FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS ESCOLA DE DIREITO FGV DIREITO RIO
GRADUAÇÃO EM DIREITO
ENIO EDUARDO FERREIRA FRANCO GUEDES
Suspeição e Impedimento nos processos objetivos de Controle de Constitucionalidade Concentrado
FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS ESCOLA DE DIREITO FGV DIREITO RIO
GRADUAÇÃO EM DIREITO
ENIO EDUARDO FERREIRA FRANCO GUEDES
Suspeição e Impedimento nos processos objetivos de Controle de Constitucionalidade Concentrado
Trabalho de Conclusão de Curso, sob
orientação do professor André Cyrino
apresentado à FGV DIREITO RIO como
requisito parcial para obtenção do grau de
bacharel em Direito
FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS ESCOLA DE DIREITO FGV DIREITO RIO
GRADUAÇÃO EM DIREITO
Suspeição e Impedimento nos processos objetivos de Controle de Constitucionalidade Concentrado
Elaborado por ENIO EDUARDO FERREIRA FRANCO GUEDES
Trabalho de Conclusão de Curso, sob
orientação do professor André Cyrino
apresentado à FGV DIREITO RIO como
requisito parcial para obtenção do grau de
bacharel em Direito
Comissão Examinadora: Orientador: André Cyrino
Examinador 1: Rafael Koatz
Examinador 2: Flávia Bahia
Assinaturas:
André Cyrino
Rafael Koatz
Flávia Bahia
Nota Final:____________
DEDICATÓRIA
Em memória ao meu querido avô, Enio Eduardo Guedes, cujo amor e
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, agradecer ao meu orientador pela paciência e grande ajuda e
todos os demais professores que contribuíram de alguma forma. Meus pais e
minhas irmãs, cuja companhia e apoio foram fundamentais. Aos meus avós, a minha
“mãe” Rufina, a minha tia Rita, e todo e qualquer familiar que me acompanhou.
Finalmente, porem não menos importante, aos meus grandes amigos, companheiros
na dura caminhada acadêmica, sem os quais seria total e completamente impossível
RESUMO:
O Brasil adota o sistema hibrido de controle de constitucionalidade, englobando tanto a modalidade difusa como a concentrada. O objeto do trabalho é o controle concentrado, que se caracteriza por um processo objetivo onde inexistem partes em sentido formal e conflito de interesses subjetivos. Aprioristicamente, a objetividade dá a entender que institutos que dizem respeito à subjetividade do julgador, como o impedimento e a suspeição, não seriam aplicáveis. O posicionamento do Supremo Tribunal Federal se aproxima desta concepção, aceitando hipóteses muito restritas de aplicação do impedimento e rechaçando a incidência da suspeição. Esta posição reclama urgente revisão por parte da Corte pelas razões expostas e estudos de julgados apresentados no trabalho.
ABSTRACT:
Brazil adopts the hybrid system of judicial review, encompassing both the diffuse and the concentrated form. The object of this work is the concentrated form, which is characterized by an objective process where there are no parts in the formal sense and conflict of subjective interests. Priori, objectivity implies that institutions that relate to the subjectivity of the judge, such as the impediment and suspicion, would not apply. The positioning of the Supreme Court approaches this concept, accepting very limited chance of application of impediment and the incidence of suspicion. This position calls for an urgent review by the Court for the reasons given and studies presented in this work.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ... 9
1 – DO PROCESSO OBJETIVO ... 11
2 - DO IMPEDIMENTO E DA SUSPEIÇÃO... 19
2.1 – Generalidades ... 19
2.2 – Do Impedimento ... 24
2.3 – Da Suspeição ... 28
3 – DO IMPEDIMENTO E DA SUSPEIÇÃO NOS PROCESSOS OBJETIVOS ... 33
3.1 – Do impedimento nos processos objetivos ... 35
3.2 – Dos Ministros que atuaram no Tribunal Superior Eleitoral ... 36
3.3 – Do Impedimento do Advogado-Geral da União ... 38
3.4 – Do Ministro autor do projeto de lei impugnado ... 39
3.5 – Da Suspeição nos processos objetivos ... 40
CONCLUSÃO ... 45
INTRODUÇÃO
O controle de constitucionalidade no direito brasileiro tem característica
híbrida. O sistema pátrio incorporou o modelo difuso, originário dos Estados Unidos,
e o sistema concentrado, cujas origens vêm da Europa.
O controle concentrado, exercido por meio das Ações Diretas de
Inconstitucionalidade, Ações Declaratórias de Constitucionalidade, Ações Diretas de
Inconstitucionalidade por Omissão e Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental, inaugura um processo caracterizado pela jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal e a melhor doutrina como processo objetivo.
A objetividade reside no fato de não haver nestas ações partes propriamente
ditas e nem conflitos de interesses subjetivos. Será impugnada apenas a compatibilidade da norma para com a Constituição Federal.
Esta característica do controle concentrado pode levar a errônea concepção
de que não seria possível cogitar a aplicação dos institutos do impedimento e da
suspeição aos Ministros do Supremo Tribunal Federal. A jurisprudência da Corte tem
posicionamento restrito quanto ao tema, tomando sempre como justificativa o caráter
objetivo dos processos. Reclama, então, urgente revisão a postura do STF.
O presente trabalho objetiva questionar este posicionamento. A postura do
Tribunal vislumbra, de forma irreal, um processo supostamente asséptico, como será
demonstrado.
Por meio de esforços teóricos, análise da doutrina e da jurisprudência,
propõe-se um estudo sobre a possibilidade de questionar a parcialidade dos
julgadores, sua subjetividade, mesmo no âmbito dos processos de caráter objetivo.
A análise começa definindo o processo objetivo por meio da doutrina e
jurisprudências mais recentes do Supremo Tribunal Federal.
Posteriormente, serão analisados a fundo os institutos do impedimento e da
suspeição, estudando a jurisprudência, doutrina e as hipóteses de aplicação.
Por fim, a análise será focada no tratamento do STF para com o impedimento
e suspeição, discutindo posicionamentos doutrinários e julgados, objetivando
embasar a crítica e evidenciar a urgente necessidade de revisão ao posicionamento
A ideia a ser defendida é que não há razões para perpetuar tamanha
assepsia, como a abraçada pelo STF. Por mais objetivo que seja o processo, ele
possui aspectos de subjetividade devendo, então, o controle concentrado garantir a
própria imparcialidade, o que pode implicar na admissão de institutos como a
1 – DO PROCESSO OBJETIVO
A fiscalização acerca da constitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder
Público se faz por meio de dois modelos: o controle difuso e o controle concentrado.
O controle difuso permite que qualquer juiz ou tribunal reconheça a
inconstitucionalidade da norma e deixe de aplica-la ao caso concreto. Esta
modalidade de fiscalização teve origem com o julgamento do caso Marbury v.
Madison em 1803 pela Suprema Corte Americana1. Tudo começou no ano de 1800, com a derrota do Presidente John Adams e seus aliados para a oposição
republicana, liderada pelo então vencedor Thomas Jefferson, que viria a ser o novo
Presidente. Aproveitando que ainda detinha maioria no Congresso, John Adams e
os federalistas arquitetaram engenhosa manobra para manter sua influência política
por meio do Judiciário. Em 1801, aprovaram o Circuit Court Act, uma lei de
reorganização do Poder Judiciário que, dentre outras providências, reduziu o
número de Ministros da Suprema Corte visando impedir nova nomeação do
Presidente que assumiria e criou dezesseis novos cargos de juiz federal a serem
preenchidos com aliados federalistas de John Adams2.
