21 Artrite-encefalite dos caprinos.
Biológico, São Paulo, v.68, n.1/2, p.21-23, jan./dez., 2006 PALESTRA
ARTRITE-ENCEFALITE DOS CAPRINOS Maria do Carmo Custódio S. H. Lara
Instituto Biológico, Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Sanidade Animal, Av. Cons. Rodrigues Alves, 1252, CEP 1252, São Paulo, SP, Brasil. E-mail: lara@biologico.sp.gov.br
Artrite-encefalite dos caprinos (AEC), também co- nhecida pela sigla da abreviação da denominação da doença em inglês CAE (Caprine arthritis-encefalitis) foi caracterizada como uma enfermidade infecciosa, multissistêmica, causada por vírus pertencente ao gênero Lentivirus, que infecta caprinos de todas as idades, independente do sexo, raça e produção. As principais manifestações clínicas da doença descri- tas foram a leucoencefalomielite, que acomete cabri- tos (CORK et al., 1974) e a artrite, mais freqüente nos animais adultos (CRAWFORD et al., 1980). Além dessas formas clínicas bem definidas, os pulmões e a glân- dula mamária dos caprinos foram, também, descritos como passíveis de comprometimento nas infecções causadas pelo mencionado vírus determinando, res- pectivamente, uma pneumonia crônica intersticial, freqüentemente denominada por pneumonia progres- siva dos caprinos (SIMSet al., 1983), e uma mamite intersticial endurativa (WOODARD et al., 1982;
LERONDELLE et al., 1989; ROSADIO et al., 1993; SMITH &
SHERMAN, 1994; SERAKIDES et al., 1996).
O vírus causador da Artrite-encefalite dos Caprinos foi isolado pela primeira vez por CRAWFORD
et al. (1980), de um bode com 8 anos de idade, apre- sentando manifestações clínicas evidentes de artrite crônica.
O agente etiológico - vírus da artrite-encefalite dos caprinos, causador da CAE, foi classificado como pertencente à família Retroviridae, do gênero Lentivirus, agentes etiológicos de doenças de evolu- ção lenta em várias espécies de animais domésticos (CRAWFORD et al., 1980; FRANCKI et al., 1991). A esta mes- ma família, Retroviridae, pertencem outros vírus de importância em patologia veterinária e humana: ví- rus da anemia infecciosa dos eqüinos; Maedi-Visna dos ovinos e os vírus causadores das imunodeficiências dos felinos (FIV); bovinos (BIV);
símios (SIV) e humana (HIV) (ZANONI, 1993). Os lentivírus por serem envelopados demonstraram sen- sibilidade aos solventes orgânicos como detergentes, álcool, éter, amônia e fenóis, e a formalina e o hipoclorito, agiriam, também, como desinfetantes.
Esses vírus foram, também, considerados susceptí- veis à inativação em temperatura de 56º C, durante 10 minutos (NARAYAN & CORK, 1990).
Na avaliação da patogenia do vírus causadores da artrite-encefalite dos caprinos demonstrou-se seu tropismo pelas células do sistema mononuclear fagocitário (monócitos e macrófagos), estimulando a
produção de anticorpos contra as proteínas da cápside e das glicoproteínas do envelope do vírus.
Esses anticorpos poderiam se associar aos macrófagos infectados pelo vírus, formando complexos imune antígeno-anticorpo. Suspeitou-se que esses comple- xos fossem a base das alterações inflamatórias obser- vadas nos tecidos comprometidos (EAST, 1996).
O vírus causador das infecções da artrite-encefalite dos caprinos foi considerados possuidores de três propriedades biológicas fundamentais que causari- am a infecção persistente dos caprinos: 1) integração ao genoma, no DNA da célula hospedeira, desta for- ma eles evitariam sua eliminação pelo sistema imu- ne; 2) replicação preferencial em macrófagos (NARAYAN
et al., 1982) e; 3) não indução à formação de anticorpos neutralizantes (NARAYAN et al., 1980). Estas caracterís- ticas foram consideradas como aquelas que permiti- riam a continuação de sua multiplicação indepen- dente de qualquer controle do sistema imune humoral do hospedeiro (NARAYAN & CORK, 1990; JOAG et al., 1996).
