1 Trabalho baseado na Dissertação de Mestrado da primeira autora sobsupervisãodasegundaautora.Asautorasagradecemoapoiodo CNPq.
2 Endereço:UniversidadeFederaldoRioGrandedoSul,RuaRamiro Barcelos, 2600/108, Porto Alegre, RS, Brasil 90035-003.E-mail: carolkipper@bol.com.br;sobreiralopes@portoweb.com.br
OTornar-seAvónoProcessodeIndividuação
1CarolineDalRiKipper RitaSobreiraLopes2
UniversidadeFederaldoRioGrandedoSul
RESUMO–Otornar-seavóassinalaumperíododetransiçãonociclodevidafamiliar,marcadoportransformaçõespsíquicas significativasparaosavós,caracterizandoaquartaindividuação.Estetrabalhotevecomoobjetivoinvestigaraexperiênciade tornar-seavóesuaimportâncianoprocessodeindividuação.Foiutilizadodelineamentodeestudodecasocoletivo.Onzeavós maternas,comidadesentre49e66anos,cujasfilhastiveramseuprimeirofilho,responderamaumaentrevistasemi-estruturada. Todasasavóstinhamtidoseusprimeirosnetoseaentrevistareferia-seasuaexperiênciacomoavósdessesnetos.Osdados mostraramqueoseravóéumafontederenovaçãoerenascimento.Oestudopropiciouqueasparticipantesrefletissemsobreseus diferentespapéisfamiliares:avó,mãe,netaefilha.Osdadossugeremquetornar-seavópossibilitaqueantigosconflitossejam repensados,renovandoantigosvínculosedesejos,oquepermitequeaavódêmaisumpassorumoàsuaindividuação.
Palavras-chave:tornar-seavó;individuação;ciclodevidafamiliar.
BecomingaGrandmotherintheIndividuationProcess
ABSTRACT–Becomingagrandmotherpointsoutatransitionperiodinthefamilylifecycle,markedbysignificantpsych transformationsforthegrandmothers,characterizingthefourthindividuation.Thisstudyaimedatinvestigatingtheexperience ofbecomingagrandmotheranditsimportanceintheindividuationprocess.Acollectivecasestudydesignwasused.Eleven grandmothers,aged49to66,whosedaughtershadtheirfirstchild,answeredasemi-structuredinterview.Allgrandmothers hadhadtheirfirstgrandchildrenandtheinterviewreferredtotheirexperienceasgrandmothersofthesegrandchildren.The resultsshowedthatbeingagrandmotherisasourceofrenewalandrebirth.Thestudyenabledtheparticipantstoreflecton theirdifferentfamilyroles:grandmother,mother,grandchildandchild.Thedatasuggestthatbecomingagrandmotherenables oldconflictstobere-thought,renewingoldtiesanddesires,andasaresult,enablingthegrandmothertogiveonemorestep towardsherindividuation.
Keywords:becomingagrandmother;individuation;familylifecycle.
A segunda individuação acontece, segundo Colarusso (1990),naadolescência.Blos(1994)foioautorpsicanalítico quesededicouaestemomentoevolutivo,emqueojovem revivesuasrelaçõesprimitivascomseuspais,necessitando deumtrabalhopsíquicobastantedoloroso,quecorresponde àseparaçãoediferenciaçãodasimagensinternalizadasdos mesmos.
Aterceiraindividuaçãoacontececomaexperiênciade parentalidade(Colarusso,1990).Onovopapelassumidocom aparentalidadeexpandeoselfadultoeestimulaaseparação deseusprópriospais.Aotornar-sepais,umnovopapelé assumido,atéentãoexclusivoaoterritóriodosprogenitores, emergindoumnovosensodeparidade.Éinevitávelacom-paraçãodosnovospais,conscienteouinconsciente,coma criaçãoquetiveramdeseuspais.
