IDADE ÓSSEA EM CRIANÇAS COM PARALISIA CEREBRAL
EDUARDO MARCONDES * M A R I A I R M I N A VALENTE * * FRANCISCO F . D E FIORE * * *
A N T O N I O DA SILVA COELHO N E T O * * * *
Crianças portadoras de paralisia cerebral ( P C ) apresentam, do ponto de
vista clínico, variados graus de retardo do desenvolvimento neuro-psico-motor
associados a também variados graus de comprometimento do crescimento
fí-sico e do estado nutritivo. Em alguns casos a predominância do retardo
psíquico e do crescimento físico sôbre manifestações neurológicas motoras
obriga o estabelecimento de diagnóstico diferencial entre P C e outras formas
de retardo; entre estas últimas sobressai o hipotiroidismo exigindo a
reali-zação de exames subsidiários adequados como seja, entre outros, a
determi-nação da idade óssea ( I O ) .
Em trabalhos anteriores
6, 7verificou-se a existência de um atraso da I O
em relação à idade cronológica ( I C ) em crianças oriundas de meio
sócio-eco-nômico baixo, porém compensado se a I O fosse relacionada ao p~eso das
crianças, o que mostra ser o atraso da I O proporcional à deficiência
somá-tica geral das referidas crianças. A hipótese de trabalho estabelecida para
a presente investigação é que os eventuais atrasos das I O verificados em
crianças portadoras de P C em relação à I C são também meros componentes
do atraso somático geral que tais crianças costumam apresentar e, portanto,
a I O deve ser proporcional ao crescimento físico (peso e altura) e não ao
tempo de vida. Se isto fôr verdade, o atraso da IO, como dado isolado, em
crianças com PC, carece de importância para efeito de diagnóstico de
con-dições mórbidas outras que não a própria PC.
M A T E R I A L E M É T O D O S
F o r a m e s t u d a d a s 30 c r i a n ç a s c o m P C . Os d a d o s d e i d e n t i f i c a ç ã o e o d i a g n ó s -t i c o n e u r o l ó g i c o s ã o a p r e s e n -t a d o s no q u a d r o 1. A I O f o i d e -t e r m i n a d a de a c o r d o c o m G r e u l i e h e P y l e3
. E m a l g u m a s c r i a n ç a s f o r a m f e i t a s d e t e r m i n a ç õ e s d o i o d o
T r a b a l h o r e a l i z a d o na C l í n i c a P e d i á t r i c a ( P r o f . S u b s t i t u t o E d u a r d o M a r c o n d e s ) , C l í n i c a N e u r o l ó g i c a ( P r o f . A d h e r b a l T o l o s a ) e 1.» C l í n i c a M é d i c a ( P r o f . A . B . U l h o a C i n t r a ) da F a c u l d a d e de M e d i c i n a da U n i v e r s i d a d e de S ã o P a u l o : * P r o f e s sor C a t e d r á t i c o S u b s t i t u t o da C l í n i c a P e d i á t r i c a ; ** A s s i s t e n t e d o G r u p o de N e u r o -p e d i a t r i a da C l í n i c a N e u r o l ó g i c a ; *** A s s i s t e n t e , C h e f e d o A m b u l a t ó r i o da C l í n i c a P e d i á t r i c a ; **** A s s i s t e n t e do G r u p o d e N u t r i ç ã o da 1» C l í n i c a M é d i c a .
Nota dos autores — A g r a d e c e m o s a c o l a b o r a ç ã o p r e s t a d a p e l o D r . A f o n s o V i t u l e
l i g a d o à p r o t e í n a ( P . B . I . ) , c o l e s t e r o l , c á l c i o , f ó s f o r o i n o r g â n i c o e a t i v i d a d e da f o s f a t a s e a l c a l i n a b e m c o o m e x a m e r a d i o l ó g i c o da b a c i a p a r a p e s q u i s a d e sinais de d i s g e n e s i a e p i f i s á r i a .
O e s t u d o da I O e suas r e l a ç õ e s c o m a I C , a l t u r a e pêso f o i f e i t o g r á f i c a m e n t e t o m a n d o - s e s e m p r e c o m o o r d e n a d a a I O e c o m o abscissa s u c e s s i v a m e n t e a I C , a l t u r a e pêso. D o s d i a g r a m a s a s s i m o b t i d o s o b t i v e r a m - s e , s e m p r e q u e p o s s í v e l , r e t a s d e r e g r e s s ã o . O t ê r m o de c o m p a r a ç ã o é r e p r e s e n t a d o p o r u m a r e t a q u e t r a d u z a r e g r e s s ã o e x i s t e n t e p a r a os d a d o s e m q u e s t ã o o b t i d o s n u m g r u p o c o n t r o l e d e c r i a n -ças n o r m a i s8
.
