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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RECÔNCAVO DA BAHIA CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE

OBSERVATÓRIO DA INCLUSÃO E DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO – DIVERSIFICA CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM INCLUSÃO E DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO

NILSON CARLOS NASCIMENTO DOS SANTOS

GÊNERO E SEXUALIDADE NO ÂMBITO ESCOLAR:

UM RELATO DE EXPERIÊNCIA

SANTO ANTÔNIO DE JESUS 2020

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NILSON CARLOS NASCIMENTO DOS SANTOS

GÊNERO E SEXUALIDADE NO ÂMBITO ESCOLAR:

UM RELATO DE EXPERIÊNCIA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Especialização em Inclusão e Diversidade na Educação, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, como requisito para obtenção do grau de Especialista em Inclusão e Diversidade na Educação.

Orientadora: Prof.ª Ticiana Osvald Ramos.

SANTO ANTÔNIO DE JESUS 2020

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Nilson Carlos Nascimento dos Santos

Santo Antônio de Jesus – Ba, aprovada em 04/07/2020

Banca Examinadora

Profa. Dra. Ticiana Osvald Ramos Profa. orientadora

___________________________________________

Profa. Mestra Maíra Lopes dos Reis Examinadora 1

Profa. Dra. Marcela Amaral Examinadora 2

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GÊNERO E SEXUALIDADE NO ÂMBITO ESCOLAR:

UM RELATO DE EXPERIÊNCIA

Resumo: Este trabalho surge a partir de uma inquietação enquanto docente no que tange à necessidade de trabalhar as temáticas de corpo, gênero e sexualidade na unidade escolar onde atuo, na rede pública do Estado no Sul da Bahia, zona cacaueira. A constatação da ausência dessas temáticas no Plano Político Pedagógico (PPP) da unidade escolar, assim como a irrelevância atribuida à discussão, à reflexão dos mesmos pelos docentes nas suas práticas pedagógicas e o silêncio na veiculação desses temas nos livros didáticos, levaram-me a fomentar reflexões e discussões entre docentes sobre os entraves, as dificuldades e o que os levam a não inserção de temas tão relevantes no seu fazer pedagógico. Trata-se de um relato de experiência autobiográfico baseado na minha experiência como Orientador de Estudo durante a formação do Pacto Nacional pelo fortalecimento do Ensino Médio, proposta de formação continuada desenvolvida pelo governo federal entre outubro de 2014 a dezembro de 2015, abarcando todas as séries do ensino médio e a partir da observação cotidiana, não estruturada, em sala de aula. O trabalho buscou discutir as temáticas gênero e sexualidade a partir das avaliações informais de livros didáticos adotados pela unidade escolar, do currículo escolar e do PPP; além de se obter a percepção dos alunos no que diz respeito às temáticas gênero e sexualidade, através de rodas de conversa e da própria vivência em sala de aula. Por fim, procurou sobretudo propor ações no sentido de disseminar o respeito, tolerância e aceitação de alunos que se alijam do “padrão” heteronormativo no ambiente escolar.

Palavras-chave: Gênero, Sexualidade, Âmbito escolar, Educação

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 6

2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 8

3. MÉTODO 12

4. RESULTADOS 14

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 20

REFERÊNCIAS

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5 SANTOS, Nilson Carlos Nascimento dos. Gênero e Sexualidade no Âmbito Escolar: Um Relato de Experiência. (22 f.) 2020. Trabalho de Conclusão do Curso em Inclusão e Diversidade na Educação – Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Santo Antônio de Jesus, 2020.

GÊNERO E SEXUALIDADE NO ÂMBITO ESCOLAR:

UM RELATO DE EXPERIÊNCIA

Nilson Carlos Nascimento dos Santos* Ticiana Osvald Ramos**

* Professor da Secretaria de Educação do Estado da Bahia. Graduado em Letras Vernáculas com Língua Inglesa pela Universidade Católica do Salvador (UCSAL), Mestre em Espanhol pela Roosevelt University (EUA). E-mail:

nascime2@hotmail.com

** Professora Adjunta da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Centro de Ciências da Saúde, Campus Santo Antônio de Jesus. Socióloga, mestre e doutora em sociologia pela Universidade de Brasília. Email: ticiana@ufrb.edu.br Artigo apresentado ao Curso de Especialização em Inclusão e Diversidade na Educação como requisito parcial para o título de especialista, sob orientação da professora Ticiana Osvald Ramos, Ilhéus, 2020.

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1. INTRODUÇÃO

Este artigo trata-se de um relato de experência a partir das reflexões e discussões ocorridas durante a formação do Pacto pelo Fortalecimento do Ensino Médio, entre colegas docentes da unidade escolar onde atuo como professor e a partir da observação cotidiana, não estruturada, em sala de aula e com base na convivência diária com alunos da mesma unidade escolar. O relato problematiza e discute experiências da prática docente relativas às temáticas corpo, gênero e sexualidade, como essas permeiam o âmbito escolar e como são silenciadas nos documentos de apoio pedagógico: Projeto Político Pedagógico, livros didáticos e currículo escolar. Surge sobretudo da necessidade de se trabalhar gênero e sexualidade na sala de aula pela sua relevância e contemporaneidade. Trata-se, portanto, de uma tentativa em preencher uma lacuna existente uma vez que “assuntos relacionados às questões de gênero, sexualidade, orientação sexual [...] a temática diversidade é, ainda, considerada tabu por muitos que compõem a comunidade escolar.” (SOUZA, 2018, p. 46). As discussões aqui apresentadas buscam promover um espaço inclusivo no âmbito escolar, onde as representações identitárias não binárias sejam não só acolhidas, mas sobretudo respeitadas.

A adolescência é uma fase complexa e conturbada do desenvolvimento humano, transitória e permeada não só por mudanças hormonais, fisiológicas, psicológicas mas, sobretudo, marcada por uma gama de emoções e sentimentos conflituosos que podem acarretar angústias e inquietamento. Os conflitos nessa fase da vida, no que tange à sexualidade, precisam ser discutidos, para que haja uma compreensão ampla sobre o tema, tendo em vista que a sexualidade desempenha um papel preponderante no desenvolvimento da personalidade do adolescente, sendo capaz de interferir no processo de aprendizagem, na saúde mental e física do indíviduo (BRÊTAS, 2004, p.29-38).