Aquartaindividuaçãosedáquandooindivíduosetorna avó ou avô (Colarusso, 1990). Os avós, no momento em que seus filhos tornam-se pais, precisam redefinir a nova posiçãoqueirãoocuparentreasgerações,edevemalterar arepresentaçãodeseufilhoedesenvolvernovosvínculos comoneto.Assim,osavós,queestãoresolvendotarefasda meia-idade,comoaposentadoria,doença,perdadocônjuge, direcionamsuaatençãoparaessacriançaqueacabadechegar equerepresentaofuturogenéticodelesmesmos,umfuturo queirápermanecer,mesmoapóssuasmortes.
Omomentoemquenasceumnetomarcaapassagempara umaoutrafasenociclodevidafamiliar,quetrazalgumas modificações,nãosónaestruturafamiliar,comonaestru-turapsíquicadosnovosavós–umanovaidentidadetemde sercriada,novospapéisadquiridos.Apesardaimportância destemomentonodesenvolvimentoadulto,chamaaatenção aausênciadeestudosfocalizandootornar-seavósnosseus aspectosevolutivos,emespecialsuaimportâncianoprocesso deindividuação,focodopresenteestudo.
DeacordocomColarusso(1997),aaceitaçãodasinevitá-veisseparaçõeseperdas,queacompanhamaindependência, éatarefadesenvolvimentalcentraldoadultodemeia-idade. Outrofatoéestarface-a-facecomamorte.Oautorsugere queapreocupaçãocomaconsciênciadesuamorteéum poderoso organizador psíquico que força a um exame significativo de todas as experiências passadas e também influenciafortementeoprocessodeseparação-individuação. Outras tarefas seriam manter a intimidade, transformar a relaçãocomosfilhoseintegrarnovosmembrosàfamília, tornar-seavós,tercuidadoscomaidadeeamortedospais, econstruiremanteramizades.Oautortambémdestacaque aautonomiaeaindependênciadeseusfilhosestimulaos paisasesepararemdeles.
Ovínculocomosnetoséalgobastanteparticular,pois osavóstendemaidealizá-los.Aidealizaçãointensaein-vestimento nos netos servem como uma defesa contra as afliçõesdaidadeavançadaeamorteinevitável,assimcomo umachancemágicaderepararsuaprópriavida,atravésda imortalidadegenética,ecomoumarecusaàsimperfeições doself,atravésdeumaidentificaçãoseletivacomqualidades dosnetos(Colarusso,1997).
ParaRobinson(1989),osavósquetêmumbomrelacio-namentocomseusfilhosadultosecomoscônjugesdeseus filhostêmmaiorprobabilidadededesenvolverumarelação gratificantecomseusnetos.Aautoratambémpropõeque osnetosutilizamseusavóscomoobjetosparaidentificação, poisunemsuasprópriashistóriasesãoumafontedeprazer. Osavós,porsuavez,têmoutraoportunidadederesolvera crisedameia-idade,ajudandoosnetosasuperarsuascrises evolutivas.Hader(1965)tambémafirmaqueasensibilidade eoentendimentoqueosavóstêmaolidarcomseusnetos podemfornecerummodelodeidentificaçãoparaestes.
O tornar-se avós traz muitas possibilidades para estes sujeitoseumanovaetapaparatodaafamília,poisabran-geumageraçãoamais.Dopontodevistadasavós,Dias (1994)ressaltouqueachegadadeumnetoparaamulher demeia-idadepodeserumasolução,porter“perdido”seus filhosatravésdocasamento.Assim,aavóadquireumanova importânciaeutilidade,experenciandodeumaoutraforma sermãenovamente,massemasresponsabilidadesquetinha quandofoimãe.Aexistênciadenetospodetambémcontri-buirparaamelhorianaqualidadedorelacionamentoentre paiseseusfilhos(Lidz,1983).