R E S U L T A D O S
Os v a l o r e s d e I C , pêso, a l t u r a e I O r e l a t i v o s a o s 30 casos e s t u d a d o s s ã o a p r e s e n t a dos no q u a d r o 1. Os r e s u l t a d o s d a s d e t e r m i n a ç õ e s de P . B . I . , c o l e s t e r o l , c á l c i o , f ó s f o r o i n o r g â n i c o e a t i v i d a d e da f o s f a t a s e a l c a l i n a e da pesquisa de sinais d e d i s g e -nesia e p i f i s á r i a e m a l g u n s dos casos e s t u d a d o s s ã o a p r e s e n t a d o s n o q u a d r o 2. A s r e l a ç õ e s e n t r e I O e I C , a l t u r a e pêso s ã o a p r e s e n t a d a s nos g r á f i c o s 1 e 2, r e s p e c t i -v a m e n t e p a r a o s e x o m a s c u l i n o e f e m i n i n o . O e s t u d o e m s e p a r a d o c o n f o r m e o s e x o é u m a d e c o r r ê n c i a d o f a t o d a s r e t a s d e r e g r e s s ã o o b t i d a s p a r a o g r u p o c o n t r õ l e s e r e m d i f e r e n t e s p a r a c a d a u m dos s e x o s .
C O M E N T A R I O S
É reconhecida a influência da nutrição sobre a I O
1>
2<
6-
7>
1 1bem como o
comprometimento do estado nutritivo de crianças portadoras de PC.
Legí-timo, pois, o interesse pelo relacionamento da IO com o estado nutritivo de
crianças encefalopatas. Na casuística do presente trabalho basta a
compa-ração do peso e da I A (quadro 1) para comprovar o precário estado nutritivo
de quase todos os casos estudados.
Os dados para o sexo masculino (gráfico 1) mostram que no
relaciona-mento entre a IO e a I C ocorre nítido atraso daquela em relação a esta.
Assim é que somente um caso apresenta I O comparável à IC. O mesmo
não se verifica quando se relaciona a I O com a altura e, principalmente,
quando a relação estabelecida é entre a IO e o peso: aqui se verifica que
as crianças portadoras de PC têm I O superior à do grupo controle pois
dos 15 casos estudados, 9 localizam-se acima da reta normal. É de se notar
que embora a I O em relação ao peso possa ser considerada satisfatória, a
distribuição dos pontos não permite concluir pela existência de regressão
entre I O e peso.
Em relação ao sexo feminino (gráfico 2) nota-se, de início, nítida
dife-rença no comportamento da I O em relação à IC em função do sexo da
criança, pois a distribuição dos pontos para os casos de sexo feminino
per-mite supor que os pacientes desse sexo resistam mais aos fatores
determi-nantes do atraso do que os pacientes do sexo masculino. No relacionamento
da IO com a altura e o peso, verifica-se comportamento semelhante ao
obser-vado para os pacientes de sexo masculino, isto é, evidente recuperação da
IO quando comparada com os referidos parâmetros. A distribuição dos
pon-tos, entretanto, não é adequada para o estabelecimento de boa regressão.
Ora, em trabalho anterior
7verificou-se que crianças desnutridas
apre-sentam IO atrasadas em relação à IC, atraso compensado quando a I O era
relacionada ao peso, porém com possibilidade de estabelecer regressão entre
a IO e o peso, o que não ocorreu neste trabalho. É possível que a P C
deter-mine também um atraso na I O quando relacionada à I C compensado quando
a IO é avaliada em relação ao peso e altura, mas, ao contrário das crianças
desnutridas há evidentemente na P C um fator perturbador do
desenvolvimen-to da IO, talvez ao nível de seu próprio órgão efedesenvolvimen-tor. Assim sendo, a
des-nutrição que acompanha a P C seria responsável pelo atraso e a P C por si
mesma responsável pela inexistência de regressão entre I O e peso para
ambos os sexos e entre I O e altura para o sexo feminino.
O fato dos pacientes encefalopatas de sexo feminino resistirem melhor
aos fatores determinantes do atraso da IO, é mais uma evidência da
superio-ridade do sexo feminino em relação ao masculino na resistência aos fatores
ambientais adversos
4.
5.
9.
1 0.
