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O legado de Fausto na obra de Eça de Queirós

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UNI VERSI DADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FI LOSOFI A, LETRAS E CI ÊNCI AS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE LETRAS CLÁSSI CAS E VERNÁCULAS

PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM LI TERATURA

PORTUGUESA

ROBERTA ROSA DE ARAÚJO

O LEGADO DE

FAUSTO

NA OBRA DE

EÇA DE QUEI RÓS

São Paulo 2008

(2)

UNI VERSI DADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FI LOSOFI A, LETRAS E CI ÊNCI AS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE LETRAS CLÁSSI CAS E VERNÁCULAS

PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM LI TERATURA

PORTUGUESA

O LEGADO DE

FAUSTO

NA OBRA DE

EÇA DE QUEI RÓS

Roberta Rosa de Araúj o

Dissert ação apresent ada ao Program a de Pós-Graduação em Lit erat ura Port uguesa da Faculdade de Filosofia, Let ras e Ciências Hum anas da Universidade de São Paulo, para obt enção do Título de Mestre em Letras.

Orient adora: Profª . Drª . Aparecida de Fátim a Bueno

São Paulo 2008

(3)

“ O Senhor é m eu past or, e

nada m e falt ará...

Guia- m e pelas veredas da

Just iça por am or ao Seu nom e.”

( SALMO de Davi, 22- 23)

“ Porque aos seus anj os dará

ordem a t eu respeit o, para t e

guardarem em t odos os seus

cam inhos. Eles t e sust ent arão

em suas m ãos para que não

t ropeces em algum a pedra.”

( Salm o 91, 11- 12)

(4)

Agr a de cim e n t os

Agradeço a Deus em prim eiro lugar.

Agradeço à FAPESP que sem pre incent ivou as m inhas

pesquisas, desde a graduação em Letras.

Agradeço a m inha m ãe que m uit as vezes na m inha

form ação, cuidou das cont as enquant o eu cuidava dos

livros.

Agradeço a t odos que leram com boa vont ade o m eu

t ext o e m e deram sugest ões oport unas.

Agradeço a Eloá Di Pierro Heise, um exem plo de

professora, pesquisadora e de generosidade.

Agradeço a orient adora Fát im a que com o seu olhar

crít ico fez com que est a Dissert ação fosse se

aperfeiçoando cada vez m ais.

Agradeço a Saint Germ ain e a Melquisedek.

Agradeço aos Anj os da m inha vida.

(5)

Re su m o

O obj et ivo desta pesquisa é m ostrar o legado de

Faust o

de Goet he na obra de Eça de Queirós, especialm ente

nos seguintes textos do aut or português:

O Mandarim

,

Mefist ófeles

,

Senhor Diabo

e

São Frei Gil

.

Pa la vr a s- ch a ve

Faust o – Eça de Queirós – Literat ura port uguesa

Goet he – Lit erat ura Com parada

Abst r a ct

The obj ect ive of t his research is t o show t he legacy of

Faust

of Goet he in t he work of Eça de Queirós,

especially in

Port uguese aut hor's following

t ext s:

O

Mandarim

,

Mefist ófeles

,

Senhor Diabo

and

São Frei Gil

.

Ke yw or ds

Faust - Eça de Queirós - Port uguese Lit erat ure

Goet he - Com pared Lit erat ure

(6)

Su m á r io

1. I nt rodução... 7

2. I nt ert ext ualidade, paródia e riso... 9

3. Cont ext o da recepção de Faust o em Port ugal na época do Rom ant ism o... 16

4. Prosas Bárbaras: elem entos fantásticos e a referência à Alem anha... 24

5. Johann Wolfgang Goet he e a obra Faust o... 30

5.1. Faust o... 35

6. Diálogo das obras de Eça de Queirós com Faust o de Goet he:... 51

6.1. O Senhor Diabo... 51

6.2. Mefist ófeles... 58

6.3. O Mandarim ... 62

6.4. São Frei Gil de Eça de Queirós e Fausto de Goethe... 76

7. Considerações finais... 86

8. Bibliografia... 90

(7)

1 . I n t r odu çã o

“Para o j ovem Eça, é a doença rom ânt ica que, na est eira do pensam ent o de Goet he, surge com o at ração fascinant e ( ...)

( Carlos Reis)1

Eça de Queirós é conhecido com o o precursor do realism o

em Portugal, por isso m esm o os seus prim eiros textos escritos

por volta de 1865 e fort em ente m arcados pela literatura

fant ást ica são pouco conhecidos. Em 1871, em conferência no

Cassino Lisbonense, Eça vai renegar a prosa fant ást ica e o

rom ance histórico. Em 1880 Eça publica O Mandarim um cont o

am pliado com elem ent os “ fant ást icos” , ou sej a, vai produzir um a

obra prenhe de elem ent os considerados não realistas, com o por

exem plo, divindades e forças sobrenaturais. Segundo Batalha

Reis no prefácio de “ Prosas Bárbaras” , a provável font e dos

escritos fantásticos de Eça de Queirós tem a sua gênese na

lit erat ura alem ã. Um a et apa prim ordial do nosso t rabalho

dem andava um est udo int erpret at ivo da obra Faust o ( publicada a

1ª part e 1808 e 2ª part e 1832) de Goet he, base de com paração

para o diálogo intertext ual que se est abelece ent re Goethe e Eça.

Na interpretação desta obra, deu- se ênfase especial à leit ura do

prólogo, unidade m enor da t ragédia de Goet he que oferece na

1 REIS, Carlos. História da Literatura Portuguesa. Vol. 5, Lisboa/São Paulo: Editorial Verbo,

2001, p.158.

(8)

sua t ot alidade indícios para a com preensão da obra com o um

t odo.

Erwin Theodor com ent a acerca de um a onda “ faúst ica” que

se abat eu sobre Port ugal no final do século XI X e com eço do

Século XX. E com o produt o disso, cit a um t ext o escrit o por Eça

sobre “ o m ago e sant o port uguês S. Frei Gil – um Faust o

port uguês” . ( THEODOR, 1990: 39) Por ist o, am pliam os a pesquisa

e além dos cont os de Eça analisados: Mandarim ( 1880) , O

Senhor Diabo ( 1867) e Mefistófeles ( 1867) , incluím os t am bém a

leit ura e int erpret ação da obra inacabada S. Frei Gil do m esm o

aut or, est abelecendo, t am bém nest e caso, um diálogo

intertextual com o Faust o de Goet he.

(9)

2 . I n t e r t e x t u a lida de , pa r ódia e r iso

Não se pode adm irar que E.Q., t ão int im am ent e fam iliarizado com os t ópicos da Alem anha rom ântica, gostasse da história de Fausto e Margarida.2

( Cam pos Matos)

Acredit ou sem pre Eça de Queirós na eficácia do riso.3

( Beat riz Berrini)

Para que ent endam os a im port ância de est udar o legado do

livro Faust o de Johann Wolfgang von Goet he, na lit erat ura

queirosiana, é necessário m ostrarm os a fundam ent ação t eórica

dest a pesquisa, ou sej a, o conceit o de int ert ext ualidade que

afirm a que toda obra dialoga com outra e é herdeira de outros

t extos. Consideram os o term o int ert ext ualidade em seu

significado am plo, que lhe adm it e Bakht in, isto é, o de qualquer

t ipo de relação ent re dois t ext os.

A prim eira ut ilização do t erm o est á em I nt rodução à

Sem análise ( 1972) de Júlia Krist eva. A aut ora ut iliza o t erm o

2 MATOS, A. Cam pos ( org) . Dicionário de Eça de Queirós. Lisboa: Ed.

Cam inho, 1988,p.53.

3 BERRI NI , Beat riz. O Mandarim : Edição Crít ica das obras de Eça de Queirós,

Lisboa, I m prensa Nacional – Casa da m oeda, 1992, p.10.

(10)

para solucionar as noções de polifonia e dialogism o, form uladas

por Mikhail Bakht in.

Segundo a t eoria do dialogism o de Bakt hin, t odo rom ance

deve ser lido com o um t ext o entre aspas. A enunciação nele

reproduzida não é em issão de um a voz narradora, m as

t ransm issão do discurso de out rem cit ado pelo aut or. Segundo

esse princípio todo enunciado lingüístico se fundam ent a sobre o

diálogo im plícit o com out ros enunciados. Bakht in com eçou a

form ular a sua teoria estudando os rom ances de Dostoiévski,

percebendo que nos rom ances do autor russo a voz do herói

possui na obra um a independência, tendo o m esm o valor que a

voz do autor. Bakhtin identifica no rom ance de Dost oiévski, um

coro de vozes sim ult âneas, com personagens assum indo pont os

de vist a e ideologias m uit as vezes opostos ao ponto de vista do

narrador. A est e fenôm eno Bakht in deu o nom e de rom ance

polifônico.

