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Medindo o impacto social da regeneração urbana pela cultura : percepções dos moradores da Mouraria

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Academic year: 2017

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL – CPDOC

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS MESTRADO ACADÊMICO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS

MEDINDO O IMPACTO SOCIAL DA REGENERAÇÃO URBANA PELA CULTURA. PERCEPÇÕES DOS MORADORES DA MOURARIA.

APRESENTADA POR INÊS VASCONCELOS PROENÇA

PROFESSOR ORIENTADOR ACADÊMICO

PROF. DRA. LUCIA LIPPI OLIVEIRA

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL – CPDOC

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS MESTRADO ACADÊMICO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS

PROFESSOR ORIENTADOR ACADÊMICO

PROF. DRA. LUCIA LIPPI OLIVEIRA

INÊS VASCONCELOS PROENÇA

MEDINDO O IMPACTO SOCIAL DA REGENERAÇÃO URBANA PELA CULTURA. PERCEPÇÕES DOS MORADORES DA MOURARIA.

Dissertação de Mestrado Acadêmico em História, Política e Bens Culturais apresentada ao Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil – CPDOC como requisito

parcial para a obtenção do grau de Mestre em História .

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Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Mario Henrique Simonsen/FGV

Proença, Inês Vasconcelos

Medindo o impacto social da regeneração urbana pela cultura: percepções dos moradores da Mouraria / Inês Vasconcelos Proença. - 2015.

189 f.

Dissertação (mestrado) – Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, Programa de Pós-Graduação em História, Política e Bens Culturais.

Orientadora: Lúcia Lippi Oliveira.

Inclui bibliografia.

1. Política cultural. 2. Renovação urbana. 3. Planejamento urbano. 4. Espaço urbano. 5. Sociologia urbana. I. Oliveira, Lúcia Lippi, 1945- . II. Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil. Programa de Graduação em História, Política e Bens Culturais. III. Título.

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AGRADECIMENTOS

Conforme tive o prazer de ler, “uma viagem, para se tornar inesquecível pelos motivos certos, depende menos do glamour do destino do que da cumplicidade da companhia” (Freire-Medeiros, 2009 – obrigada Bianca!). Embora o glamour do destino seja impossível de estar em causa (“meu” Rio de Janeiro!), nessa viagem fui acompanhada por pessoas preciosas. Algumas sempre ao meu lado, mesmo que com um oceano pelo meio, outras de forma mais intermitente mas, ainda assim, intensa e amiga.

As primeiras palavras vão, como não poderia deixar de ser, para a minha orientadora Lucia Lippi Oliveira, professora experiente e muito humana, cujo brilho, conhecimento e alegria admiro e valeram bons momentos de conversa e de aprendizagem, fosse sobre o tema da pesquisa, o Brasil, o Rio de Janeiro, as carioquices, os sonhos, as ansiedades, enfim, a vida...

À Professora Bianca Freire-Medeiros e ao Professor Renato Gama-Rosa Costa, por terem aceitado compor a banca de qualificação e apoiar o desenvolvimento desta pesquisa. E pelo desafio e paciência de a lerem em português de Portugal!

A toda equipe do CPDOC/FGV por me ter acolhido sempre tão bem nesse núcleo de excelência do conhecimento. Foi um privilégio fazer parte e foi gratificante ter tido acesso a uma equipe e um trabalho acadêmico tão excepcionais e únicos.

Ao GABIP Mouraria, nas pessoas do João Meneses e Paula Rodrigues, pela amizade e pela oportunidade de me ter “juntado” à equipa. Sem vocês esse trabalho não teria sido possível e a Mouraria continuaria “à (minha) margem”.

Ao Nuno Franco, vice-presidente da Associação Renovar a Mouraria, morador do bairro e amigo, sem o qual nunca teria chegado ao contato com a população local da forma bem-recebida e profunda como aconteceu com sua ajuda. E a todos os outros moradores da Mouraria!

Aos meus amigos, que me fizeram parar e avançar quando foi preciso. Também é preciso parar às vezes.

À minha família, pelo apoio incondicional, das mais variadas formas, nessa travessia deslumbrante mas dura que é a do conhecimento. Aos meus pais, por sempre nos terem ensinado o valor do conhecimento, do ser humano e dos sonhos acima de todos os outros valores materiais da vida. Às minhas irmãs, Mad e Cristy, que me apoiaram e fizeram rir (tão importante!) sempre e em momentos de reviravolta que existiram nesses dois anos.

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“A ficção do conhecimento está relacionada a essa luxúria de ser um ponto de vista e nada mais.”

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RESUMO

Este trabalho centra-se na capacidade do investimento em cultura, em contexto de regeneração urbana, em atender a retórica da revitalização social e em que medida oferece soluções socialmente sustentáveis para os moradores. Para o efeito, centra-se sobre os significados e práticas do culture-led urban regeneration (CLUR) na cidade-histórica e é proposta sua medição quanto a impactos sociais subjetivos na comunidade local. Uma das principais preocupações do estudo é o grau em que o CLUR pode realmente cumprir as expectativas que os decisores políticos têm dele como “ferramenta” de abordagem integrada e sustentável na transformação de espaços urbanos degradados.

Para dar conta de tais objetivos vai se destacar o caso do bairro lisboeta da Mouraria como estudo de caso e local de teste das hipóteses apresentadas na pesquisa. Medir os impactos sociais subjetivos da intervenção sócio-urbana no bairro, na óptica de seus moradores, formam o eixo central do estudo. E, igualmente relevante, procurou-se avançar na produção de instrumentos de medição capazes de aferir o impacto social subjetivo de intervenções urbanas de base cultural.

Com os procedimentos adotados na pesquisa, a dissertação reporta-se à experiência europeia e portuguesa procurando traçar a genealogia destas políticas, discutir as retóricas que as justificam e desvendar como os moradores da zona intervencionada percepcionam tais transformações do seu lugar.

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ABSTRACT

This research focus on the capacity of cultural investment, in the context of urban regeneration, to accomplish the rhetorical of social revitalization and the extent to which it offers socially sustainable solutions to local community. To that purpose, the work is directed towards the meanings and practices of Culture-led Urban Regeneration (CLUR) in the inner-city and it is suggested measuring its impact on subjective social dimensions over residents. One of the study’s main concerns is the degree to which CLUR might really address the expectations that policy makers have as an integrated and sustainable “tool” to approach declined urban areas.

To realize these goals, the Lisbon neighbourhood of Mouraria will be used as a case study and as a means of testing our research hypothesis. Measuring the subjective social impacts of urban regeneration in the neighbourhood, from the residents perspective, becomes the study’s central focus. And, equally relevant, there was a concern of improving measuring instruments capable of assessing the subjective social impact of culture-led urban regeneration projects.

