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Mulheres com idade igual ou superior a 50 anos: ações preventivas da infecção pelo HIV.

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MULHERES COM IDADE IGUAL OU SUPERIOR A

50

ANOS: ações preventivas da infecção pelo HIV

Daniela Angelo de Lima RODRIGUESa, Neide de Souza PRAÇAb

RESUMO

T rata-se de pesquisa qualitativa que buscou verificar a adoção de ações preventivas da transmissão do HIV por mulheres com idade igual ou superior a 50 anos, moradoras em uma comunidade de baixa renda e atendidas pelo Programa Saúde da Família, no Município de São Paulo. Adotou-se como referencial teórico a Antropologia Médi-ca e, para o tratamento dos dados, o Discurso do Sujeito Coletivo. Foram entrevistadas 13 mulheres e são apresenta-dos três discursos: valorizando a prevenção; invisibilidade do HIV/ aids; e rejeição à adesão ao preservativo. A análise mostrou que o grupo não se percebia em risco à infecção pela via sexual devido à confiança na fidelidade do parceiro. O eventual uso do preservativo foi atribuído somente à curiosidade. As ações preventivas adotadas carecem de embasamento científico. Os resultados alertam para a necessidade do planejamento e da implementa-ção de intervenções culturalmente embasadas direcionadas ao segmento estudado.

Descritores: Síndrome de imunodeficiência adquirida. Saúde da mulher. Saúde do idoso. Antropologia.

RESUMEN

Se trata de una investigación cualitativa que buscó verificar la adopción de acciones preventivas de la transmisión del VIH por mujeres con edad igual o superior a 50 años, residentes en una comunidad de baja renta y atendidas por el Programa Salud de la Familia, en el municipio de São Paulo, Brasil. Se adoptó como referencial teórico la Antropología Médica y, para el tratamiento de los datos, el Discurso del Sujeto Colectivo. Se entrevistaron 13 mujeres y se presentan tres discur-sos: valorar la prevención; invisibilidad del VIH/ SIDA; rechazo a la adherencia al preservativo. El análisis apuntó que el grupo no percibió el riesgo a la infección por la vía sexual a causa de la confianza en la fidelidad del compañero. El eventual uso del preservativo fue atribuido solamente a la curiosidad. Las acciones preventivas adoptadas carecen de base científica. Los resultados alertan para la necesidad del planeamiento y de la implantación de intervenciones culturalmente basadas direccionada al seguimiento estudiado.

Descriptores: Síndrome de inmunodeficiencia adquirida. Salud de la mujer. Salud de la anciano. Antropología.

Título: Mujeres con edad igual o superior a 50 años: acciones preventivas de la infección por el VIH.

ABSTRACT

T he present study is a qualitative research which aimed to verify the adoption of preventive measures on the transmission of HIV in 50-year-old women or older, who lived in poor communities and were assisted by the Family Health Program in São Paulo, Brazil. Medical Anthropology has been adopted as a theoretical reference, as well as the Discourse of the Collective Individual for data analysis. T hirteen women were interviewed and three discourses were presented: prevention appreciation, invisibility of HIV/ AIDS and the rejection of the use of condom. T he analysis showed that the group did not realize the risk of contamination through sexual intercourse due to their trust in the partner’s loyalty. T he casual use of condoms was taken into consideration just out of curiosity. T he preventive actions adopted need more scientific support. T he results point out the necessity of planning and implementing interventions which are culturally based and directed to the studied segment.

Descriptors: Acquired immunodeficiency syndrome. Women’s health. Health of the elderly. Anthropology.

Title: T he 50-year-old women or older: preventive actions to the HIV infection.

a Enfermeira Obstétrica, Mestre em Enfermagem, Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Escola de Enfermagem

da Universidade de São Paulo (USP), Coordenadora de Pós-Graduação (Lato Sensu) da Universidade Nove de Julho (UNINOVE), São Paulo, Brasil.

b Enfermeira Obstétrica, Doutora em Enfermagem, Professora Associada (Livre-Docente) da Escola de Enfermagem da USP, São Paulo,

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INTRODUÇÃO

A Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (aids), doença causada pelo Vírus da Imunodefi-ciência Humana (HIV), tem se mostrado uma epide-mia multifacetada e de difícil controle. Sendo uma dessas facetas o crescente e silencioso envolvimento da população com idade igual ou superior a 50 anos, fato que tem se configurado em uma situação que requer atenção no cenário nacional.