Assim , a int ert ext ualidade é o conceit o inst rum ent al t eórico

que a crít ica ut iliza para analisar o trabalho de transposição e

absorção de vários textos na construção de todo texto literário.

Nessa perspect iva é inerent e ao t ext o lit erário o processo de

diálogo com a t radição que o ant ecede. Segundo Tânia Carvalhal,

esse processo não im plica dívida de um t ext o para com out ro,

(11)

m as sim um legado circulant e do discurso lit erário. E sobre a

im port ância dest e legado, Mikhail Bakht in escreve:

“ Um a obra não pode viver nos séculos futuros se não se nutriu dos séculos passados. Se ela nascesse por int eiro hoj e ( em sua cont em poraneidade) , se não m ergulhasse no passado e não fosse consubst ancialm ent e ligada a ele, não poderia viver no fut uro. Tudo quant o pert ence som ent e ao present e m orre j unt o com ele.” ( BAKHTI N, 2000: 364)

A proposta de Kristeva se opõe ao que até então era

conhecido com o “ crít ica das font es” , o est udo da gênese lit erária,

da psicologia da criação. Obj etivava- se, através dessa “ crítica

das font es” , descobrir a obra ant erior que forneceu ao escritor a

idéia ou t em a de sua obra, e para isso era feit o o levant am ent o

biográfico e da correspondência ent re a obra em quest ão e as

dem ais obras lidas pelo escrit or. Ou sej a, enquant o a crít ica das

fontes se volta para o escrit or, a intertextualidade procura o seu

m at erial de est udos prim ordialm ent e no t ext o lit erário.

Affonso Rom ano Sant ’Ana, em Paródia, paráfrase e

com panhia, define t ipos de int ert ext ualidades, ent re elas, paródia

e paráfrase:

“ Assim com o um t ext o não pode exist ir fora das am bivalências paradigm áticas e sint agm át icas, paráfrase e paródia se t ocam num efeit o de int ert ext ualidade, que t em a est ilização com o pont o de cont at o. Falar de paródia é falar de int ert ext ualidade

(12)

das diferenças. Falar de paráfrase é falar de

int ert ext ualidade das sem elhanças.” ( SANT’ANA,1990: 28)

Retom ando a discussão acim a, sobre as t eorias de Bakhtin e

Krist eva, o aut or ainda discut e o t erm o int ert ext ualidade –

afirm ando que est a ocorre quando um aut or ut iliza t ext os de

out ros, opondo a ela a int rat ext ualidade, que acont ece quando o

escritor retom a e reescreve sua própria obra.

Tam bém ut ilizarem os na nossa análise o conceito de paródia

que, segundo Bakht in, dem onst ra a bivocalidade, isto é, a

presença da palavra de out ro no discurso de um narrador.

Segundo o aut or cit ado, não havia lit eralm ent e nem um só

gênero diret o est rit o, nem um só t ipo de discurso diret o –

lit erário, ret órico, filosófico, religioso, popular – que não t ivesse o

seu duplo paródico- t ravest izant e, sua cont rapart e côm ica- irônica.

Bakht in reforça a afirm ação quando enfat iza que Ésquilo,

Eurípedes, Frinico e Sófocles, que eram trágicos, t am bém

criavam dram as sat íricos, ist o é, sem que os m it os fossem

profanados, pois a sat irização não at ingia os heróis, m as sim o

m odo com o est es eram t rat ados pelos épicos. A paródia é

orientada no discurso e no obj eto do outro. Então, o que antes

era fechado e rest rit o passa a ser abert o, pois dialoga com

out ros discursos. A paródia, na concepção de Boriev, é t ida com o

um exagero das peculiaridades individuais. Ent ret ant o, nem

(13)

sem pre quando há um a paródia há um exagero. O exagero é

um a característica inerent e à caricatura, m as não é o elem ento

fundam ent al de um a paródia. ( BAKHTI N, 1988: 363- 396)

O instrum ento paródico é m uito ut ilizado na sát ira social.

Porém , a paródia só se torna côm ica quando revela a fragilidade

int erior do que é parodiado. Eça de Queirós m uit as vezes se

ut iliza da ironia em seus t ext os com o int uit o de realizar um a

sátira e criar um efeito côm ico. Para Propp4, a com icidade é algo

int rínseco ao hom em e est á diret a ou indiret am ente ligada a um a

esfera espiritual. Só há com icidade nas coisas inanim adas

quando a fant asia at ribui a essas, vida e personalidade.

Out ro fat or que nos perm it e ligar a com icidade ao hom em é

a capacidade de rir, que é um a caract eríst ica específica do ser

hum ano. O próprio Aristóteles reconheceu que apenas o hom em ,

dent re os seres, é capaz de rir de si e de out ras coisas.

( BAKHTI N, 1999: 59)

O riso, segundo Propp, est á diret am ent e relacionado ao

reconhecim ento do ridículo, sendo que apenas os anim ais

racionais conseguem realizar est a t arefa com êxit o. ( PROPP,

1992, p.37- 40)

4 PROPP, V. Com icidade e riso São Paulo: Ática, 1992.

(14)

Bakht in5 afirm a que a paródia exist ia na ant iguidade, pois o

riso em um a cidade com o Rom a era sem pre presente. Havia

diferent es risos: o fúnebre, o ridicularizado dos heróis das

guerras, os m im os e as sat urnais. O riso em Rom a era um a

contrapart ida ao sério. Todas as obras sérias t inham um

correspondente côm ico. O hum or ou o côm ico é obj et o de est udo

desde a Ant igüidade, sendo Plat ão e Arist ót eles os prim eiros

filósofos a m encionar o lado perverso do hum or. Na concepção

de Arist ót eles, a com édia é a im it ação dos m aus cost um es.

Segundo a visão platônica, nós rim os dos nossos próprios vícios,

ou sej a, a com icidade é alcançada quando há a rupt ura da norm a

pré- est abelecida.

Vários outros filósofos dissertaram sobre a com icidade,

dent re os quais podem os cit ar Kant , Schopenhauer e Freud.

Porém , cada qual at ribuiu conceit os ou análises que se

dist ingüiam ent re si por fat ores m ínim os. Para Kant , o hum or é

oriundo da quebra de expect at iva das pessoas, enquant o que

para Schopenhauer o riso é oriundo do desencont ro ent re o

conhecim ent o sensorial dos hom ens sobre as coisas e o

conhecim ento abstrato que tem os dessas m esm as coisas. Já

para Freud o riso é um ataque a algum a form a de censura ou

repressão, ou sej a, é um a form a de cont role que a sociedade

5 BAKHTI N, Mikhail. A. cult ura popular na I dade Média e no Renascim ento. São

Paulo: Hucite/ Edunb, 1999.

(15)

t ent a exercer sobre o indivíduo.6 Segundo Freud, para se

conseguir o efeito côm ico que resultará no riso, é necessária a

codificação de um a m ensagem com part ilhada e de um cont ext o

social no qual a m at éria que acusará riso sej a de conhecim ento

dessa sociedade.

Outro grande estudioso do hum or foi Henri Bérgson7, cuj a

pesquisa at ribuiu ao riso um a função m oralizant e, um a vez que

corrigiria com portam entos indesej áveis, j á que o riso para

Bergson seria derivado daquilo que condenam os e querem os

exaurir da nossa sociedade. Assim com o Propp, Bergson t am bém

afirm a que não há com icidade fora do gênero hum ano.

Part indo dos subsídios t eóricos acim a, serão realizadas as

aproxim ações t ext uais das obras em quest ão.

6 ALBERTI , Verena. O riso e o risível na hist ória do pensam ent o. Rio de

Janeiro: Zahar/ FGV,1999.

7 BERGSON, Henri. O riso. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.

(16)

3 . Con t e x t o da r e ce pçã o de Fa u st o e m Por t u ga l n a

é poca do Rom a n t ism o.

Faust o: Tant o foi escrit o sobre m im que j á não sei quem sou. Claro que não li todas essas obras. ( ...) Mas aquelas de que t enho conhecim ent o são suficient es para que eu t enha um a idéia singularm ent e rica e diversa do m eu próprio dest ino. Paul Valéry, Mon Faust .