Nas instituições públicas pode-se observar o convívio das diferenças. Notadamente a questão ganha relevância, especificamente durante os anos do ensino médio (que nos interessa neste trabalho) pois, é nesse ambiente que os adolecentes passam grande parte do seu cotidiano, experenciam vivências afetivas marcantes e interagem com expressões da diversidade. É nesse espaço, portanto, onde eles potencializam sua sociabilidade, despertando para sua sexualidade como resultado de mudanças hormonais, afetivas e socioculturais.

Destarte, é indiscutível a prevalência de questões que envolvem corpo, gênero, sexo e sexualidade permeia o cotidiano escolar. É comum nos depararmos com o surgimento de uma gravidez inesperada, muitas vezes vivenciada por adolescentes despreparados psicologicamete e desemparados socialmente para a maternidade e a paternidade, inscrições eróticas rabiscadas nas

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7 portas e paredes dos banheiros, o compartilhamento de nudes e vídeos, atitudes preconceituosas e discriminatórias com os pares e tantas outras manifestações, que notadamente evidenciam o quanto a temática é muito vivida e pouco discutida nas instituições da educação básica.

Como sexualidade ainda permanece sendo “tabu”, o corpo do adolescente se torna um elemento ausente da identidade, no tocante à sexualidade, dicotômico, como se a simbiose corpo e aluno não existisse dentrando os muros da escola. Nesse sentido, Guacira Lopes Louro nos lembra que: “Nossos corpos constituem-se na referência que ancora, por força, a identidade. E, aparentemente o corpo é inequívoco, evidente por si; em consequência, esperamos que o corpo dite a identidade, sem ambiguidades nem inconstância” (LOURO, 2000, p. 8).

A realidade é que a escola nem sempre se mostra apta a realizar um diálogo profícuo com a diferença, principalmente quando essa questão permeia sexualidade e gênero. Essa ausência de problematizações por parte dos educadores referentes à construção social e cultural de gênero e sexualidade resulta em uma naturalização e reforça valores hegemônicos reproduzidos no processo formativo identitário dos estudantes. Nessa linha de reflexão o professor Everton Carlos Crema afirma:

como a escola não se abriu totalmente para uma discussão de gênero, diversidades e minorias, o aluno (a) vai ao campo social buscar referências de formação e orientação, assimilando pelo senso comum uma gama de ideias conservadoras, retrógadas, preconceituosas, se adequando em parte as experiências que vivencia, assimila e reproduz. (CREMA, 2016, p. 60-61).

O reforço inconsciente da noção de que “o homem tem seu lugar de direito no público e a mulher no ambiente privado” (NUNES, 2004, p. 119), por exemplo, resulta numa descaracterização da função primordial da educação que é a contribuição para uma sociedade igualitária e que valoriza a diversidade. Essa naturalização perpassa sobretudo as ferramentas da práxis educacional: a avaliação, os currículos, o material didático, as práticas pedagógicas de maneira ampla.

A escola enquanto instituição não só acata essa naturalização, mas sobretudo projeta a cultura dominante como padrão, não flexibilizando uma articulação entre igualdade e diferença, a pluralidade sociocultural e o processo de ensino-aprendizagem. Se evidenciam no ambiente escolar estruturas de reinforço de desigualidades de gênero, perpetuação e reprodução de identidades hegemônicas – o homem, branco, católico, heterossexual (LOURO, 2000, p. 59-75) – que acabam refletindo prejudicialmente no processo ensino-aprendizagem e gerando problemas que os jovens carregarão por toda a vida.

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2. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

A discussão aqui proposta articula os pressupostos dos estudos de Gênero, no sentido de repensar as representações sobre corpo, gênero e sexualidade na sociedade contemporânea. O alinhamento a partir dos pensamentos de Guacira Lopes Louro (2000) e Judith Butler (2000) se intercecciona na perspectiva de questionamentos sobre discursos normativos acerca de gênero, sexualidade e a rede de poder que permeia essas questões, circunscrevendo-as também no contexto escolar.

Assim, nos aproximamos dessas autoras que compartilham as abordagens pós- estruturalistas1, por haver uma identificação em relação ao que pretendemos estabelecer como o objetivo proposto neste relato de experiência aplicada. A partir da perspectiva teórica, apresentaremos um contexto onde a escola, enquanto instituição pública e, através de mecanismos disciplinadores e regulamentadores, exerce o papel de vigiar, punir e reprimir as sexualidades não binárias.

Para Michel Foucault (1987, p.163): “(...) é dócil um corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado”. Nesse sentido, moldar e punir o corpo são formas de exercer poder sobre ele, tornando-o dócil, maleável, obediente: o aluno quieto que tira as melhores notas, aquele que se insere nos padrões de comportamento, no contexto da heteronormatividade2 e que sabe seu “lugar”. Por outro lado, aqueles cujos corpos não podem ser moldados, rearranjados, treinados, aqueles que não se adequam a esse “lugar” (espaço, de partida, simbólico, porém também “incorporado”), que não estabelecem um alinhamento com a

“normalidade” serão vistos como estranhos, problemáticos, desviados, e anormais.

Entretanto, a adequação do corpo, apesar dos diferentes mecanismos engendrados para efetuá- la, não segue uma racionalidade óbvia, os corpos “não são, pois, tão evidentes como usualmente pensamos” (LOURO, 2000, p.8). Uma visão muito difundida é que há uma conexão intrínseca entre o corpo, sexo e gênero. Essa percepção tem sido objeto de críticas e releituras por pensadores pós-

1 É relevante ao nosso estudo entender que a perspectiva pós-estruturalista elucida as relações sociais de dominação e não as circunscreve aos aspectos econômicos, mas inclui as questões de gênero, sexualidade e étnico-raciais. Em relação às questões de gênero e sexualidade, Adriana Piscitelli entende que o pós-estruturalismo, utilizando-se do método de desconstrução, desmonta a lógica interna das categorias, pondo em dúvida verdades absolutas, esquemas dicotômicos e binarismos. (PISCITELLI, Adriana, p. 14, 2002).