Novamente, em 1801, a nova lei, the Organic Act of the District of Columbia,
autorizou a nomeação de quarenta e dois juízes de paz indicados pelo Presidente
John Adams e confirmados pelo Senado em 3 de março, véspera da posse de
Jefferson. Com os atos de investidura assinados por Adams no último dia de seu
governo, o então Secretário de Estado, John Marshall ficara com a tarefa de
entregá-los a todos os nomeados em apenas um dia. Importante registro é que o
próprio Marshall havia sido indicado por Adams para ocupar o cargo de presidente
da Suprema Corte, permanecendo no de Secretário de Estado até o último dia do
mandato de Adams.
1
BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 69.
2
Com a posse de Thomas Jefferson, James Madison, seu Secretário de
Estado, fora orientado pelo próprio Presidente a não entregar os atos de investidura
àqueles que não o haviam recebido. Um dos juízes de paz nomeados e não
empossados era William Marbury, que não se conformou e propôs ação judicial
denominada writ of mandamus para que fosse reconhecido seu direito ao cargo,
baseando seu pedido em uma lei de 1789, o Judiciary Act, que atribuía a
competência originária da Suprema Corte Americana para julgamento deste tipo de
ação.
No julgamento, ocorrido em 1803, John Marshall desenvolveu brilhante
argumentação acerca da supremacia da Constituição, sobre o judicial review e da
competência do Judiciário. Ao analisar a competência da Suprema Corte para
julgamento do writ, Marshall desenvolveu seu argumento histórico, ao sustentar que
o §13 da Lei Judiciária de 1789 era inconstitucional por criar competências
originárias à Suprema Corte fora daquelas previstas na Constituição. Fundamentou
seu argumento de que a Corte, bem como qualquer juiz, poderia deixar de aplicar lei
inconstitucional inválida com base na Supremacia da Constituição, nulidade da Lei
que contrarie a Constituição e no Judiciário como intérprete final da Constituição3. O controle por via incidental ocorre quando o pronunciamento sobre a
constitucionalidade da norma faz parte da lógica do raciocínio desenvolvido pelo
aplicador do direito. Ainda que o controle difuso e o controle incidental não se
confundam conceitualmente, no Brasil eles convivem no sentido de que o controle
incidental é exercido de modo difuso, cabendo a todos os órgãos judiciais, bem
como nos tribunais superiores, realizar o controle e deixar de aplicar a norma que vai
contra a norma maior4. A exceção é a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, única hipótese onde é possível controle incidental concentrado5.
Por sua vez, o controle concentrado é exercido por um único órgão. Trata-se
de modalidade de fiscalização independente de disputa entre as partes ou da
existência de lide. Não se cuidará da tutela de direitos subjetivos, mas sim unicamente sobre a discussão acerca da validade da lei em si, cuidando do
3
BARROSO, Luís Roberto. Ibidem. p. 30.
4
BARROSO, Luís Roberto. Ibidem. p. 116.
5
ordenamento jurídico e eliminando norma incompatível com a Constituição. Sem
haver lide e nem partes, será inaugurado um processo que se convencionou
denominar objetivo. O órgão jurisdicional poderá ser provocado a se manifestar
sobre a compatibilidade da norma com a Constituição por um rol restrito de
legitimados. Essa restrição se justifica por se tratar de instrumentos de controle com
caráter institucional onde não se defende interesses, mas sim a ordem do sistema
jurídico6.
O sistema jurídico brasileiro adota o modelo eclético, misto ou híbrido de controle de constitucionalidade, coexistindo o modelo difuso e o modelo
concentrado.
O modelo concentrado, objeto de análise no presente trabalho, implantado
pela Emenda Constitucional n. 16 de 26 de novembro de 1965, ainda sob a vigência
da Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 19467, no Regime Militar, é exercido por um único órgão criado especialmente para essa finalidade, conforme
previamente mencionado. Essa emenda também trouxe, dentre outras inovações,
ampliação do rol de legitimados para a propositura de Ação Direta de
Inconstitucionalidade, presentes no art. 103 da Constituição da República Federativa
do Brasil de 05 de outubro de 19888, bem como os instrumentos de controle de constitucionalidade por omissão e os mecanismos de controle em âmbito estadual.
A modalidade é utilizada principalmente nas constituições europeias sendo
também conhecido como modelo austríaco, consagrado por obra de Hans Kelsen
quando da elaboração da Constituição da Áustria em 1920 e aperfeiçoado com a
6
BARROSO. Luís Roberto. Ibidem. p. 69/70.
7
BRASIL. Constituição dos Estados Unidos do Brasil (1946). Emenda Constitucional n. 16, de 26 de Novembro de 1965: “Art. 101. Ao Supremo Tribunal Federal compete: I – processar e julgar originariamente: k) a representação contra inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa, federal ou estadual, encaminhada pelo Procurador Geral da Republica”.
8
reforma constitucional em 1929. O autor austríaco contribuiu decisivamente para que
se transformasse a Corte Imperial austríaca em Corte Constitucional, o que,
segundo suas próprias palavras, foi “a primeira desse tipo na história do Direito
Constitucional, pois até então nenhuma Corte havia recebido competência para
revogar leis por motivo de inconstitucionalidade com efeito geral e não restrito ao
caso particular”9. Para o ilustre autor austríaco, o controle de constitucionalidade não seria verdadeiramente uma atividade judicial, mas sim uma função constitucional
que se caracterizava como uma atividade legislativa negativa, isso significa que, para Kelsen, a lei inconstitucional era válida e os juízes não poderiam deixar de
aplicá-la até que houvesse pronunciamento da Corte acerca de sua
inconstitucionalidade. Em última instância, importa dizer que a norma
inconstitucional não seria nula, mas meramente anulável. Dessa forma, a decisão
constitutiva negativa reconheceria apenas efeitos ex nunc, produzindo efeitos
prospectivos e nenhum retroativo10.
No Brasil, o controle concentrado é exercido, via de regra, pelo Supremo
Tribunal Federal, conforme disposto no art. 102 da Constituição Federal11. A Corte pode ser provocada a manifestar-se, no controle concentrado, por meio da Ação
Direta de Constitucionalidade, a Ação Declaratória de Constitucionalidade, a Ação
Direta de Inconstitucionalidade por Omissão e pela Arguição por Descumprimento
de Preceito Fundamental. Essas ações possuem um rol limitado de legitimados
ativos, trazidos exaustivamente no art. 103 da Constituição Federal12, a saber: o
9
HAIDAR, Rodrigo. Autobiografia de Kelsen revela o homem e o Teórico. Consultor Jurídico, Brasília, ago. 2011. Disponível em <http://www.conjur.com.br/2011-ago-13/autobiografia-hans-kelsen-revela-homem-teorico>. Acesso em: 14.08.11.
10
BARROSO, Luís Roberto. Ibidem, p. 69.
11
BRASIL. Constituição Federal (1988). “Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal; (...) § 1.º A argüição de descumprimento de preceito fundamental, decorrente desta Constituição, será apreciada pelo Supremo Tribunal Federal,
na forma da lei”. Disponível em <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em 31.05.11.
12
Presidente da República, a Mesa do Senado Federal, a Mesa da Câmara dos
Deputados, a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito
Federal, o Governador de Estado ou do Distrito Federal, o Procurador-Geral da
República, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Partido Político
com Representação no Congresso Nacional e Confederação Sindical ou entidade de
classe de âmbito nacional.
