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A vivência de uma trabalhadora de enfermagem portadora de lesão "De Quervain".

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Academic year: 2017

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1 Professor do Cent ro Universit ário Nove de Julho, Dout oranda, e- m ail: pat ipavan@uninove.br; 2 Livre- Docent e, e- m ail: m erighi@usp.br. Escola de Enferm agem da Universidade de São Paulo; 3 Enferm eira, Professora Tit ular I da Universidade Guarulhos, e- m ail: arlsilva@uol.com .br

A VI VÊNCI A DE UMA TRABALHADORA DE ENFERMAGEM

PORTADORA DE LESÃO “DE QUERVAI N”

Pat r icia Cam pos Leit e1 Mir iam Apar ecida Bar bosa Mer ighi2 Ar let e Silv a3

Tr at a- se de um est udo de caso qualit at ivo de abor dagem fenom enológica sobr e a exper iência de um a m ulher t r abalhador a de enfer m agem por t ador a de Lesão De Quer vain, um dist úr bio ost eom uscular r elacionado ao t rabalho. Obj et ivou- se com preender com o é ser m ulher t rabalhadora de enferm agem , est ando doent e por um dist úrbio ost eom uscular relacionado ao t rabalho, por m eio de um a t rabalhadora do Cent ro de Mat erial e Est erilização de um hospit al part icular. Ut ilizou- se o referencial filosófico de Mart in Heidegger para análise com preensiva do depoim ent o em quest ão. A análise revelou que o processo fisiopat ológico da Lesão de De Quervain desencadeou m udanças na vida da t rabalhadora, caract erizadas pelas m anifest ações dolorosas e especialm ent e pelas lim it ações físicas, gerando, assim , um a m ult iplicidade de sent im ent os. A angúst ia se fez present e no processo de aceit ação da doen ça, m om en t o em qu e a t r abalh ador a per cebe a f r agilidade de su a ex ist ên cia e se r econ h ece com o r esponsável pelo seu aut ocuidado, alcançando a aut ent icidade e t r anscendendo a doença.

DESCRI TORES: t r anst or nos t r aum át icos cum ulat iv os; saúde da m ulher ; pesquisa cualit at iv a

THE EXPERI ENCE OF A W OMAN W ORKI NG I N NURSI NG

SUFFERI NG FROM DE QUERVAI N’S DI SEASE

This is a case st udy w it h a phenom enological appr oach on t he ex per ience of a w om an w ho w or ks in nur sing and suffer s fr om t he de Quer vain’s disease, an ost eo- m uscular disor der r elat ed t o w or king condit ions. This st udy aim ed t o under st and w hat m eans t o be a w om an w or king in nur sing and suffer ing fr om an ost eo-m uscular disor der r elat ed t o w or king condit ions t hr ough a w or ker of t he Mat er ial and St er ilizat ion Cent er of a pr iv at e hospit al. The philosophical r efer ent ial fr om Mar t in Heidegger w as used for t he com pr ehensiv e analy sis of t he st at em ent in quest ion. The analy sis r ev ealed t hat t he phy siopat hological pr ocess of t he de Quer v ain’s disease caused changes in t he w or ker ’s life, char act er ized by painful m anifest at ions and especially by physical lim it at ions, which generat e a m ult iplicit y of feelings. Anguish is present in t he process of accept ing t he disease, w hen t he w or ker per ceives t he fr agilit y of her exist ence and r ecognizes her self as t he one r esponsible for her ow n car e, r eaching aut hent icit y and t r anscending t he disease.

DESCRI PTORS: cum ulat iv e t r aum a disor der s; w om en’s healt h; qualit at iv e r esear ch

VI VENCI A DE UNA TRABAJADORA DE ENFERMERÍ A

PORTADORA DE LESI ÓN “DE QUERVAI N”

El present e es un est udio de caso cualit at ivo fenom enológico sobre la experiencia de una m uj er t rabaj adora por t ador a de la Lesión De Qu er v ain , u n dist u r bio ost eom u scu lar r elacion ado al t r abaj o. Sien do el obj et iv o com prender com o es el ser una m uj er t rabaj adora de enferm ería dent ro del Cent ro de Mat erial y Est erilización de un hospit al part icular con un dist urbio ost eo- m uscular relacionado al t rabaj o. Se ut ilizó el referencial filosófico de Mart ín Heidegger para el análisis com prensivo de la ent revist a. El análisis m ost ró que el proceso fisiopat ológico or iginó cam bios en su v ida, car act er izados por las m anifest aciones dolor osas y especialm ent e por lim it aciones físicas, lo que generó una m ult iplicidad de sent im ient os. La angust ia est a present e dent ro del proceso de acept ación de la enferm edad, m om ent o en el cual, la t rabaj adora percibe la fragilidad de su exist encia y se reconoce com o r esponsable de su cuidado, alcanzando la aut ent icidad y t r anscendiendo la enfer m edad.

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I NTRODUÇÃO

A

o l o n g o d e e x p e r i ê n ci a p r o f i ssi o n a l , per cebeu- se que a r ealidade das t r abalhador as de enferm agem t em sido m arcada por cot idiano replet o d e m ás co n d i çõ es n o t r ab al h o , o casi o n ad as n ão so m e n t e p e l a e sca sse z d e r e cu r so s h u m a n o s e m at er iais com o pelo est r esse in er en t e à at iv idade hospit alar.

A m aioria das instituições hospitalares possui estrutura de alto nível de com plexidade e diversidade de serviços, no ent ant o, isso não reduz a exposição dos t rabalhadores a inúm eros agravos( 1).

As con dições de t r abalh o of er ecidas pelos h o sp i t a i s, a s p e cu l a r i d a d e s d a s t a r e f a s d e en f er m ag em , associad as às d if icu ld ad es n o set or saú d e con t ex t u alizam a sit u ação d e t r ab alh o d os profissionais de enferm agem em diversos países( 2).