This dissertation refers to the European and Portuguese experiences, looking to draft these policies genealogy, to discuss the rhetoric behind and to uncloak how residents of declined areas perceive such change in their place.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 10

CAPÍTULO 1. A REGENERAÇÃO URBANA E A CULTURA...27

1.1. Enquadramento do Capítulo... 28

1.2. Quando a Cultura se Torna Estratégia Urbana: Entendendo a Cultura como “Recurso”...30

1.2.1. Contextualização... 30

1.2.2. Regeneração urbana: o “renascimento urbano”... 31

1.2.3. A “cultura como recurso” no planejamento urbano... 36

1.2.4. O lado social da “cultura como recurso”... 41

1.3. O Culture-Led Urban Regeneration (CLUR)... 45

1.4. Como Medir a Dimensão Social? Indicadores de Mudança...50

1.5. Proposta de Framework para Medição da Percepção dos Impactos Sociais da Regeneração Urbana pela Cultura... 59

CAPÍTULO 2. “AI MOURARIA!”... 65

2.1. Enquadramento do Capítulo... 66

2.2. Lisboa: Cidade em Transição, Bairros em Transição... 70

2.2.1. Lisboa, cidade periférica na teia europeia...70

2.2.2. Lisboa entre dois conceitos: “popular, bairrista, pitoresca” ou “cosmopolita”?...73

2.3. Uma História da Mouraria: “Bairro Velho Onde a Cidade Nasceu”...75

2.3.1. Um território “segregado”?... 77

2.3.2. Um eterno “objeto de reabilitação urbana”?... 84

CAPÍTULO 3. A PESQUISA ...92

3.1.Enquadramento do Capítulo... 93

3.2.Metodologia... 94

3.2.1.Introdução... 94

3.2.2.Perfil de pesquisa (research design)...95

3.2.3.Métodos de recolha de dados... 96

3.3.Resultados...103

3.3.1.Abordagem descritiva dos dados... 103

3.3.2.Outputs: percepções dos moradores e suas interpretações...106

3.4.Análise Multivariada dos Dados...120

CONSIDERAÇÕES FINAIS...145

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 153

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INTRODUÇÃO

Durante o triénio 2010-2013, o bairro da Mouraria e seu entorno foram objecto da “mais importante operação de reabilitação urbana integrada dos últimos anos”1 no centro de Lisboa das últimas décadas. Essa intervenção pretendeu reabilitar o tecido urbano e reorganizar o cenário econômico e social do território. Agiu principalmente no espaço público, com a pretensão de melhorar a qualidade física dos equipamentos, ao mesmo tempo que se propôs requalifica-los sob diferentes significados identitários e culturais que fazem referência ao lugar. Para além disso, a intervenção tentou ainda incutir novas práticas de utilização e apropriação do espaço público, através do envolvimento de novas e diferentes forças sociais, atividades artísticas e culturais e novos modelos de desenvolvimento econômico.

Esse projecto foi suportado por dois planos distintos, ambos da responsabilidade da Câmara Municipal de Lisboa (CML), não planejados nem implementados de forma temporal totalmente coincidente: o Plano de Ação QREN2

“Há Vida na Mouraria” (PA Mouraria) e o Plano de

Desenvolvimento Comunitário da Mouraria (PDCM). O primeiro, aprovado em 2009, propõe a

requalificação do espaço público, a reabilitação de equipamentos de interesse histórico e cultural e a disposição e capacitação do território para a sustentação de um novo processo turístico. O segundo, aprovado em 2010, vem complementar o primeiro, desenvolvendo importantes projetos de ação social, desde a prevenção de fenômenos de risco e pobreza que caracterizam o território, até a promoção de atividades culturais que apontam para o envolvimento da população local numa renovada forma de participação na vida pública do bairro e para a atração de novos públicos exógenos. Nas palavras da CML:

“a par da reabilitação e requalificação do espaço público e do edificado, foi promovida a revitalização social através de parcerias com agentes locais, sociais e institucionais, que desenvolveram um processo inovador ‘bottom-up’ através de metodologias abertas participativas e colaborativas”3

A análise destes dois planos e a observação vivida do bairro ao longo desses últimos anos4, nos

1 Comunicado da Câmara Municipal de Lisboa (Governo de Lisboa), a propósito do Seminário Internacional “Atelier projet urbain 44: Lisboa, um projecto urbano em tempo de crise”, organizado pelo Ministério Francês da Igualdade do Território e da Habitação em colaboração com a Câmara Municipal de Lisboa (CML), que trouxe à capital cerca de 200 especialistas franceses ligados ao urbanismo, em 15 de Julho de 2013.

2 http://www.qren.pt/np4/home: “O Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN) constitui o enquadramento para a aplicação da política comunitária de coesão económica e social em Portugal no período 2007-2013”. 3 Ver nota 1.

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levou a refletir sobre as atuais estratégias de desenvolvimento urbano que inspiram ação e políticas sócio-urbanas contemporâneas, no sentido de privilegiar modelos de intervenção no território que fazem uso da cultura, do lazer e do turismo para implementar determinadas dinâmicas de mudanças sociais e representativas que definem (endógena e exogenamente) um lugar. Essa reflexão nos levou a outras paragens: por um lado, o novo arranjo na forma de pensar e fazer cidade que tem na cultura a “mola propulsora” da transformação dos espaços e do aumento da competitividade territorial e que tem vindo a afetar os modos de produção material e simbólica do espaço urbano e suscitado muita discussão acadêmica – o Culture-Led Urban Regeneration (CLUR); por outro, a dimensão social do impacto desses projetos sobre quem vê in loco, mas tendencialmente de fora, seulugar em mudança – os “nativos” –, raramente participando nela.

Ao longo do trabalho de pesquisa fomos entendendo que o uso da cultura em projetos de regeneração urbana sofre de uma conceitualização apriorística de que o efeito de spill over econômico e social que provoca sobre o lugar e as comunidades que o vivem é naturalmente positivo. Contudo, longe de ser consensual, a evidência dos resultados desse modelo é ainda muito limitada. Avaliar e medir o impacto físico, econômico e, principalmente, social da cultura na regeneração urbana apresenta-se, ainda, como algo novo e complexo e, a literatura nisso converge, não temos condições, teóricas e/ou empíricas, para garantir a sustentabilidade nas várias dimensões (física, econômica, social) do uso da cultura na reconstrução da cidade. E embora a grande discussão acadêmica dos últimos anos se centre nos efeitos sócio-culturais deste modelo, os estudos, quando existem, privilegiam a análise dos efeitos econômicos, nos deixando a todos muito inseguros quanto ao seu impacto global na comunidade local.

Por isso, e fazendo uso da ideia de Alain Bourdin de que precisamos ser “capazes de fazer cidade apoiados na constante interrogação sobre as consequências da ação” (2011, p.11), nosso trabalho se constrói sobre a ideia de que intervenções urbanas assentes na cultura para regeneração de territórios construídos devem lidar conscientemente com os processos de percepção e cognição de seus usuários primários – os moradores –, a fim de atingir objetivos que possam por eles ser considerados positivos, ou seja, de “utilidade social”.

Assim, tendo por referência principal a literatura sobre cultura na regeneração urbana, com um olhar particular sobre o tema da medição do impacto social, e tomando como objeto empírico de estudo o caso da intervenção sócio-urbanística na Mouraria (Lisboa), nos propomos: 1) discutir como as noçoes de cultura e desenvolvimento urbano se juntam, nos últimos 20 anos, e

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percepçoes e efeitos subjetivos dos/nos moradores da Mouraria em relação ao projeto de

regeneração urbana pela cultura implementado nesse território, numa tentativa pouco comum de medir os impactos sociais subjetivos dessa nova ortodoxia urbana, nesse grupo em concreto – os

moradores –, que, historicamente, tem tido pouca voz nos processos de (re)construção da cidade. Para o efeito, uma aproximação a uma abordagem quantitativa de medição do impacto social subjetivo do CLUR será proposta.

Partimos das hipóteses de que: a) o uso da cultura em projetos de regeneração urbana não é devidamente medido, nem sobre eles se sabe, com a precisão necessária, que efeitos sociais produz e acumula, em concreto, na comunidade local; b) as percepções e opiniões dos moradores da Mouraria sobre o projeto de intervenção sócio-urbanística de seu bairro não reproduzem o discurso oficial no que respeita aos impactos sociais desse mesmo projeto.

Por fim, entendemos que a intervenção na Mouraria, sua forma e suas narrativas, não pode deixar de ser pensada fora do contexto atual de um novo “empreendedorismo” urbano contemporâneo que pensa a cidade à luz de uma estratégia econômica voltada para o mercado do lazer, do turismo (histórico-cultural) e do consumo.