Nos prim eiros anos do século XI X, Port ugal sofre

t ransform ações radicais int im am ent e ligadas à ascensão da

classe m édia, que prom overá a im plant ação do liberalism o,

dout rina que valoriza a iniciat iva individual e a capacidade

criadora de cada um . Em sint onia com essas m udanças sociais,

define- se a ideologia rom ânt ica port uguesa, e sobre o seu início

em Portugal afirm a Antônio José Saraiva:

“ Dat a- se habit ualm ent e de 1825, ano de publicação em Paris do Cam ões de Garrett , o início do nosso rom ant ism o. Mas est a obra não t eve seqüência im ediat a na nossa literatura. Só depois do regresso dos em igrados se verifica o fluxo cont ínuo de um a corrent e literária diferent e. É preferível m arcar o início do rom ant ism o em Port ugal no ano de 1836, que se publica

A voz do profeta, de Herculano, segundo o m odelo das

Paroles d” un croyant de Lam ennais; em que aparecem as prim eiras t raduções de Walt er Scott ( ...) .”

No rom antism o português, segundo Delile ( 1984: 151) , a

recepção de Faust o concent rou seu int eresse no dram a burguês

(17)

que represent a a t ragédia de Margarida, port ant o um a hist ória

bem ao gost o rom ânt ico. Cont udo, os leit ores da obra, à época,

não deixaram de perceber que a t ensão especial na t ragédia de

Goethe está voltada para o dram a do prot agonist a, Faust o, com

suas indagações m etafísicas sobre o sentido da vida e seu

cet icism o sobre a capacidade do hom em de apreender a

significado do universo, usando, para isso a razão.

O prim eiro grande escrit or port uguês que dem onst ra em sua

obra conhecer Faust o de Goet he é Alm eida Garret t ( 1799 –

1854) , que no final do capítulo XXVI I I da obra Viagens da m inha

Terra ( 1846) , cit a part e do início de Faust o:

“Com os olhos vagando por est e quadro im enso e form osíssim o, a im aginação t om ava- m e asas e fugia pelo vago infinito das regiões ideais Recordações de t odos os t em pos, pensam ent os de t odo o gênero afluíam ao espírit o, e m e t inham com o num sonho em que as im agens m ais discordant es e disparat adas se sucedem um as ás out ras.

Mas eram t odas m elancólicas, t odas de saudade, nenhum a de esperança! ... –

Lem braram - m e aqueles versos de Goet he, aqueles sublim es e inim it áveis versos da int rodução do Faust o: Ressurgis out ra vez, vagas figuras,

Vacilant es im agens que à t urbada Vista acudíeis dantes, E hei de agora Reter- vos firm e? Sint o eu ainda O coração propenso a ilusões dessas? E apert ais t ant o! ... Pois em bora! sej a; Dom inai, j á que em névoa e vapor leve Em t orno a m im surgis. Sinto o m eu seio

(18)

Juvenilm ent e t épido agit ar- se

Co'a m aga exalação que vos circunda. Trazeis- m e a im agem de dit osos dias, E dai se ergue m uit a som bra am ado; Corno um velho cant ar m eio esquecido, Vêm os sím plices am ores

E a am izade com eles. Reverdece A m ágoa, lam ent ando o errado curso Dos labirintos da perdida vida;

E m e est á nom eando os que t raídos Em horas belas por falaz vent ura Ant es de m im na est rada se sum iram .

Não m e at revo a pôr aqui o rest o da m inha infeliz t radução: fiel é ela, m as não t em out ro m érit o. Quem pode t raduzir t ais versos, quem de um a língua t ão vast a e livre há de passá- los para os nossos apert ados e severos dialetos rom anos” ( GARRET, 1997: 167- 8)

Os versos utilizados por Garret t correspondem à Dedicat ória

da obra Faust o, sendo um dos t rês prólogos que antecedem a

hist ória de Faust o propriam ente dita. Neste prólogo o autor

alem ão, sob form a de um m onólogo, m anifesta- se sobre a

escolha do tem a da tragédia e com o este tem a se m ostra, para

ele, recorrent e e fugidio. Alm eida Garret t , depois de m ost rar sua

adm iração pela obra de Goet he, escolhendo versos que nos

rem etem à m elancolia e ao saudosism o, t ão ao gosto dos

escrit ores rom ânt icos, sugere na m esm a obra, que S. Frei Gil

( figura hist órica do sant o e bruxo port uguês que t eria vivido no

séc. XI I I ) , seria um Faust o port uguês:

(19)

“ Respirando a cust o aquele ar infect o, t odo o t em po que lhe pudesse resist ir, quis aproveit á- lo em exam inar a principal e m ais int eressant e relíquia da profanada igrej a a capela e j azigo do grande bruxo e grande sant o, S. Frei Gil.

Algures lhe cham ei j á o nosso Doutor Fausto: e é, com efeit o. Não lhe falt a senão o seu Goet he.

Vixere fortes ant e Agom em nona m ult i.

Houve fortes hom ens antes de Agam em não, e fortes bruxos ant es e depois do Dout or Faust o. Mas sem Hom ero ou Goet he é que se não chega à reput ação e fam a que alcançaram aqueles senhores. Nós precisam os de quem nos cant e as adm iráveis lut as — ora côm icas, ora t rem endas — do nosso Frei Gil de Sant arém com o diabo.” ( GARRETT, 1997: 215)

I nt eressant e not ar que um a das m arcas do Rom ant ism o é a

procura das próprias tradições e valores, acont ecendo por isso a

defesa de valores nacionalist as. Dent ro dest e cont ext o, é que

podem os caract erizar a t ent at iva de Alm eida Garret t de

encont rar um Faust o port uguês, m ost rando que Port ugal t em

figuras m itológicas do escopo de um Faust o, com o podem os ver

nest e t recho: “ lhe cham ei j á o nosso Dout or Faust o: e é, com

efeit o. Não lhe falt a senão o seu Goet he.” ( GARRETT, 1997: 215)

A idéia de que S. Frei Gil seria um Faust o port uguês é

ret om ada post eriorm ent e por Eça de Queirós ao escrever S. Frei

Gil.

(20)

Além do fat o de ser m encionado na obra de Garret t , o

Fausto de Goet he deve o com eço de sua popularidade em

Portugal graças à encenação da ópera Faust o de Gounod.

Na m etade do século XI X o com posit or francês

Charles-François Gounod ( 1818- 1893) t rouxe para os palcos do Teat ro

Lírico em Paris, em 1859, a ópera Faust o. A escolha de Faust o

reflet ia sua adm iração pela obra de Goet he. A peça concent ra a

sua ação no rom ance de Faust o e Margarida e, na prim eira cena,

encont ram os Faust o insat isfeit o com a vida e com o

conhecim ent o adquirido apenas em livros, quando invoca o

diabo. Aparece o diabo Mefist ófeles, que t em a aparência de um

hom em com um , Faust o faz um pact o e o prim eiro pedido

realizado é tornar- se j ovem .

Mefistófeles oferece um contrato para que Fausto assine, e

est e se m ost ra duvidoso. Ent ão, num a visão, é lhe m ost rado

Margarida. Enfeit içado pela im agem da m oça, Faust o assina o

cont rat o. Depois disso, a ópera concent ra a sua ação no rom ance

ent re Faust o e Margarida, t erm inando com o rem orso de Faust o

e a ascensão de Margarida ao céu.

A ópera de Gounod estreou em Lisboa no ano 1865 e foi um

sucesso, tendo sido representada inúm eras vezes, graças a isto,

(21)

um fam oso j ornalist a da época escreveu que “Fa ust o se t or n a r a ve r da de ir a m a n ia por t u gu e sa .”8

Out ro fat o que colaborou para a divulgação do Faust o de

Goet he foi a est ada do diplom at a português Agost inho D’Ornellas

na Alem anha, que fica fascinado pelo texto de Goethe, ao assistir

a sua represent ação em Berlim e decide t raduzi- lo para o

port uguês. A esse respeit o revela em t ext o int rodut ório à obra de

Goet he:

“ Com o m e cativara a prim eira apresentação do Faust o a que assist i, assim m e enlevou o t rabalho a que m e dei, de t raduzi- lo. ( ...) Adm irador sincero das idéias de Goet he e da form a sublim e de sim plicidade com que as revestiu, desvelei- m e por transporta- las intactas para o port uguês, cuj a m aravilhosa flexibilidade e riqueza t udo t ornam possível. Respeit ei at é as liberdades de expressão, o am or do t erm o próprio que caract erizam o m eu aut or.” ( D’ORNELLAS, 2002: 22)

Agost inho D’Ornellas publica em Port ugal a t radução da

prim eira part e de Faust o em 1867 e da segunda part e em 1873.

“ Reconhecida hoj e pela crít ica nacional e int ernacional com o um a

das traduções européias m ais fiéis e m ais poét icas da obra- prim a

goet hiana.” ( BEAU apud DELI LE, 1984: 148) . Est a prim eira

t radução do Faust o originou um a série de t rabalhos sobre a obra

de Goet he em Port ugal.