2 O termo heteronormatividade, desenvolvido por Judith Butler, está relacionado ao conceito de heterossexualidade

compulsória de Adrienne Rich e refere-se aos preceitos que estabelecem que as orientações sexuais diferentes da heterossexual são marginalizadas, desconsideradas ou perseguidas, calcado sobretudo na perspectiva do binarismo de gênero onde as relações sexuais consideradas “normais” são entre sujeitos de gênero diferentes.

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9 estruturalistas. Judith Butler, por exemplo, rompe com a lógica binária da sexualidade atrelada ao corpo, à identificação biológica; atribuindo-lhe um pensamento dicotômico ao afirmar que sexo:

é um constructo ideal que é forçosamente materializado através do tempo. Ele não é um simples fato ou a condição estática de um corpo, mas um processo pelo qual as normas regulatórias materializam o “sexo” e produzem essa materialização através de uma reiteração forçada destas normas (BUTLER, 2000, p. 111). (grifo nosso.)

Portanto, considerando os pressupostos da teoria pós-estruturalista, a teórica Judith Butler (2000), reelabora, numa perspectiva mais ampla e divergente, a definição da dicotomia sexo (gênero)/corpo, afirmando que tanto o gênero quanto o sexo e a sexualidade são uma construção cultural. Os corpos, portanto, não se adequam nem obedecem totalmente à norma imposta, assim, lançam mão do seu direito, incorporando outras expressões sexuais.

Nesse sentido, os postulados de Judith Butler (2000) são pertinentes para o nosso estudo; ela atribui uma nova abordagem para o sexo e gênero. Esses se distanciam da visão naturalizada e passam a ser tomados como construções discursivas e culturais responsáveis pela instauração da dualidade entre os sexos. O gênero seria a forma encontrada pelo poder para legitimar a naturalização do sexo.

Butler apresenta a quebra das dicotomias homem/mulher atrelada à noção de performance, desmonta a estrutura binária gênero/sexo, mostrando um feminino/masculino construído pela repetição e quebra das relações de poder instituídas pelos gêneros. Ela percebe, portanto, gênero como performance, podendo se manifestar em qualquer corpo e não se limitando somente a um gênero.

Insere-se na questão da desconstrução do binarismo de gênero os corpos ou identidades

“inadequadas” ao ideal heteronormativo, aqueles que se alijam do padrão esperado pela sociedade, subjetivados por esse “ideal” como “corpos abjetos”. Seres abjetos seriam aqueles que não adequam seus corpos às normas, portanto, sujeitos à rejeição, repulsa e bullying (no contexto escolar) o que justifica práticas homofóbicas, rechaço e violência. É precisamente considerando a perspectiva da abjeção que Butler se engaja no debate sobre a vulnerabilidade desses “corpos abjetos3”, transexuais, transgêneros, travestis, intersexos.

3Neste trabalho a noção de “corpos abjetos” se circunscreve às relações de gênero e à ruptura do binarismo de gênero. No entanto, para Judith Butler “[...] o abjeto não se restringe de modo algum a sexo e heteronormatividade. Relaciona-se a todo tipo de corpos cujas vidas não são consideradas ‘vidas’ e cuja materialidade é entendida como ‘não importante’.

(BUTLER, 2002, p. 161)

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10 Partindo dessa premissa, é possível afirmar que no âmbito educacional, o pensamento, baseado unicamente na identificação biológica ou na lógica binária, imprime marcas negativas nos sujeitos e potencializa uma pedagogia tradicional. Pedagogia essa que tem funcionado como mecanismo disciplinador e regulador social, estreitamente ligado às relações de poder, “reproduzindo padrões sociais, perpetuando concepções, valores e clivagens sociais, fabricando sujeitos (seus corpos e suas identidades), legitimando relações de poder, hierarquias e processos de acumulação”

(JUNQUEIRA, 2009, p. 14) além de empobrecer uma temática de extrema importância.

O âmbito escolar deve se dissociar dessa visão essencializada, incluindo nesse processo a democratização do currículo, a inclusão do tema diversidade sexual, a revisão de conteúdos programáticos, entre outras práticas. Para que haja assim um alinhamento mais próximo entre educação e as sexualidades invisíveis, entre educação e corpos “transformados”. Nesse sentido, Guacira Lopes Louro afirma:

nas escolas, não apenas as diversas áreas ou disciplinas foram produzidas sob a perspectiva masculina heterossexual (e, então, tradicionalmente, deixam de fora os saberes, as experiências e os problemas das mulheres e dos grupos homossexuais);

mas todos os textos, no sentido amplo do termo, são geralmente, construídos sob essa ótica. (LOURO, 2000, p. 68)

A escola deve, sobretudo, legitimar e abrir novas perspectivas para os corpos e suas manifestações, permitindo o exercício pleno das sexualidades não normativas. Reconhecer a necessidade de mudar paradigmas educacionais é o primeiro passo para solucionar essa defasagem no âmbito escolar. Tarefa árdua, sem dúvida, considerando o atual ambiente político e social do Brasil desfavorável ao debate sobre corpo, gênero e sexualidade e a incorporação destes temas no currículo escolar.

A tentativa de inserção de políticas públicas educacionais para gênero e sexualidades que favoreçam o diálogo com a diversidade é constantemente rechaçada por uma agenda e valores conservadores que inviabilizam as mudanças nos paradigmas educacionais. Apesar das tentativas de avançar esse diálogo, a exemplo da promulgação em 2004 do Programa Brasil sem Homofobia4 que previa entre suas diretrizes, promover “valores de respeito à paz e à não-discriminação por orientação

4 O Programa Brasil sem Homofobia foi arquivado após ataques e pressão de setores conservadores, religiosos e do

Congresso Nacional, meses antes de sua distribuição nas unidades escolares, cadernos que serviriam como material de apoio pedagógico para o trabalho na escola envolvendo as questões propostas pelo projeto. Pejorativamente rotulado de

“Kit gay” o projeto foi alvo de campanhas preconceituosas por seus detratores que usavam como argumento que tal material estimularia o “homossexualismo” e promiscuidade. Observe a grafia com o sufixo “-ismo”. (OLIVEIRA, 2017.)