Aorevisaraliteraturasobreosavósnãoforamencontra-dosestudosquetenhaminvestigadootornar-seavóscomo marcoevolutivoimportantedodesenvolvimentoadulto.Os estudosenfocampredominantementeasavóscomocuida-dorasoufigurasdeapoio.Destaforma,opresentetrabalho buscapreencherumalacuna,aoanalisarumaspectoevolutivo dotornar-seavó,oprocessodeindividuação.Oestudoteve comofocoasavósmaternas,jáquealiteraturaapontaum envolvimentomaisintensodasavósmaternascomosnetos (Fischer,1983;Barros,1987;Dias,1994;Somary&Stricker, 1998). Visto que este momento é bastante peculiar e traz grandesmodificações,espera-serealizarumadescriçãodos aspectosmaisimportantesnotornar-seavó,comumcon-frontoentrequatropapéis(avó,mãe,neta,filha),inerentes ao processo de desenvolvimento na quarta individuação (Colarusso,2000).
Método
Participantes
Participaram do estudo 11 avós maternas, cujas filhas estavam tendo seu primeiro filho e elas, o primeiro neto. Tinhamidadesentre49e66anos(médiade56anos)eos netos,entre3e4anos,naépocadaentrevista.Setepartici-panteseramcasadas,trêsviúvaseumasolteira.Asprofissões variaram,sendoquecincoparticipanteseramdolar,trêseram professoras aposentadas, uma advogada, uma telefonista aposentada,umacomerciáriaeumacontadoraaposentada.O nívelescolarvarioudesdeoEnsinoFundamentalIncompleto (duas participantes), passando pelo Ensino Fundamental Completo (uma participante), Ensino Médio Incompleto (duas participantes), Completo (quatro participantes) e Ensino Superior (duas participantes). O número de filhos também variou, sendo que oito participantes tinham dois filhos,duasumafilhaeumatinhatrêsfilhos.Onúmerode netosvarioudeum(seteparticipantes)adoisnetos(quatro participantes).Amaioriadasparticipantes(seis)moravaem PortoAlegre,trêsmoravamnaRegiãoMetropolitanaeduas noLitoralGaúcho.Duasmoravamcomoneto.
Aamostrafoiselecionadaapartirdosparticipantesdo “EstudoLongitudinaldePortoAlegre:DagestaçãoàEs-cola”(Piccinini,Tudge,Lopes&Sperb,1998),oqualfoi aprovadopeloComitêdeÉticaemPesquisadoHospitalde ClínicasdePortoAlegre.Participamdoestudoaproxima-damenteumacentenadefamíliascomváriasconfigurações familiares(casadas,recasadas,solteiras),dediferentesidades (jovenseadultos),comescolaridadeseníveissócio-econô-micosvariados.
Delineamentoeprocedimentos
Foiutilizadonesteestudoodelineamentodeestudode caso coletivo (Stake, 1994), de caráter exploratório. Este estudoteveporobjetivoidentificarasmudançasocorridas nasparticipantesapóstornarem-seavós.
Inicialmente,foirealizadocontatotelefônicocomasavós, emqueseexplicavasucintamenteapesquisaeelaseram, então,convidadasaparticipar,sendoagendadaumaentrevista domiciliar. Com as avós que tinham esposos também era marcadaumaentrevistacomelesnomesmoinstante,ouseja, umapesquisadoraeumabolsistaiamatéaresidênciadocasal easentrevistaseramrealizadascomosdoisemseparado, nomesmomomento,paraquenãohouvesseinterferência deumnooutro.Nenhumadasavósserecusouaparticipar doestudo.Asentrevistascomosavôsnãofizerampartedo presenteestudo.
Instrumentos
davidapessoaldosavós,reflexõessobreomomentoemque setornaramavós,bemcomotodasasmudançasqueocorre-ramdesdeentãoeemfunçãodesuanovacondiçãodeavós. Tambémerainvestigadaarelaçãocomafilha,antesedepois deelatertidoumfilho.
