REVISTA
BRASILEIRA
DE
ANESTESIOLOGIA
Publicação Oficial da Sociedade Brasileira de Anestesiologiawww.sba.com.br
ARTIGO
CIENTÍFICO
Uso
de
bloqueadores
neuromusculares
no
Brasil
Giovani
de
Figueiredo
Locks
∗,
Ismar
Lima
Cavalcanti,
Nadia
Maria
Conceic
¸ão
Duarte,
Rafael
Martins
da
Cunha
e
Maria
Cristina
Simões
de
Almeida
UniversidadeFederaldeSantaCatarina,Florianópolis,SC,Brasil
Recebidoem1demaiode2014;aceitoem2demarçode2015
DisponívelnaInternetem6dejulhode2015
PALAVRAS-CHAVE
Bloqueadores neuromusculares; Pesquisassobre servic¸osdesaúde; Monitorac¸ão neuromuscular
Resumo O objetivo desta pesquisa foi avaliar como os anestesiologistas brasileiros estão usandoos bloqueadoresneuromusculares(BNM), comfoconaformade estabelecero diag-nósticodacurarizac¸ãoresidualpós-operatóriaeaincidênciadecomplicac¸õesatribuídasaouso deBNM.Umquestionáriofoienviadoaanestesiologistasconvidando-osaparticipardapesquisa (tabela1).A coletaonlinededadospermaneceuabertademarc¸ode2012ajunhode2013. Duranteoperíododeestudoforamcoletadas1.296respostas.Rocurônio,atracúrioe cisatra-cúrioforamosprincipaisbloqueadoresneuromuscularesusadosemcasosdecirurgiaeletiva. SuccinilcolinaerocurônioforamosprincipaisBNMusadosemcasosdecirurgiadeemergência. Menosde15%dosanestesiologistasreferiramqueusamfrequentementemonitoresdafunc¸ão neuromuscular.Apenas18%dosenvolvidosnoestudoreferiramquetodososlocaisdetrabalho têmtalmonitor.Amaioriadosentrevistadosafirmouqueusasomenteocritérioclínicopara avaliarseopacienteestárecuperadodorelaxante.Amaioriadosentrevistadostambémrelatou quesempreusaalgumtipodereversãodebloqueioneuromuscular.Asprincipaiscomplicac¸ões atribuídas aos BNM foram curarizac¸ão residual e bloqueio prolongado. Houve relato por 18anestesiologistasdeóbitoatribuídoaBNM.Obloqueioresidualouprolongadoseregistra, possivelmente,comoconsequênciadoaltoíndicedousodecritériosclínicosparadiagnosticar seopacienteestárecuperadoounãodobloqueiomotore,comoumcorolário,obaixousode monitoresdatransmissãoneuromuscularnapráticadiária.
©2015SociedadeBrasileira deAnestesiologia.PublicadoporElsevierEditoraLtda.Todosos direitosreservados.
KEYWORDS
Neuromuscular blockers;
Researchonhealth services;
Neuromuscular monitoring
UseofneuromuscularblockersinBrazil
Abstract TheobjectiveofthisstudywastoevaluatehowBraziliananesthesiologistsareusing neuromuscularblockers(NMB),focusingonhowtheyestablishthediagnosisofpostoperative residualcurarizationandtheincidenceofcomplicationsassociatedwiththeuseofNMB.A ques-tionnairewassenttoanesthesiologistsinvitingthemtoparticipateinthestudy.Theonlinedata collectionremainedopenfromMarch2012toJune2013.Duringthestudyperiod,1296 respon-seswerecollected.Rocuronium,atracurium,andcisatracuriumwerethemainneuromuscular
∗Autorparacorrespondência.
E-mail:giovanilocks@gmail.com(G.F.Locks).
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjan.2015.03.001
blockersusedincasesofelectivesurgery.SuccinylcholineandrocuroniumwerethemainNMB usedincasesofemergencysurgery.Lessthan15%ofanesthesiologistsreportedthefrequent useofneuromuscularfunctionmonitors.Only18%ofthoseinvolvedinthestudyreportedthat allworkplaceshavesuchamonitor.Mostrespondentsreportedusingonlytheclinicalcriteria toassesswhetherthepatientisrecoveredfromthemusclerelaxant.Mostrespondentsalso reportedalwaysusingsomeformofneuromuscularblockadereversal.Themajorcomplications attributedtoNMBwereresidualcurarizationandprolongedblockade.Eighteen anesthesiolo-gistsreporteddeathattributedtoNMB.Residualorprolongedblockadeispossiblyrecordedasa resultofthehighrateofusingclinicalcriteriatodiagnosewhetherthepatienthasrecoveredor notfrommotorblockand,asacorollary,thepooruseofneuromusculartransmissionmonitors indailypractice.