O fato do animal não desenvolver anticorpos neutralizantes antivírus da CAE, foi considerado a razão da falha do sistema de defesa do hospedeiro, e esse mesmo fato, indiretamente, potencializaria a in- fecção persistente. A resposta imune celular também foi considerada possuidora de um papel importante no desenvolvimento da enfermidade por sua impli- cação direta nas injúrias orgânicas mediadas por cé- lulas. A lesão básica nos órgãos afetados foi caracte- rizada por infiltração e proliferação de células mononucleares, associada à necrose das células cons- tituintes dos tecidos desses órgãos, como exemplo clássico, pode-se destacar as células sinoviais das articulações (ADAMS et al., 1980).
Apesar da extensa literatura existente, a artrite- encefalite dos caprinos foi considerada uma doença relativamente nova, e cujos aspectos clínico- epidemiológicos, ainda, mereceriam serem pesquisados. A razão dessa necessidade reside no fato do vírus poder causar diversos quadros clínicos, em animais de diferentes faixas etárias, caracterizan- do 4 formas clínicas: 1) leucoencefalomielite e pneu- monia progressiva aguda, em recém nascidos e cabri- tos de até 4 meses de idade (CORK et al., 1974); 2) artrite crônica (CRAWFORD et al., 1980); 3) mamite endurativa em cabras adultas (WOODARD et al., 1982); 4) pneumo- nia e encefalite progressiva crônica e esporádica, em animais adultos (SUNDQUIST et al., 1981).
22 M. do C.C.S.H. Lara
Biológico, São Paulo, v.68, n.1/2, p.21-23, jan./dez., 2006 As vias de transmissão da CAE, consideradas mais
importantes, são a ingestão de colostro e leite de cabras infectadas (CRAWFORD & ADAMS, 1981; ADAMS et al., 1983;
EAST et al., 1987; ROWE et al., 1992). Isto poderia ocorrer tanto pelo fato do cabrito mamar diretamente na ca- bra, como também por alimentar-se em sistema de amamentação coletiva, na qual o colostro ou leite pro- veniente de vários animais do rebanho, após mistura, seria administrado aos cabritos. O vírus teria condi- ções de estar presente e viável nestas secreções lácte- as, como vírus livre ou incorporado dentro de células somáticas, mantendo seu potencial de infectividade (SMITH & SHERMAN, 1994).
A infecção dos caprinos pelo vírus da CAE foi con- siderada como um estado vital permanente, pois o vírus persiste no organismo por toda a vida do animal, havendo a possibilidade da viremia ser permanente, fato que facilitaria a transmissão do vírus, através de fômites, agulhas, tatuadores, aplicadores de brincos e material cirúrgico contaminado com sangue de animal infectado. Apesar do vírus ser eliminado pelo sêmen, a transmissão por monta natural ou insemi- nação artificial ainda não pode ser comprovada.
O diagnóstico da CAE é realizado baseando-se no histórico do caso clínico e na avaliação física do do- ente, como também em resultados de exames laboratoriais, principalmente, em provas imuno- sorológicas para detecção de anticorpos como a imunodifusão em gel de agar, ensaio imuno- enzimático – ELISA, imunofluorescência indireta e Western Blot. A detecção direta da presença do vírus no organismo do caprino, pode ser realizada, tanto pelo isolamento do agente etiológico em cultura celu- lar, por evidenciação do vírus em microscopia eletrô- nica, como também por reação em cadeia de polimerase - PCR.