Ainfânciadosparticipanteserarelembrada,quandoera abordadaarelaçãocomosprópriosavós,eoúltimotópico relacionava-seaoenvolvimentocomospais,especialmente quandoestessetornaramavósequandoaparticipanteteve o primeiro filho. Cada tópico investigado era apresentado inicialmenteàsavósemformadeumaquestãoampla(ex: Gostariaqueasenhoramefalasseumpoucosobreomomen-toemquesoubequeiaseravó).Casoarespostadaavónão fossemuitoexplícita,eramentãousadasoutrasquestõesque ajudavamaesclarecerostópicosinvestigados(ex:Comoa senhorarecebeuanotíciadequeiaseravó?Nestemomento asenhorajáestavapensandonaidéiadeseravó?).
Resultados
Análisedeconteúdo(Bardin,1977;Laville&Dione,1999) foiutilizadaparaseexaminarotornar-seavóeoprocessode individuação.Parafinsdeanálise,osdadosdasentrevistas foram agrupados em quatro eixos temáticos: Experiência comoAvó,ExperiênciacomoMãe,ExperiênciacomoNetae Experiênciacomofilha.Emcadaumdesteseixos,buscou-se oentendimentodecomovivencioucadapapel,eseusnovos significadosemfunçãodetersetornadoavó,assimcomoa novapossibilidadederesoluçãodeantigosconflitosedesejos. Assim,oEixoI,ExperiênciacomoAvó,buscouexplicitar comosedeuaexperiênciadetornar-seavó.OEixoII,Expe-riênciacomoMãe,teveporobjetivoanalisaremquemedida ofatodeterumnetofezaavóreviversuaexperiênciacomo mãe,aoteraprópriafilha.JáoEixoIII,Experiênciacomo Neta,tratoudavivênciadasmulherescomonetas,ecomoisso repercuteagoraemquetambémsãoavós.E,porfim,oEixoIV, ExperiênciacomoFilha,apresentaumaanálisesobrearelação dasmulheres,naposiçãodefilhas,comsuasmãeseseuspais, especilamenteapóselesteremsetornadoavós
Experiênciacomoavó
Otornar-seavó,deumaformageral,eraumaexpectativa quehaviaserealizadoparaquasetodasasavósentrevistadas, asquaisrelataramqueomomentoemquesouberamqueiam seravósfoimaravilhosoemuitoaguardado:“saberqueiaser avófoiamelhorcoisaporquemedeuumânimo,sabe?”.
Noveavósrelataramquenaocasiãodesetornaremavós jáestavampensandonaidéia,inclusiveachavamquejáes-tavamnaidadedeseravós.Duasrelataramqueanotíciafoi umasurpresa,poisnãoestavamesperandoseravósnaquele momento, embora já pudessem se imaginar neste papel. Asmesmasduasavósdemonstraramqueorecebimentoda notíciafoiummomentodedecepção,poisnãoachavamque afilhadevessesermãeainda.Istosugerequeomomento dereceberemanotíciadequevãosetornaravós,decon-frontocomarealidade,podenãosermuitoagradávelpara algumas.
Aosetornaremavós,algumasjátinhamumaidéiade comoseria,queeracomohaviamimaginado,ouatémelhor
doquehaviamimaginado:“eusempredigoqueamelhor coisadomundoéseravó”,sendoqueparaduasdelasera melhordoquesermãe:
“émelhorqueserpaiemãe,euachoqueémelhorporquea gentetalvezestejamenospreocupadaqueamãe...Eusósei quesermãeécomoumagostosatorta,eseravóéumagostosa tortacomchantilyemcima”.
Algunstemassurgiramquandoasavósfalavamsobreo seupapeldeavóeoseusignificado.Oseravófoicitadocomo sendoalgorenovador,queosnetosvinhamparapreencher umvazioexperenciadopelaidade:“seravóérenascer...é termaisânimodevida;tavamuitoprabaixoerenovoutudo denovo;elerecarregaasminhasforças”.
Chama a atenção que das 11 avós entrevistadas, nove relataramnãotertidoummodelodeavóaseguir:“tivedois modelospéssimosdeavó...massempresoubequeseravó, teravóeraumacoisamaravilhosa,eunãotinhaboasavós; jávemcomagente”.Essasavósquenãotiveramsuasavós comomodeloprocuravamresgatarcomosnetosasvivências quenãotiveram.