Não temos a pretensão de fornecer um trabalho original sobre o lugar da cultura na epistemologia do desenvolvimento urbano, nem tampouco sobre a medição dos seus impactos na dimensão social. Em vez disso, esperamos fazer uma contribuição para um diálogo atual e constante sobre o tema. Esperamos ainda contribuir para a reflexão urgente sobre as formas de avaliar e medir os efeitos deste tipo de intervenção sobre o espaço habitado, centrando o debate numa questão óbvia de sustentabilidade social. E essa questão é a de saber até que ponto esses espaços que estão sendo reordenados numa lógica utilitarista da cultura são verdadeiramente sustentáveis para os moradores locais e para as atividades do cotidiano. Porque a expectativa de que a cultura per si, em esquemas de regeneração urbana, produzirá benefícios econômicos equitativos e socialmente sustentáveis é, indiscutivelmente, irrazoável (Evans, 2004).

A pesquisa será apresentada da seguinte forma:

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nesse espaço de Lisboa – e em todas os outros que sejam locus de regeneração urbana pela cultura –, em particular no que diz respeito aos impactos sociais desse tipo de intervenção (Capítulos 2 e 3).

O Capítulo 1, Cultura e Regeneração Urbana, é uma análise sobre o fenômeno de ascensão da cultura a lugar de destaque no planejamento urbano, no contexto das cidades contemporâneas e sua falência industrial, analisando a raison d'être da globalização desse fenômeno e suas consequências várias que importam relevar no âmbito da nossa pesquisa, em particular a generalização de uma nova ortodoxia urbana – o Culture-led Urban Regeneration (CLUR).

Na primeira parte do capítulo, tentamos entender como se produz o crescente reconhecimento do lugar da cultura na epistemologia do desenvolvimento urbano, quais os efectivos lugares e processos condicionantes e/ou catalisadores na diacronia desse fenômeno global contemporâneo e as igualmente crescentes dúvidas que se instalam no respectivo debate.

Passamos também nosso olhar por alguns dos modelos de intervenção urbana que vêm marcando este momento de “urban renaissance”, permeado por vocábulos que remetem para a ideia de regresso a algo, os célebres “re's”. Analisaremos em específico a prática de intervenção urbana que tem na cultura a “mola propulsora” (Arantes, 1998, p.152) da transformação de um lugar – o Culture-Led Urban Regeneration (CLUR).

Numa segunda parte do capítulo, discutimos a questão da medição dos impactos do CLUR, com foco nos impactos sociais subjetivos. Concluímos com uma reflexão sobre o que faz uma boa ferramenta de medição, apresentada na forma de condições necessárias e fatores de sucesso, e com nossa proposta de aproximação a um framework de análise e medição de impactos sociais subjetivos, centrado nas percepções e (in)satisfações da comunidade local, o qual foi aplicado ao nosso objeto de estudo.

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arriscada, de nos demorarmos um pouco mais do que o normal nessa parte do trabalho, revendo com algum detalhe questões que nos pareceram relevantes para a apreensão da realidade histórica, urbana, social e cultural do caso de estudo.

No Capítulo 3 fazemos a aplicação do framework de medição de impactos sociais subjetivos por nós proposto ao caso de estudo e interpretamos e discutimos os resultados, à luz quer do enquadramento teórico da pesquisa, quer, claro, do outut dos resultados – que não é mais do que a percepção dos moradores, nesse momento concreto e fotográfico do tempo, sobre os impactos da intervenção na Mouraria na sua própria comunidade – no sentido de confirmar ou refutar a retórica social da intervenção por parte de seus agentes promotores, bem como tecer algumas reflexões sobre o uso da cultura na regeneração urbana de forma mais global.

Uma nota pouco habitual para os anexos: uma vez que escolhemos um caso de estudo longe da realidade Brasileira, decidimos fazer um (mini) anexo fotográfico sobre a Mouraria para facilitar o envolvimento do leitor com o caso de estudo desconhecido (Anexo 0).

Por fim, uma referência pessoal a esse “longe” que marcou toda essa pesquisa, e vida para além dela, de ter me mudado de Lisboa para o Rio de Janeiro. Quando vamos para outro lugar, em geral o maior desafio é termos de enfrentar o aprendizado de uma outra língua. Aqui (de Lisboa para o Rio de Janeiro) isso não aconteceu. Eu não tive que aprender uma outra língua, num certo plano, mas num outro sim, à medida que tive de enfrentar valores e referências culturais desconhecidas e histórias e memórias não aprendidas e tão pouco apreendidas em tão curto tempo. E isso tem sido, talvez, o aprendizado mais importante dessa viagem: a possibilidade de enfrentar gradativamente uma série de estranhamentos.

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1.

Contextualização Inicial e Proposta de Trabalho

A partir da análise do projeto de transformação urbana e social do Bairro da Mouraria em Lisboa5, uma questão central percorre esta dissertação: entender e questionar o lugar da cultura na renovação da cidade hodierna. Partindo dessa questão, pretendemos dar a conhecer um

conjunto de temáticas complementares, que, de forma inequívoca, marcam a atualidade da agenda-setting dos estudos urbanos e culturais. Estamos perante um tema suficientemente vasto, ambíguo e novo para nos permitir deambular entre vários campos do conhecimento, desde o urbano ao cultural, do político ao artístico, do social ao econômico.

Partimos do pressuposto de que a cultura (entendida tanto como o conjunto de valores e estilos de vida de uma comunidade, quanto como as manifestações e expressões estéticas produzidas em determinado espaço social) tem sido usada como importante dinamizador econômico e social nos projetos de intervenção em áreas urbanas centrais, particularmente nas zonas históricas. Nessa linha, abordamos o tema com um sentido muito preciso e restrito do conceito de “cultura”: cultura como instrumento de poder para a organização e legitimação da (re)construção do espaço urbano, voltado para uma economia global que exige esforços de reposicionamento e promoção das cidades pós-industriais, repensadas para atrair novos fluxos globais.

Diversos exemplos recentes de regeneração pela cultura de centros urbanos podem ser citados, tanto no exterior (Glasgow Capital Europeia da Cultura, Gugenheim em Bilbao, Convent Garden em Londres, South Seaport em Nova York, Puerto Madero na Argentina), quanto no Brasil (São Luiz do Maranhão, Pelourinho em Salvador, Porto Maravilha no Rio de Janeiro) e também em Portugal (Lisboa Capital Europeia da Cultura 1994, Expo98 em Lisboa, Frente Ribeirinha em Lisboa, Guimarães Capital Europeia da Cultura). Apesar das diferenças significativas entre tais projetos, pode se entender certos padrões de intervenção, especialmente no que diz respeito ao papel da cultura e das atividades culturais na recuperação dos espaços públicos, no intuito de modernizar ou “reinventar” a imagem das cidades. Entre as ações culturais mais comuns, se destacam a valorização das tradições locais e da cultura popular, a instalação de museus arquitectonicamente grandiosos, a preservação do patrimônio histórico-cultural, o incentivo a grandes eventos internacionais (desportivos, conferências, festivais, mostras culturais, exposições mundiais), a revitalização das frentes de água, o estímulo ao turismo de cunho cultural, os

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districts, etc, numa lista interminável de “derivados da cultura”.

Assim, entendemos que a intervenção na Mouraria enquadra-se, como tantos outros casos de intervenção influenciados pelo contexto pós-industrial, no paradigma que define o espaço urbano o locus privilegiado da cultura. Considerando que a cultura e seus produtos derivados são cada

vez mais usados como motor de desenvolvimento econômico e de transformação social e urbana, consideramos que o projeto da Mouraria segue essa lógica de intervenção no espaço sócio-urbano (culture-led urban regeneration) e pretendemos analisar e medir os efeitos e percepçoes do seu impacto, em particular os que se produzem, direta ou indiretamente, sobre os moradores na

sua relação com o (novo) lugar, tentando dialogar com a teoria mais relevante sobre o tema.

