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“Classificação de raça/cor e etnia: conceitos, terminologia e métodos utilizados nas ciências da saúde no Brasil”

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“Classificação de raça/cor e etnia: conceitos, terminologia e métodos utilizados nas ciências da saúde no Brasil”

por

Monique Miranda

Dissertação apresentada com vistas à obtenção do título de Mestre em Ciências na área de Saúde Pública.

Orientador: Prof. Dr. Alberto Lopes Najar

Rio de Janeiro, setembro de 2010.

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Esta dissertação, intitulada

“Classificação de raça/cor e etnia: conceitos, terminologia e métodos utilizados nas ciências da saúde no Brasil”

apresentada por

Monique Miranda

foi avaliada pela Banca Examinadora composta pelos seguintes membros:

Prof. Dr. Josué Laguardia

Prof.ª Dr.ª Tatiana Wargas de Faria Baptista Prof. Dr. Alberto Lopes Najar –

Orientador

Dissertação defendida e aprovada em 17 de setembro de 2010.

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A U T O R I Z A Ç Ã O

Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação, por processos fotocopiadores.

Rio de Janeiro, 17 de setembro de 2010.

________________________________

Monique Miranda

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Catalogação na fonte

Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica Biblioteca de Saúde Pública

M672 Miranda, Monique

Classificação de raça, cor e etnia: conceitos, terminologia e métodos utilizados nas ciências da saúde no Brasil, no período de 2000 à 2009.

/ Monique Miranda. Rio de Janeiro: s.n., 2010.

x,137 f., tab.

Orientador: Najar, Alberto Lopes

Dissertação (Mestrado) – Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Rio de Janeiro, 2010

1.Distribuição por etnia. 2.Etnia e Saúde. 3.Iniquidade social.4.Métodos. 5.Brasil. I. Título.

CDD -22.ed. – 305.80981

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África minha À sombra da amendoeira, Maria, minha vó preta, Me contava histórias.

Negras carícias Que embalaram a infância Cafuné nos sonhos Doce nos breus Mundo de sabores Delicadas mãos Que ninaram minha existência Batidas suaves na perna Colo, afago, deleite

(Silvia Carvalho)

À Zilda da Silva ,com amor

(in memorian)

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AGRADECIMENTOS

-

Aos professores e colegas da turma de mestrado que me proporcionaram momentos de vivacidade e de partilha do aprendizado, agradecimento especial à Profª Célia Leitão pelo incentivo e contribuições no germinar do tema da dissertação.

-Ao Prof Alberto Lopes Najar pelo acompanhamento neste projeto realizado, significando para mim um importante avanço na compreensão do processo de construção do conhecimento.

-Ao Prof Josué Laguardia pelos textos, orientação e apoio no momento de reestruturação do trabalho.

- À Maria de Fátima Martins pela preciosa ajuda em momento crucial nas bases de dados e também a todos os funcionários da biblioteca e da xerox.

-Aos colegas da Superintendência de Promoção da Saúde/SMSDC pelo estímulo, acolhimento e paciência em todo o período do mestrado. Agradecimento especial a Louise Mara Santos Silva pela nossa cumplicidade , parceria e o compartilhar de sentidos para o nosso trabalho.

-Aos companheiros e companheiras do Comitê Técnico de Saúde da População Negra da SMSDC/RJ pelos momentos de reflexão e aprendizado.

-Meu agradecimento infinito à Mônica de Assis pelas orientações e revisão da dissertação além do acolhimento e incentivo nos momentos mais difíceis .

-À Neli Almeida e Tânia Almeida pela leitura, idéias e incentivo na construção do texto da dissertação.

-À Joana Oliveira, João Fernandes e Desiree Simões pelas leituras em inglês.

-Aos amigos e amigas que me incentivaram sempre e me apoiaram em todas as horas das mais variadas formas, do olhar ao abraço, em especial : à Marlise, Sofia, Kleber e Katinha pelos livros, textos e xerox.; às vizinhas e amigas Jane, Fátima e Neli pela escuta nos momentos de angústia e pelo acolhimento doméstico; à querida amiga Deise Lílian pelo exemplo de determinação e pela paciência nesta minha fase de isolamento; aos amigos Sandra, Fátima e Gustavo pelas pequenas gentilezas e o carinho na escuta. À Júlia e Julian que do seu jeito também me acompanharam e pelas fantasias partilhadas para depois de acabar o Livro. Acabei crianças!

-À Lígia pelo companheirismo e amor cotidianos nestes meses e em especial por desafiar o meu contrário das coisas.

- Agradecimento especialíssimo a minha mãe Marie Antoinette pela ternura, apoio, compreensão e ajuda em todo o período de confecção da dissertação.

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ABSTRACT

This dissertation aims to analyze mainly the usage and the theoretical-methodological basis for the race, color and ethnicity classification in the Brazilian health sciences literature from 2000 through 2009. A systematic bibliographic review is the chosen methodology by searching MEDLINE, LILACS and SCIELO databases, comparing preliminarily the ethnic/racial identification terminology used in North American and Brazilian publications. There was an expressive increase of Health studies focusing on color/race in this period, although their range is still restricted to what concerns Health Sciences. Public debate on racial identity has also intensified in this period, influenced by public policies and civil society actions targeted for Blacks and Indians. This study has mapped historical, societal, ideological and methodological aspects that permeate ethnic/racial classification approach; concepts and values connected to identity, inequality, racism, discrimination, racial mixture and equity, among others, are mingled in the literature analyzed. It is underlined the conceptual absence and inconsistency in the usage of the terms race, color and ethnicity and the use of diversified and non- standardized terminology in the identification of individuals. The conclusion is that the methodological approach in Health Sciences for the classification of race, color and ethnicity is still insufficient, in addition to the necessity of the expansion of investigations of their theoretical, conceptual and technical aspects, which must be associated to the discussion on racial inequalities and racism.

Key-words: ethnic-racial classification, color, race and health items

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RESUMO

Esta dissertação tem como objetivo principal analisar a utilização e a fundamentação teórico-metodológica da classificação de raça, cor e etnia na literatura das ciências da saúde, produzida no período de 2000 a 2009 , no Brasil. A metodologia utilizada é a revisão bibliográfica sistemática através das bases de dados do MEDLINE, LILACS e SCIELO. Preliminarmente comparou-se a terminologia de identificação étnico-racial utilizada nas publicações brasileiras e norte-americanas. No período em questão houve expressivo aumento de estudos em saúde com foco em cor/raça, embora ainda seja restrito o seu espectro nas ciências da saúde. O debate público sobre identidade racial também aumentou neste período, influenciado pelas políticas públicas e ações da sociedade civil voltadas para negros e indígenas. No estudo mapeou-se aspectos históricos, sociais , ideológicos e metodológicos que permeiam a abordagem da classificação étnico-racial ; concepções e valores vinculados a identidade, desigualdade, racismo, discriminação, mistura racial e equidade, entre outros, estão entremeados na literatura analisada. Ressalta-se a ausência e inconsistência conceitual no uso dos termos raça, cor e etnia e o emprego de terminologia diversificada e não padronizada na identificação dos indivíduos. Conclui-se que nas ciências da saúde ainda é insuficiente a abordagem metodológica na classificação de raça, cor e etnia , além de ser necessária a ampliação da investigação dos seus aspectos teóricos, conceituais e técnicos, sendo estes indissociáveis da discussão sobre desigualdades raciais e racismo.

Palavras-chave : Classificação étnico-racial ; quesito cor ; raça e saúde.