8ROSENTHAL, Erwin Theodor. Perfis e som bras: Estudos de Literatura Alem ã. São

Paulo, E.P.U, 1990, p.39. ( grifo nosso)

(22)

Além dos fat os supracit ados que colaboraram para a

recepção do Faust o, o professor e crít ico de lit erat ura alem ã,

Erwin Theodor Rosent hal, no livro Perfis e Som bras, m enciona

outras obras que poderiam ser interpretadas com o um a

reprodução produt iva da obra de Goet he em Port ugal: “ Gom es

Leal escreveu em 1869 a Tragédia do Mal e Teófilo Braga, no

m esm o ano, a Vert igem do I nfinit o, am bas fortem ente

influenciadas pela obra goet hiana.” ( ROSENTHAL, 1990: 39)

Ant onio Feliciano Cast ilho publica em 1872, out ra t radução

port uguesa do Faust o goet hiano, o que gerou polêm icas em

Port ugal, ocasionadas pelas diferenças ent re a sua t radução e a

de Agostinho d’Ornellas, feit a ant eriorm ent e e considerada

m elhor. A t radução de Cast ilho “ provocou j ustas e exaust ivas

crít icas por part e de um grupo de erudit os e bons conhecedores

da língua alem ã.” ( DELI LE, 1984: 151)

Outro escritor port uguês que com o j á cit am os, bebeu na

font e goet hiana é Teófilo Braga ( 1843 –1924) , que escreve na

sua obra Visão dos Tem pos ( escrito entre 1864 e 1894) um longo

poem a filosófico cham ado Vigílias de Faust o, do qual dest acam os

o seguinte trecho:

Faust o! O Elixir que os Sábios procuravam Para am pliarem da exist ência o curso, Essa font e de Vida, pressentida,

Que os Heroes dem andavam sequiosos; Ficando cont ra a m ort e invulneráveis, Tornast e real, chegando a et erna fonte

(23)

Quando em t ua alm a o sent im ent o vibra Da Hum anidade, de que és órgão puro. ( BRAGA, 1895: 446)

O trecho acim a faz um a alusão à salvação final alcançada

por Faust o. E t am bém , a personificação da hum anidade na figura

de Faust o.

Segundo Delile, nos “ finais da década de 60, princípios da

década de 70 – várias figuras das letras portuguesas procuraram

verter para o idiom a nacional a Prim eira Parte de Fausto de

Goet he ( ...) .” Entre elas, um a tent at iva frust rada m erece

dest aque: “ Ant ero de Quent al, que, segundo t est em unho do

poet a Joaquim de Araúj o e da professora Carolina Michaelis de

Vasconcelos, virá traduzir diretam ente do alem ão grande part e

do poem a de Goet he e, sem pre insat isfeit o com a sua t radução,

a acabará por dest ruir ( ...) .” ( DELI LE,1984: 148)

Além disto, nos princípios da década de 70, “ a revist a

literária A Folha publica vários t rechos do Faust o, em língua

port uguesa, da aut oria de Ant ero de Quent al, Cândido

Figueiredo, Dom ingos Enes e Ant ônio Feliciano Cast ilho.”

( DELI LE,1984: 148)

Com o vem os acim a, o período rom ântico foi a gênese dos

prim eiros escritos em Portugal, que tinham com o legado a obra

Faust o de Goet he, t endo desdobram ent os t am bém no Realism o.

(24)

4 . Pr osa s Bá r ba r a s: e le m e n t os fa n t á st icos e a

r e fe r ê n cia à Ale m a n h a

Relendo cuidadosam ente as obras do grande escritor, descobrim os num erosas referências às coisas alem ãs e, além do m ais, um a visão geral m uit o nít ida da Alem anha, cuj a perspicácia chega a assom

brar-nos ( ...) . ( Cam pos Matos) 9

No j ornal Gazet a de Port ugal, no ano de 1867, Eça publica

os textos: O Senhor Diabo e Mefist ófeles. Segundo Batalha Reis,

nest e “ período rom ânt ico” de Eça de Queirós, ele apreciava

aut ores alem ães e est ava m uit o ent usiasm ado com a Alem anha:

“ Por t oda part e, nos escrit os das Prosas Bárbaras, se encontram os m it os, as cores e as form as do m aravilhoso popular germ ânico, os aspect os evocadores da nat ureza alem ã, as personalidades da Hist ória do Nort e da Europa localizando, a cada passo, as fantasias do rom ânt ico português: São as nixes, as Willis, os Elfos, as Ondinas, ‘as velhas m itologias do Reno’, ‘as Monj as dos convent os da Alem anha a quem o diabo escreve’, ‘o abade de Helenbach’, ‘as abadessas de Vecker a quem o diabo faz sonet os’, ( ....) ‘O Abade de Trit heim vendendo a alm a pelo segredo da circulação do sangue’, - que passam cont ínuo nas narrações; e ‘as encruzilhadas da florest a negra’, ( ...) onde Albert o Dürer desenhou a sua ‘Melancolia” , onde correm as

9 MATOS, A. Cam pos ( org) . Dicionário de Eça de Queirós. Lisboa: Ed.

Cam inho, 1988, p.51.

(25)

caçadas fantást icas do ‘Freischütz’ e passam os im peradores do Santo I m pério, ‘Faust o’, Mefist ófeles’, ‘Margarida’, Lut ero...Spohr, Weber....” ( REI S, 1951: 28-29)

Com o exem plo do int eresse do escritor português por

aut ores alem ães recorda Bat alha Reis à apreciação de Eça de

Queirós pelo autor alem ão Heine: “ Recordo- m e da im pressão

nova que m e fizeram as poesias de Heine, - que eu decorava no

colégio alem ão, onde fui educado – quando Eça de Queirós ( ...)

declam ou enfat icam ent e, quase com lágrim as” . ( REI S,1951: 12)

Mas, o gost o do escrit or port uguês não se lim itava a Heine, ele

apreciava t am bém a lit erat ura fant ást ica alem ã que ganhava

novos apreciadores graças ao escrit or alem ão Hoffm ann. Esta

adm iração de Eça de Queirós era part ilhada com o am igo Bat alha

Reis, que est udou em colégio alem ão e era grande entusiast a da

lit erat ura germ ânica. A respeit o dest e legado para a lit erat ura

fant ást ica port uguesa e m ais especificam ent e nos prim eiros

textos ecianos disserta:

“ A França – a m ais ao nort e das Nações definidoras, - recebeu, em grande part e, a sua lit erat ura fant ást ica da Alem anha, por int ervenção da França, a recebeu Portugal. Teve ela, de 1866 a 1867¸ em Eça de Queirós, o seu m ais genial represent ant e port uguês” . ( REI S, 1903: 24)

(26)

Est a afirm ação sobre a lit erat ura fant ást ica refere- se aos

contos do escritor supracit ado, E. T. A. Hoffm ann ( 1776 – 1822) ,

que t iveram um a grande popularidade na França10, repercut indo

t am bém em Port ugal. Hoffm an foi com posit or e crít ico de

m úsica, e só na idade m adura com eçou a escrever. Sendo

cont em porâneo de Goet he e Schiller, sua produção lit erária não

foi inicialm ent e considerada “ alt a lit erat ura” na Alem anha. Um a

recepção posit iva em seu país de origem só ocorreu

post eriorm ent e, depois da ressonância de sua recepção na

França. Suas obras m ais conhecidas são: Os elixires do Diabo

( 1813- 1816) , O Pot e de Ouro ( 1813) e O hom em da areia

( 1815) . Os cont os fant ást icos dest e escrit or dest acam - se,

segundo o grande crít ico lit erário Anat ol Rosenfeld, pelo

“ aniquilam ent o fant asm agórico da realidade ext erna ( ...) , quer

pela passagem a um m undo ideal, quer pela deform ação

grot esca da realidade- am bient e.” ( ROSENFELD, 1993b: 35)

Os cont os fant ást icos causaram grande ent usiasm o em Eça

de Queirós, que se inspirou neles para escrever a sua própria

lit erat ura fant ást ica. Bat alha Reis relat a est e período ent usiást ico

na vida do escrit or:

10 “ A apreciação literária de Hoffm ann foi na França bem m ais posit iva que na

Alem anha.” ( ROSENFELD, 1993b: 35)

(27)

“ Cert as noit es, ent rava Eça de Queiros j á t arde, no m eu quart o, com um rolo de papel na m ão dizendo: - Sou eu sim am igo” .