©2015SociedadeBrasileiradeAnestesiologia.PublishedbyElsevier EditoraLtda.Allrights reserved.
Introduc
¸ão
A curarizac¸ão residual pós-operatória (PORC) é uma complicac¸ãodeconsiderávelincidênciaecomprovados efei-toscolaterais,porvezespotencialmentefatais.1-6
Odiagnósticodegrausprofundosderelaxamentonofim deumaanestesiapodeserfeitocomoempregodetestesde cabeceira;noentanto,bloqueiosresiduaisdecuraresósão detectadoscomusodemonitorac¸ão objetivada transmis-sãoneuromuscular(TNM),pormeiodasequênciadequatro estímulos(TOF)e acelerometria.7-11 Embora hajaum
con-sensonaliteraturasobreaformadodiagnóstico,bemcomo sobreasconsequênciasdessacomplicac¸ão,afrequênciade usodemonitoresdaTNMcontinuamuitobaixa,mesmoem paísesdesenvolvidos.12-14
O objetivo desta pesquisa foi avaliar como os anes-tesiologistas brasileiros estão usando os bloqueadores neuromusculares (BNM), com foco na forma de estabele-cerodiagnósticodaPORC eaincidência decomplicac¸ões atribuídasaousodeBNM,ecompararosresultadoscomos obtidosempesquisasemelhantefeitahá10anosnoBrasil15
(tabela1).
Método
Apósaprovac¸ãopeloComitêdeÉticaemPesquisaemSeres Humanos sob o protocolo 2205/2011, foi enviado um e--mailaosanestesiologistascadastrados nobancodedados daSociedade Brasileira de Anestesiologia e da Anestech, convidando os membros a participar da pesquisa ‘‘Uso de bloqueadores neuromusculares no Brasil’’. No corpo do e-mail, os participantes foram informados de que a participac¸ãonãoeraobrigatória,queacoletadasrespostas seriaanônimaequeosdadosseriamsigilososenão rastreá-veis.Oquestionárioeracompostodedezperguntas, duas sobredadosdemográficos eoitoacercadaescolhadouso deBNM,monitorac¸ãodafunc¸ãoneuromuscular,reversãode bloqueioecomplicac¸õesatribuídasdousodessesfármacos. Osparticipantes acessaram umlinkqueos direcionava aumwebsiteparacoletaonlinededados(SurveyMonkey, EUA).Acoletadedados permaneceuabertade marc¸ode
2012 ajunho de2013.Para aumentarataxa derespostas foramenviadostrêsconvitesaosparticipantesdapesquisa. Osdadosforamdescritoscomofrequência(porcentagem).
Resultados
O convite para participar da pesquisa foi enviado para 9.910anestesiologistas.Duranteoperíododeestudoforam coletadas1.296respostas.
Quanto ao tempo deexercício na especialidade houve predominânciadeanestesiologistascommaisde11anosde experiência (53,8%),30,7%e 15,5%derespondedorescom atécincoanosdeespecialidadeeentre6-10anos, respecti-vamente.
A distribuic¸ão dos participantes foi maioria da região Sudeste(52,4%),seguidosdeparticipantes doSul(20,6%), Nordeste(15,6%),Centro-Oeste(8,4%)eNorte(3%).
A maioria dos anestesiologistas que responderam ao questionário referiu que rocurônio, atracúrio e cisatracú-rioeramosprincipaisbloqueadoresneuromuscularesusados emcasosdecirurgiaeletiva.Essesdadosestãodescritosna figura1.
67,9%
53,9% 48,4%
11,3%
6,9% 6,7%
0,0% 0%
20% 40% 60% 80% 100%
Rocurônio Atracúrio
Cisatracúrio
Succinilcolina Pancurônio
Vecurônio
Outros
Figura 1 BNM mais usados para intubac¸ão orotraquealem
Tabela 1 Questionário enviado aos participantes da pesquisa
1.Qualéoseutempodeexercícionaespecialidade deanestesiologia?