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LISTA DE TABELAS

TABELA 1- Termos de classificação étnico-racial nos resumos das publicações

científicas da área das ciências da saúde Brasil(2000-2009) e EUA (2005-2009)---64 TABELA 2- Categorias étnico-raciais descritas nos resumos das publicações

científicas da área das ciências da saúde - Brasil(2000-2009)---65 TABELA 3- Categorias étnico-raciais descritas nos resumos das publicações

científicas da área das ciências da saúde - EUA (2005-2009)---66 TABELA 4- Distribuição das categorias étnico-raciais por termo de classificação nos

resumos das publicações científicas da área das ciências da saúde - Brasil(2000-2009)---67

TABELA 5- Distribuição de categorias étnico-raciais por termo de classificação nos

resumos das publicações científicas da área das ciências da saúde - EUA (2005-2009)---68 TABELA 6- Grupos completos de categorias de classificação etnico-racial descritas nos resumos das publicações científicas da área das ciências da saúde - Brasil (2000-2009)---69 TABELA 7- Grupos completos de categorias de classificação etnico-racial descritas nos resumos publicações científicas da área das ciências da saúde - EUA (2005-2009)---70 TABELA 8- Perfil dos resumos- publicações científicas da área das ciências

da saúde - Brasil (2000-2009) e EUA (2005-2009)---72 TABELA 9- Perfil dos resumos- publicações científicas da área das ciências

da saúde - EUA (2005-2009)---72 TABELA 10- Focos temáticos nos resumos das publicações científicas da área das ciências da saúde - Brasil (2000-2009) e EUA (2005-2009)---73

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LISTA DE QUADROS

QUADRO 1- Definição das categorias utilizadas na classificação étnico-racial---35

QUADRO 2- Critério de inclusão e exclusão para a seleção dos resumos das bases de dados MEDLINE, LILACS e SCIELO---60

QUADRO 3- Distribuição de artigos por periódicos---74

QUADRO 4- Foco temático principal dos artigos---75

QUADRO 5- Aspectos conceituais em relação à raça,cor e etnia---76

QUADRO 6- Aspectos da terminologia e da classificação de raça,cor e etnia ---83

QUADRO 7- Métodos e critérios de classificação de raça, cor e etnia dos artigos com amostra/população---90

QUADRO 8- Referências históricas , políticas e sociais ---91

QUADRO 9- Referências teóricas e técnicas ---100

QUADRO 10- Variáveis demográficas e socioeconômicas---104

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SUMÁRIO

1-INTRODUÇÃO ---01

2- RAÇA,COR E ETNIA---05

2.1-Conceituação---05

2.2-Raça no Brasil---10

3 -CLASSIFICAÇÃO ÉTNICO-RACIAL---20

3.1-Taxionomia---20

3.2-Critérios e Métodos---24

3.3-Terminologia---33

3.4-Censo populacional---44

4- RECORTE ÉTNICO-RACIAL NA SAÚDE---48

4.1-Desigualdades Raciais---48

4.2-A variável raça/cor no campo da saúde---50

5- METODOLOGIA ---59

6- RESULTADOS ---63

6.1-Caracterização dos Resumos--- 63

6.2-Análise dos Artigos ---73

7-DISCUSSÃO---111

8-CONCLUSÕES--- 124

9-REFERÊNCIAS ---128

ANEXOS---136

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1 1- INTRODUÇÃO

As publicações da área das ciências da saúde ao abordarem ou utilizarem a classificação étnico-racial frequentemente não diferenciam os conceitos relativos a raça, cor e etnia. Estes termos são empregados recorrentemente de forma difusa, muitas vezes como se fossem sinônimos, sendo correlacionadas diferentes terminologias na identificação étnico-racial dos indivíduos.

O presente trabalho objetivou através de revisão bibliográfica sistemática, analisar a utilização e a fundamentação teórico-metodológica da classificação de raça, cor e etnia na literatura das ciências da saúde, no período de 2000 a 2009, no Brasil. O trabalho constituiu-se em duas etapas: na primeira foram caracterizados 187 resumos selecionados das bases de dados Lilacs, Scielo e Medline, procedendo- se à caracterização e comparação da terminologia étnico-racial utilizada no Brasil e nos Estados Unidos da América do Norte (EUA). Posteriormente foram analisados em profundidade os artigos com foco em temáticas envolvendo raça, cor e etnia, objetivando-se identificar os critérios e métodos utilizados na classificação de raça, cor e etnia em estudos publicados no Brasil.

Na última década, vem aumentando no Brasil a produção científica vinculada a questões relativas a raça, cor e etnia. As abordagens são múltiplas, tratando-se não só da investigação de possíveis diferenças étnico-raciais na gênese e comportamento de doenças e agravos, como também da análise das desigaldades em saúde. A classificação étnico-racial é inerente à realização destes estudos, porém ainda é incipiente o seu enfoque como objeto específico de investigação.

O processo saúde-doença envolve múltiplos fatores além dos biológicos, ambientais e socioeconômicos, configurando-se de forma diversa no psiquismo humano e nas sociedades em cada contexto histórico e social. Raça, cor e etnia,

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2 conforme a sua conceituação e utilização, perpassam os fatores e dimensões deste processo individual e coletivo. Na compreensão da relação de raça e saúde é fundamental a busca de áreas de conhecimento como a antropologia, história, ciências sociais, biologia e outras.

A classificação racial brasileira caracteriza-se pela complexidade, ambiguidade e fluidez, sendo baseada na aparência dos indivíduos. Existem diferentes sistemas classificatórios: o oficial, que é o do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), constituído por cinco categorias (preto, pardo, branco,amarelo e indígena); o popular, que inclui múltiplas categorias, e o do movimento negro, que é focado nas denominações negro e branco (Telles, 2003). A classificação do IBGE, em especial, é muito discutida quanto à sua adequação e representatividade no tocante à identificação da população. A análise da classificação étnico-racial é indissociável da discussão sobre as desigualdades, discriminação e racismo que vigoram na sociedade brasileira.

A participação pública neste debate, anteriormente concentrado na área acadêmica e no movimento negro, vem crescendo por meio da implantação de ações afirmativas. Estas ações têm sido implantadas a partir de medidas governamentais, atuação dos movimentos sociais e também através da iniciativa de setores privados.

Negros e indígenas são os segmentos prioritários e muitas ações são referentes às áreas da educação, trabalho e saúde. Políticas sociais antes universalistas têm se diferenciado a partir da classificação racial, sendo polêmica a discussão sobre identidade étnico-racial e adequação destas medidas para a diminuição das desigualdades sociais.

Na área da saúde, as investigações sobre racismo, discriminação, desigualdades raciais e identidade étnico-racial são relativamente recentes, entretanto na área das ciências sociais estes temas têm uma longa história, com diversos enfoques, em especial a partir do ciclo de estudos coordenados pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), no final da década 40. Porém, a despeito dos estudos acadêmicos e da atuação do movimento negro, o reconhecimento do racismo e das desigualdades raciais pelo Estado brasileiro e a efetuação de medidas para o seu enfrentamento aconteceram apenas em meados da década de 90.

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3 O governo federal após a mobilização das organizações do movimento negro, por ocasião da celebração dos 300 anos de Zumbi de Palmares, criou o Grupo de Trabalho Interministerial de Valorização da População Negra em 1996.

Dentre as ações estabelecidas relativas à saude, destacam-se: a introdução do quesito cor no Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) e no Sistema de Informações de Nascidos Vivos (SINASC); a elaboração da Resolução 196/96, que ao regular a pesquisa em seres humanos inseriu o recorte étnico-racial; a criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), em 2003, vinculada à Presidência da República – o que intensifica a implementação de políticas públicas no combate às desigualdades raciais (Brasil, 2007). A classificação étnico-racial é eixo prioritário em todas as etapas de reivindicação e organização deste processo em busca da equidade racial.