E aludindo aos corvos, m ilhafres, gaviões que com t ant a freqüência, fant ast icam ent e aparecem nos seus contos, acrescentava:

- Sou eu e, os m eus abut res: Vim os criar, devorando cadáveres! “ ( REI S, 1951: 12)

Em seu est udo sobre Hoffm ann na França: Os cam inhos da

const rução do m it o rom ânt ico, Maria Crist ina Bat alha invest iga o

sucesso de Hoffm an na França e o surgim ent o da designação

lit erat ura fant ást ica:

“ ( ...) o ent usiasm o suscit ado pela divulgação do aut or faz ent rar em cena um novo adj et ivo - “ fant ást ico” - , que Jean- Jacques Am père e Charles Nodier em pregam am plam ent e, inscrevendo Hoffm ann no program a lit erário que vislum bram para o fut uro da lit erat ura na França. Em bora a palavra t enha um valor lexical e t eórico pouco definido e bast ant e flut uant e, ele servirá para designar um a nova m odalidade de cont o lit erário.” ( BATALHA,1998: 19)

A form ulação acim a se refere ao século XI X, j á que no século

XX, a partir do clássico estudo de Tzvet an Todorov, o conceito de

lit erat ura fant ást ica, enquant o gênero lit erário, ganha a seguint e

definição:

“ Num m undo que é exat am ent e o nosso, aquele que conhecem os, sem diabos, sílfides nem vam piros, produz- se um acont ecim ento que não pode ser

(28)

explicado pelas leis dest e m undo fam iliar. Aquele que o percebe deve opt ar por um a das duas soluções possíveis; ou se t rat a de um a ilusão dos cinco sent idos, de um produt o da im aginação e nesse caso as leis do m undo cont inuam a ser o que são; ou ent ão o acont ecim ent o realm ent e ocorreu, é part e int egrant e da realidade, m as nesse caso esta realidade é regida por leis desconhecidas para nós. Ou o diabo é um a ilusão, um ser im aginário; ou ent ão exist e realm ent e, exatam ent e com o os outros seres vivos: com a ressalva de que raram ent e o encont ram os.” ( Todorov, 1975: 30) .

Segundo Todorov, para que um a obra possa ser

considerada do gênero fant ást ico é necessário que haj a dúvida

se aquele elem ento sobrenatural no texto é real ou não. Já Maria

Crist ina Bat alha ut iliza o t erm o fant ást ico no seu sent ido m ais

abrangente, o qual seria um a obra com elem entos sobrenaturais

sem necessariam ente haver incerteza no texto sobre a sua

verossim ilhança. Ut ilizarem os nest a pesquisa o enfoque dado por

Maria Crist ina Bat alha.

Em reação a obra de Eça de Queirós, podem os ver que

m esm o com sua grande cont ribuição à corrent e lit erária realist a,

o escritor português t am bém t em escritos de cunho rom ântico e

fantástico que m erecem ser dest acados, com o afirm a Antônio

José Saraiva na obra Tert úlia Ocident al:

“Eça é u m e scr it or do gê n e r o qu e de pois se

ch a m ou “fa n t á st ico”, e nas últim as, que são vidas de

(29)

santos, volta a esse cam inho; as suas obras que foram cham adas “ realist as” est ão ent re aquele com eço e est e fim “ fant ást icos” . São um int ervalo num a série vast a, tendo em cont a que m esm o na fase “ realista” da obra de Eça há vários rom ances que program at icam ent e nada t em de realist as, com o O Mandarim, As cidades e as serras, A ilustre casa de Ram ires, e at é onde falt a qualquer propósit o de coerência e de verossim ilhança, com o A Relíquia. Sem falar de O m ist ério da est rada de Sintra. ( SARAI VA, 1990: 149 – grifo nosso)

No com entário acim a do respeit ado crít ico port uguês vem os a polêm ica opinião, que a essência do t rabalho de Eça de Queirós é o fantást ico, pois esta seria a sua m aior caract erística, ao contrário do que é em geral reconhecido pelos críticos que dest acam j ust am ent e com o prim ordial na obra do escritor o diálogo com a escola realist a. Por concordarm os com esta afirm ação acredit am os na pert inência da present e pesquisa.

(30)

5 . Joh a n n W olfga n g Goe t h e e a obr a Fa u st o

....e Goet he, vast o com o o Universo.

( Eça de Queirós. I n: Not as Cont em porâneas)11

Johann Wolfgang Goet he (1749 – 1832) poet a, novelista,

dram at urgo e filósofo alem ão é considerado um dos m aiores

escrit ores em língua alem ã. Goet he produziu um a obra que

abrange desde o do m ovim ento “ St urm und Drang( Tem pestade

e Í m peto) até o Rom ant ism o. Essa discrepância de avaliação j á

m ost ra a dificuldade dos crít icos em classificar a sua obra, pois

“ não se cont ém nos lim it es do gênero dram át ico, nem de um

m ovim ento lit erário.” ( ROSENFELD,1977: 12)

A obra abrangent e e algum as vezes inclassificável de Goet he

inclui poesia lírica, épica, baladas, peças t eat rais, rom ances,

cont os, obras aut obiográficas, et c. O sucesso da carreira de

Goet he com eça com a publicação de Göet z von Berlichingen

( 1771- 1773) , ret rat ando um herói dest ruído pela degeneração

provocada pela idade e com esta narrativa o escritor alem ão

firm ou seu conceit o lit erário. “ É um a peça revolucionária pelo

desrespeit o às regras t radicionais e pela linguagem fort e e

saborosa.” ( ROSENFELD, 1993: 67)

11 QUEI RÓS, Eça de. Notas Contem porâneas. Porto, Lello e I rm ão editores,

1951, p.337.

(31)

Em seguida escreve o livro que o t orna fam oso, Os

sofrim ent os do j ovem Wert her ( 1774) , rom ance epist olar sobre

um forast eiro sem lugar no m undo. Escrito na form a de cartas,

conta as desventuras am orosas do j ovem Werther que, na

im possibilidade de consum ar seu am or por Carlot a, acaba se

suicidando. Est e livro foi escrit o quando Goet he t inha 25 anos e

é considerado o exem plo específico de rom antism o por m uit os

est udiosos de lit erat ura, ent re eles Alfredo Bosi. ( Bosi, 1999: 94)

Mas, os pesquisadores alem ães incorporam tanto este rom ance

epist olar com o o dram a Göet z von Berlichingen ao m ovim ento

“ St urm und Drang” , um a fase t ardia da “ Aufklärung” alem ã.

Mas a obra- prim a de Goet he é a hist ória de Faust o, um

dram a em duas part es, t em a com o qual t rabalhou e ret rabalhou

durant e toda sua vida.

A lenda de Faust o na Alem anha surge no Século XVI a part ir

de um hom em cham ado Georg Faust , que t eria vivido nest e país

no Século XV.

Em 1587, Spiess publica um livro sobre esta figura lendária

que teria feito um pacto com o diabo: Hist oria von D. Johann

Faust en. Este livro era vendido em feiras populares. A lenda

alem ã sobre o Dr. Fausto vai tam bém em igrar para a literatura

inglesa e Crist opher Marlowe, dram at urgo cont em porâneo de

Shakespeare, publicou em 1592, o livro A Hist ória t rágica do

Dout or Faust o, que, por sua vez, vai ser apresentado por teatros

(32)

m am bem bes na Alem anha; repercutindo t am bém na recepção do

t em a “ Faust o” por Goet he.

Nas obras publicadas segundo a lenda t radicional, Faust o

vendia a alm a ao diabo e, no fim , t inha que pagar sua dívida

ent regando sua alm a. No livro de Goet he, o personagem é salvo.

Graças a est a versão, t em os um a noção que é posit iva da

palavra “ Faust o” , “ porque eis precisam ent e o sent ido que o

term o ‘faústico’, veio a ter, sendo represent ant e ext rem o do

hom em , é um ser cuj a essência é anseio, aspiração, et erno

im pulso de ir além de si m esm o” ( ROSENFELD,1993: 225) .

Para com por a sua obra, Goet he ut iliza- se t am bém de fat os

históricos, com o por exem plo, a execução da infant icida Susanna

Margaret ha Brandt , no ano de 1772. “ Por várias circunstâncias o

j ovem j urista Goethe pôde acom panhar int im am ente o

desenrolar do processo ( inclusive com acesso aos autos e

prot ocolos) , e é bem provável que o im pulso decisivo para a

elaboração de Urfaust tenha nascido sobre o im pacto da

execução dessa “ Gret chen” apenas t rês anos m ais velha que o

poet a.” ( MAZZARI ,2004: 18)

A part ir de Faust o de Goet he, leit ores do m undo int eiro t em

cont at o com a lenda faust iana. Est a t ragédia é produt o de um a

vida int eira do escrit or, que com eçou a escrever a prim eira part e

aos vint e anos e concluiu a segunda part e m eses ant es de

m orrer. Graças a isto, o autor teve tem po de aprim orar e

(33)

incorporar um a grande riqueza de elem ent os em sua obra. Ao

m ost rar o percurso de Faust o, Otto Maria Carpeaux com para:

“ o cam inho do leit or at ravés das páginas de Fausto à subida pelas escadas da t orre de um a cat edral gót ica: é um a escada est reit a e às vezes perigosa, m as no alt o abre- se o grande panoram a do espaço e do t em po.” ( CARPEAUX,s/ d: 34)

O leit or é ent ão guiado nest a cat edral por Goet he, avist ando

o percurso de Fausto no seu próprio m undo (Faust oI) e no

m undo social ( Faust oI I) .