Não existe tratamento para a CAE, sendo o prog- nóstico reservado, pois considerou-se variável o agra- vamento da enfermidade durante sua evolução. Em certas circunstâncias, o caprino infectado não mani- festa nenhum sintoma, durante um longo período de tempo, enquanto que em outros animais a artrite e a perda de peso poderiam ser descritas como graves e progressivas. O estresse parece acelerar o desenvolvi- mento clínico da CAE. A forma clínica nervosa da doença, ou seja, a encefalomielite nos cabritos, ocasi- onalmente, ocorreria em animais adultos, sendo, en- tão, o prognóstico mau, pois na maioria das vezes os caprinos afetados seriam sacrificados, por questões humanitárias (EAST, 1996).
As recomendações e medidas efetivas de controle da infecção deveriam ser implantadas nos criatórios, pois a identificação dos caprinos infectados pelo ví- rus da CAE pelo sorodiagnóstico e a eliminação des- ses animais do rebanho foram consideradas medidas importantes no controle da enfermidade, mas insufi-
cientes (NARAYAN & CORK, 1990). Recomendou-se se associarem ao processo de controle e erradicação um sistema de prevenção da transmissão do vírus da CAE pelo controle da ingestão de colostro e leite de cabras infectadas, controle dos meios iatrogênicos de trans- missão da infecção, associado ao isolamento dos ani- mais soronegativos e monitoramento imuno- sorológico dos rebanhos (EAST, 1996). Para tanto, re- comendou-se que os cabritos fossem retirados do con- vívio materno imediatamente após o nascimento e a esses cabritos deveria ser administrado colostro e lei- te de cabras soronegativas ou pasteurizado (EAST, 1996). A obediência das mencionadas recomendações e a manutenção de rebanhos fechados, com monitoramento imuno-sorológico, em intervalos re- gulares, foram considerados métodos excelentes para se manter a infecção fora do rebanho (NARAYAN &
CORK, 1990).
O Programa Nacional de Sanidade de Caprinos e Ovinos (PNSCO) contempla o controle da CAE nas propriedades de caprinos, sendo sua adesão volun- tária. O ideal seria identificar os animais infectados pelo vírus da CAE e eliminá-los do rebanho. O inqué- rito sorológico deveria ser realizado a cada 6 meses, além do mais deve-se controlar o animais que ingres- sam no rebanho.
O impacto econômico causado pela infecção do vírus da CAE sobre alguns índices de produtividade mostrou que a produção de leite é afetada, pois as cabras soropositivas apresentam menor produção de leite, além de menor período de lactação. Ocorre tam- bém uma redução do índice de fertilidade por falhas na fecundação e maior intervalo interpartos, e maior taxa de descarte de caprinos do plantel.
REFERÊNCIAS
ADAMS, D.S.; CRAWFORD, T.B.; KLEVJER-ANDERSON, P. A pathogenic study of early connective tissue lesions of viral caprine arthritis-encephalitis. American Journal of Pathology, v.99, n.2, p.257-271, 1980.
ADAMS, D.S.; KL E V J E R-ANDERSON, P.; CARLSON, J.L.;
MCGUIRE, T. C.; GORHAM, J.R. Transmission and control of caprine arthritis-encephalitis virus.
American Journal Veterinary Research, v.44, n.9, p.1670-1675, 1983.
CORK, L.C.; HADLOW, W.J.; CRAWFORD, T.B.; GORHAM, J.R.;
PIPER, R.C. Infectious leukoencephalomyelitis of young goats. Journal of Infectious Diseases, v.129, n.2, p.134-141, 1974.
CRAWFORD, T.B.; ADAMS, D.S. Caprine arthritis- encephalitis: clinical features and presence of antibody in selected goat populations. Journal of American Veterinary Medicine Association, v.178, n.7, p.713-719, 1981.
23 Artrite-encefalite dos caprinos.
Biológico, São Paulo, v.68, n.1/2, p.21-23, jan./dez., 2006 CRAWFORD, T.B.; ADAMS, D.S.; CHEEVERS, W.P.; CORK, L.C.
Chronic arthritis in goats caused by a retrovirus.
Science, v.207, n.29, p.997-999, 1980.
EAST, N.E. Caprine arthritis encephalitis. In: SMITH, B.P.