No endosso da pertinência das políticas sociais e de saúde voltadas para segmentos étnico-raciais da população, destacam-se dados de 2006: os pobres na população branca representam 21,6% e na população preta & parda 43,1%, sendo indigentes respectivamente 8% e 18,8%. Embora a esperança de vida ao nascer tenha evoluído, permanece a assimetria entre brancos (74,9 anos) e pretos & pardos (71,7 anos). O analfabetismo de pessoas com mais de 15 anos é 124,6% maior em pretos

& pardos quando comparados aos brancos. A representação política dos segmentos étnico-raciais é profundamente assimétrica: dos 513 deputados federais eleitos em 2006, os brancos correspondiam a 87%, pretos e pardos a 9%, amarelos a 0,8%, não tendo nenhum indígena (Paixão & Carvano, 2008). Há um senso comum encravado tanto na população como em circuitos acadêmicos e políticos que a pobreza explicaria este quadro, afinal os pretos e pardos (população negra) são a maioria entre os pobres. Os estudos de Carlos Hasembalg e Nelson do Valle e Silva vão de encontro a esta argumentação; há mais de 20 anos os autores situam o racismo e a discriminação racial, renovados no cotidiano das relações sociais, como causas em grande parte das desigualdades raciais (Hasenbalg, 1979; Silva, 2000).

A Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (2006) e a Política Nacional de Atenção a Saúde dos Povos Indígenas (2002) são marcos no reconhecimento de diferenças e especificidades étnico-raciais da população brasileira. Estas políticas aprofundam e trazem para a área de atuação dos gestores e

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4 profissionais de saúde a necessidade de enfocar, entre outras questões, a classificação étnico-racial.

A abordagem de raça, cor e etnia nos estudos científicos demanda a revisão de concepções, crenças e valores referentes a universalidade, equidade, igualdade, cultura, identidade, brasilidade, mistura racial, nação, povo, racismo, entre outros aspectos. A presente dissertação pretende contribuir para a reflexão e discussão das motivações, da lógica e da consistência da utilização da classificação étnico-racial nos estudos do campo das ciências da saúde.

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5 2- RAÇA, COR E ETNIA

2.1- Conceituação

A ideia de raça atravessa os séculos, habitando o imaginário dos seres humanos e sendo utilizada nas relações entre os indivíduos e povos a partir de diversas concepções e finalidades. A palavra raça entrou na língua inglesa no começo do século XVI, sendo que as mudanças no seu uso refletem a compreensão popular das diversidades físicas e culturais. De acordo com Cashmore (2000), “ Raça é um significante mutável que significa diferentes coisas para diferentes pessoas em diferentes lugares da história e desafia as explicações definitivas fora de contextos específicos.” Segundo o mesmo autor, um dos seus significados é o de um grupo social de indivíduos que possui em comum os mesmos marcadores físicos (pigmentação da pele, traços faciais, textura do cabelo, estatura etc.), o que leva à consideração da existência de uma raça social. Cashmore (2007) frisa que em sociedades multirraciais, em especial com histórico de escravidão, membros de diferentes raças sociais frequentemente são parentes próximos um dos outros, ou seja, raças sociais não são subespécies geneticamente ligadas entre si.

Cor e traços fenotípicos não podem ser usados como marcadores genéticos de raça, ou seja, o genótipo não corresponde a um único fenótipo. Habitantes da Oceania , no oeste do pacífico, embora compartilhem a mesma pele escura, cabelo e crânio com africanos, são mais próximos geneticamente dos europeus (Travassos &

Williams, 2004). Da mesma forma, os negros da África e Austrália não são mais aparentados geneticamente entre si do que com os brancos. O mesmo rótulo social relativo a raça pode abranger combinações muito diferentes de ancestralidade, mesmo no caso de populações como o Brasil e EUA, preponderantemente provenientes da África Ocidental e de cruzamentos com europeus (Cashmore, 2000).

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6 Atualmente pesquisadores de diversas áreas, como biologia, genética, antropologia, história e sociologia, partilham o consenso de que a divisão dos seres humanos em raças não possui consistência científica. O conceito de raça começou a ser questionado por Ashley Montagu , que em 1942 publicou o livro The Fallacy of Race, no qual declara que raça é um mito biológico. Logo após o final da 2ª Grande Guerra Mundial, a UNESCO tornou público o documento Statement on Race, que rejeitava qualquer significado científico para o conceito de raça. O documento recebeu diversas oposições e críticas; parte dos antropologistas físicos e outros especialistas persistiram na visão tradicional (Travassos & Williams, 2004).

Somente no final do século XX a Associação Norte-Americana de Antropologia declarou oficialmente que “variações físicas da espécie humana não têm outro significado além do que lhe é imputado socialmente”, embora a declaração não fosse consensual entre seus membros.

Apesar do exposto, várias pesquisas continuam sendo realizadas vinculadas a uma ideia biológica de raça, haja vista o expressivo número de artigos analisados que mostraram aproximar-se deste conceito. A não existência de raças humanas apoia-se na pequena variabilidade genômica entre os grupos humanos dos diferentes continentes, discorre Pena (2007). Para este autor, o fato científico em si deveria ser diretriz fundamental na reorientação do debate sobre raça, o que o leva a declarar: “Temos de assimilar a noção de que a única divisão biologicamente coerente da espécie humana é em bilhões de indivíduos e não em um punhado de raças”. Segundo Munanga (2003) os cientistas sociais, embora concordem com as conclusões sobre a inexistência científica de raça e com a inoperacionalidade do próprio conceito, justificam o seu uso como realidade social e política, sendo raça uma categoria social de dominação e exclusão.

Há pesquisadores que recusam o uso de qualquer conceito de raça, já que para eles basta a comprovação biológica de que raças não existem. Outros estudiosos, porém, consideram fundamental a apreensão de raça como constructo social, no enfrentamento político das desigualdades sociais. Interessante notar que apesar desta polarização, todos os autores apresentam como justificativa e finalidade de suas posições o combate ao racismo.

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7 Para Schiel (2007) existe uma retórica e uma naturalização no entendimento de raça como constructo social, sendo raça na verdade um conceito social de apartação. Na mesma linha de pensamento, Fry & Maggie (2004) consideram que o reconhecimento e a utilização do termo raça traz sustentação para as representações sociais vinculadas à hierarquia entre raças, produzindo a discriminação e o preconceito. Os autores criticam o Estado brasileiro, pois este, através de suas políticas, imputa valor legal e entroniza o conceito de raça.

Em contraponto, considera-se importante a incorporação do conceito sociológico de raça para possibilitar a visibilidade das discriminações derivadas desta própria ideia, já que para os negros não adianta a verdade científica da não existência de raças, pois este conceito é constituinte do seu reconhecimento e classificação pelos outros como pessoa (Guimarães, 1999). Esta concepção é corroborada por outros autores, os quais comentam que apesar de raça não ser útil como categoria biológica “[...] é um importante constructo social, que determina identidades, acesso a recursos e a valorização da sociedade” (Chor & Lima, 2005).

O conceito de raça se articula com os conceitos de nação e classe; os três são modos de categorização desenvolvidos na Europa, para o entendimento das relações sociais no próprio continente. Posteriormente foram cada vez mais utilizados como formas de categorização das diferentes pessoas, dos outros continentes, no contato dos europeus com os negros e outros povos, nas viagens de exploração dos séculos XV e XVI (Banton, 1977).