2.

Foco de Pensamento e de Pesquisa

Não nos compete aqui uma análise macro da cidade, essa célula viva que representa o mundo social mais amplo, mas a verdade é que quem hoje se dedica ao urbano mexe necessariamente com, talvez, o capítulo mais central do debate contemporâneo – um campo de forças sociais, econômicas, políticas, artísticas marcado pela ascendência incontestada do “cultural” (Arantes, 1996).

É essa ascensão, no espaço e no tempo, da cultura na construção e reconstrução da cidade pós-industrial que nos atrai o foco do pensamento e da pesquisa. O que é notável não é apenas a velocidade com que a cultura se tornou elemento preponderante do desenvolvimento da cidade mas também como a difusão desta nova praxis se globalizou. Assente na ideia da virtuosidade da cultura enquanto motor de crescimento urbano (econômico e social), no espaço de pouco mais de duas décadas, a cultura passou a ocupar uma posição central no novo “empreendedorismo” urbano. A cultura passou a ser olhada como a nova panaceia da cidade pós-industrial e é vista como uma das poucas estratégias de regeneração urbana que podem resistir (ou abraçar) os efeitos da globalização e capturar o duplo objectivo da criação de “vantagens competitivas” para o lugar e qualidade de vida para a comunidade. No entanto, parece-nos, não é necessariamente verdade que o novo lugar da “cultura como recurso” seja virtuoso per si, nem que, pelo contrário, seja o esgotamento de uma vida urbana em comum.

É este dilema que nos atrai o olhar da investigação. Assim, a escolha deste tema como foco de pensamento e de pesquisa tem na sua gênese três (3) pilares essenciais:

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Regeneration” (CLUR) e os cenários em que este opera, em particular no que se refere aos seus impactos sociais, está longe de ter sido esgotada, em particular nos contextos português e brasileiro. Apesar da alguma discussão sobre o tema, “ainda estamos muito atrasados no debate. O conceito se tornou um chavão esvaziado de sentido” (Goldenstein, 20146), muitas vezes usado de forma reificada, e nem uma tradução relativamente consensual foi encontrada ainda;

2) em consequência de 1), o fato de ser um tema de discussão inacabada, em que as respostas ainda não foram definitivamente dadas e em que as dúvidas e as contradições são largamente superiores às certezas e à hegemonia das ideias, proporcionando um debate com e entre os autores estudados muito rico. Falar-se de cultura na regeneração urbana corresponde, em geral, mais a levantar um problema do que a apresentar uma solução. 3) a vontade assumida e engajada de entrelaçar um propósito cívico à pesquisa: contribuir para

pensar formas socialmente inclusivas de desenvolvimento urbano (pensando a escala bairro), (re)centrando o debate e o olhar nas comunidades locais, sua relação com o lugar e sua coesão social, bem-estar e diversidade cultural.

3.

Da Problemática à Questão de Investigação

Pode a cultura ser um instrumento de sucesso para a regeneração física, econômica e social

de espaços urbanos degradados ou em busca de novas oportunidades de desenvolvimento,

promovendo o bem-estar e a qualidade de vida da população local e respeitando sua relação

com o lugar? Esta pergunta paira insistentemente sob toda a discussão que as políticas urbanas

viradas para o reforço do investimento na cultura enquanto recurso de regeneração das cidades contemporâneas têm suscitado e constitui o tema da nossa investigação.

As reivindicações sobre o papel da cultura na regeneração urbana suscitaram interesse pela sua potencial ligação de causalidade com o desenvolvimento e crescimento das cidades. Simplificando, segundo Evans e Shaw (2006) a cultura está sendo vista por alguns agentes das políticas urbanas como uma apólice de seguro contra o declínio futuro das suas cidades e, por alguns investidores (privados e públicos), como uma distinção de valor acrescentado e como um acelerador do crescimento e competitividade. Essas ideias refletem uma tendência de promover o lugar da cultura no desenvolvimento das cidades e colocar a cultura, de forma mais ampla, no mainstream da

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política e da prática de regeneração. Como nota Arantes, “a cultura parece ter-se transformado num ingrediente indispensável da governabilidade”, à direita e à esquerda” (1996, p.233)

A problemática do uso da cultura na regeneração urbana, embora se tenha tornado invasora nos últimos tempos quer no pensamento e produção intelectuais/acadêmicos, quer em boa parte do discurso corrente das políticas públicas urbanas e, até, dos próprios agentes culturais, está longe de ser consensual. Aparece um pouco por todo o lado, tendo mesmo se desdobrado em vocábulos correntes de vários léxicos profissionais e ideias mais ou menos homogéneas sobre o tema, mas que em muitos casos sofrem (os vocábulos e as ideias) de uma utilização apriorística e reificada, como se tivessem significado e verdade evidentes, inequívocos e partilhados e como se o processo em causa fosse, em si mesmo, de benefícios naturais e auto-explicativos.

Preferiu-se aqui o contrário, isto é, partir-se de uma posição em que, tanto o conceito de regeneração urbana, quanto o de cultura têm estatuto ambíguo e significado polissêmico, assim

como os benefícios (/malefícios) de ambos não são também passíveis de desvendar a priori e de per si.

Enquanto alguns agentes, sobretudo agentes públicos e organizações culturais, celebram a contribuição da cultura para a regeneração, o trabalho acadêmico sobre o tema tem muitas vezes tomado uma posição mais crítica. Não só aponta para a falta de evidências robustas e para a dificuldade metodológica em demonstrar causalidade entre cultura e regeneração, como, por outro lado, e por mais estranho que possa parecer, elege como a grande crítica ao modelo seu “descuido” com a comunidade que vive e habita os espaços alvo de reformas urbanas.

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Esta pesquisa é, de alguma forma, portanto, uma recusa em aceitar, sem qualquer questionamento teórico e/ou empírico, as narrativas apriorísticas sobre o valor e os benefícios da cultura de per si no desenvolvimento urbano, bem como olha com questionamento as narrativas críticas dos efeitos “devastadores” do uso da cultura, que apontam, entre outros, para uma correlação direta entre esta e a produção de espaços meramente de consumo e/ou lazer, culturalmente vazios ou inventados, atraentes a classes mais abastadas e, por isso, gerador de fenômenos de gentrificação, e da própria apropriação da cultura pelo mercado. Este é, sem dúvida, um tema central dos dias de hoje. Mas cuja complexidade não pode ser vista inocente e imediatamente.

Foi perante esses interessantes paradoxos, consolidados entre um crescente reconhecimento do lugar da cultura na epistemologia do desenvolvimento urbano e as igualmente crescentes dúvidas que se instalam no respetivo debate, que se desenvolveu nossa pesquisa.

Assim, como Ramalho Ortigão, pensador português do séc. xix desiludido com a promessa das luzes do progresso modernista, alertou, também nós acreditamos que “nenhuma restauração se deve empreender, nem se deve autorizar, sem que previamente se defina, bem precisa e bem

nitidamente, qual o fim de utilidade social a que êsse trabalho se consagra (...)” (Ortigão, [1896] 19437, p. 230).

Esse é nosso viés de origem: acreditamos que toda a intervenção urbana deve ter um “fim de utilidade social” a partir do qual deve ser construída.

Assim sendo, nosso trabalho empírico procura responder à seguinte questão de investigação:

[

a população residente de um determinado espaço urbano sobre o qual se verificou uma

intervenção urbana de base cultural tem ou não a percepção da sua utilidade social?

]

Pretendemos, então, focar a investigação, exactamente, nos impactos sociais sobre a comunidade local na sua experiência de uso do seu “novo” lugar alvo de processo de regeneração de base cultural.