Até5anos Entre6-10anos Maisde11anos
2.Qualaregiãoondeexerceasuaatividadeprofissional?
Norte Nordeste Centro-Oeste Sudeste Sul
3.Assinaleosdois(2)bloqueadoresneuromuscularesque maisusaparaintubac¸ãoorotraquealemcasos
decirurgiaeletiva.
Atracúrio Cisatracúrio Rocurônio Vecurônio Pancurônio Succinilcolina Outros
4.Assinaleosdois(2)bloqueadoresneuromuscularesque maisusaparaintubac¸ãoorotraquealemcasos
decirurgiadeemergência. Cisatracúrio
Rocurônio Vecurônio Pancurônio Succinilcolina Outros
5.Quantoaousodomonitordatransmissão neuromuscular:
Nãouso Usoraramente Usoàsvezes Usofrequentemente
6.O(s)hospital(is)emquevocêtrabalha:
Todosdispõemdomonitordatransmissãoneuromuscular TOF
Algunsdispõemdomonitordatransmissão neuromuscularTOF
Nenhumdispõedomonitordatransmissãoneuromuscular TOF
7.Comocritério‘‘opacienteestárecuperado dorelaxante’’,vocêusa:
Ocritérioclínicosomente
OmonitordatransmissãoneuromuscularTOFsomente Ocritérioclínicoeomonitordatransmissão
neuromuscularTOF
8.Vocêusaalgumtipodereversãodebloqueio neuromuscular(neostigminaousugamadex)?
Sempre
DependedoresultadodomonitorTOF Nãouso
Tabela1 (Continued)
9.Vocêjátevealgumacomplicac¸ãoqueatribuiu aorelaxantemuscular?
Bloqueioprolongado Curarizac¸ãoresidual Broncoespasmograve Reac¸ãoalérgica
Apneiaprolongadapós-succinilcolina Hipertermiamaligna
Disritmiascardíacasgraves Recurarizac¸ão
10.Sevocêassinaloualgumacondic¸ãonaquestão9, nocasoconsideradomaisgrave,opacienteevoluiu:
Semsequelas
Comsequelasqueconsidereileves/moderadas Comsequelas
Commorte
A maioria dos anestesiologistas referiu que succinilco-lina e rocurônio eram os principais BNM usados em casos decirurgiadeemergência.Osdadosestãodemonstradosna
figura2.
Menosde15%dosanestesiologistasqueparticiparamdo estudo referiram que usam frequentemente monitores da func¸ão neuromuscular(fig. 3). Apenas18% dos envolvidos
89,8%
74,6%
13,3% 7,9%
1,5% 0,7% 0,0%
0% 20% 40% 60% 80% 100%
Succinilcolina
Rocurônio Atracúrio
Cisatracúrio Vecurônio Pancurônio
Outros
Figura 2 BNM mais usados para intubac¸ão orotraqueal em
casosdecirurgiadeemergência.Totalderespostas1.294.
36,6%
25,5% 23,3%
14,6%
0%
Não uso
Uso raramente Uso as vezes
Uso frequentemente
25% 50%
Figura3 Padrãodeusodomonitordefunc¸ãoneuromuscular.
18,0%
55,3%
26,7%
0% 20% 40% 60%
Todos dispõem do monitor da
transmissão neuromuscular
TOF
Alguns dispõem do monitor da
transmissão neuromuscular
TOF
Nenhum dispõe do monitor da
transmissão neuromuscular
TOF
Figura4 Disponibilidade demonitor datransmissão
neuro-muscularTOFnoslocaisdetrabalhode1.292anestesiologistas.
60,5%
4,7%
34,8%
0% 20% 40% 60% 80%
Critério clínico
somente
Monitor da
transmissão
neuromuscular
TOF somente
Critério clínico
e o monitor da
transmissão
neuromuscular TOF
Figura5 Critério usadoparaavaliararecuperac¸ãodo
paci-enteapósobloqueioneuromuscularpor1.291anestesiologistas.
noestudoreferiramquetodososlocaisdetrabalhotêmtal monitor(fig.4).