O contato do europeu com outros povos, a partir do século XV, fez com que o conceito de humanidade fosse questionado. Até então a humanidade estava limitada à civilização ocidental, na perspectiva da explicação teológica fundamentada na bíblia cristã. Quem era este outro? No século XVIII o iluminismo, pautado na racionalidade, incorporou o conceito de raça das ciências naturais para a explicação e classificação destes outros, que se integram à humanidade como raças diferentes (Munanga,2003).

Até 1800 raça significava uma descendência em comum, que resultava em distinções sem estarem atreladas a diferenças físicas. Nos romances históricos ingleses que se referem aos saxões e normandos, há o uso de raça significando

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8 linhagem, qualidades, habilidades, estabelecendo divisões entre a população inglesa (Banton,1977). Na França dos séculos XVI – XVII, no conflito entre os francos e gauleses, os primeiros concebiam seu direito de domínio devido a pertencerem a uma “raça pura”, marcada por aptidões e habilidades especiais. Raça foi a justificativa para legitimar as relações de dominação e sujeição entre classes sociais – nobreza (francos) x plebe (gauleses) – sem haver diferenças morfológicas significativas entre os indivíduos de ambas classes (Munanga, 2003).

No século XIX o conhecimento humano se desenvolvia rapidamente, acompanhado de forte desejo de síntese; intensificava-se a busca por explicações que não as teológicas para a origem humana, os avanços nos estudos de anatomia e fisiologia, as informações mais precisas sobre a cultura e características dos homens de regiões distantes. Este século foi marcado por uma forte tendência de ordenação do mundo e da natureza, a partir de uma concepção hierárquica, do mais baixo ao mais elevado. A elaboração de tipologias de várias espécies tornou-se característica do academicismo do século XIX, havendo um florescimento das teorias dos tipos raciais, voltados para a classificação dos homens das diversas regiões do mundo (Banton ,1977).

De acordo com Munanga (2003) o conceito de raça, nas ciências naturais, foi utilizado primeiramente para classificar espécies animais e vegetais por Lineu (1707- 1778, naturalista sueco). Neste sistema os homens foram classificados em quatro raças, através de uma escala de valores que já sugeria uma hierarquização:

Americano- que o próprio classificador descreve como moreno, colérico, cabeçudo, amante da liberdade, governado pelo hábito, tem corpo pintado.

Asiático- amarelo, melancólico, governado pela opinião, e pelos preconceitos, usa roupas largas.

Africano- negro, flegmático, astucioso, preguiçoso, negligente, governado pela vontade de seus chefes(nepotismo), unta o corpo com óleo ou gordura, sua mulher tem vulva pendente e quando amamenta seus seios se tornam moles e alongados.

Europeu- branco, sanguíneo, musculoso, engenhoso, inventivo, governado pelas leis, usa roupas apertadas.

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9 Na busca da compreensão da variabilidade e diversidade humana, conceitos e classificações ajudam a operacionalizar o pensamento. Infelizmente, ao associarem qualidades psicológicas, morais, intelectuais e culturais às características físicas das raças humanas, os naturalistas estabeleceram uma hirarquização, atribuindo uma superioridade, dita natural , ao indivíduo da raça branca (Munanga , 2003).

No Brasil o aprofundamento das teorias raciais importadas da Europa aconteceu no contexto da abolição da escravatura (1888) e da instauração da república(1889). Cientistas naturalistas postulavam teorias, como Gobineau (1853), baseadas no darwinismo social, acreditando que existiria entre as raças a mesma distância percebida entre as espécies. O cruzamento racial era condenado, visto como um fator de degeneração e desequilíbrio da espécie humana, além de ser um potencial fator de fracasso na construção da nação (Schwarcz, 1996).

Enquanto a primeira constituição brasileira declarava o direito a cidadania, cientistas, políticos, escolas de medicina e direito incorporavam os fundamentos de uma ciência evolutiva e determinista, que negava a igualdade entre os homens. A questão racial passou a ser um tema fundamental para o país. Sílvio Romero(1888), na Faculdade de Direito de Recife, propunha como solução para o Brasil o branqueamento. Nina Rodrigues (1894), da Faculdade de Medicina da Bahia, advogava a criação de dois códigos penais (um para brancos e outro para negros), baseado na visão de que as raças carregavam diferenças ontológicas fundamentais.

No Rio de Janeiro, médicos como Renato Khel propunham a eugenia e mesmo a esterilização de mestiços, para o aprimoramento da raça. As teorias legitimavam, com o aval da ciência, diferenças que não eram naturais e sim políticas e sociais.

A negros e mestiços eram atribuídos “os males da nação”, tornando-os, apesar da abolição, cidadãos de segunda categoria, com pouco espaço para o exercício da cidadania (Schwarcz, 1996).

A compreensão da utilização de raça pelos países e sociedades requer noções do que sejam etnia, nação, povo e estado. Para a sociologia, segundo Guimarães (2003), raças são discursos que evocam as origens de um grupo delineado por características que seriam transmitidas pelo o sangue, tais como: traços fisionômicos, qualidades morais, intelectuais, psicológicas. As origens do grupo também podem se referir a uma forma de fazer as coisas, a lugares geográficos, ou seja, ao lugar de

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10 onde se veio, o que permite a identificação com um grupo de pessoas. Quando se fala de lugares, se fala de etnias. Todos estes discursos podem formar uma comunidade.

O autor afirma que “Quando etnias ou raças passam a reivindicar um destino político comum, quando formam uma comunidade de origem e destino, então estamos na presença de uma nação.” Povo é o sujeito dessa comunidade de origem ou de destino. Já o Estado “ [... ] é uma organização política que tem domínio sobre um território e monopoliza o uso da força, essa é a definição weberiana.”

(Guimarães, 2003).

Na literatura muitas vezes existe uma superposição dos termos raça e etnia, mas é importante distinguir o que seja etnia. Cashmore (2000) estabelece que grupo étnico é composto por pessoas com origens e interesses comuns, com algum grau de solidariedade e coerência, unidas ou próximas por experiências compartilhadas, que muitas vezes são privações. A etnia surge como um fenômeno cultural, no qual os indivíduos do grupo conformarão os seus próprios costumes, crenças e instituições.

2.2- Raça no Brasil

A colonização do Brasil foi marcada pela exploração dos recursos da nova terra e pela violência e dominação do povo nativo e dos africanos e seus descendentes. À época da chegada dos portugueses, estima-se que havia 5 milhões de índios, compondo um imenso mosaico cultural e linguístico. A emigração forçada dos africanos para o Brasil, convertidos em escravos para o trabalho na agricultura, é aventada entre 3 a 18 milhões de pessoas (Munanga, 1996). A população era comparável à da Europa nesta mesma época, porém os indígenas foram dizimados por expedições repressivas e por epidemias, que foram potencializadas pelos trabalhos forçados, maus tratos e confinamento em aldeamentos e internatos. A perda da auto-estima e a desestruturação social e dos valores coletivos também colaboraram para a diminuição da população indígena (Brasil, 2002).

Os primeiros escravos chegaram em 1549, sendo frequente sua entrada até 1850, quando promulgada a lei contra o tráfico. A sociedade brasileira foi constituída até meados do século XVIII por dois grupos opostos: senhores e escravos. O trabalho era imputado exclusivamente aos escravos, naturalizando-se a sua violência e desumanização. O ato da abolição da escravidão (1888) dissimulou um processo de

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11 luta e confronto, permanecendo uma imagem de superação gradual, controlada pelo estado, sendo considerada um presente. Na verdade, antes da lei da abolição, muitos cativos já haviam concretizado a liberdade por si só. O movimento abolicionista era conservador, com a premissa de que bastava terminar o cativeiro, não sendo previstos projetos de incorporação da mão de obra e nem ao menos ressarcimentos (Schwarcz, 1996).