Para que se t enha um a noção concret a do percurso desse

t em a na lit erat ura anglo- germ ânica e quais foram as font es de

que Goet he lançou m ão para elaborar sua obra, cabe reproduzir

o diagram a que aparece nos com entários da edição de bolso da

Klet t Verlag:

(34)

1480-1540 - Fausto histórico

1592 1587-1599-1674-1725

livro popular inglês edições de livros populares sobre Fausto

1604 a partir de 1608

Drama de Marlowe apresentações de Marlowe por

teatros mambembes, em lingua

estrangeira e de forma pantomímica

a partir de 1746

teatro de marionetes - Fausto

1755-1775

planos de Lessing de uma obra

sobre o tema do Fausto

por ex: 1768-1770

apresentações de Marlowe por

teatros mambembes alemães

Goethe

idéia de infância - teatro de marionetes

livro popular - 1725

salvação 1768-70 apresentações de Marlowe

1771/72 conhecimento do processo 1771/72

+ ou - 1800 -livro popular 1674 processo/execução

1818 - drama de Marlowe da infanticida

Margaretha Brandt

1772-1775 trabalho no Urfaust

1790 - Fausto, um fragmento

1808 - Fausto, 1. parte e 1832 - 2. parte da tragédia

(35)

5 .1 . Fa u st o

Goet he, o Olím pico, ( ...) disse que Mozart era o único m úsico capaz de com preender Faust o e de sentir Margarida. ( Eça de Queirós) 12

Para com ent ários e análises do Faust o I, ut ilizam os o livro

t raduzido por Jenny Klabin Segall, que est á edit ado na versão

bilíngüe: port uguês e alem ão. Escolhem os esta versão por ser

um a das m elhores e cont er not as do professor Marcus Vinicíus

Mazzari e nas análises de Faust o I I, ut ilizam os a versão em

port uguês, t raduzida t am bém por Jenny Klabin Segall ( edit ora

Vila Rica) , e a versão alem ã da edit ora Ernest Klet t .

Nest e est udo, darem os um panoram a geral da obra Fausto e

farem os recortes do texto em questão, que serão relevantes para

m ostrar a intertextualidade com os textos de Eça de Queirós.

Com eçam os a nossa análise pela cena “ Prólogo no céu” , pois

nest a cena t em os as linhas gerais da tragédia e a visão sobre a

hum anidade e o m undo dada pelos Arcanj os, por Deus e por

Mefistófeles. O prólogo se m ostra fundam ent al com o prem onição

para o desenlace de t oda a t ragédia, à m edida que se pode

observar nesta cena a insinuação da redenção de Fausto, que

12 MATOS, A. Cam pos ( org) . Dicionário de Eça de Queirós. Lisboa: Ed.

Cam inho, 1988,p.52.

(36)

ocorrerá na segunda part e da peça. Tal redenção j á é ant evist a

pelo Senhor ou Alt íssim o:

Wenn er m ir j et zt auch nur verworren dient ,

So werd’ich ihn bald in die Klarheit führen.

Se em confusão m e serve ainda agora,

Daqui em breve o levarei à luz.

( GOETHE, 2004: 53)

Nest a cena t em os, t am bém , um diálogo int ert ext ual com o

m it o bíblico de Jó, no qual o Diabo t em a perm issão divina para

“ t entar” o servo de Deus. No Livro de Jó, o diabo apresent a- se

ao Senhor, j unt o com os filhos de Deus, e desafia a fé que Jó

t em em Deus. O diabo diz para o Senhor que se ele perdesse

t udo, com cert eza am aldiçoaria Deus. Ent ão, Deus dá perm issão

ao diabo para provar a fé de Jó e est e t ira a riqueza dest e e o

deixa doent e. Depois disso, o diabo acredita na fé do servo de

Deus e diz a est e que m esm o nest a t errível sit uação, Jó nunca

am aldiçoou Deus.

No livro de Jó, o diabo é cham ado com o sendo um dos filhos

de Deus e no Fausto de Goethe tem os Mefistófeles presente na

convocação prom ovida por Deus, no prólogo.

Podem os perceber o diálogo que a obra de Goet he faz com a

t radição bíblica, no fat o de que em am bos os textos o diabo é

recebido sem qualquer ant agonism o. E em am bas as hist órias o

(37)

diabo recebe perm issão divina para colocar os servos de Deus à

prova.

A cena “ Prólogo no céu” de Faust o com eça com t rês dos

Arcanj os: Miguel, Gabriel e Rafael curvando- se ant e o Senhor.

Eles est ão cant ando a m úsica das esferas, em adoração a Deus.

E Goethe, apresenta o Arcanj o Gabriel dizendo:

Und schnell und unbegreiflich schnelle Dreht sich um her der Erde Pracht ; Es wechselt Paradieseshelle

Mit t iefer, schauervoller Nacht ;

E em ronda arrebat ada e et erna Gira o esplendor do t érreo m undo; Radiant e luz do céu se alt erna

Com m ant os de negror profundo; ( ...) ( GOETHE, 2004: 49)

Nest as palavras de Gabriel, vem os a noção de polaridade –

luz e escuridão - fazendo part e de um a unidade, ist o é, são

forças com plem entares, que produzem o m ovim ent o da criação.

Podem os notar nestas palavras de Gabriel que, para os Arcanj os,

o m undo feito por Deus é com posto de forças polares opostas,

m as em perfeit a harm onia. Depois do cant o individual de cada

um dos três Arcanj os, tem os a opinião conj unta dos três,

afirm ando que desde o prim eiro dia, a obra divina se m ovim ent a

em perfeit a harm onia.

Em seguida à opinião dada pelos Arcanj os sobre a criação,

tem os a visão de Mefistófeles sobre o hom em :

(38)

Von Sonn’ und Welten Weiss ich nicht s zu zagen, ( …)

Ein wenig besser würd’ er leben,

Hät t st du ihm nicht den Schein des Him m elslicht s gegeben;

Er nennt ’s Vernunft und braucht ’s allein, Nur t ierischer als j edes Tier zu sein.

Er scheint m ir, m it Verlaub von Euer Gnaden, Wie eine der langbeinigen Zikaden,

Die im m er fliegt und fliegend springt

Und gleich im Gras ihr alt es Liedchen singt ; Und läg’ er nur noch im m er in dem Grase! I n j eden Quark begräbt er seine Nase.

De m undo, sóis, não t enho o que dizer, ( ...)

Viveria ele algo m elhor, se da celeste Luz não t ivesse o raio que lhe dest e; De razão dá- lhe o nom e, e a usa, afinal, Pra ser feroz que t odo anim al.

Parece, se o perm it e Vossa Graça, Um pernilongo ganhafão que esvoaça Salt ando e vai salt ando à t oa

E na erva a velha cant arola ent oa;

E se j azesse ainda na erva o t em po int eiro! Mas seu nariz ent erra em qualquer at oleiro. ( GOETHE, 2004: 51)

38 Vem os nesta form ulação, a opinião de Mefist ófeles, que se

cont rapõe a dos Arcanj os. Ele não t em com ent ário a fazer sobre

o m undo “ de m undo sóis não tenho o que dizer” , m as percebe

com o o hom em , “ o pequeno Deus da t erra” se at orm ent a desde

(39)

t er recebido a razão com o dádiva do Senhor. Segundo Mefist o, a

luz divina, cham ada pelo hom em de razão ( “ de razão dá- lhe o

nom e” ) , em lugar de ser um benefício, faz com que fique cada

vez m ais anim alesco: “ e a usa, afinal,/ Para ser feroz m ais que

t odo anim al” . Assim , m ovido pela razão, o hom em anseia pelo

infinit o ( “ gafanhão que esvoaça/ Salt ando e vai salt ando à t oa” )

para, infeliz, term inar por enterrar o nariz na terra, a única

dim ensão dest inada ao ser hum ano. Diant e de t ant as crít icas

sobre a organização do m undo, Deus pergunt a se Mefist ófeles

não acha nada direit o na t erra, ao que ele responde:

Nein, Herr! I ch find’es dort , wie im m er, herzlich schlecht .

Die Menschen dauern m ich in ihren Jam m ert ragen, I ch m ag sogar die arm en selbst nicht plagen.

Não m est re! Acho- o t ão ruim quão sem pre; vendo- o assim

Coit ados! Em seu t ranse de hom ens j á lam ent o, Eu próprio, at é, sem gost o os at orm ent o.