Noqueconcerneàreversãodobloqueioneuromuscular nofim daanestesia, a maioria dos entrevistados afirmou queusasomenteocritérioclínicoparaavaliarseopaciente estárecuperadodorelaxante.Amaioriadosentrevistados tambémrelatouquesempreusaalgumtipodereversãode bloqueioneuromuscular(neostigminaousugamadex)nofim daanestesia.Osdadosestãodescritosnasfiguras5e6.
Ascomplicac¸õesatribuídasaousodeBNMestãodescritas nafigura7.Asprincipaisforamcurarizac¸ãoresiduale blo-queioprolongado.Amaioriados entrevistadosreferiuque ospacientesevoluíramsemsequelasapósascomplicac¸ões, mashouverelatopor18anestesiologistasdeóbitoatribuído aBNM(fig.8).
39,2%
44,7%
14,4%
1,7% 0%
20% 40% 60%
Depende do monitor
TOF Sempre
Às vezes Nunca
Figura6 Usodereversãodobloqueioneuromuscular
(neos-tigminaousugamadex)nofimdaanestesia.Totalderespostas
1.296.
70,5%
46,2%
26,7%
16,5%
10,8% 9,7%
2,2% 1,8%
0% 20% 40% 60% 80%
Curarização residual Bloqueio prolongado
Reação alérgica
Broncoespasmo grave
Recurarização
Apnéia prolongada após succinilcolina
Arritmimas cardíacas
graves
Hipertermia maligna
Figura 7 Complicac¸ões atribuídas ao uso de BNM por
1.160anestesiologistas.
95,8%
2,2% 0,5% 1,6%
0% 20% 40% 60% 80% 100%
Sem
sequelas sequelasCom leves / moderadas
Com seqüelas
graves
Com morte
Figura 8 Evoluc¸ão dos pacientes que apresentaram
complicac¸ões atribuídas ao uso de BNM. Total de respostas
1.156.
Discussão
Apresenteenqueteapresentou13%dequestionários respon-didos(1.296de9.910questionáriosenviados).Encontramos um percentual de respostas semelhante ao de Naguib et al.,16 cujo percentual foi de 10% (1.792 de 17.870)
nos Estados Unidos da América e de 15% (844 de 4.807) na Europa. Phillips etal.,17 na Austráliae Nova Zelândia,
obtiveram umnúmero discretamente superior em termos percentuais (21%). Entretanto,o número totalde respon-dentesselimitoua678.
Principaisbloqueadoresneuromuscularesusados
Osprincipais BNMusados noBrasilpara osprocedimentos cirúrgicoseletivossãorocurônio,atracúrioecisatracúrio.Os resultadosregistradosemestudoanteriormostraramqueos BNMmaisempregadoshá10anoseramatracúrio, pancurô-nioesuccinilcolina.15Emoutrasregiõesdomundoesseuso
é discretamentediferente. Naguib et al.16 demonstraram
que,naEuropa,ostrêsbloqueadoresneuromuscularesmais frequentementeusadossãorocurônio(75%),atracúrio(49%) esuccinilcolina(47%)enosEUA,rocurônio(89%),vecurônio (63%)ecisatracúrio(47%).EspecificadamentenaFranc¸a,os BNMmaisusados sãoo atracúrioe o cisatracúrio.18
deusotantodosBNMesteroidaisquanto benzilisoquinolíni-cos.Poderíamosexplicaressadiferenc¸aentreospaísespor razõesde ofertade mercadoe pela incidência deefeitos adversos,especialmentereac¸õesanafiláticas,queparecem serdiferentesnasdiversasregiõesdomundo.19-22
Intubac¸ãotraquealnaemergência
A succinilcolina permanece o fármaco de escolha pelos respondentesparaintubac¸ãotraquealnaemergência, resul-tadosemelhanteaoregistradoem pesquisaanterior,15 eo
rocurôniofigura comoumasegundaopc¸ãohoje.Omesmo resultado foi encontrado por Eldawlatly et al.23 no
Ori-ente Médio e por Naguib et al.16 na Europa e nos EUA.