S U M Á R I O
Os autores estudam a idade óssea de 30 crianças portadoras de paralisia
cerebral. Verificaram haver atraso da idade óssea em relação à idade
crono-lógica (mais evidente no sexo masculino), o que não impediu que continuasse
a existir regressão entre os dois dados. Relacionando a idade óssea à
al-tura e o pêso, verificaram que as crianças portadoras de paralisia cerebral
têm idade óssea superior à esperada, mas só foi possível estabelecer
regres-são entre idade óssea e altura em crianças do sexo masculino. Estudos de
função tireóidea em 10 casos mostraram normalidade em praticamente todos
êles. Os dados sugerem: 1) atraso da idade óssea de crianças com
para-lisia cerebral, proporcional ao atraso somático geral, possivelmente em função
da desnutrição que tais crianças apresentam; 2) perturbação das relações de
proporcionalidade entre idade óssea e pêso para o sexo masculino e entre idade
óssea e pêso e idade óssea e altura para o sexo feminino, possivelmente na
de-pendência da própria paralisia cerebral; 3) a ação desorganizadora da
para-lisia cerebral não deve depender de um componente de hipotireóidismo; 4) as
alterações verificadas são mais intensas no sexo masculino.
S U M M A R Y
Skeletal age in children with cerebral palsy
The skeletal age of thirty children with cerebral palsy was studied and
related to the chronologic age, height and weight. In 10 cases the thyroid
function was evaluated. The results allow the following suggestions: 1) the
skeletal age and the somatic development were proportionally delayed and
both probably related to the poor nutritional state of the children; 2) the
proportionality between skeletal age and weight among the male children, and
between the skeletal age and weight as well as height among the female
children, were altered; 3) the disorganizing action of the cerebral palsy
should not depend on hypothyroidism; 4) the noted alterations are more
conspicuous among the male children.
R E F E R Ê N C I A S
G R E U L I C H , W . W . — T h e g r o w t h a n d d e v e l o p m e n t s t a t u s o f g u a m a n i a n schol c h i l d r e n in 1947. A m . J. P h y s . A n t h r o p . 9:5570, 1951. 5. G R E U L I C H , W . W . ; C R I S -M O N , C. S. & T U R N E R , -M . F . — T h e p h y s i c a l g r o w t h a n d d e v e l o p m e n t o f c h i l d r e n w h o s u r v i v e d the a t o m i c b o m b i n g of H i r o c h i m a a n d N a g a s a k i . J. P e d . 43:121-145, 1953. 6. M A C H A D O , E . M . ; C H A M M A S , F . ; C O E L H O , H . da S.; S I L V A , J. A . d a ; G O U V E I A , F . P . d e ; N E V E S F i l h o , F . de P . & C O N C E I Ç Ã O , J. A . N . — E s t u d o sôbre i d a d e óssea, c á l c i o , f ó s f o r o e a t i v i d a d e da f o s f a t a s e a l c a l i n a e m c r i a n ç a s e m m e i o s ó c i o - e c o n ô m i c o i n f e r i o r : r e s u l t a d o s e m l a c t e n t e s . R e v . H o s p . C l i n . 15:81-91, 1960. 7. M A C H A D O , E. M . ; C H A M M A S , F . ; N E V E S F i l h o , F . d e P . ; C O E L H O , H . da S. & S I L V A , J. A . da — E s t u d o s ô b r e i d a d e óssea, c á l c i o , f ó s f o r o e a t i v i d a d e d a f o s f a t a s e a l c a l i n a e m c r i a n ç a s e m m e i o s ó c i o e c o n ô m i c o i n f e r i o r : r e s u l t a d o s e m p r é -e s c o l a r -e s . R -e v . P a u l i s t a M -e d . 58:163-172, 1961. 8. M A R C O N D E S , E. — D a d o s n ã o p u b l i c a d o s . 9. P H I L L I P S , H . T . — S o m e s o c i a l and e t h n i c v a r i a t i o n s in t h e p h y -s i q u e o f S o u t h A f r i c a n n u r -s e r y -s c h o o l c h i l d r e n . A r c h . D i -s . C h i l d . 28:226-231, 1953. 10. S A L B E R , E . J. — T h e e f f e c t o f sex, b i r t h r a n k and b i r t h w e i g h t on g r o w t h in t h e f i r s t y e a r o f l i f e . H u m a n B i o l o g y , 29:194-213, 1957. 11. T R O W E L L , H . C ; D A V I E S , J. N . P . & D E A N , R . F . A . — K w a s h i o r k o r : c l i n i c a l p i c t u r e , p a t h o l o g y and d i f f e -r e n t i a l d i a g n o s i s . B -r i t . M . J. 2:798-801, 1952.