A relevância da epidemia pode ser evidencia-da pela análise de evidencia-dados epidemiológicos nacionais. Até junho de 2009, foram notificados 544.846 ca-sos de aids no país, destes, 34,6% correspondentes às mulheres. Entre os casos femininos, 9,7% são representados por mulheres com 50 anos de idade ou mais, sendo que 97% se infectaram pela via

se-xual(1).

Vale citar que a transmissão heterossexual, desde a notificação do primeiro caso de aids, é a via de infecção predominante entre as mulheres com

idade acima de 50 anos no Brasil(1). Dado

concor-dante com a Joint United N ations Programme on

HIV/ AIDS (UNAIDS), que com base em dados mundiais, indica que a transmissão heterossexual é a categoria de infecção pelo HIV predominante

entre os indivíduos nesta faixa etária(2).

Essa realidade é atribuída à sinergia de fa-tores, como a existência de terapias mais eficazes que prolongam a vida do infectado pelo HIV, a ex-pansão do número de idosos devido ao aumento da expectativa de vida ao nascer e, em relação às mu-lheres, as mudanças que ocorrem na vagina, na fase da menopausa, que favorecem a penetração do ví-rus no organismo durante o ato sexual. Além dis-so, a introdução de medicamentos contra a impo-tência sexual masculina, medicamentos que mi-nimizam os efeitos da menopausa e lubrificantes vaginais, tem favorecido o prolongamento da vida sexual, com qualidade, resultando no aumento de oportunidades para os idosos infectarem-se pelo HIV(3-7).

T ambém pode-se citar como aspecto que potencializa o risco da população idosa, o predo-mínio de campanhas voltadas a prevenção do HIV/ aids que não incluem este grupo, reforçando entre os idosos a concepção de que a aids é uma doença

restrita à grupos mais jovens(8).

Uma possível explicação para a não inclusão dos idosos nas ações de prevenção do HIV/ aids é a

persistência da concepção de “velhice assexuada”(9).

Contudo, estudos científicos têm-na desmistifica-do. A atividade sexual após os 50 anos foi averi-guada em pesquisa realizada com 165 homens e mulheres, com idade entre 50 e 66 anos, servidores públicos do estado de Mato Grosso. Entre os en-trevistados, 72,4% relataram atividade sexual nos

seis meses anteriores à pesquisa(10).

O envolvimento deste segmento populacional na epidemia de HIV/ aids, também pode ser atri-buído a outros fatores, como à ausência de percep-ção de risco à infecpercep-ção pelo HIV e à dificuldade das mulheres para negociar o uso do preservativo com o parceiro, sobretudo por considerá-lo como mé-todo contraceptivo, mas, também, pelo fato de que

essa prática não é comum em seu meio(10,11).

A constatação da situação exposta, assim co-mo a reconhecida multiplicidade de fatores envol-vidos no fenômeno e o inexpressivo número de pu-blicações nacionais abordando a temática da aids neste segmento populacional, motivaram a reali-zação de uma pesquisa, da qual se extraiu o texto

aqui apresentado(12). O estudo de maior amplitude

buscou responder as questões: a mulher com idade de 50 anos ou mais percebe-se em risco para a trans-missão do HIV por via sexual? Esta mulher reali-za ações para proteção contra a infecção pelo HIV? Para responder estas questões, definiu-se o se-guinte objetivo: verificar a realização de ações pre-ventivas da transmissão do HIV, por mulheres com idade igual ou superior a 50 anos, moradoras em uma comunidade de baixa renda.

MÉTODO

Trata-se de um estudo qualitativo, que teve como referencial teórico a Antropologia Médica, definida como “a abordagem das maneiras pelas quais as pessoas, em diferentes culturas e grupos sociais, explicam as causas dos problemas de saú-de, assim como os relacionam aos tipos de trata-mento nos quais as pessoas acreditam e os indiví-duos a quem recorrem quando adoecem. Além dis-so, é também o estudo de como essas crenças e prá-ticas relacionam-se às mudanças biológicas, psi-cológicas e sociais do organismo humano, tanto na

saúde como na doença”(13).

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na zona oeste do Município de São Paulo e, em sua área física, há 14 prédios de um projeto habitacional municipal da década de 1990, e dezenas de casas construídas ilegalmente em terreno invadido.