Isso podeser explicado pelorápido iníciode ac¸ão e pela durac¸ãoclínicaultracurtadasuccinilcolina.Orocurônio sur-giu como uma opc¸ão pelo perfil semelhante de início de ac¸ãoeespecialmentepelapossibilidadedereversãorápida com sugamadex. O sugamadex na dose de 16mg.kg−1 é capazderevertercompletamenteobloqueio neuromuscu-larprofundoinduzidopelorocurônio,emmenor tempodo quedarecuperac¸ãoespontâneadeumadosede1mg.kg−1 desuccinilcolina.24 Com essaplasticidadedeuso,pode-se
conjecturar que a introduc¸ão do sugamadex no mercado europeusejaacausadoaumentodoconsumoderocurônio naFranc¸a.18
Critériosclínicosparadiagnosticarotérmino dobloqueio
A maioria dos anestesiologistas brasileiros continua a usar clínicos para diagnosticar o término do relaxamento muscular,15 a exemplo do registrado na Austrália e Nova
Zelândia.17 Essaéumacondutaquestionável,umavezque
diversosautoresdemonstraramqueostestesclínicos, isola-damenteouemconjunto,apresentambaixasensibilidadee especificidadeparaodiagnósticodebloqueio neuromuscu-larresidual.
Obloqueioneuromuscularresidualpodeestar presente adespeito dousodemonitores subjetivosdafunc¸ão neu-romuscular,testesclínicoseusodeagentesreversores.25,26
Somenteamonitorac¸ãoobjetivadafunc¸ãoneuromuscular écapazdediagnosticarograudebloqueioneuromuscular residuale considera-se atualmente, quea relac¸ão T4/T1, pelasequênciadequatroestímulos,deveserigualou pre-ferencialmentesuperiora0,9paraseconsiderarausênciade bloqueioneuromuscularresidual.DiMarcoetal.,emestudo sobre o conhecimento acerca da curarizac¸ão residual na Itália,demonstraramqueapenas24%dosanestesiologistas responderamquearelac¸ãoT4/T1seguraparaaextubac¸ão traquealerade0,9.27Esseresultadoésemelhanteaoutros
registradosnaAustráliaenaNovaZelândia,onde anestesi-ologistasconsideraramarelac¸ãoT4/T1≥0,9comocritério aceitável paraextubac¸ão traquealsegura.17 Osresultados
dapresenteenquetemostramque,noBrasil,somente4,6% usamapenasomonitorparaodiagnósticoderecuperac¸ão dorelaxamentomuscular.Provavelmente,nãoésomenteo conhecimentocientíficodesatualizadoporpartedo aneste-siologista,mastambémacarênciademonitoresdefunc¸ão neuromuscular.
Usodemonitoredisponibilidadedemonitores
Apresenteenquetemostrouquesomente14%dos aneste-siologistasbrasileiros usam rotineiramente a monitorac¸ão objetivadafunc¸ãoneuromuscular,resultadobastante pró-ximodoencontrado(17%)naAustráliaeNovaZelândia17 e
muitoinferioraopercentualnaFranc¸a,queéde52%quando seusadose únicadeBNMe74%quandoseusamdosesde manutenc¸ão.28
Napresente pesquisa, apenas18% dos locais de traba-lho dos respondentes brasileiros têm monitor de func¸ão neuromuscular. Esses resultados aproximam-se daqueles encontradosnos EUA (22%) e diferem largamente daque-les encontrados na Europa (70%),16 embora no estudo
brasileironãohajaseparac¸ãodemonitoresqualitativosdos quantitativos. Na Austrália e na Nova Zelândia monitores quantitativosdafunc¸ãoneuromuscularestãodisponíveisem 58%doshospitaisondeosrespondentespraticama aneste-sia,númerossuperioresaosencontradosnoBrasil.17
Reversãodobloqueadoresneuromusculares
Quantoà reversão dobloqueio neuromuscular,apresente enquete demonstrou que perto dametade dos anestesio-logistas sempre usa agentes reversores, seja neostigmina ousugamadex. Esse fatotalvezsejaresultado da indispo-nibilidadede monitores da transmissãoneuromuscular na maioria dos hospitaisbrasileiros. Entretanto essa conduta podeserquestionadaumavezqueousodeneostigminaapós a completa recuperac¸ão do bloqueio neuromuscular pode resultaremfraquezamuscular.Nestapesquisa,apenas14% responderamqueousodoagentereversorsecondicionaao resultadodoTOF.Essedadoéinferioraoencontradoentreos anestesiologistasdoOrienteMédio23epoderiaserexplicado
pelacarênciademonitoresdatransmissãoneuromuscularno Brasil.