Todos estes instrumentos possuem amparo expresso na Constituição Federal
e são devidamente regulamentadas por legislação infraconstitucional. A Lei 9.868 de 10 de novembro de 199913 regulamenta a Ação Direta de Constitucionalidade, a Ação declaratória de Constitucionalidade e a Ação Direta de Inconstitucionalidade
por Omissão - esta, em exceção as demais, não encontra amparo constitucional,
sendo devidamente amparada e regulamentada na lei supracitada -, enquanto a
Arguição por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) se encontra
regulamentada pela lei 9.882 de 03 de Dezembro de 199914.
O sistema de controle de constitucionalidade concentrado caracteriza-se por
inaugurar um processo objetivo. Eis, então, o ponto crucial a ser tratado neste
capítulo.
No que se refere à objetividade, o autor GUSTAVO BINENBOJM15 considera que
“(...) o processo de controle abstrato da constitucionalidade não envolve pessoas ou interesses concretos, cingindo-se à aferição, em
Brasil; VIII - partido político com representação no Congresso Nacional; IX - confederação sindical ou
entidade de classe de âmbito nacional”. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em 31.05.11.
13
BRASIL. Lei 9868, de 10 de novembro de 1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da ação
direta de Inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo
Tribunal Federal. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9868.htm>. Acesso em
01.06.11.
14
BRASIL. Lei 9882, de 03 de dezembro de 1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da arguição
de descumprimento de preceito fundamental, nos termos do § 1º do art. 102 da Constituição Federal.
15
BINENBOJM, Gustavo. A Nova Jurisdição Constitucional Brasileira: Legitimidade democrática
tese, da compatibilidade de uma norma determinada com outra que lhe é hierarquicamente superior”.
A função jurisdicional exercida nos processos subjetivos se destina à solução
de controvérsias entre as partes apenas. Em se tratando do controle de
constitucionalidade pela via principal, ainda que indiscutivelmente se trate de
exercício de função jurisdicional, assevera Luis Roberto Barroso16 que “é um exercício
atípico de jurisdição, porque nele não há um litígio ou situação concreta a ser solucionada
mediante aplicação da lei pelo órgão julgador. Seu objeto é um pronunciamento acerca da
própria lei”.
CLÉMERSON MÉRLIN CLÉVE17 também se manifesta no mesmo sentido, assinalando que “inaugurando, a ação direta genérica, um processo objetivo, inexistem partes, lide e contraditório. Não há aqui um processo contraditório, no qual as partes litigam
pela defesa de direitos subjectivos ou pela aplicação de direito subjectivamente relevante”.
Ratificando o entendimento, o autor português JOSÉ JOAQUIM GOMES
CANOTINHO18 assevera:
“Relacionado com o controlo concentrado e principal, o controlo abstracto significa que a impugnação da constitucionalidade de uma norma é feita independentemente de qualquer litígio concreto. O controlo abstracto de normas não é um processo contraditório de partes; é, sim, um processo que visa sobretudo a “defesa da constituição” e do princípio da constitucionalidade através da eliminação de actos normativos contrários a Constituição. Dado que se trata de um “processo objetivo”, a legitimidade para solicitar este controlo é geralmente reservada a um número restrito de entidades. (...)
o processo abstrato de controle de normas não é um processo
contraditório, no qual as partes “litigam” pela defesa de direitos
subjectivos ou pela aplicação de direito subjectivamente relevante. Trata-se fundamentalmente, de um processo objetivo sem contraditores, embora os autores do acto normativo submetido a impugnação possam ser ouvidos (daí a utilidade de se falar em legitimidade processual ativa)”19.
16
BARROSO, Luís Roberto. Ibidem. p. 175/176.
17
CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no Direito Brasileiro. 2. ed. São Paulo: RT, 1995, p. 119.
18
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constitucional. 7 ed. Coimbra: Edições Almedim Coimbra, 2000, p. 900.
19
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal também já se manifestou sobre
o tema em análise. O Ministro Celso de Mello, na Reclamação nº 397-3 Rio de
Janeiro20, asseverou que:
“A importância de qualificar o controle normativo abstrato de constitucionalidade como processo objetivo – vocacionando exclusivamente à defesa, em tese, da “harmonia do sistema constitucional, ferida pela manutenção de lei produzida em desrespeito a Constituição” (CELSO RIBEIRO BASTOS, “Curso de Direito Constitucional”, p. 327, 11ª ed., 1989, Saraiva) -, além de refletir entendimento exposto em autorizado magistério (CLÈMERSON MERLIN CLÈVE, “A Fiscalização Abstrata de Constitucionalidade no Direito Brasileiro, p. 112, 1995, RT; NAGIB SLAIBI FILHO, “Ação Declaratória de Constitucionalidade”, p. 106, 2ª ed., 1995, Forense; GILMAR FERREIRA MENDES, “Controle de Constirucionalidade – Aspectos Jurídicos e Políticos”, p. 250, 1990, Saraiva), encontra apoio na própria jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, por mais de uma vez, já efetivou a objetividade desse instrumento de proteção in abstracto da ordem constitucional (RTJ 113/22, Rel. Min. NÉRI DA SILVEIRA; RTJ 231/1001, Rel. Min. CELSO DE MELLO; RTJ 136/467, Rel.Min. CELSO DE MELLO), inclusive para o efeito de desautorizar o próprio ingresso de particulares, voltados a defesa de seus interesses subjetivos, no âmbito formal do processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade (ADIN 1.286-SP (AgRg), Rel. Min. ILMAR GALVÃO”.
O Min. Celso de Mello enfatiza, novamente, a natureza objetiva do processo
de fiscalização abstrato de constitucionalidade e ainda traz importante diferenciação
para os processos objetivos, onde há lide e partes, afirmando ainda o caráter
autônomo das normas relativas ao processo constitucional, relativizando a
subsidiariedade das normas atinentes aos processos objetivos às normas dos
processos subjetivos, a saber:
“Daí a advertência do magistério doutrinário (VITALINO CANAS, “Os processos de Fiscalização da Constitucionalidade e da Legalidade pelo Tribunal Constitucional – Natureza e Princípios Estruturantes, p. 87/89, 1986, Coimbra Editora), que, fazendo clara distinção entre processo constitucional de controle abstrato, de índole objetiva, e o processo comum ou geral, de caráter subjetivo, assinala, verbis:
“De tudo que escrevemos nas páginas anteriores só se pode extrair uma conclusão: o direito processual constitucional não pode deixar de ser um direito processual autônomo, regido por
20
princípios próprios, necessariamente pouco fungíveis com os dos processos jurisdicionais típicos.
Estes últimos têm por fim resolver lides ou conflitos intersubjectivos de interesses que se manifestem em concreto. E se não quiser ficar preso no conceito, porventura demasiado rígido, de lide pelo menos terá de se reconhecer que nesses processos vêm sempre envolvidos interesses subjectivos.
...
Diferentemente, os processos de fiscalização da constitucionalidade (...) são processos objetivos, já que não visam o julgamento de lides ou até mesmo de simples controvérsias (embora por vezes haja controvérsia sobre a questão; isso não é, porém, indispensável ou inevitável), mas sim de questões de constitucionalidade suscitadas em abstracto (...).
...
Por esse motivo, os princípios processuais a que está submetido o processo constitucional não são os mesmos que regem, por natureza, os processos jurisdicionais.