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11 sexual”, o período atual de retrocesso na educação brasileira segue na contramão de uma pedagogia emancipadora, desenvolvendo uma gama de políticas, ações e programas que se alinham a um viés conservador, reduzindo o papel primordial emancipador da escola. O projeto de lei (7180/2014) Escola sem Partido, é um desses retrocessos, cujo texto explicita que as escolas não permitirão

“qualquer forma de dogmatismo ou proselitismo na abordagem das questões de gênero”, uma tentativa de amordarçar o pensamento crítico, impor restrições ao ambiente escolar, cercear o docente e desmontar a escola pública. Um ano depois, em 2015, mais um avanço do conservadorismo nas legislações educacionais do país, a retirada das questões de gênero no Plano Nacional de Educação.

O trecho retirado explicitava que as escolas deveriam promover a igualdade de gênero, raça e orientação sexual. Em substituição, alterando a lei nº 13.005, no parágrafo único lê-se “ É proibida a utilizaçãode de qualquer tipo de ideologia de gênero, orientação sexual, identidade de gênero e seus derivados.

É importante pensarmos sobre o papel transformador da educação na sociedade, o caráter libertador da escola e de como esse papel é subvertido pela pedagogia tradicional já mencionada.

Abolir essa pedagogia do cenário educacional, substituindo-a por uma proposta mais inclusiva que traga o aluno “diferente” para a sala de aula em oposição à evasão e ao insucesso escolar. Uma pedagogia libertadora, que não ignore a diversidade das manifestações sexuais entre outras, e proponha novas estratégias inseridas na negação do binarismo e outros dispositivos de poder. Tais iniciativas são de importância vital para a escola do século XXI, que urge por mudanças significativas, visando uma sinergia com a sociedade contemporânea. Nesse sentido, Guacira Lopes Louro questiona a plausibilidade de interseccionar a Teoria Queer e educação:

Como um movimento que se remete ao estranho e ao excêntrico pode articular-se com a Educação, tradicionalmente o espaço da normalização e do ajustamento?

Como uma teoria não-propositiva pode “falar” a um campo que vive de projetos e de programas, de intenções, objetivos e planos de ação? Qual o espaço, nesse campo usualmente voltado ao disciplinamento e à regra, para a transgressão e para a contestação? Como romper com binarismos e pensar a sexualidade, os gêneros e os corpos de uma forma plural, múltipla e cambiante? Como traduzir a teoria queer para a prática pedagógica? (LOURO, 2000, p. 47)

Esse movimento que se remete ao estranho, como menciona a autora, se refere à Teoria Queer, que começa a se consolidar nos anos 90 com a publicação do livro “Problemas de Gênero” (Gender Trouble) de Judith Butler. A teoria propõe o questionamento do que é estabelecido como verdade, as noções de uma essência do masculino, do feminino, do desejo. Para a Teoria Queer, é preciso se

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12 debruçar sobre esses conceitos e tentar perceber que se trata de uma falácia; não há uma essência e sim uma relação de mediação cultural dos marcadores biológicos.

Apesar das limitações impostas à escola, ela é parte fundamental na construção de uma sociedade mais igualitária, democrática, inclusiva e plural. Mesmo considerando que é exatamente nesse ambiente onde as reproduções de estereótipos de gênero e de práticas ligadas à heteronormatividade se concretizam é também nesse espaço onde a viabilidade de mudanças de paradigmas, de pensamentos e, acima de tudo, a construção de novas práticas pedagógicas que dialoguem com as diversidades e com os direitos humanos, são concretizadas e podem ganhar força nos impulsos juvenis de não-conformidade e criatividade.

3. MÉTODO

A metodologia adotada para a sistematização neste relato de experiência foi de cunho qualitativo, a partir de dados obtidos por meio de discussões, reflexões não estruturadas, rodas de conversa informais, assumindo gênero e sexualidade como categoria de análise. Trata-se, portanto, de um estudo exploratório, de cunho experencial, a partir das vivências como docente em dois grupos:

a) entre os colegas docentes que integraram a execução do Pacto pelo Fortalecimento do Ensino Médio (outubro de 2014 a dezembro de 2015) na unidade de ensino e b) na relação professor – discentes, em turmas específicas, principalmente, e na escola como um todo.

O primeiro grupo participante das vivências sistematizadas foi o corpo docente da unidade de ensino com representação de professores de todas as disciplinas. Os participantes do grupo se enquadram na faixa etária entre 35 e 50 anos, sendo 3 pessoas do sexo masculino e 6 do sexo feminino. Algumas reflexões surgem de análises realizadas por esse grupo a partir do currículo escolar, do Projeto Político Pedagógico da unidade e dos livros didáticos de todas as disciplinas adotados naquele ano. A análise do material se deu através de: leitura coletiva, exposição de percepções, discussões e reflexões. As reuniões foram realizadas na própria unidade escolar durante os momentos de formação do Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio, onde atuei como Orientador de Estudo, intermediando as discussões.

O projeto Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio5, consistiu em uma ação de formação continuada de professores do Ensino Médio nos 26 estados e o Distrito Federal, obedecendo

5 O Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio, instituído pela Portaria nº 1.140, de 22 de novembro de 2013,

representa a articulação e a coordenação de ações e estratégias entre a União e os governos estaduais e distrital na

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13 uma carga horária de 400 horas entre momentos de formação, discussões e reflexões entre professores, gestores e orientadores pedagógico. Participaram desses momentos todos os professores (as) da unidade escolar em um compromentimento único, considerando o alto índice de presença nos encontros mesmo sendo realizados aos sábados entre outubro de 2014 a dezembro de 2015. A formação continuada foi uma das ações que compuseram o Pacto pelo Fortalecimento do Ensino Médio, cujos principais objetivos foram, promover melhoria da qualidade do Ensino Médio e fomentar o desenvolvimento de práticas educativas como foco na formação humana integral, conforme apontado nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio.