Durante os primeiros séculos após o seu descobrimento, o povoamento do país se deu preponderantemente através da chegada do homem branco europeu e do tráfico de africanos. Este homem branco caracterizava-se pelo espírito de aventura e o gosto pela exploração dos recursos de um novo mundo e das oportunidades de ganhos econômicos. Não houve portanto, no Brasil Colônia, um projeto de colonização com famílias, formação de uma sociedade e construção de uma nação.

A mestiçagem foi intensa e carregou diferentes sentidos e usos, conforme o contexto social e político de cada período histórico brasileiro. Telles (2003) refere que grande parte da mestiçagem no Brasil deveu-se à violência sexual sofrida por mulheres índias, negras e mestiças, embora também houvesse coabitação e matrimônio entre brancos e não brancos.

A mestiçagem no Brasil teve a contribuição de muitos e diferentes povos, compondo uma rica diversidade física e cultural. Além dos portugueses, outros povos brancos da Europa e dos países árabes vieram; o fluxo começa no nordeste brasileiro, no século XVII, com os conquistadores holandeses, e culmina com as correntes migratórias, que a partir de 1808 fixaram no país mais de 5 milhões de indivíduos.

Os grupos nacionais mais expressivos foram: italianos, espanhóis, alemães, austríacos, russos, sírio-libaneses, poloneses, romanos, lituanos, ingleses, suíços, ioguslavos, franceses, húngaros, belgas, suecos, tchecos e judeus. No início do século XX (1908) chegaram os imigrantes asiáticos (chineses, coreanos, vietnamitas e principalmente japoneses) que também tiveram mestiços com os brancos, ressalta Munanga (1996).

O mesmo autor destaca que o Brasil começou a ser pensado como uma nação e um povo sobretudo a partir da independência e abolição, pois anteriormente era uma sociedade de casta fundada na oposição homem livre x escravo. A busca de uma identidade nacional, o projeto de construção de uma nação e um povo constituiu

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12 preocupação de vários intelectuais, sendo a questão principal o desafio de formar uma única coletividade de cidadãos fundamentada na pluralidade de raças, culturas e identidades.

Lima (2003), em estudo sobre a experiência da mestiçagem no período imperial, de 1830 a 1860, interroga:

“Cabras, fuscos, caboclos, brancos, mulatos, pretos,crioulos,pardos,caiados, fulos, cruzados, tisnados. Porque tantas palavras? O que designam? Que homens e mulheres suportaram estas marcas? A que procedimentos de classificação e identificação obedecem? Que códigos lhes fornecem inteligibilidade?.(Lima, 2003)

A autora identificou uma intensa polissemia da mestiçagem, muito distante da concepção genérica que passou a vigorar no final do século XIX ao analisar a imprensa do período regencial (1831-1840). Havia títulos de periódicos como “O Brasileiro Pardo”, “O Mulato”, “O Homem de Cor”, “O indígena do Brasil”, entre outros. As identidades raciais eram tema da política exercida pela imprensa, em um período onde começava a se configurar uma identidade brasileira, diante da consolidação da independência política de Portugal. Este estudo aponta para a historicidade e complexidade das percepções e classificações raciais.

A construção de uma identidade nacional única, que seria uma etnia brasileira é postulada por Ribeiro (1995), que ao desvendar as origens étnicas do brasileiro, explorando a participação das três matrizes que o formaram (o europeu, o negro e o índio), pergunta-se o que nos faz brasileiros. Cunhou então o conceito de ninguedade: “ [... ] para livrar-se da ninguedade de não índios, não europeus e não negros, que eles se vêem forçados a criar a sua própria identidade étnica: a brasileira”

(Ribeiro, 1995).

O Brasil Império, a partir da independência de Portugal, incipientemente passou a buscar as suas características próprias de nação. No século XIX a construção de uma história nacional priorizava as pesquisas etnográficas e históricas das sociedades indígenas; paralelamente, na literatura brasileira emergiam poetas e romancistas indianistas. Enquanto persistia a escravidão, o debate sobre raça e civilização focava no índio. Houve a valorização das origens indígenas como matriz da nacionalidade, privilegiando o tupi, chegando a língua nheengatu (língua geral), ainda falada pelos caboclos, ser cultivada pelos intelectuais do período. Porém este

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13 contexto contrastava com a decadência material dos indígenas e com a atribuição de uma inferioridade moral, física e intelectual aos mesmos, o que propugnava a sua exclusão do futuro da nação, inclusive através da violência (Monteiro, 1996).

Munanga (1996) discute raça como o eixo dominante de toda discussão sobre a identidade nacional, referenciando-se às posições de Nina Rodrigues (1862-1906) e Oliveira Viana (1883-1951), que apresentavam diferentes visões em relação à inserção do mestiço na formação do país. O primeiro, calcado no determinismo biológico, acreditava na inferioridade do negro e na degenerescência do mestiço – a mestiçagem tornaria então a cultura brasileira degenerada, marcando negativamente o destino do Brasil como povo. Já Viana apontava como solução “o ideal do branqueamento” – através da miscigenação o mestiço alcançaria uma pureza étnica, assimilando cada vez mais as características do branco e não das outras raças primitivas, o índio e o negro. O branqueamento aconteceria através das imigrações européias e de uma política eugenista.

O branqueamento da população, realizado através de uma política de miscigenação seletiva, foi a principal sustentação da política de imigração do Brasil.

Na última década do século XIX, mais de 1,2 milhão de imigrantes europeus foram adicionados a uma população de cerca de 5 milhões de brancos, sendo que já era uma população com muitos imigrantes (Telles, 2003). As características primordiais da miscigenação, segundo Guimarães (2008), foram a assimilação dos indivíduos racial e culturalmente diferentes do padrão dominante – isto é, do branco – e a negação do direito à diferença e o ideal implícito de homogeneidade. O autor afirma que “A mestiçagem tanto biológica quanto cultural teria, entre outras consequências, a destruição da identidade racial e étnica dos grupos dominados, ou seja, o etnocídio”.

A política imigratória através das hierarquias raciais se fazia presente nas restrições a africanos e asiáticos, assim como no estabelecimento do perfil desejável do imigrante, o branco assimilável, camponês ou artesão, descartando-se os aventureiros, o lumpen e os comunistas. A preocupação com a identidade brasileira, com a unidade da nação e com as características associadas a uma boa colonização, também estabeleceram hierarquias entre as etnias europeias, fazendo com que, por exemplo, os alemães recebessem críticas após iniciada a imigração, pois apesar de

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14 sua qualificação para a agricultura, insistiam em conservar-se isolados, com sua língua e costumes (Seyferth, 1996) .

O ideal de branqueamento tem repercussões até hoje no cotidiano dos brasileiros, alimentando não só a discriminação racial como atitudes, posturas e falas que traduzem uma superioridade e valorização de características dos brancos e a construção de estereótipos negativos em relação a negros e mestiços (Hasenbalg, 1996).

A medicina moderna, através do conhecimento dos médicos-higienistas sobre a saúde dos brasileiros, impulsionou um amplo movimento intelectual e político que entre 1916 e 1920, elegeu a doença como principal problema e obstáculo civilizatório do país. O movimento pelo saneamento dos sertões do Brasil, no combate às endemias rurais, rejeitava a determinação racial e climática e colaborava para a construção da nação (Lima & Hochman, 1996).