Assim, com o pano de fundo do CLUR, o presente estudo analisa o papel que a cultura tem tido nessa problemática, enfatizando seu impacto na dimensão social, por forma a aferir se a dimensão social subjetiva da vida cotidiana das populações residentes é positivamente impactada.

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4.

Importância do Tema

Num momento em que a primazia ainda é dada aos indicadores físicos e econômicos, essa pesquisa propõe trazer os impactos sociais e a comunidade local para o debate sobre o uso da cultura na regeneração urbana e dar um contributo, em nossa opinião oportuno, para a análise crítica de seus métodos de medição, em particular na sua dimensão subjetiva (percepçoes e (in)satisfaçoes, dos moradores), trazendo para o centro da análise grupos e conceitos pouco

comuns neste domínio. Até onde sabemos, são raros os estudos que trazem as dimensões sociais e subjetivas para a avaliação dos projetos de regeneração urbana, bem como são poucos aqueles que colocam em seu epicentro de análise a comunidade local. Nesse sentido, essa pesquisa representa uma tentativa pouco usual de estender a análise dos impactos da regeneração urbana à dimensão social subjectiva e ao cidadão comum que habita esse espaço e que vê in loco, mas tendencialmente de fora, seu lugar em mudança, raramente participando nela.

5.

Delimitação do Espaço e do Tempo

Uma pesquisa se situa sempre num espaço e tempo particulares. A nossa não será diferente.

O espaço e o bairro da Mouraria. Ou melhor, o novo território definido pela intervenção

sócio-urbanística promovida pela Câmara Municipal de Lisboa (CML) como sendo

“Mouraria”. É um espaço heterogêneo, seja nas especificidades físicas de seu território seja nos

diferentes contextos sociais pelos quais as diferentes partes desse território são caracterizadas, que mais uma vez foi definido exogenamente, em 2009, aquando da candidatura formal do projeto ao Quadro de Referência Estratégica Nacional (QREN).

O tempo da pesquisa inscreve-se no período pós-implementação da intervenção sócio-urbana, ou seja, 2014/2015. Como referido, a implementação no território ocupou o triênio 2010-2013.

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A análise do território definiu-se então através de um “antes”, um “durante” e um “depois” da intervenção, sendo o “depois” nosso foco de investigação. A observação foi, em muito, indireta e, por isso, limitada aos olhares dos diferentes “informadores” com quem contatamos ao longo desse tempo. Os interlocutores privilegiados foram os moradores, pelos motivos já apresentados e que dizem respeito ao objetivo da pesquisa – medir os impactos sociais subjetivos da intervenção na Mouraria sobre os moradores –, mas não deixamos de contatar com outras pessoas ligadas ao bairro, profissional ou emocionalmente. Essa observação retrospetiva e indireta comporta fragilidades e riscos, por isso confrontámos sempre esses olhares dos atores e agentes do bairro (e nosso) com a literatura sobre o bairro da Mouraria, sua história, dinâmicas sociais e reformas urbanas, incluindo, em particular, a que é alvo de estudo nesta pesquisa e que, daqui em diante nomearemos de Plano de Regeneração da Mouraria (PrM), de acordo com os conceitos saídos da revisão da literatura, como veremos mais à frente (embora seus agentes o nomeiem de Plano de Reabilitação Urbana e Revitalização Social da Mouraria, conforme conceitos mais usados em Portugal na literatura de planejamento urbano).

6.

Demarcação do Campo de Estudo

Ainda que bairro seja uma noção polissêmica, plástica e difusa, nosso campo de estudo é definido pelo bairro da Mouraria. Mas o que é o bairro da Mouraria?

Vamos nos deter com algum detalhe nesse ponto, não só pela sua complexidade, mas também, porque a realidade está longe do conhecimento da Banca de Avaliação.

Rapidamente, e para quem não a conhece, podemos situar a Mouraria como uma das mais antigas zonas históricas de Lisboa, um bairro “popular” de status social baixo, com elevada presença de população imigrante e atingido por sérias problemáticas sociais, localizado “[n]a franja oriental da Baixa lisboeta, que corresponde ao segmento menos valorizado desta, por comparação

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Figura 0 – Mouraria representada no Centro Histórico de Lisboa, de acordo com classificação e representação da CML

– reas Crtica de Recuperação e Reconversão Urbanstica (fonte: Pereira, 2011)

Mas a resposta é bem mais complexa. Ela depende de quem a dá e do lugar social que ocupa.

Se pensarmos na Mouraria “popular”, dos arraiais dos Santos Populares, tradição bairrista por excelência, ou aquela narrada em inúmeros textos literários, ou cantada no repertório popular, o espaço geográfico ao qual nos referimos não é mais do que o triângulo mais antigo na parte baixa do bairro, o antigo enclave mouro, aquilo a que se chama “o coração da Mouraria” ou o seu “centro histórico”, representado pela (ex-)freguesia do Socorro, que encontra seu centro entre a rua do Capelão e a rua da Guia, chegando, talvez, aos Lagares, mas não fora das velhas construções do arrabalde mouro, conforme representado na Figura 1 em baixo.

Justamente, Menezes (2004) entende que o bairro está separado psicologicamente para os moradores em duas zonas, relacionadas com as noções de centralidade e periferia: a “pequena Mouraria” (denominada como o “coração da Mouraria”) e a “grande Mouraria”8. A autora chega a esta representação do bairro através das opiniões de moradores, vizinhos e utilizadores do bairro, ou seja, analisa o espaço social, conseguindo deste modo fazer uma demarcação do mesmo,

8 Sendo a “Grande Mouraria” claramente delimitada a poente pela Praça do Martim Moniz, Rua da Palma e Largo do Intendente, a norte pela Travessa Cruz dos Anjos e Beco do Monte, a nascente pela Rua Damasceno Monteiro, Calçada do Monte, Rua dos Lagares e Calçada de Santo André, e a sul, pela Rua da Costa do Castelo, Escadinhas da Achada, Largo da Achada, Beco das Farinhas, Beco dos Surradoures e Rua do Marquês do Arco do Alegrete (ibidem).

Mouraria

Baixa/Chiado

Bairro Alto Alfama

Rio Tejo A

v. L ib

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identificando quer o imaginário associado às referências de delimitação e forma do bairro, quer os elementos escolhidos para fazer essa demarcação.

Fig. 1 – Representação do “coração da Mouraria”. A branco, o “espaço social” do “bairro da Mouraria”

(fonte: Gésero [2012], representado com base em estudo de Meneses (2004))

Pelo contrário, os dois planos de renovação sócio-urbanística em análise, da autoria da Câmara Municipal de Lisboa, entendem o “bairro” de forma diferente, estendendo o território de uma forma considerável (física, cultural e politicamente), delineando novos limites e abrangendo novas zonas, sendo o Largo do Intendente, em simultâneo, a mais polêmica e a mais simbólica área de extensão do “bairro”9. Na Figura 2, está representada essa extensão, comparada com a representação atribuída ao bairro da Mouraria (e ainda as freguesias desta zona, menor unidade administrativa da ciadade).

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Fig. 2 – Sobreposição de limites – tracejado: espaço social do bairro da Mouraria; vermelho: área de intervenção do

PA/PDCM Mouraria; negro: limites das freguesias, 2010. (Fonte: Gésero, 2012)

Responder a essa pergunta – o que é o bairro da Mouraria? – não é, então, tarefa simples e imediata. Se tomarmos como exemplo algumas pesquisas sobre outros bairros populares de Lisboa, nomeadamente a Bica (Cordeiro, 1997), a Madragoa e Alfama (Costa, 1999), constatamos que estes evidenciam uma certa plasticidade e ambiguidade nos seus contornos territoriais e constituem-se como “territórios sociais aproximados, lugares reais e imaginados, no seio dos quais se articulam múltiplas unidades sociais em diferentes escalas.” (Cordeiro, 2001, p. 136) e não como unidades administrativas (ou outras de caráter formal), de fronteiras claras e rigorosas. Pelo contrário, estão omissos nas estruturas burocráticas da cidade (política e administrativa), nas estatísticas e demais registros (Cordeiro, 2001).