Cabe ao Orientador de Estudo a responsabilidade pela mediação dos grupos de estudos nas escolas, compostos pelo corpo docente, assim como ministrar a Formação aos professores na unidade escolar e acompanhar a prática pedagógica dos professores. Tal atribuição me permitiu acompanhar de perto a análise do currículo escolar, percebendo que em todas as disciplinas havia a ausência de temas pertinentes a gênero e sexualidade. Questionei-me quais seriam os fatores dessa lacuna e o que seria necesário para que reflexões sobre esses temas estivessem presente no âmbito escolar por considerá-los de grande relevância na formação do estudante

O segundo grupo participante das vivências sistematizadas é o do corpo discente. Enquanto docente, atuando há sete anos na unidade escolar, ministrando aulas em todas as turmas do Ensino Médio na área de Linguagens, percebo comportamentos dentro e fora da sala de aula, como bullying com o aluno “diferente”, inscrições de cunho sexual nas portas dos sanitários, a maneira como discentes e docentes contam um piada sexista, machista, homofóbica. A partir dessas observações, fica evidenciado que, apesar dos temas sexualidade e gênero permearem o cotidiano escolar, não há uma assimilação da importância das discussões de gênero para a formação de professores, nem também espaço de fala para as manisfestações desses temas com os alunos, desconhecendo-se sobretudo a percepção dos alunos em relação a tais questões. As manifestações de sexualidade entre os alunos são observadas sobretudo a partir de um contato mais próximo a eles no ambiente escolar.

Não raro, nós educadores, assumimos papeis de aconselhadores e/ou psicológos, adentrando no campo afetivo e emocional dos alunos por conta de uma proximidade que conduz o professor e aluno a estabelecerem uma relação de confiança.

Utilizamos a roda de conversa como estratégia participativa para conhecermos a percepção dos alunos quanto às temáticas gênero e sexualidade. Essa intervenção pedagógica proporcionou aos

formulação e implantação de políticas para elevar o padrão de qualidade do Ensino Médio brasileiro, em suas diferentes modalidades, orientado pela perspectiva de inclusão de todos que a ele tem direito.

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14 alunos não só a aquisição de conhecimentos sobre as temáticas gênero e sexualidade, mas sobretudo um espaço de fala para expressarem suas opiniões, inquietamentos e dúvidas.

A unidade de ensino onde atuo oferece a modalidade ensino regular do Ensino Médio em dois turnos com um total de 285 alunos matriculados, portanto, uma escola considerada de pequento porte.

São adolescentes, jovens e adultos, de baixo poder aquisitivo e que em sua maioria são beneficiados pelos programas assistenciais do Governo Federal, como Bolsa Família. Os jovens são provenientes de famílias numerosas que possuem baixo nível de escolaridade e pouca perspectiva de empregos formais. Na região existem poucos programas que incentivam o jovem para o desenvolvimento profissional. O distrito no qual está a unidade escolar pertence a um munícipio do Sul da Bahia, ocupando a faixa litorânea do mesmo e representando uma das últimas fronteiras da Mata Atlântica no Brasil, constituindo uma das áreas mais ricas em biodiversidade no mundo, de acordo com estudos realizados pelo Jardim Botânico de Nova Iorque6. É também um território de grande importância histórica para o país e de reconhecido patrimônio sociocultural. A comunidade segue um modelo familiar patriarcal; embora se encontre sinais de ruptura nesse modelo de família. É uma região turística que apresenta a inserção de estrangeiros que buscam modos alternativos de vida atraídos pela beleza e tranquilidade do local.

4. RESULTADOS

Sinteticamente, a partir das observações em classe, discussões e reflexões desenvolvidas ao longo dos momentos de formação no Pacto pelo Fortalecimento do Ensino Médio foi possível constatar que em um ambiente diverso e plural como é a escola, é necessário respeitar e entender as alteridades com suas especificidades e o histórico de vida de cada um. No pouco tempo que nos debruçamos sobre as questões de gênero e sexualidade e suas implicações no âmbito escolar ficou evidenciado o quão despreparados estávamos para lidar com essas temáticas no nosso fazer pedagógico. Notou-se que até o simples fato de trazermos essas pautas para discussão causava certo desconforto em alguns docentes. No entanto, ao final das discussões destaca-se que todos os participantes foram unânimes em afirmar que é de grande relevância e extremamente necessário a inserção e discussão dos temas em estudo no ambiente escolar.

Enquanto Orientador de Estudo, lancei mão dos momentos de reflexão para colocar em pauta os temas gênero, corpo e sexualidade e discuti-los entre professores (as) numa tentativa de elencarmos

6 Projeto “Mata Atlântica Nordeste”, de autoria do Jardim Botânico de Nova Iorque e do Herbário da Comissão Executiva de Planejamento da Lavoura Cacaueira (CEPLAC).

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15 os motivos pelos quais tais temas não eram abordados nas suas práticas pedagógicas e consequentemente buscarmos possíveis soluções. Entendermos a percepção dos alunos em relação a essas temáticas foi também uma preocupação.

A relevância dessas reflexões e discussões, especificamente sobre as temáticas em questão, cumpriu um papel importante no sentido de que analisou, mesmo que informalmente, questões até então nunca discutidas no chão da escola e que nos afligiam enquanto educadores.

Pretendíamos aguçar o olhar trazendo uma perspectiva mais crítica sobre a análise do currículo escolar, sobre o Projeto Político Pedagógico e sobre o livro didático sempre em uma perspectiva da inclusão dos temas gênero, corpo e sexualidade. Entretanto, tivemos que respeitar os limites do tempo e das diversas pautas a serem discutidas e estudadas nos momentos de formação.

Ao serem indagados sobre o porquê desses temas estarem ausentes do seu fazer pedagógico e justificando-se por não abordarem essas temáticas em sala de aula, alguns professores alegaram não ter tido qualquer contato com os temas na sua formação inicial e que por isso não se sentiam aptos a trabalharem com temáticas de gênero e sexualidade. Outros justificaram questões ligadas ao engessamento do currículo, a falta de suporte pedagógico e a não abertura dada pela gestão no sentido de favorecer discussões a respeito dos temas, o receio de divergir de movimentos conservadores da comunidade local e que esses os acusassem de lançar mão da “ideologia de gênero”7. Foi citado a ausência dos temas no material didático, falou-se também do “currículo oculto”8 e como este flexibilizava a temática numa perspectiva transversal e que havia também um certo preconceito por parte dos prórios professores (as).

É consenso que trabalhar com gênero e sexualidade no âmbito escolar é um entrave pedagógico enfrentado por grande parcela de educadores. Considerando o atual contexto político e social do país, onde grupos religiosos conservadores, exercendo sua política coerciva, influenciam legisladores a deixar de lado dos Planos de Educação estaduais e municipais de todo o país, quaisquer metas ou estratégias que promovam a equidade de gênero, essa tarefa se torna ainda mais complexa e árdua.