A partir da década de 30 o racismo científico começa a perder sua força e paralelamente há uma incorporação positiva de aspectos da cultura negra à construção de uma identidade brasileira mestiça, pautada na assimilação cultural e sincretismo. Neste cenário foi publicado o livro não ficcional de maior influência no Brasil no século XX: Casa Grande e Senzala , de Gilberto Freyre. Esta obra não só tirava a carga negativa de degeneração racial da miscigenação, como postulava que as diferenças entre as raças eram basicamente culturais e sociais, em vez de biológicas. A miscigenação passa a ser então o símbolo mais importante da cultura brasileira e é formulada uma nova ideologia, a democracia racial (Telles, 2003).

Tal ideologia, de acordo com Telles (2003), dominou o pensamento sobre raça nos anos 30 até o começo da década de 90, sendo amplamente aceita pela maioria dos setores da sociedade brasileira, a despeito das contestações acadêmicas do início dos anos 50 e dos modernos protestos negros iniciados em 1978.

Gilberto Freyre, segundo Munanga (2008), consolidou o mito originário da sociedade brasileira, da mistura das raças negra, branca e índia, incluindo-se além da mistura biológica a mestiçagem cultural; e desta forma lentamente brotou o mito da democracia racial. Mito que penetrou profundamente na sociedade brasileira e que,

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15 ao exaltar a ideia de convivência harmoniosa entre os indivíduos de todas as camadas sociais e étnicas, na verdade dissimula as desigualdades e encobre os sutis mecanismos de exclusão. Munanga (2008) declara que desta forma conflitos raciais são mascarados, impedindo que as camadas subalternas tomem consciência de características culturais que teriam contribuído para a construção e expressão de uma identidade própria.

Schwarcz (1996) reconhece que o mito da democracia racial apresenta distorções, mas que também existem verdades parciais, ao indicar uma singularidade no relacionamento entre as raças no Brasil, diferentemente do que acontece nos EUA. A autora não qualifica estas diferenças em positivas ou negativas, entretanto considera importante refletir sobre as modalidades particulares de discriminação, já que no nosso país, ao contrário do verificado nos EUA, não houve segregação formal.

Por que para muitos brasileiros ainda persiste a importância do mito da democracia racial e a mistura racial é recorrentemente revalorizada? Há uma recusa em abandonar o mito em virtude do sonho que ele também representa: o desejo de harmonia e igualdade entre as raças. Neste sentido, Fry (2005) declara que é impressa à ideologia da democracia racial uma antítese: ser tanto um mito como um sonho. Também defende que mitos não são inverdades mas sim “ [...]sistemas ordenados de pensamento social que consagram e exprimem percepções fundamentais sobre a vida social”, possibilitando a compreensão do que de fato significa raça no Brasil.

Guimarães (2003) critica o discurso que justifica o mito da democracia racial devido à representatividade dele no cotidiano dos brasileiros, considerando-o um discurso quase a-histórico, como se não tivesse começo e fim, sendo os intelectuais que o usam poucos críticos em relação à sua historicidade.

No Brasil do início do século XXI, quais seriam as alternativas ao mito que fala na igualdade entre as raças e que continua tão distante? Qual é a identidade brasileira? Por que a preservação e construção de outras identidades assustam? A alternativa do movimento negro e indígena é lutar pelo resgate de uma identidade étnico-racial, apostando na construção de uma democracia no Brasil que seja

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16 plurirracial e pluriétnica. De acordo com Guimarães (2000) houve na república a incorporação do índio e o negro como objetos culturais, símbolos e marcos fundadores da brasilidade, mas não como cidadãos.

A imagem do Brasil no exterior de nação pacífica sem conflitos raciais ensejou diversos estudos sociológicos sobre raça. O estudo pioneiro aconteceu no final da década de 30, coordenado por Donald Pierson, na Bahia. Pierson considerou a sociedade brasileira uma sociedade multirracial de classes, ou seja, raças eram grupos abertos, sem ser um grupo de descendência em comum e sendo a cor o princípio classificatório. A conclusão foi a de que no Brasil as pessoas de qualquer cor poderiam transitar pelos diferentes grupos sociais (Guimarães, 2003).

Posteriormente o ciclo de pesquisas patrocinadas pela UNESCO, interessado no pós-guerra em analisar como se processavam as relações raciais no Brasil, agregou pesquisadores de diferentes orientações que chegaram a conclusões diversas.

Esses estudos, utilizando os métodos da sociologia e antropologia social, ciências ainda novas, documentaram a situação do negro no Brasil. Vigorava a noção de que cor não tinha importância, todos eram brasileiros. Os estudos de Bastide e Florestan (1955) e Costa Pinto (1953), rompem com este pensamento e inserem a discussão da existência de preconceito racial no Brasil, questão que já era colocada pelo movimento negro dos anos 30 (Guimarães, 2003). Corroborando a importância dos estudos da UNESCO, Telles (2003) refere que um de seus pesquisadores na década de 50, Florestan Fernandes, da Universidade de São Paulo, discordou veementemente dos estudiosos norte-americanos do mesmo projeto, pois ao contrário destes concluiu que o racismo era muito difundido na sociedade brasileira.

No período de 1964 ao final dos anos 70, com o exílio de pesquisadores e intelectuais, os estudos sobre raça no Brasil foram extintos. Estes estudiosos questionavam o consenso nacionalista sobre raça, ameaçando os interesses do governo militar, que em documentos oficiais declarou não haver discriminação racial no Brasil (Telles, 2003).

Na retomada dos estudos destacam-se Carlos Hasenbalg e Nelson do Vale Silva, que na virada da década de 70 para 80 comprovaram estatisticamente as desigualdades econômicas e sociais entre negros e brancos, ao analisarem os dados

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17 produzidos pelo IBGE. Os pesquisadores afirmaram que estas desigualdades não podiam ser explicadas pelo fato de negros e brancos pertencerem a classes sociais distintas, mas inequivocadamente pelas diferenças de oportunidades e pelas formas peculiares de tratamento a esses grupos sociais. Paralelamente o Movimento Negro Unificado (MNU), desmistificando o mito da democracia racial, reintroduziu a ideia de raça, reivindicando uma origem africana e organizando-se como grupo identitário no combate ao preconceito e discriminação racial (Guimarães, 2003).

Hasenbalg (1996) afirma que a busca por ascensão social, melhores oportunidades e maior reconhecimento induz nos não brancos a suavização e a transformação dos atributos físicos e culturais vinculados à raça negra. Destacando:

“ No passado como agora, a contrapartida dos sistemas raciais que admitem o deslocamento lento ao longo do contínuo de cor é uma estética branca racista que desvaloriza o extremo negro do espectro e condiciona atitudes e comportamentos dos não brancos”. (Hasenbalg, 1996)

Para o autor o esforço de se aproximar do extremo branco do espectro e a própria percepção social da raça por meio de um contínuo de cores levam a uma fragmentação de identidades raciais, prejudicando a possibilidade da construção de identidades raciais e causando um baixo grau de politização do conflito racial.

Oliveira (2004) discute que na assunção de uma identidade racial negra, é essencial um posicionamento político, vinculado à escolha de uma ancestralidade africana. No Brasil inexiste o respeito às diferenças relativas à diversidade racial/étnica, e este fato, aliado aos poucos modelos “bons”, “positivos” e de

“sucesso” de identidades negras, revela que assumir a identidade negra é um processo doloroso e difícil.

O movimento negro tem buscado uma identidade através do resgate de uma cultura ancestral e da valorização das características fenotípicas negras, às quais, mesmo de forma subliminar, sempre foi atribuído menor status e menor valor estético.