Experiênciacomomãe
Umdosaspectosquesedestacouemtodasasentrevistas foiqueonascimentodonetofezcomqueasavósselembras-semdosnascimentosdesuasfilhas:“eurevivitudo,contava praela(filha)comofoiepegavaele(neto)epareciaque tavapegandoela(filha),eureviviopassado”. Elasrelata-ramque,apósveremoneto,ocompararamcomsuasfilhas nomomentoemquenasceram,etambémrevivenciaramos própriospartoseasdificuldadesporquepassaram.Paraelas, foiummomentodemuitaemoção,emque“parecequepassa umfilme”desuasvidas.
Comexceçãodoscasosquetinhamseusmaridosdoentes paracuidar,todasasoutrasavósrelataramterajudadoafilha nosprimeiroscuidadosaoneto.Elascontamqueajudaram omáximoquepodiam,amaioriadelastendoficadonacasa dasfilhasporalgunsdias,dandoumaassistênciaemtempo integralaelaseaosnetos:“eusempredeixavapraelatomar asdecisões,massempreajudandoela,dandoapoionasinse-gurançasdela”.Asduasavósquenãopuderamacompanhar osprimeirosdiasdosnetosrelataramtersesentidofrustradas, tristes,poisgostariamdeterpodidoajudar,ereconheceram quenestemomentoaajudadasmãeseramuitoimportante: “eeutenhoassim,umcomplexodeculpa,umadordeeu nãoterpodidoficarlá”.
Todasasmulheresentrevistadasrelataramteracompanha-dodeumaformamuitopróximaagestaçãodesuasfilhas.Elas contaramquesepreocupavamcomaalimentaçãodafilha,a acompanhavamnasconsultasmédicaseecografias,faziam companhiaenquantoogenroestavatrabalhandoetambém gostavamdeajudarnacompradoenxovaldobebê.
filhos,especialmentebrincarcomeles.Hoje,comotêmmais tempolivrepodemaproveitarmaisotempocomosnetos, brincando.Outropontodestacadofoiotipodebrincadeira, sendoquequasetodasestasseteavósrelataramqueatualmen-tetêmmaisdisposiçãoecolocam-senaposiçãodacriança, brincando“nochão”comelas,coisaquenãofaziamcom osfilhos.Oqueelasacharamquecontinuasemelhanteao modocomoforammãesecomosãoavóséocarinhoeamor dispensadoaeles,oscuidadosnecessários,comohigienee alimentação,fazeracomidaquegostam,“fazerasvontades”, pôrlimites,contarhistórias.
Também foi relatado que na época em que a filha era pequena,algumasdasatuaisavóstrabalhavamdemaisehoje queremdaraosnetostudoquenãopuderamdaràfilha:“eu reconheçoquetudoqueeunãopudefazerpelafilhaeunão deixeiissoacontecercomaneta”.Asavósrelataramquehoje têmmaistempoparaosnetosdoquetinhamparaosfilhos quandoerampequenosequeamãeouasogra,ouseja,as avósdeseusfilhoséquefaziamcomseusfilhosoquehoje elasfazemcomosnetos:“oqueeutofazendohojeaminha mãefaziaeeudiziapranãofazertodasasvontades,eladizia deixa,amesmacoisaeudigoagorapraminhafilha”.
Asavóstambémfalaramsobreoseurelacionamentocom asfilhasquelhederamoprimeironetoouneta.Algumas delasrelataramquesempretiverambonsrelacionamentos comelas,sendoenfatizadaagrandeproximidadequeexiste comafilha:“elaémãe,éamiga,éfilha,évó,épai,étudo, agenteémuitoamiga”.Poroutrolado,algumasrelataram tertidoumrelacionamentoconflituosocomafilhadurante suaadolescência.Todaselascaracterizaramseurelaciona-mentoatualcomafilhacomobomoumuitobom.Também foicitadoqueorelacionamentocomafilhamelhorouapós suafilhatersetornadomãe:“afilhacomigomelhorou,ela setornoumaispreocupadacomigo;elaficoumaismadura porquedepoisqueagentesetornamãe,agenteamadurece, atévalorizamaisamãedepois”.