...
O processo constitucional exige, portanto, um corpo próprio de regras de processo (...)”21.
No mesmo sentido, o mesmo ilustre Ministro Celso de Mello assinala que “com efeito, a fiscalização normativa abstrata faz instaurar processo objetivo, sem partes, no qual
inexiste litígio referente a situações concretas ou individuais”22.
Por meio dos votos trazidos, vê-se que o tratamento da jurisprudência para
com o processo objetivo, em suas definições e características, converge com o da
doutrina.
Ademais, é importante assinalar, conforme o voto do Min. Celso de Mello
supracitado, o processo no controle concentrado de constitucionalidade, em
consequência de sua objetividade, demanda um corpo único e autônomo de normas
e princípios diferente daqueles aplicáveis aos demais processos jurisdicionais
subjetivos. Umas destas diferenças é o tratamento dispensado aos institutos de
suspeição e impedimento.
21
STF, ADI n. 1434-0 São Paulo, rel. Min. Celso de Mello, j. 19.08.1996, DJe 22.11.1996. Disponível em <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=347055>. Acesso em 01.06.11.
22
2 - DO IMPEDIMENTO E DA SUSPEIÇÃO
2.1 – Generalidades
Primeiramente, importante analisar a nova tendência da jurisdição
constitucional dando aos fatos, a natureza dos problemas e as consequências das
decisões um papel de destaque cada vez maior. A interpretação pura e simples da
norma, distanciada da realidade já não corresponde às demandas23. Reflexo deste novo papel dos fatos se encontra no §1º do art. 9º da Lei 9.868/9924, que trata da possibilidade de esclarecimento de matéria ou de circunstancia fática, ou em casos
de insuficiência de informações nos autos, por perito ou comissão de peritos para
que emitam parecer sobre a questão em tela, ou fixação de data para oitiva de
pessoas e autoridades na matéria. Isto mostra que, apesar da objetividade do
processo, no controle concentrado existe também dilação probatória25.
A valoração dos fatos varia de intérprete para intérprete. Isto significa dizer
que esta etapa é dotada de algum subjetivismo, o que de certa forma bate de frente
com o objetivismo do processo. É possível depreender, então, que a valoração dos
fatos não é de todo neutra, muito embora seja este um dos principais telos da função
jurisdicional.
Da neutralidade é que advém a imparcialidade. Existem casos que causam no
julgador única sensação de obrigação de cumprimento de seu dever burocrático.
Entretanto, outros estimulam a escolha de valores e alternativas aplicáveis ao caso.
Nestas hipóteses, mesmo que o interprete não aja em nome do interesse subjetivo
23
BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 210/211.
24
BRASIL. Lei 9868, de 10 de novembro de 1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de Inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. “Art. 9o Vencidos os prazos do artigo anterior, o relator lançará o relatório, com cópia a todos os Ministros, e pedirá dia para julgamento. § 1o Em caso de necessidade de esclarecimento de matéria ou circunstância de fato ou de notória insuficiência das informações existentes nos autos, poderá o relator requisitar informações adicionais, designar perito ou comissão de peritos para que emita parecer sobre a questão, ou fixar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na matéria.” Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9868.htm>. Acesso em 01.06.11.
25
próprio ou de outrem, ele estará aplicando ao caso sua visão de mundo, suas
crenças26.
Por estas razões, mesmo nos casos de controle de constitucionalidade
concentrado, que envolvem toda a natureza objetiva do processo, não estarão os
intérpretes do direito totalmente isentos de parcialidade. É impossível almejar uma
completa indiferença quanto ao resultado final do trabalho dos julgadores no
processo objetivo27.
O Estado detém o monopólio da jurisdição na figura do Estado-juiz justamente para que seja mantida a equidistância do magistrado, conservando assim sua
imparcialidade28, possibilitando julgamento isento de externalidades capazes de minar a justa solução do litígio.
Nas palavras de FREDIE DIDIER JR.29 as
“(...) exceções instrumentais de impedimento e suspeição são as formas estabelecidas em lei para afastar o juiz da causa, por lhe faltar capacidade subjetiva ou compatibilidade, que é pressuposto processual subjetivo referente ao juiz. Enquanto a alegação de incompetência se refere ao juízo, o impedimento/suspeição refere-se à figura do juiz, que, neste incidente, é parte (réu do incidente,
excepto).”
A imparcialidade do juiz é requisito processual de validade, um ato praticado
por um juiz parcial é passível de invalidação. Não só isso. Trata-se de garantia
constitucional a um juiz natural, que guarda relação com a vedação a Tribunais de
Exceção, com as regras objetivas de competência e, principalmente, com o
julgamento imparcial e independente por parte do magistrado.
Diante destas assertivas, questiona-se a postura adotada pelo Supremo
Tribunal Federal quanto aos institutos do impedimento e suspeição de seus
Ministros na seara do processo objetivo. Pouquíssimas são as hipóteses de
26
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 288/289.
27
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 288/289.
28
FUX, Luiz. Curso de Direito Processual Civil. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 645.
29
impedimento aceitas pelo Tribunal. A suspeição, por sua vez, não possui qualquer
hipótese acolhida. Vale lembrar também que nos processos objetivos não são
aceitas exceções de impedimento ou suspeição.
As exceções são instrumentos técnico-processuais cujo objetivo é a
possibilidade de recusa do juiz pela parte por considerar que este poderá agir sem
imparcialidade30. Estes instrumentos visam o afastamento do juiz antes de seu pronunciamento sobre a causa. É possível também, caso a incompatibilidade seja
descoberta posteriormente, que o interessado pleiteie a nulidade de atos decisórios praticados pelo juiz, por meio de recurso com efeito ex tunc31.
Os motivos de suspeição e impedimento não se limitam apenas aos
magistrados, sendo possível sua aplicação contra todos que pratiquem atos no
processo como peritos, serventuários, dentre outros, conforme art. 138 do Código de
Processo Civil32, com a ressalva de que, ao se tratar de magistrados, as exceções suspendem o andamento do processo, enquanto que nos demais casos a demanda
segue normalmente. Além disto, a forma de arguição também é diferente, eis que
para os magistrados é formado um incidente de impedimento ou suspeição que será
apreciado pelo tribunal que seria competente para julgamento de eventuais recursos
na causa33.
Nada impede, contudo, que o magistrado se declare ex officio impedido ou
suspeito. LUIZ FUX34 vai mais adiante e adverte:
30
DINAMARCO, Candido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil Volume III. 5 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 488.
31
FUX, Luiz. Ibidem.
32
BRASIL, Lei 5869, de 11 de Janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. “Art. 138. Aplicam-se também os motivos de impedimento e de suspeição: I - ao órgão do Ministério Público, quando não for parte, e, sendo parte, nos casos previstos nos ns. I a IV do art. 135; II - ao serventuário de justiça; III - ao perito; IV - ao intérprete. § 1o A parte interessada deverá argüir o impedimento ou a suspeição, em petição fundamentada e devidamente instruída, na primeira oportunidade em que Ihe couber falar nos autos; o juiz mandará processar o incidente em separado e sem suspensão da causa, ouvindo o argüido no prazo de 5 (cinco) dias, facultando a prova quando necessária e julgando o pedido; § 2o Nos tribunais caberá ao relator processar e julgar o incidente”. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869compilada.htm>. Acesso em 22.09.11.
33
FUX, Luiz. Ibidem. p.647.