“ [...] os movimentos negros contemporâneos buscam construir uma identidade que envolva o fato de descenderem de africanos escravizados, que tiveram sua cultura inferiorizada, de pertencerem a um grupo estigmatizado, submetido a discriminações. Essa identidade passa por sua

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18 cor, ou seja, pela recuperação de sua negritude, física e culturalmente”.

(Guimarães, 2008)

No processo de incorporação de uma identidade racial emerge a bandeira da negritude. Esta concepção surgiu em 1930, na Martinica, essencialmente como uma crítica literária e artística à sociedade ocidental , na sua ação de dissociar os negros de suas raízes. Ampliou-se como movimento político que busca a conscientização e o desenvolvimento de valores africanos, como uma reação ao racismo branco, cultivando um novo orgulho e uma nova dignidade de ser negro e de ser africano (Cashmore, 2000).

Munanga (2003) defende que não existe uma única cultura branca ou negra, existindo culturas particulares que se constroem diversamente tanto da população branca, negra ou oriental. A partir da tomada de consciência dessas culturas de resistência, são construídas as identidades culturais enquanto processos e jamais produtos acabados. A identidade negra é uma identidade política e unificadora que, ao se opor à identidade mestiça, busca transformar a realidade do negro no Brasil. O autor comenta:

“ [...] se delineiam no Brasil diversos processos de identidade cultural, revelando um certo pluralismo tanto entre negros, quanto entre brancos e entre amarelos, todos tomados como sujeitos históricos e culturais e não como sujeitos biológicos ou raciais”. (Munanga, 2003)

A discussão sobre uma identidade étnico-racial é intrínseca à discussão de brasilidade. Para Paixão & Carvano(2008) este é um sentimento nacional positivo, a despeito de toda violência física e cultural contra os povos que foram integrados à força. A brasilidade pode ser entendida como um sentimento comum de pertencimento à mesma nação, com um forte senso de afinidade coletiva, adotado em todo país. Os autores comentam:

“ A brasilidade, para além de seus aspectos simbólicos e afetivos,remete a um conjunto cultural compartilhado e extremamente rico em suas múltiplas formas de manifestação, produto de sua origem diversa e das sínteses geradas ao longo do tempo, entre elas. É um sentimento que também inspira valores democráticos, fraternos e solidários em termos socioeconômicos e políticos, embora ainda existam muitos a serem realizados”.(Paixão & Carvano, 2008)

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19 Os autores consideram que infelizmente ainda não prevalece a condição primeira de brasileiro nos indivíduos de aparência física e de origem não europeia, acontecendo uma inserção inferiorizada e desvalorizada destes na sociedade.

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20 3- CLASSIFICAÇÃO ÉTNICO-RACIAL

3.1- Taxionomia

A taxionomia1 voltada para a classificação dos seres humanos, nas múltiplas teorias elaboradas, foi fortemente marcada pelo princípio de hierarquização entre os grupos e tipos classificados. Oliveira( 2004) destaca a importância da cor em quase todas as classificações raciais, citando Johann Fridrich Blumenbach (1752-1840), fundador da antropologia, que definiu a região geográfica de origem de cada raça e, para a distinção de cada uma, associou a cor da pele: branca ou caucasiana; negra ou etiópica; amarela ou mongólica; parda ou malaia e vermelha ou africana.

No século XIX, época de consolidação das teorias raciais, acrescentou-se outros quesitos fenotípicos como o tamanho da cabeça e a fisionomia. De acordo com Schwarcz (1996) a teoria dos estigmas de C. Lombroso2 atribuía aos traços faciais da população de cor atavismos e delinquência. Seyferth (1996) observa que a tipologia de classificação racial variava conforme as características estabelecidas: cor da pele, capacidade craniana, índice cefálico etc. sem se limitar às raças geográficas descritas no século XVIII. A mesma autora comenta que nas hierarquias racistas nem todos os brancos eram iguais, citando a classificação de Lapouge, antropólogo que tomava a posição de classe como um elemento de inferioridade. As doutrinas raciais postulavam que a diversidade humana, anatômica e cultural era produzida pela desigualdade das raças (Seyferth,1996).

1 Estudo dos princípios gerais da classificação científica. 2 Distinção, ordenação e nomenclatura sistemáticas de grupos típicos, dentro de um campo científico. 3 Biol. Ramo que se ocupa da classificação natural dos seres vivos, animais e vegetais; biotaxia, sistemática. 4 Gram. Parte que trata da classificação das palavras (Dicionário Michaelis).

2 Cesare Lombroso(1836-1909)- Defensor da antropologia criminal, acreditava que físicamente, em especial através da medição dos ossos cranianos, seria possível identificar tipos de criminosos (Hofbauer,2006)

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21 No Brasil Império, a discussão de uma identidade nacional, iniciada após a independência de Portugal (1822), centralizava nos indígenas o debate de raça e ciência. As teorias raciais tiveram lugar de destaque no embate entre as políticas assimilacionistas e repressivas envolvidas na questão indígena. Os circuitos intelectuais e científicos do último quartel do século XIX dividiam-se entre a vertente que creditava aos indígenas atributos positivos, a serem incorporados na formação do povo brasileiro, e outra corrente credora da inferioridade dos indígenas (Monteiro, 1996).

As hierarquias, conforme Monteiro (1996), também eram estabelecidas entre os membros da própria raça indígena, através dos conhecimentos da antropologia física. O autor descreve estudos craniométricos do século XIX, realizados no Museu Nacional, que comparam tupis e botocudos. As conclusões foram que, nos primeiros, o tipo primitivo já tinha se modificado um pouco, enquanto os botocudos eram destacados pela inferioridade, sendo os tupis, portanto, passíveis de serem incluídos no projeto de mistura das raças. De acordo com Seyferth (1996) os exercícios tipológicos de classificação racial também incluíam a aferição da capacidade craniana e do índice cefálico3. Munanga (2003) comenta que em 1912 o antropólogo Franz Boas comprovou, através da observação de filhos de imigrantes não brancos nos EUA, que a forma do crânio dependia mais da influência do meio, do que de fatores raciais.

Na segunda metade do século XIX, conforme o padrão evolucionista em vigor, é prevista a extinção dos indígenas, pela lei da seleção natural, mas não sem antes misturar o seu sangue com o dos civilizados, passando imunidade ao clima tropical. Ao mesmo tempo recomendava-se não importar mais africanos, vendo a Europa como o reservatório populacional do Brasil (Magalhães, 1876 apud Monteiro, 2006 :21).

O eixo das teorias raciais posicionavam os europeus brancos no topo da humanidade, os negros e os índios na base e todas as outras raças ocupavam posições intermediárias. O darwinismo social estabelecia que o progresso humano, a exemplo das leis biológicas, consumava-se através da luta entre as raças, sucumbindo os não

3A fórmula de Anders Retzius(1796-1860) para o índice cefálico consistia na relação entre o comprimento e a largura do crânio, podendo caracterizar os braquicéfalos (cabeças curtas) e dolicocéfalos (cabeças longas) (Hofbauer, 2006)

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22 brancos à seleção natural e social. As ciências, principalmente a antropologia física, respaldavam a ideologia da hierarquização das raças para fins políticos, porém as ciências humanas e sociais também colaboraram nesta construção ideológica, sendo responsáveis pela invenção da eugenia, utilizada em políticas públicas, inclusive para justificar a limpeza étnica (Seyferth , 1996).