A escolha do campo foi facilitada pelo conta-to diário da pesquisadora com o local e a popula-ção em potencial. Esta oppopula-ção baseou-se, também, no reconhecimento de que o grupo cultural estu-dado, caracterizado como de baixa renda, possui características compatíveis à atual expansão da epi-demia de aids no país, como menor renda e/ ou me-nor escolaridade.

Na comunidade escolhida para o estudo, no início da coleta de dados, existiam 62 mulheres com idade igual ou superior a 50 anos, destas, 13 parti-ciparam do estudo. Este número foi definido du-rante a coleta de dados, quando se verificou que o conteúdo das respostas se repetia, sem qualquer inclusão de novos temas. Foram estabelecidos os seguintes critérios para inclusão das mulheres: ter 50 anos de idade ou mais, ser atendida pelo PSF, morar há pelo menos um ano na comunidade sele-cionada para a realização do estudo, e ter história de contato prévio com a pesquisadora para atendi-mento de saúde.

Vale acrescentar que um dos princípios para a obtenção de dados significativos em pesquisa qualitativa reside no reconhecimento do pesquisa-dor pelo pesquisado. Desse modo, dentre as mu-lheres do segmento de interesse cadastradas no PSF, por meio da ficha de cadastro familiar, identi-ficaram-se aquelas que atendiam os critérios de in-clusão, as quais passaram a ser contatadas aleato-riamente. A coleta de dados ocorreu nos meses de setembro e outubro de 2005. As entrevistas, pre-viamente agendadas, foram obtidas individualmen-te, na residência das informantes, quando se pro-curou atender à privacidade de cada mulher.

No momento da entrevista, a pesquisadora preenchia o instrumento elaborado para a coleta de dados com registro de identificação/ caracteri-zação das informantes. Em seguida, apresentava a questão norteadora: “Fale como é viver sabendo que existe a aids”, iniciando-se a gravação em fita cassete.

A presente pesquisa foi aprovada pelo Comi-tê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, sob o número 084/ 2005. Precedendo a entrevista, todas as informantes as-sinaram o Termo de Consentimento Livre e Escla-recido (T CLE) após terem sido orientadas sobre o

estudo, pela própria pesquisadora, que lhes garantiu sigilo, anonimato e que seu atendimento pelo PSF não sofreria interrupção caso se recusassem ou de-sistissem de participar da presente pesquisa. Ca-da entrevistaCa-da recebeu uma via do TCLE enquan-to a outra via ficou com a pesquisadora.

Tratamento dos dados

Todas as entrevistas foram transcritas na ín-tegra e seus dados foram tratados segundo o mé-todo do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), que é uma proposta de organização de dados qualitati-vos que, neste estudo, se constituiu na fonte

ver-bal(14).

Após a transcrição literal dos relatos obtidos com cada entrevista, seu conteúdo sofreu inúme-ras leituinúme-ras para identificação dos trechos de inte-resse para o estudo. Em seguida foram extraídas as Expressões-Chave (ECH), que são transcrições de partes do relato das entrevistadas que revelam a essência de seu discurso; e suas respectivas Ideias Centrais (IC), que são os nomes/ expressões que descrevem de maneira objetiva o sentido de cada ECH. O passo seguinte se constituiu no agrupa-mento das Ideias Centrais com similaridade de con-teúdo, sempre agregadas às respectivas ECH. Des-te grupamento construíram-se os discursos, deno-minados DSC, que expressam a representação so-cial de todos os pesquisados sobre o objeto sob

es-tudo(14).

Os discursos são apresentados na primeira pessoa do singular, tendo como objetivo construir a fala de uma pessoa coletiva, como se fosse um su-jeito individual, representando dessa maneira, o

pensamento compartilhado do grupo sob estudo(14).

Como resultado da pesquisa matriz, a aplica-ção do método de tratamento dos dados possibili-tou a construção de 12 DSC. Destes, selecionaram-se aqueles que selecionaram-se relacionam às ações de prevenção da infecção pelo HIV, apontadas para o cotidiano das mulheres com idade igual ou superior a 50 anos, moradoras na comunidade campo do estudo.

RESULTADOS

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Caracterização das participantes

Os dados mostraram que a idade das mulhe-res variou entre 50 e 72 anos; dez tinham entre 50 e 59 anos; nove tinham até três anos completos de estudo; oito referiram renda mensal de até um sa-lário mínimo; cinco eram católicas e oito evangé-licas. A atividade de lazer mais citada foi a fre-quência ao culto religioso, seguida por assistir te-levisão. Somente duas mulheres haviam se subme-tido ao teste anti-HIV em algum momento da vida. Quando da coleta de dados, cinco mulheres viviam relacionamento estável, no entanto, oito ti-nham história de relacionamento estável anterior à pesquisa, o qual havia sido interrompido por se-paração ou por falecimento do parceiro.