34
“(...) se o tribunal acolher a exceção pela não declinação oficiosa do impedimento ou da suspeição, condenará o juiz nas custas do incidente, que podem constituir em todas as despesas processuais necessárias para coligirem-se elementos de seu afastamento”.
Os motivos de suspeição e impedimento aplicam-se, também, aos membros
dos tribunais. Neste caso, existe mais uma hipótese de impedimento trazida no art.
136 do Código de Processo Civil, determinando que
“quando dois ou mais juízes forem parentes, consangüíneos ou afins, em linha reta e no segundo grau na linha colateral, o primeiro, que conhecer da causa no tribunal, impede que o outro participe do julgamento; caso em que o segundo se escusará, remetendo o processo ao seu substituto legal”.35
Neste caso, o Supremo Tribunal Federal será competente para processar e
julgar a exceção e, também, competente para o julgamento da própria causa caso o
tribunal seja declarado impedido ou suspeito36. Esta atribuição do STF de processar e julgar a exceção está expressa na Constituição Federal, a saber:
“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
n) a ação em que todos os membros da magistratura sejam direta ou indiretamente interessados, e aquela em que mais da metade dos membros do tribunal de origem estejam impedidos ou sejam direta ou indiretamente interessados”37.
Ambas as partes, ou terceiros intervenientes com qualidade de parte,
possuem legitimidade ativa para as exceções de impedimento e suspeição, como se
pode depreender da leitura do art. 304 do Código de Processo Civil38. A razão disto é que todos têm a garantia constitucional do julgamento por um juiz natural.
Não possuem as exceções de impedimento e suspeição o condão de
deslocar a competência para outro foro. A decisão do acórdão e seus fundamentos
35
BRASIL, Lei 5869 de 11 de Janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869compilada.htm>. Acessado em 22.09.11.
36
JUNIOR, Fredie Didier. Curso de Direito Processual Civil Volume 1. 11 ed. Bahia: Jus Podium, 2009, p.503.
37
BRASIL. Constituição Federal (1988). Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acessado em 22.09.11
38
BRASIL, Lei 5869, de 11 de Janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. “Art. 304. É lícito a qualquer das partes argüir, por meio de exceção, a incompetência (art. 112), o impedimento (art.
134) ou a suspeição (art. 135)”. Disponível em
não fixam teses e nem influenciam outros processos, de forma que se o magistrado
declarado suspeito ou impedido vier a atuar em outro processo com as mesmas
partes, ele só poderá ser afastado mediante oposição de nova exceção39.
Contudo, FREDIE DIDIER JR40 possui entendimento diverso. Para o processualista, a decisão do incidente de impedimento ou suspeição é uma decisão
de mérito que apura a parcialidade do julgador. Por esta razão, entende o autor que
a decisão proferida deve sim tornar-se indiscutível para outros processos em que a
situação se repita, salvo se houver alteração no quadro fático, hipótese em que a decisão não deverá ser observada eis que se submete a regra rebus sic standibus,
como toda decisão. Entretanto, mantidas as condições, deve ser respeitada a
primeira decisão, na opinião do autor. O processualista vai mais além e admite a
possibilidade, inclusive, de impetração de ação rescisória contra a decisão final
acerca do incidente de impedimento e suspeição, como consequência do fato de se
tratar de decisão de mérito e de produzir efeitos fora do processo de que faça parte.
As situações de impedimento e suspeição podem ser suscitadas de outras
formas que não as exceções. O Código de Processo Civil permite que o
impedimento seja suscitado através de ação rescisória, como fundamento para
desconstituir a coisa julgada, a saber: “Art. 485. A sentença de mérito, transitada em
julgado, pode ser rescindida quando: II - proferida por juiz impedido ou absolutamente
incompetente (...)”41.
Seria possível, suscitar o impedimento do juiz, inclusive em sede de
contestação, na visão de CANDIDO RANGEL DINAMARCO42, que argumenta no sentido de que
“não há na lei qualquer disposição autorizando claramente que o impedimento se deduza também em contestação, mas essa é a natural consequência do dever que o juiz tem de abster-se (art. 137), associado a regra geral de que a parte pode alegar a qualquer tempo e grau de jurisdição as matérias suscetíveis de apreciação ex officio
39
DINAMARCO,Candido Rangel. Ibidem. p. 489
40
JUNIOR, Fredie Didier. Curso de Direito Processual Civil Volume 1. 11 ed. Bahia: Jus Podium, 2009, p.504.
41
BRASIL, Lei 5869, de 11 de Janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869compilada.htm>. Acessado em 13.10.11.
42
(...). Se o réu pode alegar a todo momento o impedimento do juiz, e até mesmo em ação rescisória (art. 485, II), pode-o inclusive ao contestar (...)”.
2.2 – Do Impedimento
O impedimento é proibição absoluta ao magistrado, ou servidor, de atuar no
processo, caso se encontre em uma das situações previstas nos dispositivos
tratados a seguir. Trata-se, então, de obstáculo instransponível tornando o impedido
incapacitado de participar no processo e tornando a sentença proferida pelo
magistrado passível de anulação através de ação rescisória, conforme art. 482, II do
Código de Processo Civil43.
A natureza do impedimento é de objeção processual, eis que pode ser
alegado a qualquer tempo, como consequência da regra geral de que podem as
partes suscitar a qualquer tempo e grau de jurisdição as matérias que podem ser
apreciadas ex officio. Além disso, é matéria que não preclui e de ordem pública.
A legislação traz as hipóteses de impedimento. Não há consenso sobre a
taxatividade da lista, com precedentes dos tribunais superiores defendendo que o rol
é exaustivo bem como julgados defendendo que é exemplificativo.
No âmbito do processo Civil, os arts. 134 e 13644 trazem as hipóteses onde o magistrado não poderá atuar por encontrar-se impedido:
“Art. 134. É defeso ao juiz exercer as suas funções no processo contencioso ou voluntário: I - de que for parte; II - em que interveio como mandatário da parte, oficiou como perito, funcionou como órgão do Ministério Público, ou prestou depoimento como testemunha;III - que conheceu em primeiro grau de jurisdição, tendo-lhe proferido sentença ou decisão; IV - quando nele estiver postulando, como advogado da parte, o seu cônjuge ou qualquer parente seu, consangüíneo ou afim, em linha reta; ou na linha colateral até o segundo grau; V - quando cônjuge, parente, consangüíneo ou afim, de alguma das partes, em linha reta ou, na colateral, até o terceiro grau; VI - quando for órgão de direção ou de administração de pessoa jurídica, parte na causa. Parágrafo
43
BRASIL, Lei 5869, de 11 de Janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. “Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: II - proferida por juiz impedido
ou absolutamente incompetente”. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869compilada.htm>. Acessado em 14.10.11
44
único. No caso do no IV, o impedimento só se verifica quando o advogado já estava exercendo o patrocínio da causa; é, porém, vedado ao advogado pleitear no processo, a fim de criar o impedimento do juiz.
(...)
Art. 136. quando dois ou mais juízes forem parentes, consangüíneos ou afins, em linha reta e no segundo grau na linha colateral, o primeiro, que conhecer da causa no tribunal, impede que o outro participe do julgamento; caso em que o segundo se escusará, remetendo o processo ao seu substituto legal”45.