Santos (1996) discorre sobre a lenta mudança de orientação teórica da antropologia física de “raça” à “população” (conforme conceituada pela genética), efetivada somente na metade do século XX, enquanto décadas antes a antropologia gradativamente substituía os modelos raciais/biológicos para análises centradas em

“culturas” e “sociedades”. Ressalva o autor que a “vertente tipológica” ainda se faz presente em parte dos estudos da antropologia física contemporânea. Algumas pesquisas em genética de populações, como as investigações sobre “mistura racial”, relacionam “marcadores raciais” como grupos sanguíneos a sujeitos que são classificados “racialmente “ através dos “atributos físicos”, revelando, com isso, resquícios de uma perspectiva tipológica.

Pesquisas de “mistura racial” frequentemente utilizam a classificação racial de Krieger, que consta na avaliação, sabidamente subjetiva, de um observador, baseando-se na pigmentação do abdome, cor e tipo de cabelo, conformação do nariz e lábios. Estes critérios agruparão os indivíduos em classes: branco, amarelo-claro, amarelo-escuro, mulato claro, mulato médio, mulato escuro e preto (Santos, 1996).

Cada traço fenotípico, como a cor do olho, é controlado por um número bem pequeno de genes, o que representa uma porção ínfima do genoma humano.

Exemplificando, apenas 4 a 6 genes de um universo de 25 mil determinarão a quantidade e o tipo de melanina que estabelecerão a cor da pele. A pigmentação da pele, como os outros traços fenotípicos, são resultados da adaptação a variáveis ambientais, como por exemplo o clima. Estes genes são completamente dissociados dos genes que influenciam inteligência, talento artístico, habilidades sociais, predisposição a doenças ou a metabolismo de fármacos (Pena, 2005).

O uso médico de distinções raciais não é correto, segundo Pena (2005), pois as disparidades de saúde entre raças tem muito menos a ver com genética do que com diferenças de cultura, dieta, status social, acesso ao cuidado médico, marginalização

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23 social, discriminação, estresse e outros fatores. O autor considera que a classificação racial não é útil na avaliação clínica individual e que a medicina brasileira deveria banir este conceito dos seus cânones.

Os estudos da genética estão voltados para populações originárias das grandes regiões geográficas do mundo, que ao longo do tempo configuraram fluxos de migração humana. Segundo Pena (2005) a variação genética humana tende a se organizar geograficamente, fazendo com que indivíduos da mesma região sejam levemente mais parecidos entre si do que com indivíduos distantes. Entretanto 95%

da variabilidade genética humana está contida dentro das próprias populações, apenas entre 5-10% da variação genômica ocorre entre as chamadas “raças”, o que leva o autor a repetir que, geneticamente falando, raças não existem.

Estudos baseados em Marcadores Informativos de Ancestralidade (MIA), utilizados na análise do DNA genômico, permitiram a Pena (2005) afirmar que no Brasil a cor avaliada fenotipicamente tem uma correlação muito fraca com ancestralidade africana. O autor, correlacionando os estudos de MIA com os dados do Censo de 2000, calculou que cerca de 30 milhões de autodeclarados brancos seriam descendentes de africanos e um número equivalente, descendentes de ameríndios. Estudo na cidade de São Paulo calculou uma média de 25% de ancestralidade africana em brancos e de 65% em pretos (Pena, 2005).

Osório (2003) considera de pouca valia os métodos biológicos de identificação racial; estes mostrariam que a proporção de pessoas com ancestralidade africana é maior do que a agregação de pretos e pardos. Indivíduos afro-descendentes totalmente brancos não são objetos de discriminação no Brasil, onde vigora preconceito de marca. Além disso o autor considera “esotérica” qualquer proposta que tentasse estabelecer qual percentual de ancestralidade africana definiria uma pessoa como negra.

Oliveira (2004) endossa os estudos de genética molecular que comprovam que a espécie humana é uma só, que o genótipo sempre propõe diferentes possibilidades de fenótipo, que as pessoas herdam genes e não caracteres e que é impossível definir geneticamente quem é negro, branco ou amarelo. Entretanto a autora considera fundamental o uso político de raça, referindo que o movimento

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24 negro usa raça como um paradigma da luta contra o racismo, pois este tem em sua base não só a existência de raças, como também a superioridade dos indivíduos brancos.

O modus operandus do racismo no Brasil, assim como nos EUA e África do Sul, tem por base a ideologia da “supremacia branca”. No caso brasileiro, as circunstâncias históricas estabeleceram a continuidade da ordem racial e da hierarquia social após a abolição, a fim de consolidar o estado-nação e o crescimento econômico (Barbosa, 1998).

3.2- Critérios e Métodos

Diversos autores consideram que há no Brasil grande complexidade, fluidez e ambiguidade na classificação étnico-racial (Maggie, 1996; Monteiro, 2004;

Sansone, 2003; Schwarcz, 1996). Pena (2005) afirma que “as categorias raciais humanas não são entidades biológicas claramente definidas e circunscritas, mas construções sociais e culturais fluidas”.

Já Queiroz (2001), ao descobrir elevada convergência entre as categorias de classificação utilizadas pelos pesquisadores e as utilizadas pelos seus respondentes em pesquisa universitária sobre identificação, relativiza a fluidez e ambiguidade descritas pelos autores supracitados. Ratificando este posicionamento, Osório (2003) afirma que a aparente fluidez nas fronteiras entre preto, pardo e branco, paradoxalmente amplia a objetividade da classificação, pois o que importa no Brasil é: “apreender a situação do indivíduo classificado em seu microcosmo social, no contexto relacional que efetivamente conta na definição de pertença ao grupo discriminador ou discriminado”.

Na busca da compreensão de como se opera a classificação étnico-racial, seja a técnico-institucional ou a informal do cotidiano das relações sociais, é fundamental se debruçar no clássico Tanto preto quanto branco, de Oracy Nogueira. Nos artigos analisados, assim como na literatura consultada, é recorrente a referência a esta obra.

Nogueira (1985), na década de 50, criou um quadro de referência para análise do

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25 preconceito racial no Brasil e nos EUA. O quadro caracterizou respectivamente dois tipos de preconceito: o de marca, (que é uma reformulação da expressão preconceito de cor) e o de origem. Foram estabelecidos 12 eixos para análise das diferenças entre os dois países. Seguem algumas delas.

No Brasil:

a- Há uma preterição dos indivíduos de cor, porém esta pode ser contrabalançada de acordo com as qualidades, habilidades, educação, profissão e situação econômica.

b- O critério de diferenciação é o fenótipo, porém a avaliação deste é subjetiva e varia conforme o observador.

c- A luta do grupo discriminado se confunde com o conflito de classes.

Nos EUA:

a- Há uma exclusão incondicional do grupo discriminado.

b- A origem é determinante, mesmo o mestiço que se pareça com o grupo branco terá o mesmo tratamento do indivíduo com ascendência não branca visível.

c- O grupo discriminado por ter consciência contínua da sua identificação é mais propenso a se organizar politicamente, atuando como uma “minoria racial”.

Os dois países utilizam diferentes critérios na sua classificação étnico-racial, que é considerada múltipla no Brasil e bipolar nos EUA. Segundo Telles (2003) nos EUA foi criado um aparato legal no estabelecimento da segregação formal entre brancos e negros, assim como a criação de uma rígida classificação racial baseada na bipolaridade. A lei Jim Crow, na década de 30, estabelecia o regime da descendência mínima (hypo-descent) ou de uma gota de sangue (one drop). Desta forma as pessoas com um mínimo de participação de ascendência africana, mesmo sem traços fenotípicos negros, eram identificadas como da raça negra. Alguns estados

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