Perguntadas sobre suas fontes de informação sobre HIV/ aids, verificou-se que dez mulheres ci-taram a televisão, cinco referiram conversas com amigos e vizinhos; duas citaram programas de rá-dio e, outras duas, tiveram como fonte as informa-ções obtidas pelo adoecimento de familiar próxi-mo. A leitura de revistas e cartazes em serviços de saúde foi apontada por uma participante.

Discurso do Sujeito Coletivo

Dentre os DSC resultantes do tratamento dos dados dos relatos referentes à questão norteadora, neste texto, optou-se pela apresentação de três dis-cursos, narrados a seguir.

DSC-01: Valorizando a prevenção:

Eu já ouvi falar que precisa se cuidar, se tem essa doen-ça, tem de se prevenir que é uma doença que acho que não tem cura, né?! Principalmente quem tem relação, evitar usando a camisinha, se cuidar e não sair com um aqui e outro “acolá”, e não ter uma camisinha. Acho que a pessoa que não se previne é porque é relaxada, né?! Eu vejo falar que o casal, mesmo dentro de casa, tem de usar o preservativo, porque às vezes vive com alguém que a gente acha que ele vive só com a gente, mas a gente não sabe, né?! Geralmente os homens tam-bém saem com várias mulheres. Vai confiar em marido hoje? Tem tantas mulheres que pegaram aids dos par-ceiros e elas nunca traíram os maridos, mas os maridos transmitiram o vírus para elas, né?! Também é impor-tante procurar fazer os exames, sabe? Fazer o HIV para ficar ciente que não tem o vírus e ficar tranquilo. Agora outros cuidados, bem, eu não sento em banheiro nenhum. Eu evito porque se sentar, a gente apanha doença. Tam-bém procuro não sentar em lugar que está muito

quen-te, que a pessoa levantou e eu não sei quem é. Se comer no prato que aquela pessoa comeu, se você tomar água naquele copo que a pessoa que tem aids tomou, não pega aids. Diz que através do beijo não tem nada também. Nem a pessoa convivendo junto na mesma casa. O cor-po, sem ter ferimento, sem te transmitir sangue, nem nada, você não pega.

DSC-02: Invisibilidade do HIV/ aids:

Você sabe que eu nem penso nisso? Eu não penso na aids. Sobre isso eu sei que não tem problema nenhum. É só eu e o meu marido, e eu confio nele, então não tem perigo. Aqui, em São Paulo, eu acho que ele nunca foi homem para isso, para me trair com outra, porque ele já me traiu, né?! Uma vez, mas eu acho que aqui é im-possível. Está certo que falaram para mim que ele é “muiezero”, que, no bar estava bebendo com mulher, né?! Agora se ele saía eu não sei. Ele tem muito medo de ficar doente, dessas doenças ele tem muito medo. En-tão, nada interfere assim, para mim. Eu só fico em casa mesmo, minha casa, meu marido, então não tem essas coisas de aids. Sinceramente eu nunca fiz nada para evitar. Não previno assim de nada não. Também ele nunca teve nada, eu estou bem e ele está também. En-tão, se você confiar no marido, né?! Se confiar nele, tudo bem, não precisa usar. Acho também que as pes-soas que têm suas esposas não vão andar “caçando” outras mulheres por aí. Eu também nunca fiz exame porque nunca pediram para fazer, nunca nem postinho nem nada. Mas espero que Deus me livre. Eu acho que eu não tenho não.

DSC-03: Rejeição à adesão ao preservativo:

Algumas vezes que eu fui experimentar [ o preserva-tivo] não achei bom e ele também não achou. Ele diz que não presta, que não acha bom. Usei porque surgiu, apareceu por aí, mas não é coisa que foi direto não, foram pouquinhas vezes. Foi só para experiência. É horrível, já é sacrifício demais PA ra mim sentir pra-zer, então, com a camisinha eu acho que foi pior ainda. Essa precaução eu não tomo. Eu não uso camisinha porque eu não gosto mesmo, só de ouvir o povo, é por isso mesmo que eu acho que já não gosto. Eu sei que o certo é usar, né?! Mas aqui dentro da minha casa não se usa.

DISCUSSÃO

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ví-rus. Dado que sugere a desinformações destas mu-lheres sobre a infecção.