( GOETHE, 2004: 53)

Mefist ófeles dem onst ra sent ir pena dos m ort ais, pois não crê

na harm onia da criação, j á que os hom ens, apesar de ansiarem

pelo infinito, estão presos ao m undo finit o e por isso, segundo

ele, em desarm onia com o m undo criado por Deus.

Para se contrapor a Mefisto, o Senhor “ põe em j ogo” Faust o,

a quem cham a de seu servo “ Meinen Knecht !/ Meu servo, sim ! ”

(40)

( GOETHE, 2004: 53) . Podem os ver, pelo argum ent o do Senhor,

que a divindade lança m ão de um represent ant e de seu m undo,

“ seu servo” Faust o, para provar a perfeição da criação. Assim ,

Faust o personifica, nest a t ragédia, t oda a hum anidade.

Mefist ófeles, conhecendo e reconhecendo Faust o, descreve a

personalidade do “ servo” do Senhor at ravés das forças

ant agônicas e ext rem as que caract erizam sua alm a:

Fürwahr! Er dient Euch auf besondere Weise. Nicht irdisch ist des Torent rank noch Speise. I hn t reibt die Gärung in die Ferne,

Er ist sich seiner Tollheit halb bewusst;

Vom Him m el fordert er die schönst en St erne

Und von der Erde j ede höchst e lust , Und alle Näh’und alle Ferne

Befriedigt nicht die t iefbewegt e Brust .

De form a est ranha ele vos serve, Mest re! Não é do louco, a nut rição t errest re. Ferm ent o o im pele ao infinit o,

Sem iconsciente é de seu vão conceit o; Do céu exige o âm bit o irrest rit o

Com o da t erra o gozo m ais perfeit o, E o que lhe é perto, bem com o o infinito, Não lhe cont ent a o t um ult uoso peit o. ( GOETHE, 2004: 53)

Mefist o, m ais um a vez, contest a e ironiza a escolha do

Senhor, m ost rando que o “ servo” t em um a m aneira m uito

peculiar de honrar a divindade; “ De form a est ranha ele vos

serve, Mestre!” . Segundo Mefistófeles, O hom em ( Fausto) quer o

(41)

infinit o, m as t am bém t odas as coisas boas da t erra. Nada o

cont ent a, fazendo com que sua alm a perm aneça em conflit o.

O Senhor, quase que resignado, t em que adm it ir que o

hom em erra, m as que, na lut a e procura durant e t oda a

exist ência, na sua aspiração infinit a, acaba cam inhando

inst int ivam ent e para a luz:

Wenn er m ir j et zt auch nur verworren dient , So werd’ich ihn bald in die Klarheit führen.

Weiss doch der Gärt ner, wenn das Bäuchen grunt , Dass Blüt ’ und Frucht die künft ’gen Jahre zieren.

Se em confusão m e serve ainda agora, Daqui em breve o levarei à luz.

Quando verdej a o arbust o, o cult or não ignora Que no fut uro frut o e flor produz.

( GOETHE, 2004: 53)

Eis aqui o indício de que Faust o, com o represent ant e da

hum anidade, será salvo. O Senhor est á cient e de que Fausto o

serve de m aneira confusa, adm it e os erros com et idos pelo

hom em , m as assegura a Mefist ófeles que levará o hom em para a

Luz. “ Daqui em breve o levarei à luz.”

Mefist ófeles, ent ão, para provar seus argum entos, pede para

conduzir Faust o pelo seu cam inho e propõe a aposta para Deus:

Was wet t er I hr? Den sollt noch verlieren, Wenn I hr m ir die Erlaubnis gebt ,

I hnm eine St rasse sacht zu führen!

(42)

Que apost ais? Perdereis o cam arada; Se o perm it irdes, t enho em m ira Levá- lo pela m inha est rada! ( GOETHE, 2004: 55)

Deus, convicto de que o ser hum ano o serve, m esm o que

por cam inhos tortuosos, aceita a aposta e esclarece a causa dos

erros do hom em :

Ein gut er Mensch in seinem dunklen Drange I st sich des rechten Weges wohl bewusst .

Que o hom em de bem , na aspiração que, obscura, o anim a,

Da t rilha cert a se acha sem pre par. ( GOETHE, 2004: 55)

O Senhor vê a sua obra com o perfeita, pois o hom em erra

porque anseia por “ algo” , e esses erros fazem part e do

aprendizado, cont udo, est á conscient e do cam inho cert o: “ Da

t rilha cert a se acha sem pre par” . Port ant o, o Senhor perm it e que

Mefist o conduza o hom em por seus cam inhos e que o desvie da

sua “ fonte inata” , na cert eza de que hom em , m esm o no seu

“ ím pet o obscuro” , é “ bom ” .

A cena “ Prólogo no céu” t erm ina com a fala de Mefist ófeles:

Es ist gar hübsch von einem grossen Herrn,

So m enschlich m it dem Teufel selbst zu sprechen. É de um grande Senhor, louvável proceder

Most rar- se t ão hum ano at é para com o dem ônio. ( GOETHE, 2004: 57)

(43)

Nestas palavras de Mefist o, vem os a originalidade de

Goet he, que m ost ra um relacionam ent o am igável ent re Deus e o

dem ônio, o que é lógico dentro da obra, j á que o Senhor criou

t udo e crê que t oda a sua obra est á em harm onia. Ent ão, não

poderia proceder de out ra form a com Mefist o, que é parte de sua

criação. A prim eira apost a da t ragédia est á feit a, e o dem ônio

t em a perm issão divina para t ent ar Faust o.

A segunda aposta da t ragédia de Goet he acontece na cena

“ Quarto de Trabalho” . Agora a aposta se realiza entre Fausto e

Mefist o. O diabo irá t ent ar sat isfazer o hom em , à m edida que o

conduz por seus cam inhos. Nos term os dessa nova aposta,

Mefistófeles será declarado vencedor se Faust o, em m eio a sua

busca t it ânica, encont rar um m om ent o de sat isfação, um

m om ent o t ão pleno que ele não queira passar para o m om ent o

seguint e, com o m ost ra o diálogo ent re Faust o e Mefist ófeles:

Faust : Werd’ich beruhigt j e m ich auf ein Faulbert legen, So sei es gleich um m ich getan!

Kannst du m ich schm eicheld j e belügen, Dass ich m ir selbst gefallen m ag,

Kannst du m ich m it genuss bet rügen, Das sei für m ich der letzte Tag!

Die Wet t e biet ’ich! Mephist opheles: Topp!

Faust o: Se eu m e est irar j am ais num leit o de lazer, Acabe- se com igo, j á!

Se m e lograres com deleit e E adulação falsa e sonora,

(44)

Para que o próprio Eu preze e aceit e, Sej a- m e aquela a últ im a hora!

Apost o! E t u? Mefist ófeles: Topo! ( GOETHE, 2004: 169)

Segundo Eloá Heise, “ o cerne da apost a com o diabo reside

no desafio de conseguir que Faust o, sat isfeit o, diga ao m om ent o

‘perm aneça t ão belo que és’ e deit e- se, assim , num a ‘cam a de

preguiça’, ou sej a, interrom pa sua ação, paralise- se através da

inércia.” ( HEI SE, 2001: 53)

A m esm a int erpret ação é dada por Jaeger ( 2004)13:

A criação genial de Goet he consist e num a variação do velho assunt o fáust ico, que ele configura com o caricat ura do ideal m oderno de progresso e dinam ism o. Faust o obriga- se pelo pact o a um m ovim ent o incessant e, vert iginoso, e, se ele parar por um inst ant e, se conceder a si m esm o um m om ent o de reflexão, t erá perdido a própria apost a e a própria vida. Não cansam os de adm irar a exat idão “ sim ográfica” , as qualidades clarivident es do t ext o goethiano.

Desta form a, segundo Heise, acordados os term os da

apost a, Faust o, conduzido pelo diabo, irá procurar plenit ude

através de experiências do “ pequeno m undo” (Faust o I) e do

“ grande m undo” (Faust o I I) , sem encont rar sat isfação. Poder,

13 JAEGER, Michael, Hist ória das catástrofes, Folha de São Paulo, 16 de m aio de

2004, Tradução Marcus V. Mazzari, Caderno Mais! p.03)

(45)

riqueza, realizações, fam a, sexo, et c. nada, cont udo, nunca o

sat isfaz.

No fim da prim eira part e da t ragédia, Faust o est á com o

espírit o quebrant ado pela desgraça que, por sua causa, abat

eu-se sobre Margarida, sua infeliz am ant e. A personagem ,

involunt ariam ent e, m at a a m ãe e, enlouquecida por t er sido

abandonada por Faust o, t orna- se t am bém assassina do próprio

filho e é condenada à m ort e, m as ent rega sua alm a ao Senhor

obt endo a sua salvação:

Dein bin ich, Vat er! Ret t e m ich! I hr Engel! I hr heiligen Scharen,

Lagert euch um her, m ich zu bewahren!