Complicac¸õesdousodobloqueadores neuromuscularesedareversão
As complicac¸ões mais citadas na presente enquete são o bloqueioneuromuscularresidualseguido dobloqueio neu-romuscularprolongado.Esteves etal.29 encontraram uma
incidênciadebloqueioneuromuscularresidual(TOF<0,9)de 26%.Issodemonstraque,adespeitodoconhecimento cien-tíficodoproblemaedousodesugamadex,aindapermanece altaaocorrênciadessacomplicac¸ão.30
No Brasil, o uso de critérios clínicos para monitorar o fimdobloqueioneuromusculareacarênciademonitorac¸ão objetivadatransmissãoneuromuscularpodemserumadas causas desse problema. NaAustrália e na Nova Zelândia, 71%de respondentes de umaenquete subestimam a inci-dênciadecurarizac¸ãoresidual.17
Obloqueioneuromuscularresidualpoderesultarem gra-vescomplicac¸õesclínicas.31,32
Osdadosdapresenteenquetedemonstramque26% refe-remreac¸õesalérgicas como complicac¸ão do uso de BNM. Dentreosagentesusadosnaanestesia,osBNMsãoosque mais causam anafilaxia, com um percentual de 58%.19,33
doqueaestimativaprévia.33Chongetal.encontraramque
osBNMforamosagentescausaisdeanafilaxiadurante anes-tesiageralemumasériede23doentesqueapresentaram choqueanafilático.34
Aapneiaprolongadareferidapor9%easarritmias cardía-casgravespor2%dosrespondentesàpresentepesquisaestá listadanosresultadosdoestudo deKaranovi´cetal.35 que
apresentouosefeitosadversosmaisfrequentemente relata-dosparaasuccinilcolina:mialgia(47%),bloqueioprolongado (36%),reac¸õesalérgicas(13%)eassistolia(12%).Revisão sis-temáticafeitaporAbrishamietal.36demonstrouquenãohá
evidênciasdediferenc¸asnaprevalênciadeeventosadversos entresugamadex,placeboouneostigmina.
Nessapesquisa,ahipertermiamalignatambémtemsido relatadacomo umadascomplicac¸ões douso dosBNM em 1,8%dosrespondentes.Issodemonstraapreocupac¸ãocom essacomplicac¸ãoextremamentegrave,comdesfechoquase sempre desfavorável. Essa informac¸ão carece de maiores esclarecimentos,tendoemvistaqueo papeldosBNMnão despolarizantes não parece estar envolvidona gênese da hipertermiamalignaeopapeldasuccinilcolinacomogatilho dahipertermiamalignaaindapermanececontroverso.37
Evoluc¸ãodospacientesqueapresentaram complicac¸õesapósusodobloqueadores neuromusculares
Na presente enquete, as sequelas decorrentes das complicac¸õesdousodeBNMforamconsideradasgravesem 0,5%doscasose commorte1,6%.Esse resultado demons-traqueousodosBNMpodeestar relacionadoadesfechos desfavoráveis,comodemonstradoporNaguibetal.,16
Eiker-mannetal.5eMurphyetal.7,38,39Ajustificativapoderiaser
encontradanosprópriosresultadosdapresentepesquisa:o usodecritérios clínicosparadiagnóstico debloqueio neu-romuscularresidual,o baixouso ea baixadisponibilidade demonitores quantitativosdatransmissão neuromuscular, ousoinadequadodereversoresepossivelmenteo próprio diagnóstico e tratamento inadequados das complicac¸ões poderiamexplicarosdesfechosdesfavoráveisgraves.
Limitac¸õesdapesquisa
Omeioeletrônicousadonãoatingiutodososdestinatários, seja por mecanismos do tipo spam oumesmo por alguns enderec¸os eletrônicos estarem desatualizados na base de dadosusada,oquepodeterprejudicadoaparticipac¸ãode maiornúmerodeanestesiologistas.