Assim, como nota Menezes,

“tentar definir como o bairro da Mouraria se inscreve no espaço da cidade a partir de um perímetro constituído por limites e fronteiras visíveis, pode ser um problema de difícil resolução, bem como encontrar uma consciência colectiva e homogénea que possa ser o confim de um bairro, pode tornar-se uma busca sem fim” (ibidem, 2004, p.131).

Segundo a autora, este problema revela-se frequente nos estudos sobre os bairros populares de Lisboa, cujas fronteiras apresentam-se como produto de construções sociais mais ou menos dinâmicas.

Estes “territórios aproximados” se estruturam mais como núcleos ou demarcações de referência identitária ligados a pertenças sociais, culturais, físicas e espaciais, como demarcações face a outros bairros da cidade, do que propriamente pelo desenho rígido dos seus limites e fronteiras. Então, as

Larg o d o In ten d en te

x

M artim M on iz Larg o d o

In ten d en te x

(26)

dificuldades em trabalhar com as noções de limite e de fronteira também vão ao encontro de uma questão bastante actual: a reflexão sobre a noção de lugar (Cordeiro, 2001).

Assim sendo, é sempre importante lembrar que os caminhos que um pesquisador poderia percorrer na resolução da trama sobre a definição de “bairro” (ou “lugar”), facilmente poderiam resultar múltiplos e diferentes. O estudo sobre a demarcação de um campo de estudo poderia ser expresso através de várias representações diferentes, de atores diversos. Esta multiplicidade de olhares sobre um lugar arrisca-se a minar ou tornar vão o trabalho do pesquisador, que se perde na plasticidade da própria noção daquele.

A demarcação sócio-espacial de um bairro aparece, então, como um processo de fazer e desfazer um enorme novelo para o qual não se encontram as pontas. Mas, como nota Costa (1999, p.63), “para ter valor conceptual, e não só o de matéria-prima informativa (de natureza documental), o desenho cartográfico não pode deixar de ser, ele próprio, teoricamente orientado e, insista-se de

novo, resultado de análise prévia”.

Pensamos que a questão pode ser considerada a partir do binômio tempo-espaço. Este cruzamento define por si as representações espaciais e sociais que definem um território. Se a Mouraria na época mourisca não era mais do que um pequeno pedaço sombrio entre duas colinas, hoje o seu território se expandiu para abraçar muitas mais zonas adjacentes ou construídas de novo. O tempo impôs alterações na cidade e o espaço teve que alargar suas fronteiras. Um território, então, modifica suas fronteiras em relação com outros territórios, sofre aberturas e limitações ligadas a contextos políticos, sociais e urbanos decorrentes da sua época, o que, por sua vez, muda também as percepções e as construções simbólicas e mentais que se fazem dele (Costa, 1999).

No caso da Mouraria atual, este tipo de olhar assume uma importância evidente. Suas formas foram condicionadas, mais uma vez, pelo interesse das entidades administrativas e o bairro viveu um momento de profundas transformações urbanas (e sociais) dentro de planos espacialmente bem circunscritos. O bairro da Mouraria, a partir desse olhar, pode ser interpretado como o conjunto daqueles espaços aos quais foram atribuídas umas mesmas circunstâncias políticas num

continuum territorial e num determinado tempo.

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palavra conseguia acomodar. Um novo espaço desenhado para se tornar funcional ao tempo, ao lugar e às ideias (de cidade).

As questões resultantes deste trabalho surgem, então, do contexto e dos acontecimentos que envolveram a Mouraria a partir deste período; e daquele território que, de fora ou de dentro, definiu uma mesma condição de mudança para as pessoas e os lugares envolvidos. Foi traçado no mapa um “novo” bairro, mas mais do que isso, foram desenhados destinos comuns. Não podemos, pelo menos perante os objectivos a que nos propomos nesta dissertação, ignorar então a visão e a descrição dos agentes que accionaram esta mudança territorial na Mouraria. Assumimos, assim, este novo desenho do bairro da Mouraria, território total alvo da intervenção sócio-urbana de 2010-2013, como nosso campo de estudo, conforme Figura 3.

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CAPÍTULO 1. A REGENERAÇÃO URBANA E A CULTURA

“Culture is now seen as the magic substitute for all the lost factories and warehouses, and as a device that will create a new

urban image, making the city more attractive (...).”

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1.1. Enquadramento do Capítulo

Nesse capítulo nos propomos analisar o binómio cultura e desenvolvimento urbano na cidade pós-industrial, ou seja, entender como se produz o crescente reconhecimento do lugar da cultura na epistemologia do desenvolvimento urbano, quais os efectivos lugares e processos condicionantes e/ou catalisadores na diacronia desse fenômeno global contemporâneo e as igualmente crescentes dúvidas que se instalam no respectivo debate.

Para isso, começaremos por tentar entender como as noções de cultura e desenvolvimento urbano se unem, nos últimos 20 anos, numa simbiose poderosa, construindo uma nova narrativa de “fazer cidade” que ecoa, hoje, a uma escala global, permeada por vocábulos que remetem para a ideia de “regresso” a “algo”. São os “re's” a invadir o novo diálogo sobre a intervenção na cidade consolidada, encerrando em si mesmos significado polissêmico, dando origem a um uso acrítico, que, na nossa opinião, merece alguma problematização e conceitualização. O mesmo acontece quando associamos cultura a intervenção urbana. Os seus nomes – culturalização urbana, regeneração cultural, culture-led regeneration, etc. – estão longe de estarem conceitualmente claros. Parece-nos existir uma questão conceitual a tratar, que não ficará obviamente solucionada neste trabalho mas será analisada para clarificar a classificação que serve de suporte a este trabalho. Uma nota importante: a tradução para o português de bibliografia estrangeira (que lidera o tema, anglo-saxã, em particular) dificulta ainda mais este ponto.

Em paralelo, e porque estão intimamente ligados, tentaremos compreender o fenômeno de produção do novo ideário cultural e a construção do novo lugar social da cultura, esse caráter da “cultura como recurso” na nova lógica pós-industrial de desenvolvimento urbano, fenômeno que é definido na literatura como “cultural turn” (Yúdice, 2006). Nessa análise, não podia ficar de fora a identificação de alguns processos dinâmicas que alavancaram e/ou condicionaram esse processo de atribuição de novos significados e sentidos à cultura no contexto do planejamento urbano.

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1.2. Quando a Cultura se Torna Estratégia Urbana: Entendendo a

Cultura como “Recurso”

“(…) quando, nos dias de hoje, se fala de cidade (pensando estar "fazendo cidade"...), fala-se cada vez menos em racionalidade, funcionalidade, zoneamento, plano diretor etc, e cada vez mais em requalificao, mas em termos tais que a )nfase deixa de estar predominantemente na ordem t+cnica do Plano – como queriam os modernos – para cair no vasto domnio passe-partout do assim chamado "cultural" e sua imensa gama de produtos derivados.”

(Arantes, 2002, p. 15, sombreado meu).

1.2.1. Contextualização

Um dos grandes desafios que se coloca hoje às cidades, como realidade fluida em constante (re)construção, é o desejável e difícil equilíbrio entre a dimensão física, econômica e social do espaço urbano.