Por outro lado, os DSC sob análise mostraram afirmações concordes com estudo onde as mulhe-res identificaram a realização do teste anti-HIV como meio para diagnosticar a doença, porém sua reduzida percepção de risco resulta em menos opor-tunidades para a testagem, pois não procuram por

esse tipo de serviço(11).

Ainda que o uso do preservativo seja apon-tado como conduta preventiva de infecção pelo HIV, encontraram-se ideias conflitantes sobre seu uso, pois este foi indicado somente para situações específicas, como nas relações sexuais com parcei-ros desconhecidos ou em caso de desconfiança da fidelidade do parceiro. Ao mesmo tempo, a neces-sidade de adesão ao preservativo, também, em re-lacionamentos estáveis relaciona-se à dificuldade em confiar na fidelidade do parceiro, pois acredi-tam na tendência masculina para a infidelidade e reconhecem que o comportamento infiel do par-ceiro potencializa o risco de infecção pelo HIV.

Dessa forma, os discursos mostraram a redu-zida percepção de risco de infecção pelo HIV pela via sexual. Neles transpareceu o sentimento de se-gurança, garantido pela adoção de comportamen-tos tidos como protetores da infecção, sendo o prin-cipal deles, o relacionamento monogâmico com o parceiro. A confiança na fidelidade do companhei-ro é sua principal garantia de pcompanhei-roteção contra a in-fecção.

Os relatos demonstraram, ainda, a visão pre-judicada das mulheres diante da possibilidade de contrair o HIV sexualmente, motivo que as influ-enciava para a não adesão ao preservativo em suas relações sexuais. Contudo, a contradição é reforça-da pelo fato de reconhecerem que os homens são naturalmente propensos a se envolver em relacio-namentos extraconjugais, assim, demonstraram relevar situações de traições passadas e de atitudes que sugeriam a continuidade desse comportamen-to do parceiro. Dessa forma, os DSC mostraram que as mulheres não demonstraram preocupação em modificar seu comportamento em relação à pre-venção da transmissão do HIV quando o enfoque é o relacionamento sexual.

Da mesma maneira, torna-se evidente que as relações de gênero, permearam a percepção de ris-co e a decisão para a adoção de medidas preventi-vas para a transmissão sexual do HIV. As atitudes descritas podem ser justificadas pela construção da

sexualidade feminina, compreendida pelo conceito de gênero, que pode ser uma possível explicação para a dificuldade para a prevenção do HIV entre as mulheres. Isto porque, o amor, no mundo femi-nino, adquire forte sentido de abnegação de si mes-ma em função do outro, caracterizando um exercí-cio constante de silenciar e conformar-se. Em con-trapartida, o homem é visto como possuidor de um caráter sexual incontrolável, indomável, que requer satisfação sempre imediata, nunca recusando um relacionamento sexual, mesmo que seja

extracon-jugal, de modo a, assim, provar sua virilidade(15,16).

Tais concepções, talvez possam explicar a atitude passiva dessas mulheres frente à infidelidade do parceiro.

Para justificar a confiança no companheiro, discursaram sobre a crença de que o medo da aids é capaz de impedir a infidelidade conjugal e, assim, acreditavam que seus parceiros não se arriscariam a se infectar pelo HIV, em relações com outras mu-lheres. Outro dado relevante repousa no fato de que estas mulheres reconheciam o parceiro como saudável.

Evidenciaram-se, assim, as contradições apre-sentadas pelo grupo estudado, referentes ao que realmente poderia potencializar a percepção do ris-co de se infectar pelo HIV e, assim, motivar a ade-são ao preservativo em suas relações sexuais. Uma possível explicação, talvez seja o fato de perceberem a aids como a doença do “outro”, ou seja, distante da sua vida regrada e moralmente correta, visto que referiram não realizar ações que as colocassem sob risco. Dessa maneira, embora reconheçam a im-portância do uso do preservativo para a prevenção da transmissão do HIV, os DSC mostraram que as mulheres nunca ou raramente o utilizavam e, tam-bém, não demonstraram intenção de usá-lo.

A ausência de percepção de risco também foi encontrada em pesquisa qualitativa realizada em Florianópolis, Santa Catarina,, com 13 pessoas por-tadoras do HIV. Os resultados demonstraram que antes do diagnóstico os entrevistados não se

sen-tiam vulneráveis à infecção(17).