Concluímos,pelapresenteenquete sobreousodeBNM noBrasil, que se destacam os seguintes aspectos: a suc-cinilcolinaé ainda o BNM maisempregado para situac¸ões de emergência, são altos os índices de curarizac¸ão resi-dualpós-operatóriaedebloqueiomuscularprolongado,bem comooregistrodesequelasconsideradasgravesoumesmo oóbitocomocomplicac¸õesdousodesses fármacos.O blo-queio residual ou prolongado se registra, possivelmente, como consequênciado altoíndice do usode critérios clí-nicospara diagnosticar se o paciente está recuperado ou nãodobloqueiomotore,comoumcorolário,obaixousode monitoresdatransmissãoneuromuscularnapráticadiária.
Conflito
de
interesses
Osautoresdeclaramnãohaverconflitosdeinteresse.
Referências
1.BergH,RoedJ,Viby-MogensenJ,etal.Residualneuromuscular blockisariskfactorforpostoperativepulmonarycomplications. A prospective,randomised, and blinded study of postopera-tivepulmonarycomplicationsafteratracurium,vecuroniumand pancuronium.ActaAnaesthesiolScand.1997;41:1095---103.
2.MathiasLA, da ST,de Bernardis RCG. Postoperativeresidual paralysis.RevBrasAnestesiol.2012;62:439---50.
3.WarnerMA.Perioperativemortality:intraoperativeanesthetic managementmatters.Anesthesiology.2005;102:251---2.
4.BrullSJ,Naguib M,MillerRD.Residual neuromuscularblock: rediscoveringtheobvious.AnesthAnalg.2008;107:11---4.
5.EikermannM,VogtFM,HerbstreitF,etal.Thepredispositionto inspiratoryupperairwaycollapseduringpartialneuromuscular blockade.AmJRespirCritCareMed.2007;175:9---15.
6.ErikssonLI,SatoM,SeveringhausJW.Effectofa vecuronium--inducedpartial neuromuscularblock on hypoxicventilatory response.Anesthesiology.1993;78,693-639.
7.Murphy GS, Brull SJ. Residual neuromuscular block: lessons unlearned.PartI:definitions,incidence,andadverse physio-logic effects ofresidual neuromuscular block.Anesth Analg. 2010;111:120---8.
8.Fuchs-BuderT,ClaudiusC,SkovgaardLT,ErikssonLI,Mirakhur RK,Viby-MogensenJ.Goodclinicalresearchpracticein phar-macodynamicstudiesofneuromuscularblockingagentsII:the Stockholmrevision.ActaAnaesthesiolScand.2007;51:789---808.
9.EikermannM, Groeben H,Hüsing J,Peters J. Accelerometry of adductor pollicis muscle predicts recovery of respira-tory function from neuromuscular blockade. Anesthesiology. 2003;98:1333---7.
10.MortensenCR,BergH,el-MahdyA,Viby-MogensenJ. Periope-rativemonitoringofneuromusculartransmissionusing accele-romyographypreventsresidualneuromuscularblockfollowing pancuronium.ActaAnaesthesiolScand.1995;39:797---801.
11.GätkeMR,Viby-MogensenJ,RosenstockC,JensenFS,Skovgaard LT.Postoperativemuscleparalysisafterrocuronium:less resi-dualblockwhenacceleromyographyisused.ActaAnaesthesiol Scand.2002;46:207---13.
12.SorgenfreiIF,Viby-MogensenJ,SwiatekFA.Doesevidencelead toachangeinclinicalpractice?Danishanaesthetists’andnurse anesthetists’clinicalpracticeandknowledgeofpostoperative residualcurarization.UgeskrLaeger.2005;167:3878---82.
13.Fuchs-BuderT,HofmockelR,GeldnerG,DiefenbachC,UlmK, BlobnerM.TheuseofneuromuscularmonitoringinGermany. Anaesthesist.2003;52:522---6.
14.Grayling M,SweeneyBP. Recovery from neuromuscular bloc-kade:asurveyofpractice.Anaesthesia.2007;62:806---9.
15.AlmeidaMCS.OusodebloqueadoresneuromuscularesnoBrasil. RevBrasAnestesiol.2004;54:850---64.
16.NaguibM,KopmanAF,LienCA,HunterJM,LopezA,BrullSJ. Asurveyofcurrentmanagementofneuromuscularblockinthe UnitedStatesandEurope.AnesthAnalg.2010;111:110---9.
17.PhillipsS,StewartPA,BilginAB.Asurveyofthemanagementof neuromuscularblockademonitoringinAustraliaandNew Zea-land.AnaesthIntensiveCare.2013;41:374---9.