No mundo globalizado de hoje, este equilíbrio apresenta-se ainda mais difícil. A hiper-competitividade por recursos materiais e humanos, para tornar a cidade economicamente viável e competitiva no contexto pós-industrial, tem colocado uma enorme pressão sobre as cidades e sua imagem, influindo profundamente sobre a forma de as conceber e como sobre elas atuar (Balibrea, 2001; Evans, 2005; Vaz, 2004).

Mas como pode uma cidade tornar-se mais atrativa? A crescente importância econômica da cultura, do turismo e do lazer parece ter vindo responder – pelo menos parcialmente – a esta questão. Colocar as cidades no mapa global – ou, por outras palavras, colocá-la nos circuitos mundiais dos fluxos do investimento, do consumo e do turismo – passou a ser um imperativo que tem motivado grandes projetos de reformas urbanas que vêem nestas áreas o “combustível” (infinito) para o reforço de uma nova competitividade territorial pós-industrial.

Desde a segunda metade do séc. xx que a governance nacional e local encontraram neste novo paradigma centrado no valor econômico da cultura uma solução para estimular a expectante e consequente sustentação de inovação, de emprego e de riqueza (e, mais tarde, de inclusão), num contexto de agressiva competitividade inter-urbana.

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de promoção de imagens atrativas das cidades, adquiriu uma expressão muito significativa, principalmente no mundo ocidental, e a regeneração urbana passou a ser um tema incontornável da cidade pós-industrial.

Na verdade, a discussão sobre o CLUR corre o risco de se tornar vazia na prática, ou seja, um “diletantismo acadêmico” (Goldstein, 2014), se não for precedida pela compreensão do que levou à necessidade de regeneração das cidades. Mais, o que se entende por regeneração: de que regeneração estamos falando, regenerar o quê, como e para quem?

Da mesma forma, é obrigatório entender de que cultura estamos falando, que novo papel a cultura passou a ter e porquê, sob pena de nos convencermos que encontramos a fórmula mágica e replicarmos modelos e casos pretensamente vitoriosos mas sem conexão com a realidade dos diferentes lugares e comunidades. Uma falsa ilusão de “regeneração pela cultura”.

Debrucemo-nos, então, um pouco, sobre este tema da “regeneração urbana”.

1.2.2. Regeneração urbana: o “renascimento urbano”

Porque a cidade pós-industrial é marcada por uma euforia de intervenção sobre a cidade existente (ao contrário do até então privilegiado), num regresso ao centro urbano, materializada em lógicas de desenvolvimento urbano que ficaram conhecidas por “re's”10?

O processo de degradação que muitas cidades, globalmente mas em particular do Atlântico Norte, passaram ou estão passando é uma decorrência direta das grandes transformações que vêm moldando as dinâmicas macro-econômicas globais desde as últimas décadas do séc. xx.

De fato, no período de meio século, ocorreram mais mudanças nas cidades do que em todos os séculos anteriores. A intensificação do processo de globalização – muito acentuado pela “revolução tecnológica” do final do séc. xx – trouxe uma mudança radical no paradigma produtivo internacional: novos modelos de negócio, novas fontes de geração de riqueza, novos arranjos da estrutura social, virtualização do trabalho e um novo arranjo geográfico da economia mundial. Esse é um evento histórico da mesma importância da revolução industrial do século xviii, induzindo um padrão de descontinuidade nas bases materiais da economia, sociedade e cultura.

Como consequência, assistimos a um impacto dramático nas cidades, que, entre outros efeitos,

(33)

do ponto de vista físico e social do território, viram parte significativa de seus centros industriais, quando não do todo, desmantelados e esvaziados pela transferência da produção para a Ásia, o novo pólo de produção do mundo.

Esse processo mais ou menos rápido de desindustrialização, quer por esta via, quer por via da transferência das indústrias para a periferia das cidades ou áreas suburbanas, e consequente alteração do modelo econômico vigente, gerou o aparecimento de enormes espaços livres, muitas vezes em áreas urbanas centrais, em processo de degradação ou obsolescência e consequente abandono (“vazios urbanos”). Enormes áreas centrais das cidades, e até cidades inteiras, ficaram desfalcadas de seu uso principal, entrando em um processo de degeneração econômica e social dramático. Foi o caso, por exemplo, de Manchester, Glasgow, Bilbao, Barcelona, Detroit, Buenos Aires, etc., todas elas cidades industriais ou portuárias que perderam seus usos primários neste processo e entraram em falência econômica e social, nos anos 1980.

Assim, as velhas cidades industriais dos anos 1980, em falência econômica e social e consequente perda de competitividade, esvaziadas que foram de seu sistema produtivo, emprego e moradores (elites e classes médias), para além da reconversão da infra-estrutura, dos equipamentos obsoletos e de seus vazios urbanos, procuraram uma redefinição drástica de sua identidade, potencialidades e imagem que lhes permitisse atrair recursos materiais e humanos e relançá-las em um novo “renascimento urbano” à escala global (ou, pelo menos, regional), e recuperar seu lugar competitivo e atraente no mundo (Bourdin, 2011; Fortuna, 1995; Hall, 2000; Miles e Padison, 2005; Peixoto, 2009; Zukin, 1995).

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mercado urbano de lazer assente na ideia do espaço público e “consumo visual”.

Também Fortuna (1995), em contexto português, explica a “perda do dinamismo da cidade” pós-industrial, traduzida na perda do anterior fulgor do seu centro, da sua plenitude e da sua plurifuncionalidade e sua consequente transformação na área mais velha, mais pobre e mais decadente do conjunto urbano.

Assim, as cidades ocidentais chegaram ao início do séc. xxi tendencialmente como espaços em declínio e com sinais de desvitalização, resultado dos fenômenos que vimos resumidamente em cima e ainda de opções políticas que apostaram na expansão da cidade e na construção do “novo” como representação de um ideal de cidade-progresso durante a maior parte do séc. xx, descuidando o “antigo”, “velho” e “insalubre”, embora no “coração” da cidade.

É neste contexto que devemos entender a necessidade de regeneração das cidades outrora pujantes polos econômicos. Consumado o processo de degeneração no final do século passado acima descrito, nascem, então, novas ideologias, estratégias e práticas de desenvolvimento urbano, não só para amortizar os custos da ruptura do velho paradigma, como para articular caminhos de construção de renovadas cidades, com novos arranjos políticos, sociais e econômicos, que consigam operar num contexto de crescente competição internacional (ibidem, 1995).

Desta forma, sucedeu-se uma nova política urbana, assente no imperativo do crescimento, orientada para o mercado e, portanto, marcada pelas lógicas do consumo, da competitividade inter-urbana por recursos materiais e humanos e da construção de imagens atrativas, forjadas em identidades e “histórias” que permitam sua distinção e projeção internacional.

Os centros históricos tornam-se, assim, símbolos do passado a ativar e reavivar e começam sendo redescobertos numa nova “urban renaissance”, que atraiu vários projetos de intervenção urbana com investimento público e privado, tornando-os lugares de transformações várias com impacto nos modos de produção material e simbólica do espaço urbano, que traz consigo novos arranjos, novos protagonistas e novos imaginários, numa nova “economia simbólica” da cidade (Zukin 1995).

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e objetivos bem específicos. Não nos compete uma abordagem conceitual destes termos no âmbito desta dissertação. No entanto, voltamos a notar que estes novos vocábulos têm sido (e continuam sendo) usados acriticamente. Peixoto (2009) nota de forma brilhante esta ambiguidade e polissemia do uso destes termos: conceitos que invadiram discursos e estão sendo usados, e, até, “trivializados”, sem que se tenha verdadeira consciência conceitual, que se tornaram uma espécie de “buzzwords”, encerrando em si mesmas significado auto-evidente, dando origem a um uso acrítico.