7O termo ideologia de gênero apareceu pela primeira vez em meados da década de 1990 e no início dos anos 2000 por ala conservadora da Igreja Católica. Não reconhecido pelo mundo acadêmico, é utilizado por grupos conservadores contrários aos estudos de identidade de gênero. MATARAZZO, Renata.Saiba como o termo 'ideologia de gênero' surgiu e é debatido. Disponível em https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2019/09/03/saiba-como-o-termo-ideologia-de- genero-surgiu-e-e-debatido.ghtml. Acesso em 12 de abril de 2020.

8 Tomaz Tadeu da Silva define o currículo oculto como sendo constituído por todos aqueles aspectos do ambiente

escolar que, sem fazer parte do currículo oficial, explícito, contribuem, de forma implícita, para aprendizagens sociais relevantes. (SILVA, 2005, p. 78)

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16 Ao se pensar nos temas gênero e sexualidade e suas abordagens em livros didáticos seria lógico associarmos tais temas à disciplina Biologia. Quando questionado sobre sua atuação enquanto docente na disciplina de Biologia, como os temas em questão eram trazidos à tona em sala de aula, e como essas temáticas eram abordadas no livro adotado pela unidade escolar, o professor da disciplina relatou que o conhecimento da Biologia é fragmentado e organizado por áreas e que o livro não aborda as representações de gênero em sua diversidade, limitando-se a descrever orgãos reprodutores, doenças sexualmente transmissíveis, gravidez na adolescência etc, sempre sob o viés biologizante. O professor conclui que, apesar das questões de gênero e sexualidade estarem circunscritas ao aspecto biológico, há espaço para discussões e reflexões, caso haja uma flexibilização no currículo. Embora presentes como temas transversais nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), a realidade é que a prática de discussões e reflexões sobre os temas em questão quando não ocorrem, são pouco trabalhados em outras disciplinas na nossa unidade escolar.

Esses temas deveriam perpassar todas as disciplinas, estando presente nas diferentes áreas do conhecimento e não apenas limitar-se à Biologia. Há possibilidades de inserção dessa pauta nas práticas pedagógicas se houver um comprometimento e consciência de que uma educação inclusiva e humanizada deve estar alijada de toda perspectiva de exclusão de identidades de gênero não conformativas alinhadas à heteronormatividade.

A participação coletiva dos (as) professores (as) nos encontros foi positiva no sentido de que houve uma preocupação em refletirmos criticamente sobre as questões de gênero; nos questionando sobre valores individuais, nossos própios medos, preconceitos e posicionamentos religiosos e estereótipos. Houve um aprofundamento sobre as questões de gênero e sexualidade no âmbito escolar, suas manifestações no cotidiano, nos levando à conclusão do quanto as desigualdades, a violência, a submissão, as relações de poder marcam as relações de gênero, como esses elementos interferem no processo de ensino-aprendizagem. Pudemos perceber o quanto a invisibilidade de segmentos identitários não normativos contribui para a evasão escolar.

As rodas de conversa realizadas entre os alunos do 3º ano vespertino e noturno da unidade escolar, durante o percurso do Pacto Pelo fortalecimento do Ensino Médio, tiveram como objetivo a reconstrução de alguns conceitos e a valorização da compreensão das suas percepções em relação às temáticas gênero e sexualidade. Conduzidos de forma não estruturada, esses dois momentos foram uma excelente estratégia uma vez que favoreceram uma participação coletiva dos alunos, permitindo que todos expressassem suas opiniões, inquietamentos, questionamentos e dúvidas. Temas como gênero, identidade de gênero, homofobia, preconceito, aceitação e igualdade foram trazidos para discussão com a finalidade de uma reflexão crítica sobre os discursos que circulam nas redes sociais,

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17 na mídia e na sociedade como um todo. Ao final das duas rodas de conversa ficou evidenciado que alguns mitos e tabus existentes entre os alunos foram desconstruidos. Percebeu-se ainda a necessidade de uma abordagem mais profunda sobre os temas em questão, levando em consideração aspectos sociais, culturais e psicológicos.

Diante de tantos questionamentos e angústias ao final das reuniões, houve um consenso dos professores (as) no sentido de que como meta futura planejaríamos um seminário ou quiçá um projeto de intervenção na unidade escolar com a finalidade última de desenvolver uma maior conscientização junto aos alunos no que diz respeito às temáticas sexualidade e gênero. Um projeto que resulte em uma compreensão por parte dos alunos quanto às problematizações dos estereótipos de gênero, um entendimento melhor sobre o assunto que os auxilie na tomada de decisões, um comportamento igualitário, não preconceituoso em relação à diversidade e assim podermos ter futuros adultos psicologicamente mais saudáveis, exercendo a sua sexualidade de forma segura e responsável. A gestão não só acatou as resoluções como se comprometeu a viabilizar o projeto.

Um acontecimento ocorrido alguns meses após o término do projeto de formação na unidade escolar foi lembrado em uma das reuniões de avaliação que se seguiram; a chegada de uma professora trans ao colégio em substituição a uma professora efetiva que estava à época em licença maternidade.

Os (as) professores (as) participantes dessa reunião relataram que houve um impacto inicial, um certo estranhamento com a presença da professora trans na escola, mas que a partir das relações estabelecidas entre eles (elas) esse preconceito se diluiu. Perceberam que aquela situação que se apresentava seria uma nova questão a ser analisada no âmbito escolar e não apenas motivo de preocupações. Preocupações essas que se delinearam a partir da presença da professora, como esse fato poderia desencadear uma desestabilização na ordem da escola; acarretando em discriminação e preconceito por parte de alunos, gerando reações negativas advindas dos pais dos alunos e resultando em uma escalação de tensão nas relações escolares.

Apesar das preocupações elencadas pelos (as) professores (as), e levando em consideração a curta permanência da professora na unidade escolar, os professores (as) perceberam que em relação aos alunos houve uma aceitação e acolhimento em pouco tempo. Citaram que os alunos respeitaram seu nome social, mantiveram uma certa proximidade afetuosa com ela, além de ter sido perceptível que o preconceito inicial foi também diluído pela maioria. Os professores (as) creditaram esse comportamento às reflexões fomentadas em sala de aula como resultado do que foi discutido durante os momentos de formação do Pacto pelo Fortalecimento do Ensino Médio. Entretanto, a curta

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18 permanência da professora na unidade escolar foi resultado de intransigência de alguns membros da comunidade local.