19.SadleirPHM,ClarkeRC,BunningDL,PlattPR.Anaphylaxisto neuromuscularblocking drugs:incidence and cross-reactivity in Western Australia from 2002 to 2011. Br J Anaesth. 2013;110:981---7.
20.MertesPM,TajimaK,Regnier-KimmounMA,etal.Perioperative anaphylaxis.MedClinNorthAm.2010;94:761---89.
21.Dewachter P, Mouton-Faivre C, Emala CW. Anaphylaxis and anesthesia: controversies and new insights. Anesthesiology. 2009;111:1141---50.
22.DongSW,MertesPM,PetitpainN,HasdenteufelF,Malinovsky JM.Hypersensitivityreactionsduringanesthesia.Resultsfrom the ninth French survey (2005-2007). Minerva Anestesiol. 2012;78:868---78.
23.Eldawlatly A, El-Tahan MR. A survey of the current use of neuromuscular blocking drugs among the Middle Eastern anesthesiologists.SaudiJAnaesth.2013;7:146---50.
24.SørensenMK,BretlauC,GätkeMR,SørensenAM,Rasmussen LS.Rapidsequenceinductionandintubationwith rocuronium--sugammadex compared with succinylcholine: a randomized trial.BrJAnaesth.2012;108:682---9.
25.BaillardC.Incidenceandcomplicationsofpostoperative resi-dualparalysis.AnnFrAnesthReanim.2009;28Suppl2:S41---5.
26.KotakeY,OchiaiR,SuzukiT,etal.Reversalwithsugammadex intheabsenceofmonitoringdidnotprecluderesidual neuro-muscularblock.AnesthAnalg.2013;117:345---51.
27.DiMarcoP,DellaRoccaG,IannuccelliF,PompeiL,RealeC, Pie-tropaoliP.Knowledgeofresidualcurarization:anItaliansurvey. ActaAnaesthesiolScand.2010;54:307---12.
28.Fuchs-Buder T, Meistelman C. Monitoring of neuromuscular blockandpreventionofresidualparalysis.AnnFrAnesth Rea-nim.2009;28Suppl2:S46---50.
29.EstevesS,MartinsM,BarrosF,etal.Incidenceof postopera-tiveresidual neuromuscularblockade in thepostanaesthesia careunit:anobservationalmulticentrestudyinPortugal.EurJ Anaesthesiol.2013;30:243---9.
30.Kaan N,Kocaturk O, Kurt I, CicekH. The incidence of resi-dual neuromuscular blockade associated withsingle dose of intermediate-actingneuromuscularblockingdrugs.MiddleEast JAnesthesiol.2012;21:535---41.
31.Kumar GV, Nair AP, Murthy HS, Jalaja KR, Ramachan-dra K, Parameshwara G. Residual neuromuscular blockade affects postoperative pulmonary function. Anesthesiology. 2012;117:1234---44.
32.Cedborg AIH, Sundman E, Bodén K, et al. Pharyngeal func-tionandbreathingpatternduringpartialneuromuscularblock in theelderly:effects on airway protection. Anesthesiology. 2014;120:312---25.
33.MertesPM,Alla F, Tréchot P,AuroyY, Jougla E.Anaphylaxis duringanesthesiainFrance:an8-yearnationalsurvey.JAllergy ClinImmunol.2011;128:366---73.
34.Chong YY, Caballero MR, Lukawska J, Dugué P. Anaphylaxis during general anaesthesia: one-year survey from a British allergyclinic.SingaporeMedJ.2008;49:483---7.
35.Karanovi´cN,CarevM,KardumG,etal.Succinylcholineusein adultanesthesia ---Amultinationalquestionnairesurvey. Coll Antropol.2011;35Suppl1:183---90.
36.Abrishami A, Ho J, Wong J, Yin L, Chung F. Sugammadex, a selectivereversal medicationfor preventing postoperative residualneuromuscularblockade.CochranedatabaseSystRev. 2009;(4):CD007362.
37.HopkinsPM.Malignanthyperthermia:pharmacologyof trigge-ring.BrJAnaesth.2011;107:48---56.
38.MurphyGS,SzokolJW,AvramMJ,etal.Postoperativeresidual neuromuscular blockade is associated with impaired clinical recovery.AnesthAnalg.2013;117:133---41.