Também Bourdin (2011) fala da utilização abusiva e alargada de conceitos que apelida de “conceitos vagos” e sugere o “triunfo” desta ambiguidade no urbanismo contemporâneo, aberto a várias interpretações e, por isso, mais sustentado em crenças do que em ciência.

Assim, precisamos entender o que distingue regeneração urbana de todos os outros “re's”, no âmbito desse trabalho. Usamos, para o efeito, alguns autores anglo-saxões que lideram esta discussão.

Regeneração urbana, para efeitos desta pesquisa, é definida como:

“comprehensive and integrated vision and action that leads to the resolution of urban problems and which seeks to bring about a lasting improvement in the economic, physical, social and environmental condition of an area that has been, or is, subject to change. (Roberts e Sykes, 2000, p. 296)

Evans e Shaw (2006) dedicam também reflexão a este conceito e pontuam seu carácter integrador, incluindo mesmo todos os outros, sem descurar seu propósito de atuação multi-dimensional. Para os autores, regeneração urbana é:

“the renewal, revival, revitalisation or transformation of a place or community. It is a response to decline, or degeneration. Regeneration is both a process and an outcome. It can have physical, economic and social dimensions, and the three commonly coexist.” (Evans e Shaw, 2006, p.1, sombreado meu).

Ou seja, o que distingue regeneração de todos os outros modelos, são três (3) particularidades relevantes e consensuais na literatura: primeiro, seu caráter integrado e conciliador das várias dimensões da vida urbana: física, econômica, social; segundo, o fato de lidar com o planejamento das áreas urbanas existentes, em vez do desenvolvimento de novos espaços; terceiro, sua lógica de longo-prazo e visão global do espaço urbano.

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olharemos o nosso caso de estudo. E ela é muito relevante para nossa pesquisa uma vez que nos propomos medir o impacto da cultura na população local em contexto de processos de regeneração urbana, ou seja, processos que definem, a priori, sua intenção de impactar positivamente a dimensão social do espaço e da comunidade.

Para finalizar este ponto, deixamos um alerta de Castriota (2007) sobre a “[a]s consequências desta imprecisão teórica”. Castriota diz-nos que persistem controvérsias sérias com relação aos conceitos usados, que são entendidos das mais diferentes formas em diferentes contextos e, por isso, sob o mesmo rótulo, vemos a implantação de políticas com pressupostos, objetivos e estratégias bastante diferentes. Com este uso erróneo, não são raras, portanto, as práticas (imobilistas) que não conseguem reconciliar preservação e desenvolvimento, transformando partes das cidades em verdadeiros open-air museums, e de políticas que, na busca de revitalização econômica a qualquer custo, destroem os laços locais, expulsam a população e geram intensa gentrificação nas áreas que querem conservar.

São inúmeros, pois, os problemas advindos desta imprecisão, que deriva, a nosso ver, do uso aleatório dos vários modelos/conceitos, sem que se tenha clareza sobre o campo, a abrangência e as ações pressupostas em cada um deles.

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1.2.3. A “cultura como recurso” no planejamento urbano

“The role of culture has assumed unprecedented significance and that its redefinition as a source has enabled it to be used as the means for resolving political as well as socio-economic problems...”

(Binay, 2007 apud Miles e Paddison, 2005).

De acordo com Arantes (1998), a cultura ganha um novo significado quando, na sua nova relação com a economia e a cidade, passa a ser olhada num novo papel de motor de desenvolvimento das cidades pós-industriais.

No mundo global, onde a modernização gerou a homogeneidade em que muitas cidades industriais viram diluir sua identidade ligada a sua estrutura produtiva, a diferenciação pela (re)construção e pela força de uma nova identidade local se torna um fator essencial. Nesse sentido, se considera que é principalmente pela cultura, que as cidades poderão reganhar “vantagens competitivas”, reforçando (ou forjando novas) identidades, atraentes aos fluxos globais, que lhes permitam marcar lugar no panorama mundial pela sua distinção ante outras.

Pode-se dizer que aí que nasce a discussão sobre regeneração urbana e “economiacultural”:

“Nations and cities have passed at extraordinary speed from a manufacturing economy to an informational economy, and from an informational economy to a cultural economy. Cities across Europe, not least Glasgow, have become taken with the idea that cultural or creative industries (a term that 20 years ago no one would have understood, and might even have thought offensive) may provide the basis for economic regeneration. Culture is now seen as the magic substitute for all the lost factories and warehouses, and as a device

that will create a new urban image, making the city more attractive to mobile capital and mobile professional workers.” (Hall, 2000, p. 640)

A importância da economia cultural na cidade envolve, portanto, aspectos diferentes e entrelaçados em que se destacam a cultura, o turismo e a economia da experiência/lazer.

(38)

Este princípio da cultura na intervenção urbana aparece nas cidades americanas nos anos 1970-80 e é posteriormente desenvolvido na Europa, com um reforço do papel da cultura, em cidades como Londres e a regeneração de suas Docklands nos anos 1980, Glasgow, uma das mais pioneiras (que fez uso do “título” Capital Europeia da Cultura, 1990, como motor de renovação urbana, de reconversão de sua imagem de velha cidade-industrial para cidade-cultural contemporânea e pós-industrial e de promoção do turismo), Barcelona (que fez uso das Olimpíadas, 1992, como motor da revitalização de toda a sua zona portuária e de atração turística, dando origem ao célebre e amplamente exportado, até hoje, “Modelo Barcelona”) e Bilbao (que fez uso da construção de uma icônica infra-estrutura cultural, criação de arquitecto do star-system – o museu Gugenheim, 1997 – para forjar e promover uma nova construção imagética da cidade, se introduzir no circuito global das “cidades-cultura” e transformar a antiga cidade industrial em locus turístico, cultural e de serviços). Todas elas cidades industriais em declínio nos anos 1980 e sem qualquer “tradição” cultural.

A contribuição da cultura para a renovação urbana tem atraído interesse por razões várias. Em um sentido econômico, cria riqueza, tanto diretamente através de produção, consumo, emprego, exportações, como indiretamente pelos desdobramentos para a indústria do turismo e varejo. Em termos fisico-ambientais, pode ter um impacto visual dramático e acrescentar diversidade e singularidade de formas à paisagem urbana. Finalmente, e não menos importante, pode ter um impacto positivo sobre a qualidade de vida, imagem e vitalidade de um lugar, pelo seu valor social, simbólico e educacional (Lorente, 1996; Evans, 2005).

Nesse sentido, a cultura é vista como a solução para o renascimento urbano, substituta das velhas fábricas e armazéns perdidos. É o engenho que permite uma nova imagem urbana, tornando-a mais atractiva, tanto ao capital, quanto ao talento. A cultura emerge como o combustível da transformação urbana: a cultura tem um papel catalisador na revitalização e renovação das cidades Os centros históricos usam-na para atrair pessoas e recursos, para animar e consumir espaços; para criar vitalidade urbana criativa; para o desenvolvimento econômico local, atraindo pessoas e negócios, reconstruindo antigos edifícios pela atribuição de novos usos e dando ‘vida’ aos centros das cidades (Hall, 2000).

Imagem

Figura 0 – Mouraria representada no Centro Histórico de Lisboa, de acordo com classificação e representação da CML   – reas Crtica de Recuperação e Reconversão Urbanstica (fonte: Pereira, 2011)
Fig. 1 – Representação do “coração da Mouraria”. A branco, o “espaço social” do “bairro da Mouraria”   (fonte: Gésero [2012], representado com base em estudo de Meneses (2004))
Fig. 2 – Sobreposição de limites – tracejado: espaço social do bairro da Mouraria; vermelho: área de intervenção do   PA/PDCM Mouraria; negro: limites das freguesias, 2010
Figura 3 – Mapa das intervenç=es do projecto Mouraria  (fonte: Câmara Municipal de Lisboa)
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