A experiência de termos tido no quadro de docentes uma professora trans se traduziu em um claro entendimento da escola como um espaço de inclusão, de pertencimento para nossos alunos e professores que não se enquadram nos “padrões” heteronormativos, nos ajudou a identificar nossos próprios preconceitos, rever nossos valores e a percebermos a dificuldade em atuarmos em momentos e situações que fogem à “normalidade” hegemônica e heteronormativa.

Em discussões informais com colegas professores (as) sobre o assunto, ouvindo e analisando suas narrativas, ficou evidente que a visão de quase todos, com poucas exceções, em relação à relevância desses temas, sua abordagem em sala de aula e a inserção dos mesmos no currículo escolar e no Projeto Político Pedagógico, se alinhava à minha na medida em que compartilhávamos a percepção da importância da valorização da diversidade de sexualidade no âmbito escolar.

Se pensarmos em políticas públicas relacionadas à diversidade sexual no âmbito escolar como uma forma de fornecer subsídios pedagógicos a educadores, percebemos que, de fato tem havido mudanças relevantes nesse sentido. Entretanto, “ainda que o tema da diversidade sexual tenha sido introduzido nas políticas públicas de educação e tratado por pesquisas mais recentes na área, poucas são as investigações que procuram averiguar quais as contribuições e dificuldades advindas desse processo” (GARCIA, 2015, p.45). E as dificuldades em abordar esses temas em sala de aula são inúmeras.

A questão curricular e a inserção dos temas gênero e sexualidade na sua organização é outro entrave percebido pelos (as) professores (as). Durante a análise e reflexões sobre currículo escolar, ao longo das reuniões do Pacto Nacional pelo fortalecimento do Ensino Médio, as preocupações e questionamentos se debruçavam sobre os fatores que influenciam a ausência desses temas nesse documento norteador. Evidenciou-se que essa ausência está intrinsicamente atrelada à falta de formação docente para trabalhar tais questões e a falta de tempo para planejamento de aulas e elaboração de material didático sobre o assunto.

Ao analisar as teorias crítica e pós crítica no campo do currículo, Tomaz Tadeu da Silva (2005) sumariza de forma bastante elucidativa o currículo como sendo “uma questão de saber, poder e identidade”, ou seja, não se pode distanciar o currículo de relações de poder, nem das relações sociais.

Ainda em relação ao currículo, é importante sua assertiva “as teorias críticas não nos deixam esquecer, entretanto, que algumas formas de poder são visivelmente mais perigosas e ameaçadoras do que outras” (idem, p.147), no sentido de que ela dialoga com a perspectiva de dominação; com a

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19 imposição de valores normativos e excludentes e como esses podem perpassar documentos norteadores, demonstrando assim uma intrínseca simbiose entre poder e saber.

Outro documento norteador analisado sob a perspectiva de gênero e sexualidade nas reuniões de formação é o Projeto Político Pedagógico (PPP) da instituição. Trata-se de um documento que norteia o modus operandi da escola, projeta como a unidade escolar planeja suas ações pedagógicas e que estabelece metas para o desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem. A construção do PPP é um esforço coletivo que possibilita a integração e participação democrática dos pares. Nessa perspectiva, a professora Ilma Passos Veiga afirma que “A construção do Projeto Político Pedagógico parte dos princípios de igualdade, qualidade, liberdade, gestão democrática e valorização do magistério”. (VEIGA, 2007, p.22). Após leitura e análise do documento, constatamos que as questões de gênero e sexualidade não são abordadas no seu conteúdo nem há orientações ou indicações a respeito à diversidade sexual através da sua práxis docente. Entretanto, o documento segue as orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) no sentido de transversalizar o tema

“orientação sexual” e quanto à orientação da escola aos princípios gerais que visam a consecução das seguintes metas:

1) Respeito aos direitos humanos e exclusão de qualquer tipo de discriminação interpessoais, públicas e privadas de igualdade de direitos, de forma a garantir a equidade em todos os níveis;

(...)

4) A inclusão de temas socioculturais no currículo transcende o âmbito das diversas disciplinas e corresponde aos Temas Transversais, preconizados pelos PCNs para o Ensino e que se caracterizam por: urgência social, abrangência nacional, possibilidade de ensino e aprendizagem no favorecimento na compreensão da realidade social, na forma de: Ética, diversidade cultural, meio-ambiente, saúde, orientação sexual; Trabalho e consumo. ” (Plano Político Pedagógico da unidade escolar, p. 3, 2014) (grifo nosso).

Considerando a ausência desses temas em documento cuja dimensão permeia a prática docente, concluímos que essa lacuna seria preenchida após uma ampla discussão sobre o assunto em uma tentativa de incluir propostas de ações pedagógicas visando a promoção da igualdade de gênero.

Decidiu-se que no momento de atualização do PPP essas demandas seriam atendidas de forma coletiva.

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20 No que diz respeito à ausência dos temas gênero, sexualidade e diversidade sexual nos livros didáticos, mencionada pelos professores (as) como sendo um obstáculo na inserção dos temas em suas práticas pedagógicas, o consenso dos (as) professores (as) foi que, de fato, não só há um silêncio no que tange aos temas em questão, como também se percebe uma naturalização da heterossexualidade e da identificação binária de gênero nos livros didáticos9 distribuídos pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e adotados pela unidade escolar em 2014.

Foram selecionados apenas aqueles livros didáticos cujas disciplinas pudessem contemplar as temáticas gênero e sexualidade; biologia (Biologia Hoje – Genética – Evolução – Ecologia), Filosofia (Introdução à filosofia), língua portuguesa (Linguagem & Interação), língua inglesa (On Stage), história (A aventura do saber na história) e sociologia (Sociologia para o ensino médio). Os (as) professores (as) relataram que não há qualquer menção textual sobre a homoafetividade, abordando representações homossexuais no âmbito social, nenhuma menção sobre configurações familiares fora do “padrão” heteronormativo, ou seja, o silêncio é absoluto. O “padrão” heteronormativo, se insere, portanto, na narrativa pedagógica oficial dos livros didáticos adotados pelas escolas públicas. A percepção dos (as) professores (as) é corroborada com a afirmação de Tatiana Lionço e Debora Diniz

“Nos livros didáticos, a sexualidade somente é passível de enunciação quando remete ao coito heterossexual e à compreensão de seus efeitos reprodutivos” (LIONÇO, DINIZ, 2009, p.11).

