brasil/?gclid=CjwKCAjwpMOIBhBAEiwAy5M6YGYj7i2s1ldFvJ5CeP15dqsVf01FyW30P0E0ZOi9X6Ms WsSUltNUHRoCKbwQAvD_BwE.

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dados, cabe aos técnicos, gestores e demais sujeitos envolvidos na gestão da política de assistência compreendê-lo.

A diversidade territorial brasileira não pode limitar as ações dos governantes.

São nos municípios pequenos que as pessoas residem, vivenciam e buscam soluções para suas necessidades.

REFERÊNCIAS

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Referências

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