Deacordocom10avós,asfilhasasconsideravamboas avósenãointerferiamnoseurelacionamentocomosnetos: “eufaçooqueeuquero,seeuqueropegarprasaireute-lefono,etambémoqueeufaçocomeleduranteodiaela nãoliga”.
Paranoveavós,háumadiferençanoenvolvimentocom onetoporpartedasavósmaternasepaternas.Elasacham queháumaproximidademaiordelascomosnetos,vêemos netoscommaisfreqüência,alémdeacharemquesãomais envolvidas:
“aoutravónãoseimporta,elanãoseenvolveassimseeles têmousenãotêmalgumacoisa,seelastomarambanhoou não,seelasmamaramounão,setádoente.Eutododiaseeu nãovouláeuligo”.
Experiênciacomoneta
Algumasavósnãoconviveramcomosavósmaternos, outrascomospaternos.Apesardosdiferentestiposdecon-vivência,haviaemcomumumsentimentodequeeleseram distantes.Podeserestaarazãopelaqualamaioriadasavós dissequeaformacomosãoavósédiferentedomodocomo seusavóseramcomelasquandotinhamaidadequeseus
netostêmhoje:“antigamentenãofaziamoqueagentefaz hojeemdiaporquenaquelaépocaerammaisrígidos,bem diferente”.Todasrelataramqueseusavóserammaisseveros eenérgicoscomelas,ealgumasacrescentaramquenãoeram carinhosos,nemtinhamumaproximidadecomelas:“agente nãopodiachegarnemperto,eumelembroqueaminhavó maternaialáemcasaeracomosefosseumasanta,nós beijávamosamãodela”.
Algumas avós contaram que com os netos voltaram a ser crianças, ou que ao serem avós estavam sendo netas novamente,sendoasavósquenãotiveram:“naverdadeeu tavaquerendosernetadenovo,poiseunãotiveavó”;“eu façotudooqueelesnãofaziam,achoqueépracompensar”. Estes dados mostram que o tornar-se avó faz reviver não apenasaexperiênciacomomãe,mastambémasvivências infantiscomoneta.
Experiênciacomofilha
Aocompararomododeseremavóscomaformacomo seuspaisforamavósdeseusfilhos,quandoestestinhama idadedeseusnetos,setedelasrelataramquesãodiferentes: “ écomosedizaquelaplantinhaquetuvairegandovaicres-cencdo,eupensoquenãoéqueelesnãotivessesmamorpra dar,masderepentenãotinhamtempopracultivar”.
Paranoveavósentrevistadas,orelacionamentocomo paieamãe,antesdeseremmães,erabom,sendoquepara algumasdelasmelhorouapósonascimentodoneto:“écomo sefaltassealgumacoisa,umelopraaquelerelacionamento, oqueveiocomomeuneto ”.Masparaasoutrasseisentre-vistadas,orelacionamentocomopaieamãepermaneceu igual.Algumasavóspassaramavalorizarmaisospaispor tudoqueelespassaramporelas:“eupasseiareconhecer, valorizarmaisaminhamãe,tudoqueelasedoou,achoque aconteceucomtodasasfilhas”.
Discussão
Aoinvestigaromomentodotornar-seavó,oportunizou-se queasavósreflletissemsobreoseupapeldeavósesobreos outrospapéisqueexercerameaindatêmexercidoaolongode suasvidas.Antesdeseremavós,foramfilhas,netasemães. Comofilhasdesenvolveramumarelaçãoparticularcomseus pais,umaformaderelacionar-sequetrazemconsigo,como umabagagem,equeaspermitiuapreenderummodelodere-lacionar-secomosoutros.E,independentementeounãodesta relação,tiveramoutracomseusavós,quetambémdeixou marcaseexpectativasdecomoumaavódeveser.Comomães tambémpuderamdesenvolveroutrarelaçãoeexperimentar umnovopapel,diferentedosquejáhaviamvivido.
entre o que elas assimilaram de um relacionamento entre avósenetos,atravésdesuarelaçãocomseusavós,eseus própriospaiscomoavós.