É interessante notar que, ainda que o dispositivo trate apenas do juiz, ou seja,
da jurisdição de primeiro grau, no julgamento da Exceção de Impedimento
0537406-52.2010.8.26.0000 de São Paulo46, entendeu-se que o art. 134, III do Código de Processo Civil47 apenas é aplicável ao segundo grau de jurisdição. Outra questão interessante do julgado é o entendimento de que o fato do magistrado julgar nova
demanda que envolva a mesma parte e o mesmo objeto não caracteriza
impedimento, a saber:
“Note-se que referida hipótese legal refere-se à destinação expressa a Magistrados de segundo grau de jurisdição que tenham exercido suas funções em processo contencioso ou voluntário, dele conhecendo em primeiro grau, proferindo sentença ou decisão, impedindo, portanto, que estes apreciem recursos interpostos contra decisão que proferiram quando no exercício do primeiro grau de jurisdição. Referido dispositivo trata, portanto, da proibição de duplo julgamento pelo Magistrado, entre primeiro e segundo graus de jurisdição. Logo, é inaplicável, em primeiro grau de jurisdição, a hipótese do inciso III, do artigo 134, do Código de Processo.
(...)
No mais, convém ressaltar que não se trata de apreciação de questão já decidida em outro feito. Há independência e diversidade entre as decisões proferidas. Não se pode considerar um Magistrado impedido por decidir de acordo com uma tese jurídica que considera
45
BRASIL, Lei 5869, de 11 de Janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869compilada.htm. Acessado em 14.10.11
46
TJSP, Exceção de Impedimento n. 0537406-52.2010.8.26.0000, rel. Des. Martins Pinto, j.
21.02.2011, Dje 21.02.2011. Disponível em
<https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=4957661&vlCaptcha=yWsUM>. Acesso em 15.10.11.
47
correta, pois se estaria atingindo o exercício da atividade jurisdicional, ainda que se decida de forma reiterada no mesmo sentido. E, no caso em tela, não há parcialidade no proceder da magistrada por ter deferido a concessão de medida liminar para determinar a indisponibilidade de bem.”.
Ainda no âmbito do Processo Civil, outro julgado traz o entendimento de que
o mero fato de constar o nome do magistrado em procuração não o caracteriza
como efetivo mandatário da parte e, por consequência, como impedido segundo
uma das hipóteses trazidas na lei. Entende o julgador que, para estar enquadrado
na hipótese de impedido, deve o magistrado não só estar com nome constando na
procuração, mas também praticar atos e atuar efetivamente como mandatário da
parte, é o que expõe o julgado:
“A presente exceção de impedimento foi oposta com fundamento no inciso II do artigo 134 do Código de Processo Civil, que dispõe ser defeso ao Juiz exercer as suas funções no processo contencioso ou voluntário em que interveio como mandatário da parte.
Os documentos constantes dos presentes autos, por sua vez, comprovam exclusivamente que o nome do Juiz Federal Roberto Modesto Jeuken consta da segunda procuração juntada pela CEF nos autos da ação rescindenda, o que não permite reconhecer o apontado impedimento.
Com efeito, o simples fato de constar o nome do excepto na procuração, no que foi acompanhado por mais de 40 (quarenta) advogados, não configura a conduta ensejadora do afastamento do Juiz, que, no meu ponto de vista, dependeria da prática de algum ato, tal como intervir, assistir, ingerir.
Trata-se de típica "procuração coletiva", em que a CEF outorga poderes aos seus diversos advogados como uma forma de facilitar a sua representação processual.
Como já ressaltado, o inciso II do artigo 134 do Código de Processo Civil requer uma efetiva atuação por parte do excepto, ou seja, o ato de intervir como mandatário da parte, funcionar como órgão do Ministério Público, ou prestar depoimento como testemunha, o que não ocorreu no presente caso”48.
Nos processos Administrativos, regulados pela Lei 9.784 de 29 de Janeiro de
199949, também é possível encontrar hipóteses que caracterizam o impedimento.
48
TRF 3ª REGIÃO, Exceção de Impedimento Cível n. 0019636-78.2010.4.03.0000, rel. Des. Cotrim Guimarães, j. 03.02.2011, DJe 11.02.2011. Disponível em <http://proc-eletronico.trf3.jus.br/acordaos/Acordao/BuscarDocumentoGedpro/1025022>. Acesso em 15.10.11.
49
Interessante notar que o dispositivo não trata propriamente de magistrados, mas sim
de servidores ou autoridades, demonstrando a amplitude do instituto, a saber:
“Art. 18. É impedido de atuar em processo administrativo o servidor ou autoridade que:I - tenha interesse direto ou indireto na matéria;II - tenha participado ou venha a participar como perito, testemunha ou representante, ou se tais situações ocorrem quanto ao cônjuge, companheiro ou parente e afins até o terceiro grau; III - esteja litigando judicial ou administrativamente com o interessado ou respectivo cônjuge ou companheiro”.
A amplitude pode ser verificada também no diploma Processual Penal onde
são aduzidas hipóteses de impedimento não só do magistrado, mas também dos
jurados que integrarão o tribunal do Júri, para manter a independência e
imparcialidade dos jurados:
“Art. 252. O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que: I - tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consangüíneo ou afim, em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, como defensor ou advogado, órgão do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da justiça ou perito; II - ele próprio houver desempenhado qualquer dessas funções ou servido como testemunha; III - tiver funcionado como juiz de outra instância, pronunciando-se, de fato ou de direito, sobre a questão; IV - ele próprio ou seu cônjuge ou parente, consangüíneo ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, for parte ou diretamente interessado no feito”.
(...)
Art. 448. São impedidos de servir no mesmo Conselho: I – marido e mulher; II – ascendente e descendente; III – sogro e genro ou nora; IV – irmãos e cunhados, durante o cunhadio; V – tio e sobrinho; VI – padrasto, madrasta ou enteado. § 1o O mesmo impedimento ocorrerá em relação às pessoas que mantenham união estável reconhecida como entidade familiar. § 2o Aplicar-se-á aos jurados o disposto sobre os impedimentos, a suspeição e as incompatibilidades dos juízes togados”50.
Existe, no impedimento, presunção juris et de jure51, ou seja, absoluta, da
parcialidade do magistrado ou servidor. FREDIE DIDIER JR.52, argumenta no sentido de que
50
BRASIL.Decreto-Lei n.3.689 de 3 de Outubro de 1941.Código de Processo Penal. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em 17.10.11.
51
BRAGA, Fernanda. Quais as diferenças entre impedimento e suspeição?. JusBrasil, nov. 2008. Disponível em <http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/170155/quais-as-diferencas-existentes-entre-impedimento-e-suspeicao-fernanda-braga>. Acesso em: 14.10.11.
52
“as hipóteses de impedimento (art. 134 do CPC) dão ensejo à nulidade do ato, pois há uma presunção iure et de jure de que o magistrado não tem condições subjetivas para atuar com parcialidade. É vício que pode ser alegado a qualquer tempo e grau de jurisdição (à arguição de impedimento não se aplica o prazo de quinze dias previsto em lei para ingressar com exceção instrumental), além de poder ser reconhecido ex officio pelo magistrado. O vício é tão grave que admite, inclusive, futura ação rescisória (art. 485, II, do CPC), pois se entende que a condução de todo o procedimento fica comprometida”.
O processualista CANDIDO RANGEL DINAMARCO53 assevera que as partes possuem um rol de possibilidades mais amplo para recusar o magistrado por
impedimento, sendo possível argui-lo através de exceção, em sede de contestação
ou em outros momentos. Argumenta ainda que declarar-se impedido não é
liberalidade do magistrado, pelo contrário, ele tem o dever de dar-se por impedido.