Sou t ua, Pai no et erno t rono!

Salva- m e! Anj os, vós hoste sublim e, Baixai ao m eu redor, cobri- m e! ( GOETHE, 2004: 521)

Nos episódios que com põem o Faust o I I, ( após a m ort e e

salvação da Margarida em Faust o I) , Mefist o cont inua em sua

tarefa de tentar satisfazer a Faust o. Tent a- o, inicialm ent e, com

poder e fam a. Fausto torna- se conselheiro do im perador. Mas,

tam bém , isso não o sat isfaz. At endendo ao desej o do im perador,

Fausto consegue m aterializar, por m eio da m agia, as figuras de

Paris e Helena, com o represent ant es da beleza. Sent e- se

arrebat ado pela beleza de Helena e anseia por possuí- la, m as

essa m iragem m ágica desaparece ao seu toque. Sua fant asia

conseguira ult rapassar as front eiras da realidade e criara, na

(46)

art e, um a realidade supra- real, na figura de Helena. O pont o

cent ral do Faust o I I é o casam ent o de Faust o com Helena. Nessa

relação est aria sim bolizada a união do m undo da fantasia a da

beleza ( Helena) com o hom em m oderno, na sua procura

incessant e de conhecim ent o e de ação ( Fausto) . Mas o m undo da

fant asia é o m undo do sonho, um m undo aparent e, do qual

Faust o irá despert ar. Assim fam a e beleza não o conduzirão ao

conhecim ent o absolut o. Com o tem po Faust o vai ficando

paulat inam ent e m ais am adurecido percebendo que, com o

hom em , não est á fadado a penet rar na m ais profunda

com preensão da exist ência.

No fim da vida, j á velho, invoca as forças diabólicas sob seu

com ando para criar um a região, em ergi- la do m ar e fazer um a

Nova Terra. Ele sonha com um a ut opia, pret endendo que est e

sej a um lugar de um povo livre que habite esta terra em

frat ernidade, esforçando- se conj unt am ent e para conquistar est a

liberdade. Quando, por fim , t em a m iragem do obj et ivo a ser

alcançado, est á cego, velho e desiludido.

E ao se dedicar a um proj eto que visa trazer liberdade e

frat ernidade para m ilhões de pessoas, enche- se de alegria.

Convence- se, finalm ent e, que isso poderia ser o vislum bre de um

ideal. E com a vont ade de ver o result ado de suas obras, ele quer

reter a visão até que tudo est ej a com plet ado e seu ideal

convert ido em realidade. Diant e da visão da t erra surgindo do

(47)

m ar e o povo vivendo em fraternidade, ele parece proferir as

palavras em blem át icas do seu pact o com Mefist ófeles:

Nur der verdient sich Freiheit wie das Leben, Der t äglich sie erobern m uss.

Und so verbringt , um rungen von Gefahr,

Hier Kindheit , Mann und Greis sein t ücht ig Jahr. Solch ein Gewim m el m öcht’ ich sehn,

Auf freiem Grund m it freiem Volke stehn

Zu m Au ge n blick dü r ft ’ ich sa ge n : ( grifo nosso) Verweile doch, du bist schön!

Es kann die Spur von m einem Erdet agen

Nicht in Äonen unt ergehn. –

I m Vorgefühl von solchem hohen Glück Geniess’ ich j et zt den höchst en Augenblick.

( GOETHE, 1981: 220)

À liberdade e à vida só faz j us

Quem t em de conquist á- las diariam ent e. E assim , passam em luta e dest em or,

Criança, adult o e ancião, seus anos de labor. Quisera eu ver t al povoam ent o novo,

E em solo livre ver- m e em m eio a um livre povo. Sim , ao m om ent o ent ão dir ia :

Oh! pára enfim – és t ão form oso! Jam ais perecerá de m inha t érrea via, Este vestígio portent oso! –

Na im a presciência desse alt íssim o contento, Vivo ora o m áxim o, único m om ent o.

( GOETHE, 1991: 436)

Pelos t erm os da apost a, quando Faust o proferisse est as

palavras, t eria dado a vit ória a Mefist ófeles. Cont udo, há um a

pequena nuança sem ânt ica no díst ico em blem át ico, Faust o usa o

(48)

verbo no condicional, ist o é, est e m om ent o era t ão m aravilhoso

que ele “ diria: / Oh! pára enfim – és t ão form oso! ” . Em alem ão,

o uso da form a verbal no conj untivo I I “Dürft ’ ich sagen”

expressa, m ais claram ent e, essa idéia de possibilidade, m as de

irrealidade, algo não concret izado. Port ant o, esse m om ent o pleno

exist e no plano do irreal. Sob este aspecto, Mefisto não vence a

aposta; Fausto não será condenado à danação dos infernos.

Um out ro fat or im port ante de sua redenção é que Faust o

não desej aria deter a m archa do tem po com o obj etivo de

desfrut ar os prazeres sensuais, nem de sat isfazer desej os apenas

pessoais, com o foi com binado anteriorm ente na aposta. Ele

desej aria deter a hora que passava para a realização de um ideal

alt ruíst ico. Por conseguint e, est á realm ent e livre de Mefist ófeles.

Em seguida, um a bat alha ent re as forças angélicas e as forças

dem oníacas t erm ina finalm ent e com o t riunfo das prim eiras, que

conduzem a alm a de Faust o:

Chorus Mysticus:

Alles Vergängliche I st nur ein Gleichnis; Das Unzulängliche, Hier wird’s Ereignis; Das Unbeschreibliche, Hier ist ’s get an;

Das Ewig- Weibliche Zieht uns hinan.

( GOETHE, 1982: 236)

Tudo o que é efêm ero é som ente

(49)

Preexistência;

O Hum ano- Térreo- I nsuficient e Aqui é essência;

O Transcendente- I ndefinível É fato aqui;

O Fem inil- I m perecível Nos ala a si.

( GOETHE, 1991: 451- 2)

Nesta estrofe o Chorus Mysticus diz que “ Tudo o que é

efêm ero é som ent e / Preexist ência” . Quer dizer, as form as

m ateriais que est ão suj eit as à m orte são apenas um a ilusão. “ O

Transcendente- I ndefinível/ É fato aqui” , ist o é, o que pareceu

im possível na Terra é consum ado no céu.

A t ragédia que com eça no céu, onde foi dada perm issão a

Mefist ófeles para t ent ar Faust o, t am bém t erm ina no céu, com a

redenção do personagem , nos rem et endo à idéia de unidade.

Em seu art igo “ Goet he: Unidade e Mult iplicidade” , Anat ol

Rosenfeld tenta explicar as crenças de Goethe sobre est a

unidade:

“ ( ...) a idéia é o princípio ordenador e unificant e e os fenôm enos individuais e singulares form am a m ult iplicidade caót ica dest e nosso m undo de cores, form as passageiras, arom as e sons. Percebem os um pouco surpreendidos, ao referirm o- nos a est e dualism o, que pisam os em terreno platônico. Mas Goethe não era m onist a, adept o de Spinosa? Sim at é cert o pont o. Cont udo, Spinosa viu as coisas individuais, os m odi,

(50)

dent ro da unidade de deus; Goet he viu Deus dent ro da m ultiplicidade das coisas individuais.” Aquele part e da unidade divina e t odos os fenôm enos singulares nada são senão ondas passageiras no m ar do infinito; este part e do fenôm eno singular e descobre nele a essência divina” ( ROSENFELD, 1993: 261)

O legado deixado por Goet he e por seu Faust o, pode ser

vist o na represent ação da figura do Diabo, aquele que, sendo

int egrante de um a unidade dual, t em sem pre um a visão crít ica e

cínica do m undo. O próprio Goet he, em suas conversas com seu

secretário Eckerm ann, chega a adm itir que Fausto e Mefisto

represent am a m esm a pessoa na divisão de papéis ficcionais; por

out ro lado, o aut or t am bém vê em si caract eríst icas dessas duas

personagens, afirm ando que as duas personagens são

int erpret ações dialét icas da personalidade do poet a. Um diabo

que não é apenas m au, t am bém é apresent ado em um a das

obras em evidente diálogo intertextual com o Faust o de Goet he,

e que analisarem os adiant e. Que se vej a, por exem plo, est e

t recho de O Senhor Diabo: “ em cert os m om ent os da hist ória, O

Diabo é o represent ante im enso do direit o hum ano. Quer a

liberdade, a fecundidade, a lei.” ( QUEI RÓS,1951b: 169)

Referências

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