Porsetornaremmães,tambémpuderamcolocar-seno lugardesuasmães,eessaexperiênciaasforneceuaopor-tunidadedecompreendê-las.Umanovarelaçãosurgiu,com seusdescendentes,emqueexperenciaramseupapeldemãe, alternandomomentosprazerososemomentosdifíceis.Mais tarde,quandojánameia-idade,outramudança,otornar-se avó,oportunizouqueelasreavaliassemsuavida,caracteri-zandoaquartaindividuação(Colarusso,1990,1997,2000). Puderam, assim, estabelecer uma nova relação com outra criança,amparadaemlaçosco-sangüíneos,sendoassegu-radaasuacontinuidadegenética.Osresultadosdopresente estudo mostraram que, apesar das peculiaridades de cada avó, todas experenciaram uma reflexão sobre suas vidas, seuspapéis,seusrelacionamentos.Hoje,apósanexaremesta experiência a suas vidas, tornaram-se pessoas diferentes, comoutrospropósitoseoutrasresoluçõesparaantigoscon-flitos.Ocontatocomosnetospermitiuqueserenovassem osvínculoscomsuasfilhas,suasmães,ecomsuasavós. Umanovaconstelaçãofamiliarseformou,enovospapéis seagregaramaosjáexistentes,inaugurandoumanovaetapa devida,reorganizandoaidentidadefeminina.
DeacordocomCartereMcGoldrick(2001),emcada fase do ciclo de vida familiar há tarefas específicas a se-remresolvidas,masemcadapontodetransiçãoosantigos conflitos,quenãoforamsolucionados,têmnovamenteuma chancedesedesfazer.Assimcomoaosetornarpaiemãe, aosetornaravôeavóháumapossibilidadedeelaboração deconflitosanteriores.Colarusso(1997)apontaatransição paraotornar-seavócomoumdestesmomentosemqueos conflitosressurgemeemque,atravésdosnetos,conflitos comosfilhos,comospais,econsigomesmo,podemser reelaborados,caracterizando-seoqueoautordenominaa quartaindividuação.
Opresenteestudotrazevidênciassobreoressurgimento dequestõesinfantisedatentativadeelaboraçãodasmesmas notornar-seavós.Assim,pode-seconcluirqueestasquestões sãoreativadasnãoapenaspelaparentalidade,comodesta-camalgunsautoresquetrabalhamcomodesenvolvimento emocional(Brazelton&Cramer,1992),masressurgemno tornar-seavó,caracterizandoaquartaindividuação.Ofilho representaumapromessaderealizaçãodedesejosinfantis, taiscomoodesejodeonipotênciaecompletude,desimbiose efusão,derealizaçãodeideaiseoportunidadesperdidas, de renovação de antigos vínculos. O neto representa uma segunda chance de reparação das experiências infantis e desuperaçãodospais,namedidaemqueosavóspodem imaginarqueagoracomonetofinalmenteirãoconseguir realizarosdesejosquenãopuderamserrealizadoscomseus própriospais,naposiçãodefilhos,comseusavós,naposição denetos,oucomseusfilhosnaposiçãodepais.Nopresente estudo,todasasavósrelataramquequandoseusfilhoseram pequenos,tinhamquetrabalharenãotinhammuitotempo parabrincarcomeles,porexemplo.Destaforma,procuravam resgatarcomosnetosavivênciaquenãopuderamtercom osfilhoseproporcionaraelestudooquenãopuderamdar aosfilhos.Osresultadosdopresenteestudomostraramainda queonascimentodonetorepresenta,paramuitasavós,o
seuprópriorenascimento,eumanovachancederealização deoportunidadesperdidas.Ouseja,onetotemopoderde reavivarnosavósseusdesejos,sonhos,ideaisquenãopu-deramserrealizados.
