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rezado leitor, não estranhe o título desta reportagem. De acordo com a nova ortograia da língua portuguesa, os ditongos abertos não levam mais acento circunlexo, bem como não se acentuam mais as palavras terminadas em eem e oos. Cerca de 0,5% de nosso vocabulário sofrerá alterações; em Portugal, o índice chega a 1,5%.Assinado em Lisboa, aos 16 de dezembro de 1990, por Portugal, Brasil, Angola, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Gunié-Bissau, Moçambique e, posteriormente, pelo Timor Leste, o novo acordo ortográico padroniza as regras para os oito paí-ses que têm o português como idioma oicial. Essas nações constituem a CPLP, Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Dos 6,6 bilhões de habitantes de todo o mundo, 240 milhões falam português.
Conforme relata o professor Godofredo de Oliveira Neto, membro da Acade-mia Brasileira de Letras e presidente da Comissão da Língua Portuguesa (órgão ligado ao Ministério da Educação que mediou a implantação do acordo no Brasil), a universalização de nossa língua trará benefícios em diversos campos.
Um deles, segundo Oliveira Neto, é a chance de o português tornar-se, com a uniicação, uma língua oicial da Organização das Nações Unidas. “Não será mais preciso imprimir várias vias de atas e relatórios em português nas convenções internacionais”, explica. “Isso facilita a criação de um bloco lusófono e traz mais visibilidade aos países signatários em um mundo globalizado.” Hoje, seis línguas são oiciais perante a ONU: inglês, francês, chinês, russo, espanhol (falado em 21 países com ortograia padronizada) e árabe.
NOVAS IDEIAS,
VOOS MAIS ALTOS
O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa entra em vigor para facilitar o intercâmbio
cultural e as negociações entre países lusófonos
Por Geoffrey Scarmelote
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O meio acadêmico também agra-dece as mudanças. A divulgação do conhecimento é facilitada, já que um artigo brasileiro, por exemplo, não pre-cisa ser reescrito para ser publicado em Portugal. A professora Fabiana Câme-ra, docente de Negociações Complexas do curso de Contratos Empresariais da Fundação Getulio Vargas, ressalta que o acordo reduzirá os custos de produ-ção e adaptaprodu-ção de livros, além de fa-cilitar a difusão bibliográica de novas tecnologias. “Esta uniicação permite a inserção dos países de língua portu-guesa em nações desenvolvidas, pois al-gumas publicações deixam de circular internacionalmente porque dependem de versão”, endossa.
A circulação de livros didáticos en-tre os países da CPLP é outro ponto forte do acordo. O professor Oliveira Neto cita uma doação de livros didáti-cos brasileiros, de história
e geograia, feita para An-gola há alguns anos. O lote não foi aproveitado devido às diferenças ortográicas, que atrapalhavam o enten-dimento das crianças. “Os livros foram queimados, o que é uma pena. Uma aju-da a um país irmão que foi jogada fora.” A professora Fabiana Câmera ressalta que essa troca já
aconte-ce, com sucesso, nos países de língua espanhola. No entanto, lembra o alto custo da reimpressão.
Porém, as editoras não devem ter prejuízo, diz Oliveira Neto. “Até 2012
[prazo máximo para adoção do acordo por parte das editoras], haverá tempo suiciente para escoar o que for neces-sário”, airma. A professora Simone Pierri, que leciona língua portuguesa e redação para mais de 500 alunos de ensino médio e técnico no Liceu de Artes e Ofícios, tradicional colégio na região central de São Paulo, diz que os livros impressos com as normas antigas “podem até mesmo funcionar como um teste para saber se houve a assimi-lação ou não das informações dadas em aula sobre a reforma ortográica”. Além disso, Oliveira Neto frisa que o volume de comércio dos livros será grande, principalmente os didáticos. “Não dá pra cobrar José Saramago nos ensinos
fundamental e médio, mas não é só na literatura que as editoras terão espaço para exportar obras.”
Na prática, a educação será benei-ciada pelos crescentes convênios entre universidades brasileiras e angolanas. Fabiana Câmera cita a parceria entre a EBAPE (Escola Brasileira de Admi-nistração Pública e de Empresas), da FGV-RJ, que coopera com um MBA em Gestão de Empresas em Angola. Já Oliveira Neto assinala a criação da Uni-lab, Universidade Luso Afro-Brasileira, em Redenção, no Ceará. A própria de-manda de cursos da Unilab está voltada para as áreas em evidência nos países da CPLP, como agricultura e medicina, em parceria com a Fundação Osvaldo Cruz, do Rio de Janeiro. Todos os do-cumentos e trabalhos acadêmicos da Unilab são redigidos na nova ortograia. Para as escolas de ensino
fundamen-tal e médio, o Ministério da Educação colocou em prática uma campanha de divulgação, intermediada pelas secreta-rias estaduais e municipais de ensino, para difundir a nova ortograia. Mas não haverá iscalização por parte do gover-no federal para veriicar a aplicação do VOLP (Vocabulário Oicial da Língua Portuguesa) nas escolas.