Estudo nacional realizado no Vale dos Sinos, Rio Grande do Sul, que teve como objetivo verifi-car o comportamento e o conhecimento sobre HIV/ aids, também encontrou dados que mostram a não adesão ao preservativo entre os idosos. Dentre os 510 frequentadores de grupos de convivência da terceira idade entrevistados, 86,3% não usavam

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Pesquisa realizada em Sydney, Austrália, por meio do levantamento de dados constantes em 2438 prontuários de pessoas com idade igual ou superior a 50 anos, atendidas em uma clínica especializada em saúde sexual, entre 1993 e 2003, encontrou me-nos relatos de uso do preservativo entre as mulhe-res. Entre estas, 19% referiram ter usado o preser-vativo em uma ou mais relações sexuais ocorridas nos três meses precedentes à entrevista, enquanto que 54% dos homens apontaram a mesma respos-ta(19).

No DSC-03 ficou claro que o uso do preser-vativo teve como única motivação a curiosidade em experimentá-lo. Além disso, a não adesão ao pre-servativo em todas as relações sexuais foi justifica-da pela interferência negativa na qualijustifica-dade justifica-da re-lação sexual.

A crença na fidelidade do companheiro e a não valorização de seu passado com relação às atitudes que poderiam tê-lo infectado são fatores que ge-ram o não emprego do preservativo, cuja imagem negativa favorece o desinteresse em usá-lo, tam-bém, no futuro. Para as mulheres que utilizaram o preservativo, a tendência é atribuir-lhe interferên-cia no prazer durante o ato sexual, bem como rela-cionar seu uso à curiosidade. De onde se deduz que medidas de prevenção da transmissão do HIV não têm impacto suficiente na modificação do compor-tamento destas mulheres.

Cabe destacar que os gestores de saúde, no Brasil, aparentemente, despertaram para o envol-vimento da mulher fora do período reprodutivo na epidemia de HIV/ aids. Visto que a campanha nacional de prevenção à aids para o carnaval 2009 teve como slogan: “Sexo não tem idade para aca-bar. Proteção também não”. A ação foi voltada para a prevenção da doença em mulheres acima dos 50 anos após pesquisas nacionais demonstrarem que este grupo, apesar de afetado pela epidemia, reluta em aderir ao uso do preservativo em suas relações

sexuais(20).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os achados deste estudo sugeriram desinfor-mação da mulher com idade igual ou superior a 50 anos sobre o HIV/ aids, com perpetuação de abor-dagens do senso comum nas ações de prevenção sexual da infecção pelo HIV.

Os dados são um alerta para os profissionais de saúde que atuam com indivíduos na faixa etária

de interesse deste estudo. Tal afirmação realça a necessidade de sensibilização sobre a realidade da vida sexual deste segmento populacional que con-tinua ativo, sendo realizada sem proteção, sujeitan-do seus membros a comportamentos de risco para a infecção pelo HIV. Dessa maneira, julga-se que a discussão desses aspectos, durante consultas com os idosos, seja de fundamental importância para a divulgação de informações e para mudanças de comportamento dessa população.

As intervenções, que visam à prevenção da transmissão do HIV, além de considerarem a dis-seminação do conhecimento sobre a infecção, de-vem, também, considerar temas de difícil aborda-gem, por serem impregnados de valores morais, tais como a percepção de risco e as questões de gê-nero, aspectos que se apresentaram nos discursos e que mostram ser determinantes à adesão a com-portamentos preventivos.

Os achados desta pesquisa evidenciam a ne-cessidade de as intervenções para a prevenção da transmissão do HIV serem culturalmente emba-sadas, considerando as crenças, as informações e as necessidades do grupo-alvo e, dessa maneira, des-pertá-lo para reflexões e para provocar alterações de comportamento diante da epidemia de aids.

Ao se concluir este texto, reforça-se a impor-tância de um movimento contínuo para a constru-ção do conhecimento científico nacional sobre aids na população de mulheres com 50 anos de idade ou mais e a importância do trabalho interdisciplinar, em programas de intervenção que propiciem a re-dução do número de infectados pelo HIV também nesta faixa etária.

REFERÊNCIAS

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Endereço da autora / Dirección del autor / Author’s address:

Daniela Angelo de Lima Rodrigues Rua Deputado Salvador Julianelli, s/ n, Barra Funda

Coordenação da Pós-Graduação (Lato Sensu), 9ª andar

01156-080, São Paulo, SP

E-mail: daniangelo@uninove.br

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