Comrelaçãoaodesejodefusão,osavóstêmaexperiên-ciadeperdadosfilhos,devidoaocrescimentodestes,mas odesejodefusãopodeseralimentadopelosnetos,contra-pondo-se aos sentimentos negativos de perda (Colarusso, 2000).Osentir-sefusionadocomonetoapareceunorelato dealgumasavós,assimcomoapercepçãodequeonetoera comoumfilho.
O desejo narcísico de completude, que surge com a parentalidade (Brazelton & Cramer, 1992), também pode seevidenciadonasavós.Nopresenteestudo,onascimento donetotrouxeparaasavóslembrançasdonascimentodas próprias filhas, sendo que o momento do parto das filhas representouumareconstruçãodeseusprópriospartos.Os relatosmostraramqueháumarecordaçãoquasefieldodia do nascimento das filhas, com uma riqueza de detalhes e identificaçõescomomomentoatual,emqueafilharepetia amesmasituaçãodasmães.Assim,omesmosentimentode estarsecompletandoérevivido,integrandotemposdistantes, masquetêmmuitoemcomum.Muitasavóstambémrela-taramqueosnetosvierampreencherumvazioprovocado, entreoutrascoisas,pelasaídadafilhadecasa,evidenciando, umavezmais,odesejodecompletude.
Arelaçãodanovaavócomaprópriafilhaquesetorna mãeéfortalecidacomestesnovosacontecimentosesurgi-mentodenovospapéis(Barros,1987).Afilhaévistadeuma formamaismadurapelamãe,poisosofrimentodetornar-se mãeprovocaumaidentificaçãoentreasduasgerações,ea filhaadultaéreconhecidacomotal.ParaColarusso(1997),a autonomiadosfilhosestimulaaindependênciadospais.
Umadasquestõesquechamouaatençãofoiofatodeque amaioriadasavósnãotevemodelosdeavós.Naentrevista utilizada no presente estudo, tinha-se uma questão sobre ondebuscaramosmodelosdeavós,senaprópriainfância, comosavós,oujánavidaadulta,comospaissendoavós deseusfilhos.Asparticipantesdoestudorelataramqueno tempoemqueeramcrianças,osavóserammaisdistantes emocionalmenteearelaçãodosnetoscomosavóseraformal. Avivênciadosprópriospaiscomoavóstambémnãoserviu como modelo. Para Bowen (1991), autor da abordagem familiarsistêmica,oprocessodeindividuaçãoconsistena tentativadediferenciaçãoemrelaçãoàfamíliadeorigem. Destaforma,aorefletirsobreseupapeldeavó,comparadoà formacomoseuspaisforamavós,aavóestádiferenciando-se deles,econstruindoseumodoparticulardevivenciareste papel. Pode-se concluir que o tornar-se avó propicia uma reflexãoeumaconstruçãoparticulardoqueéseravó,eem-boraosavóseospaisnãosirvamcomomodelosperfeitos, sãosempreummodelodereferência,mesmoaodesejarem seravósdiferentes.
avó.Umalimitaçãodoestudoconsistenofatodeacoleta dedadostersidorealizadaemumúnicomomento,emque osnetosestavamcom3ou4anosdeidade.Estudosfuturos poderiamacompanhar,atravésdedelineamentolongitudi-nal, o tornar-se avó desde o período gestacional da filha, possibilitando, assim, melhor apreender o desenrolar dos processosevolutivosnaavó.Sugere-se,também,queestudos futurospossaminvestigarasavóspaternas,bemcomoos avôsmaternosepaternos,comointuitodeanalisarassuas peculiaridades.
Referências
Bardin,L.(1977).Análisedeconteúdo.Lisboa:Edições70. Barros,M.L.(1987).AutoridadeeAfeto.Avós,filhosenetosna
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Recebidoem03.03.2005 Primeiradecisãoeditorialem11.10.2005 Versãofinalem16.12.2005
Aceitoem13.02.2006
NORMASDEPUBLICAÇÃO