Já LUIZ FUX54 considera que o impedimento é insuperável e que para o juiz é defeso a prática de atos no processo em que se verifica alguma das hipóteses de
impedimento trazidas na lei processual civil e legislação extravagante.
O jurista HELIO TORNAGHI55 sustenta que o impedimento é circunstancia que priva o magistrado do exercício de suas funções em determinado caso em razão
de sua relação com o objeto da causa.
2.3 – Da Suspeição
A suspeição é presunção relativa (juris tantum) da deficiência de
imparcialidade do magistrado, ou servidor, ou outro ator do processo enumerado nas
hipóteses legais. Enquanto que o impedimento tem um caráter de maior
objetividade, a suspeição tem característica mais subjetiva, mais pessoal.
Trata-se de dúvida, suspeita, desconfiança de que o juiz terá condições de
produzir um julgamento justo e equidistante em virtude de sua relação com alguma
das partes.
53
DINAMARCO,Candido Rangel. Ibidem. p. 488.
54
FUX, Luiz. Ibidem. p. 645
55
Ao contrário do impedimento, a jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça corrobora o entendimento da doutrina majoritária no sentido de que as
hipóteses de suspeição trazidas no texto legal constituem rol taxativo, como é
demonstrado no julgado:
“PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO. HIPÓTESES DO ART. 135 DO CPC. ROL TAXATIVO.
RECURSO ESPECIAL. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA.
IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 07/STJ.
1. Revela-se desprovida de fundamento a suspeição quando a situação não se subsume em qualquer das hipóteses do art. 135 do CPC. Precedentes”56.
O diploma Processual Civil traz hipóteses de suspeição do magistrado.
Percebe-se que o instituto não é tão amplo quanto o impedimento, restringindo as
hipóteses somente ao juiz que presidirá o processo e sendo silente quanto a
servidores ou a jurisdição de segundo grau. Dispõe o art. 135 do Código de
Processo Civil:
“Art. 135. Reputa-se fundada a suspeição de parcialidade do juiz, quando: I - amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes; II - alguma das partes for credora ou devedora do juiz, de seu cônjuge ou de parentes destes, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau; III - herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de alguma das partes; IV - receber dádivas antes ou depois de iniciado o processo; aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa, ou subministrar meios para atender às despesas do litígio;V interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes. Parágrafo único. Poderá ainda o juiz declarar-se suspeito por motivo íntimo”57.
A Legislação Processual Penal também traz hipóteses de suspeição.
Novamente, trata da composição do Tribunal do Júri. São hipóteses menos graves
do que as do impedimento. Interessante a hipótese de suspeição de membro do
Tribunal do Júri que possua prévia disposição para absolver ou condenar o réu, caso
onde seria muito difícil comprovar a real existência da disposição do jurado em
absolver ou acusar. Seguem os dispositivos:
56
STJ, Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 520.160 Distrito Federal, rel. Min. Fernando
Gonçalves, j. 21.10.2004, DJe 16.11.2004. Disponível em <
http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=520160&&b=ACOR&p=true&t=JURIDICO&l=1 0&i=3>. Acesso em 17.10.11.
57
“Art. 254. O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes:I - se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles; II - se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver respondendo a processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia; III - se ele, seu cônjuge, ou parente, consangüíneo, ou afim, até o terceiro grau, inclusive, sustentar demanda ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes; IV - se tiver aconselhado qualquer das partes;V - se for credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes; Vl - se for sócio, acionista ou administrador de sociedade interessada no processo.
(...)
Art. 449. Não poderá servir o jurado que: I – tiver funcionado em julgamento anterior do mesmo processo, independentemente da causa determinante do julgamento posterior; II – no caso do concurso de pessoas, houver integrado o Conselho de Sentença que julgou o outro acusado; III – tiver manifestado prévia disposição para condenar ou absolver o acusado”58.
No âmbito do processo administrativo também é possível encontrar hipóteses
de suspeição. Aqui, novamente podem ser considerados suspeitos não só as
autoridades como também os servidores. São elas as elencadas no art. 20 da Lei 9.784 que estabelece que “pode ser argüida a suspeição de autoridade ou servidor que
tenha amizade íntima ou inimizade notória com algum dos interessados ou com os
respectivos cônjuges, companheiros, parentes e afins até o terceiro grau”59.
Segundo FREDIE DIDIER JR60., as hipóteses de suspeição ensejam a nulidade do ato do magistrado. O ilustre processualista vai além e adverte que a
parte possui prazo preclusivo para arguir a suspeição e que o juiz tem a
possibilidade de reconhecer-se suspeito inclusive por razões de foro intimo.
Importante análise do jurista do sentido de que, pela natureza mais leve, as
hipóteses de suspeição não servem como motivo para futura Ação Rescisória.
Já CANDIDO RANGEL DINAMARCO61 lembra que a suspeição, se não arguida em tempo, não poderá mais o ser, sendo ineficazes sua arguição em contestação ou em
58
Idem.
59
BRASIL. Lei 9.784 de 29 de Janeiro de 1999. Regula o Processo Administrativo no âmbito da Administração Pública Federal. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9784.htm>. Acesso em 17.10.11
60
JUNIOR, Fredie Didier. Curso de Direito Processual Civil Volume 1. 11 ed. Bahia: Jus Podium, 2009, p.500.
61
qualquer outro modo. Argumenta ainda que o magistrado possui a faculdade de
declarar-se suspeito, ao contrário do impedimento, onde ele possui o dever de
fazê-lo.
O entendimento dos citados autores é corroborado por LUIZ FUX62 ao sustentar que a “suspeição reputa-se fundada nos casos previstos legalmente em numerus
clausus e reclama denuncia pela parte. Superado o prazo da arguição, sana-se o suposto
defeito de falta de isenção”.
A jurisprudência também traz interessantes afirmações sobre o instituto. No
julgamento do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 20.77663 a decisão foi no sentido de que para se configurar suspeição o magistrado deve ter atuado
jurisdicionalmente e que sua mera atuação administrativa não enseja suspeição.
Ademais, argumentaram que a suspeição não acarretará anulação do julgamento
quando a atuação do magistrado for como vogal e não houver sido decisiva para o
julgamento. Segue trecho do julgado:
“PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. NOTÁRIOS E
REGISTRADORES. PERDA DA DELEGAÇÃO. PROCESSO
DISCIPLINAR E PROCESSO JUDICIAL. IMPEDIMENTO DE MAGISTRADOS. SUSPEIÇÃO. INOCORRÊNCIA DE PREJUÍZO. AUTO-TUTELA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. MANDADO DE SEGURANÇA. DECADÊNCIA.
1. A regra de impedimento prevista no art. 134, III, do CPC, somente se aplica a casos em que o magistrado tenha atuado,
jurisdicionalmente, no mesmo processo em outro grau de jurisdição, não, porém, quando a sua participação anterior tenha ocorrido na esfera administrativa. Precedentes: RMS 18.099/PR, 5ª Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 12.06.2006.
2. A suspeição de magistrado não provoca a anulação do julgamento quando seu voto, como vogal, não foi decisivo para o resultado, que, no caso, se deu por folgada maioria.”
Já no julgado da Exceção de Suspeição 2009.00.2.011681-8 do Tribunal de
Justiça do Distrito Federal e Territórios64, sustentou-se que as hipóteses de
62
FUX, Luiz. Curso de Direito Processual Civil. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 645.