(Ed.). Large animal internal medicine. 2.ed. St. Louis:
Mosby, 1996. p.1147-1148.
EAST, N.E.; ROWE, J.D.; MADEWEL, B.R.; FLOYD, K.
Serologic prevalence of caprine arthritis- encephalitis virus in California goat dairies.
Journal of American Veterinary Medical Association, v.190, n.2, p.182-186, 1987.
FRANCKI, R.I.B.; FAUQUET, C.M.; KNUDSON, D.L. BROWN, F.M. Classification and nomenclature of viruses.
Archives of Virology, p.450, 1991. Supplementum 2.
JOAG, S.V.; STEPHENS, E.B.; NARAYAN, O. Lentiviruses. In:
FIELDS, B.N.; KNIPE, D.M.; HOWLEY, P.M. (Eds.). Fields virology. Philadelphia: Lippincott-Raven, 1996.
p.1977-1996.
LERONDELLE, C.; FLEURY, C.; VIALARD, J. Le gland mammaire: organe cible de l’infection par le virus de l’arthrite et de l’encéphalite caprine. Annales de Recherches Veterinaires, v.20, n.1, p.57-63, 1989.
NARAYAN, O.; CLEMENTS, J.E.; STRANDBERG, J.D.; CORK, L.C.;
GRIFFIN, D.E. Biological characterization of the virus causing leukoencephalitis and arthritis in goats. Journal of General Virology, v.50, n.1, p.69- 79, 1980.
NARAYAN, O. & CORK, L.C. Caprine arthritis- encephalitis virus. In: DINTER, Z. & MOREIN, B. (Eds.).
Virus infections of ruminants. Amsterdam: Elsevier Science, 1990. p.441-452.
NARAYAN, O.; WOLINSKY, J.S.; CLEMENTS, J.E.; STRANDBERG, J.D.; GRIFFIN, D.E.; CORK, L.C. Slow virus replication:
the role of macrophages in the persistence and
expression of visna virus of sheep and goats.
Journal of General Virology, v.59, n.2, p.345-356, 1982.
ROSADIO, R. & RIVERA, H. Mastitis intersticial linfoide asociada al virus de la artritis-encefalitis caprina.
Revista Investigacion Pecuaria, v.6, n.2, p.119-123, 1993.
ROWE, J.D.; EAST, N.E.; THURMOND, M.C.; FRANTI, C.E.;
PEDERSEN, N.C. Cohort study of natural transmission and two methods for control of caprine arthritis-encephalitis virus infection in goats on a California dairy. American Journal of Veterinary Research, v.53, n.12, p.2386-2395, 1992.
SERAKIDES, R.; NUNES, V.A.; PEREIRA, M.F. Estudo clíni- co, anatomopatológico e imuno-histoquímico de pulmões de cabras natualmente infectadas pelo vírus da artrite encefalite caprina (CAE). Arquivo Brasileiro de Medicina Veterinária e Zootecnia, v.48, n.4, p.415-424, 1996.
SIMS, L.D.; HALE, C.J.; MCCORMICK, B.M. Progressive intersticial pneumonia in goats. Australian Veterinary Journal, v.60, n.12, p.368-371, 1983.
SMITH, M.C. & SHERMAN, D.M. Caprine arthritis encephalitis. Goat medicine. Philadelphia: Lea &
Febiger, 1994. p.73-79.
SUNDQUIST, B.; JÖNSSON, L.; JACOBSSON, S.O.; HAMMARBERG, K. E. Visna virus meningoencephalomyelitis in goats. Acta Veterinaria Scandinavia, v.22, n.3/4, p.315-330, 1981.
WOODWARD; J.C.; GASKIN, C.; POULOS, P.W.; MACKAY, R.J.;
BURRIDGE, M.J. Caprine arthritis-encephalitis:
clinicopathologic study. American Journal of Veterinary Research, v.43, n.12, p.2085-2096, 1982.
ZANONI, R. Lentiviruses: a brief review. Etudes et Syntheses de l’TEMVT, n.42, p.1-8, 1993.