O que, para Simone Pierri, não pare-ce ser problema. Os materiais adotados no colégio em que trabalha já utilizam as novas regras. O trabalho em classe também contribuiu para a assimilação. “Dediquei a primeira semana de aulas ao novo acordo. Preparei um material em power point, comentei, discuti cada tópico com os alunos e o enviei para que estudassem”, explica. “Além disso, trouxe textos de especialistas e vídeos de reportagens sobre a temática para promovermos uma relexão sobre os aspectos positivos e negativos da
refor-ma.” Mas os alunos ainda questionam as mudanças. “Alguns confessam a di-iculdade para escrever determinadas palavras sem o acento e nos colocam que a ausência despersonaliza, segun-do eles, o vocábulo.” Diiculdade que é compartilhada por Fabiana Câmera: “No ambiente acadêmico a adoção das novas regras acontece de forma lenta. Cabe ainda ao professor os alertas sobre a correção ao novo padrão ortográico”. No Liceu de Artes e Ofícios, por exem-plo, haverá um período de adaptação dos alunos e dos professores. Por lá as novas regras serão cobradas a partir do segundo semestre.
Na área comercial, a adaptação ao acordo ainda é lenta, ressalta Fabiana Câmera. Mas os ganhos também serão signiicativos. “Destaco as negociações entre Brasil e Angola, no qual podemos citar o exemplo do grupo Odebrecht, que mantém diversos ne-gócios em território ango-lano”, lembra a docente da FGV. “Podemos enumerar também a produção de açúcar e etanol em Angola pela Odebrecht, em parce-ria com a estatal angolana Sonangol, além de par-ticipações na construção do primeiro shopping de Angola e de outros empre-endimentos imobiliários, autoestradas e reabilitação de barra-gens”, assinala. Todas essas negocia-ções ganham agilidade, já que não será mais preciso imprimir vias em graias diferentes para os contratos, além da economia de papel, que contribui para a preservação do meio ambiente.
Oliveira Neto diz que a “hermenêu-tica cria problemas”, e que, de fato, as negociações luirão mais rapidamente com a universalização do idioma. Na área tecnológica, está em estudo a ado-ção de um vocabulário tecnocientíico uniicado. “Até por causa da informá-tica, a graia padrão de alguns termos técnicos pode baratear o custo de sof-twares, que hoje têm uma versão em português brasileiro e outra em portu-guês de Portugal”, reforça. Mas as ca-racterísticas do vocabulário de cada país serão mantidas. “No Brasil, tapete sem-pre será tapete e, em Portugal, alcatifa sempre será alcatifa.”
Alfabeto
O alfabeto passa a ter 26 letras. Foram introduzidas as letras K, W e Y.
Trema
Não se usa mais o trema (¨), sinal colocado sobre a letra u para indicar que ela deve ser pronunciada nos grupos gue, gui, que, qui;
Como era Como fica Agüentar Aguentar Argüir Arguir Bilíngüe Bilíngue
Atenção: porém, o sinal permanece nas palavras estrangeiras e em suas derivadas: Müller, mülleriano.
Acentuação
1. Não se usa mais o acento dos ditongos abertos éi e ói das palavras paroxítonas
Como era Como fica Alcalóide Alcaloide
Bóia Boia
Colméia Colmeia
Atenção: essa regra é válida somente para palavras paroxítonas. Assim, continuam a ser acentuadas as palavras oxítonas terminadas em eis, eu, éus, ói, óis, como papéis, herói e troféu.
2. Nas palavras paroxítonas, não se usa mais o acento no i e no u tônicos quando vierem depois de um ditongo.
Como era Como fica Feiúra Feiura
Atenção: se a palavra for oxítona e o i ou o u estiverem em posição final (ou seguidos de s), o acento permanece: tuiuiú, Piauí.
3. Não se usa mais o acento das palavras em êem e ôo(s).
Como era Como fica Abençôo Abençoo
Lêem Leem
Vôos Voos
4. Não se usa mais o acento que diferenciava os pares
pára/para, péla(s)/pela(s), pêlo(s)/pelo(s), polo(s)/pólo(s) e pêra/pera. Atenção: Permanece o acento diferencial em pôde/pode, e também os acentos que diferenciam o singular e o plural dos verbos ter e vir.
FONTE: GUIA PRÁTICO DA NOVA ORTOGRAFIA MICHAELIS, Douglas Tufano – Editora Melhoramentos