63
STJ, Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n. 20.776 Rio de Janeiro, rel. Min. Teori Albino
Zavascki, j. 11.09.2007, DJe 04.10.2007. Disponível em
<http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?processo=20776&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i= 1>. Acesso em 17.10.11.
64
<http://tjdf19.tjdft.jus.br/cgi-suspeição trazidas nos textos legais caracterizam-se com a mera constatação das
mesmas, independente de qualquer investigação subjetiva do juiz. Segue o
interessante julgado:
“DIREITO PROCESSUAL CIVIL. SUSPEIÇÃO. DECORRENTE DA RESPOSTA DO EXCEPTO NOS AUTOS DO ANTERIOR INCIDENTE DE EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO. DÚPLICE VERTENTE (OBJETIVA E SUBJETIVA) DA IMPARCIALIDADE JUDICIAL COMO GARANTIA FUNDAMENTAL A UM PROCESSO JUSTO.
1. O cumprimento do dever de decidir uma causa com isenção e imparcialidade se mede pela fundamentação judicial (CF, art. 93, IX). A partir do instante em que da motivação de prática de ato judicial surgem dúvidas quanto a uma atividade judicial (na espécie, incerteza quanto à manutenção da neutralidade na condução do processo), emerge fato objetivo, concreto, para o acolhimento do incidente. E não se trata de esperar documentar, provar, e depois adotar providências. A jurisdição comporta mecanismos que permitem o seu exercício também pelo aspecto preventivo, cautelar. Neste contexto, merece amplo acolhimento, definitivamente, o princípio da identidade (tão ao gosto da velha escolástica, mas cujas raízes remontam a um passado muito mais remoto que o da cultura helênica e perde-se na memória dos tempos): uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo. Não pode, pois, pelo princípio da identidade, o magistrado ser e não ser suspeito ao mesmo tempo. Parecer e ser; ser e dever-ser, juízos deontológicos, normativos e axiológicos devem estar no mesmo plano. Karl Larenz, in Derecho
justo: fundamentos de ética jurídica. Madrid: Civitas, 1993, pp.
181/186, pontifica: “(...) o juiz não está, necessariamente,
condicionado à possibilidade ou probabilidade de que ele esteja realmente propenso a prejudicá-la; basta apenas a ocorrência de uma causa legal que justifique a desconfiança sobre a sua parcialidade, pois o que está em jogo, afinal, é a confiança depositada na justiça”.
2. Sob a ótica do devido processo de direito, ou seja, o direito à solução justa do processo, as hipóteses do art. 135 (suspeição) devem merecer uma leitura não apenas subsuntiva. Nesse sentido, Theotônio Negrão, in Código de processo civil e legislação processual civil em vigor, 41. ed. – São Paulo: Editora Saraiva, 2009, p. 281, anota: “‘O nosso CPC, no art. 135, qualifica de fundada a
suspeição de parcialidade do juiz com a simples constatação de uma das hipóteses de fatos arrolados nos seus incisos, independentemente de investigação subjetiva’ (RSTJ 109/354)”. Há
uma dúplice vertente (objetiva e subjetiva) da imparcialidade judicial como garantia fundamental a um processo justo”.
A suspeição deve ser arguida dentro do prazo legal, entretanto, caso não
seja, será operada a preclusão e nenhuma consequência terá o normal andamento
do feito eis que o suposto obstáculo será considerado superado e a presença do ora
suspeito na demanda, aceita.
Ao contrário do impedimento, a suspeição não é questão de ordem pública e,
como consequência, não poderá ser suscitada em qualquer tempo ou grau de
jurisdição.
3 – DO IMPEDIMENTO E DA SUSPEIÇÃO NOS PROCESSOS OBJETIVOS
Conforme já exposto, o controle abstrato de constitucionalidade inaugura um
processo objetivo. Ao contrário dos processos subjetivos, não existem partes ou
interesses concretos, em outras palavras, não há situações jurídicas de caráter
individual65. Trata-se, então, de impugnação da norma em face da Constituição, independente da existência de litígios.
O Supremo Tribunal Federal entende que o caráter objetivo obsta que as
regras ordinárias de impedimento e suspeição sejam aplicáveis aos seus Ministros,
podendo eles, entretanto, absterem-se de julgar a demanda por questão de foro
íntimo. É o teor da ADI 334566:
“Os institutos do impedimento e da suspeição restringem-se ao plano dos processos subjetivos (em cujo âmbito discutem-se situações individuais e interesses concretos), não se estendendo nem se aplicando, ordinariamente, ao processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade, que se define como típico processo de caráter objetivo destinado a viabilizar o julgamento, não de uma situação concreta, mas da constitucionalidade (ou não), "in abstracto", de determinado ato normativo editado pelo Poder Público. - Revela-se viável, no entanto, a possibilidade de qualquer Ministro do Supremo Tribunal Federal invocar razões de foro íntimo (CPC, art. 135, parágrafo único) como fundamento legítimo autorizador de seu afastamento e conseqüente não-participação, inclusive como Relator da causa, no exame e julgamento de processo de fiscalização abstrata de constitucionalidade”.
65
BINENBOJM, Gustavo. A Nova Jurisdição Constitucional Brasileira: Legitimidade democrática
e Instrumentos de Realização. 2 ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 141.
66
STF, ADI n. 3345 Distrito Federal, rel. Min. Celso de Mello, j. 25.08.2005, DJe 19.08.2010.
Disponível em
O posicionamento do Supremo Tribunal Federal é problemático quanto ao
tema. Existe restrição praticamente integral às hipóteses de parcialidade de seus
julgadores sob o argumento de que, por se tratar de processo objetivo, não há
partes e nem interesses subjetivos. Esta justificativa, no entanto, merece
relativização. Ainda que não exista lide em sua concepção clássica, qual seja, de
pretensão resistida, existem interesses em jogo. Nos processos objetivos estão em
ceba os interesses políticos, sociais e econômicos do país, formando um quadro dos
fatores reais de poder67.
A objetividade do processo não pode levar a falsa concepção de que a
aferição de compatibilidade da norma para com a Lei Maior se dê por meio de
processos assépticos, desprovidos de relação com a sociedade. Caso contrário,
consequências indesejáveis poderiam ser geradas e a jurisdição constitucional
prejudicada.
O Supremo Tribunal Federal dá a entender que adota esta concepção ao
vedar quase totalmente a incidência dos institutos do impedimento e da suspeição
nos processos objetivos de controle constitucional. Parece-nos que há aqui um
engano.
O argumento apresentado por BINENBOJM68 sobre a restrição do Supremo aos institutos do impedimento e da suspeição corrobora o ponto. Sustenta o autor
que este entendimento prejudica a independência da Corte e diminui a transparência
de seus julgamentos e em última instancia a respeitabilidade de seus vereditos69. O tratamento do Supremo para com os institutos de impedimento e suspeição
é especialmente polêmico no que se refere aos Ministros que ocuparam o Tribunal
Superior Eleitoral, aos que atuaram no processo como Advogado-Geral da União,
em caso de Ministro autor do projeto de lei impugnado e na suspeição de forma
geral, como será analisado adiante.
67
BINENBOJM, Gustavo. A Nova Jurisdição Constitucional Brasileira: Legitimidade democrática
e Instrumentos de Realização. 2 ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 146.
68
Idem
69
BINENBOJM, Gustavo. A Nova Jurisdição Constitucional Brasileira: Legitimidade democrática