É sabido que o livro didático constitui uma ferramenta imprescindível no fazer pedagógico e no processo ensino-aprendizagem, afinal é através dele que nós professores recebemos diretrizes didáticas, informações relevantes e nesse contexto, o livro didático funciona como um condutor de ideologias. Portanto, cabe-nos analisar os conteúdos com cautela, filtrá-los a partir de uma perspectiva inclusiva que promova a igualdade, para não reproduzirmos inconscientemente noções hegemônicas apoiadas no binarismo de gênero e que potencialize a escola como espaço de pertencimento e transformação social. Nos interessa utilizar o livro didático como um elemento que conduza os aprendizes à prática de reflexões críticas, que os conduza à sua emancipação.

Ao expor seus pensamentos, relatar suas percepções, seus anseios e preocupações ao lidar com as temáticas gênero e sexualidade inseridas nas suas práticas pedagógica, os (as) professores (as) ouvidos (as) durante as reflexões fomentadas na unidade escolar, mostraram o quão despreparados se encontram para debater essa temática. As justificativas amplamente discutidas e analisadas apontam a falta de formação inicial, ausência das temáticas nos livros didáticos, currículo formal engessado, ausência de suporte pedagógico e resistências íntimas a seus próprios preconceitos.

9 Não foram analisados neste trabalho os livros paradidáticos.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebemos no contexto brasileiro atual ascendente um discurso de cunho religioso e político que põe em evidência e valoriza a narrativa hegêmonica dos corpos: a figura da família tradicional inserida no contexto binário homem e mulher. Na contramão desse discurso, percebe-se também um aumento da visibilidade de representações não binárias, de forma difusa, na sociedade e com influência das tecnologias midiáticas. No ambiente escolar não poderia ser diferente. No entanto, esse espaço pode se configurar em um lugar opressivo, discriminatório e excludente se considerarmos que nossa prática pedagógica apresenta pouca ou nehuma possibilidade de acolhimento dessas representações emergentes. O currículo escolar, os livros didáticos e o Projeto Político Pegagógico são ferramentas de apoio pedagógico onde deveria haver representações dignas dessas identidades, mas não só isso; é necessário empenho de alguns professores em problematizar as temáticas de gênero e sexualidade na sua práxis.

O ambiente escolar, onde se desenvolvem as interações e relações de vivência e coletividade de uma comunidade, demanda uma interlocução com as manifestações de gênero e sexualidade, temáticas importantes e urgentes uma vez que estão intrinsicamente atreladas à preservação da vida e aos direitos humanos. A ausência dessa interlocução e a falta da abordagem dessas temáticas no âmbito escolar perpetuam problemas que resultam na falta desse conhecimento e práticas assertivas, situações de violência simbólica, psiquíca e física, bem como o insucesso escolar decorrente de situações de sofrimento.

Problemas como esses, não só se arrastam há anos, mas assumem novas facetas, novas configurações na era das tecnologias da informação e comunicação. Esses problemas afetam jovens estudantes que sofrem com a discriminação, homofobia e a rejeição. Sobre esse assunto a professora Marlene Guirado resume com muita propriedade: “A sexualidade é como um fantasma que ronda as cercanias e os interiores da escola e da sala de aula. Não é o único, sabemos disso, mas assombra a cada esquina. E isso, há séculos, ao que indica a história.” (GUIRADO, 1997, p.25).

Na pedagogia tradicional, baseada em uma produção discursiva onde preferencialmente o espaço é direcionado para a heteronormatividade, há uma negação aos corpos não moldados, não adequados. Se a presença, por exemplo, de alunos homossexuais tacitamente é observada como um incômodo no âmbito escolar pensemos, portanto, como será a experiência de um aluno ou aluna transexual ou, ainda, não-binário, com seu corpo transformado e não submetido à normatividade?

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22 O que fazer, portanto, com esse corpo abjeto, profundamente indesejável, que gera tanto ódio e intolerância? Como lidar com performances de gênero de meninos efeminados e meninas masculinizadas e, ainda expressões não-binárias? Questionamentos presentes no cotidiano escolar, no fazer pedagógico, na ânsia daqueles profissionais de educação que buscam uma maior compreensão do porquê a alteridade é vivida pelos sujeitos como uma ameaça ou o porquê da existência do desprezo e da violência com o “outro” apenas por ser diferente.

Embora essas questões estejam formalmente alijadas do currículo formal da escola e do PPP, não significa que elas não se insiram espontaneamente nas práticas pedagógicas por via do currículo

“oculto”. Entretanto, é justamente o PPP que norteia as práticas escolares, é a ferramenta que define premissas e ações para o âmbito escolar. Nesse sentido, é relevante que esses temas estejam inseridos não de forma engessada no documento, mas que seu conteúdo seja traduzido em ações pedagógicas profícuas que viabilizem um ambiente saudável para as diferenças. É relevante também que haja uma análise criteriosa do material didático de suporte pedagógico a fim de filtrar aspectos discriminatórios, desconstruir visões deturpadas sobre gênero e sexualidade no sentido de fomentar discussões e reflexões positivas sobre essas temáticas.

Finalizo com a certeza de que uma escola inclusiva, acolhedora e plural não pode ser inviabilizada ou tolhida por políticas homofóbicas, pela adoção de livros didáticos cuja retórica oficial seja calcada na heteronormatividade nem pelo silenciamento dos corpos ditos abjetos nos seus documentos norteadores, como o currículo escolar e o Projeto Político Pedagógico.

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23 BUTLER, Judith. Corpos que pesam: sobre os limites discursivos do "sexo" In: LOURO, Guacira Lopes (Org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. 2.ed. Tradução dos artigos: Tomaz Tadeu da Silva. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p. 110- 127.

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24 OLIVEIRA JÚNIOR, Isaías Batista de. Kit de combate a homofobia do MEC: a polemização em torno dos recursos audiovisuais. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, v. 16, n. 70, p. 319-334, maio 2017.

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