Apesar de toda a dim ensão benéfica atribuída a o t r a b a l h o , sa b e - se q u e , n a e n f e r m a g e m , o desgast e, a desm ot ivação, frust ração e o desej o de ab an d on ar a p r of issão t êm m er ecid o at en ção d e vários est udiosos( 3- 5).

Ai n d a , l e v a n d o e m co n si d e r a çã o q u e a en f er m ag em é ex er ci d a p r ed o m i n an t em en t e p o r m ulheres, é necessário olhar diferenciado para essa trabalhadora que, na m aioria das vezes, exerce dupla ou t r ipla j or nada, r espondendo não som ent e pelas t a r ef a s d o m ést i ca s, m a s a i n d a p el a s a t i v i d a d es pr ofissionais.

Esse fat o causa- lhes inúm eros problem as de saúde, repercut indo inclusive nas est at íst icas oficiais referentes às taxas de m ortalidade e m orbidade entre os sexos, sendo m aior a m orbidade entre as m ulheres e a m ort alidade ent re os hom ens( 6).

No co n t e x t o d o a d o e ce r d a m u l h e r t r a b a l h a d o r a d e e n f e r m a g e m , d e st a ca m - se o s disst úrbios ost eom usculares relacionados ao t rabalho ( DORT) , incluídos nessa nom enclat ura um grupo de d oen ças, as t en ossin ov it es, t en d in it es, lesão De Qu er v ain , sin ov it es, sín d r om es com p r essiv as d os n er v os p er if ér icos, além d e sin t om at olog ias m ais d i sse m i n a d a s, co m o a sín d r o m e m i o f a sci a l , fibrom ialgia e dist rofia sim pát ico- reflexa( 7).

A lesão De Qu er v ain é con h ecida t am bém com o a t enossinovit e do est ilóide radial, que result a d a con st r ição d a b ain h a com u m d os t en d ões d o abdutor longo e do extensor curto do polegar, incidindo predom inant em ent e em m ulheres acim a de 40 anos de idade. Associa- se a exposições ocupacionais que

exigem m ovim ent os repet it ivos de polegar, pinça de polegar com flexão, extensão, rotação ou desvio ulnar repet ido do carpo e uso prolongado de t esouras. O quadro clínico caract eriza- se por dor em proj eção de pr ocesso est ilóide do r ádio com ou sem ir r adiação em proj eção radial at é o om bro e que aum ent a com ab d u ção r ad i al at i v a d o p o l eg ar, p o d en d o su r g i r t um orações nas regiões dolorosas( 8).

Na m a i o r i a d o s ca so s, o s si n t o m a s i n i ci a l m e n t e a p r e se n t a m - se d e f o r m a i n si d i o sa , predom inando m ais no t érm ino ou em m om ent os de p icos d a p r od u ção, aliv ian d o com o r ep ou so, n o entanto, com o decorrer do tem po, os sintom as podem se t or n ar fr eqü en t es du r an t e o t r abalh o, in clu siv e i n ci d i n d o n a s a t i v i d a d e s e x t r a l a b o r a t i v a s d a t r abalhador a( 9).

Em razão dos inúm eros quadros sintom áticos in clu íd os n os DORT, alg u n s d if u sos e ou t r os b em delim it ados an at ôm ica e/ ou fisiologicam en t e, n em sem pr e o diagnóst ico e com pr ov ação da doença é t arefa fácil, t ornando ainda m ais lent o o processo de busca por t rat am ent o adequado( 10).

Assim , as preocupações, aqui, com a elevada i n ci d ê n ci a d e p r o b l e m a s o st e o m u scu l a r e s e m t rabalhadores de enferm agem , associadas à escassez de est udos sobre DORT, especificam ent e nesse grupo profissional, foram conduzindo a tem ática do presente est udo que buscou com pr eender com o é ser m ulher , e st a n d o d o e n t e p o r u m d i st ú r b i o o st e o m u scu l a r

relacionado ao t rabalho – lesão De Quervain, por m eio

da v iv ência de um a t r abalhador a de enfer m agem .

TRAJETÓRI A METODOLÓGI CA

Trat a- se de est udo de caso com abordagem da fenom enologia exist encial sobre a experiência de um a m ulher t rabalhadora de enferm agem , 40 anos, casada, m ãe de dois filhos, com at uação profissional de 12 anos em Cent r al de Mat er ial e Est er ilização, port adora de lesão De Quervain, um DORT.

Pa r a co m p r e e n d e r co m o é s e r m u l h e r e st a n d o d o e n t e p o r u m d i st ú r b i o o st e o m u scu l a r

r e l a c i o n a d o a o t r a b a l h o , p e l a v i v ê n c i a d e u m a

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em form a de est udo de caso, que represent ou o fio condut or para a análise do depoim ent o em quest ão. En q u an t o m ét o d o d e est u d o , a p esq u i sa fenom enológica possibilit a ao pesquisador o acesso à consciência hum ana, volt ar às coisas m esm as, às e ssê n ci a s, co n si st e e m u m m o d o d e a b o r d a r o fenôm eno, ent endido com o t udo que se m ost r a, se m a n i f e st a , su r g e p a r a u m a co n sci ê n ci a q u e o i n t e r r o g a , a b a n d o n a n d o p r e co n ce i t o s e pressupost os( 11).

O pensam ent o heideggeriano t rat a- se de um desper t ar fundam ent ado na quest ão do sent ido do se r, b u sca n d o d e sv e n d a r a su a co m p r e e n sã o , con sider an do a f en om en ologia u m a v ia de acesso para a com preensão da exist ência hum ana( 12- 13).

O m o d o b á si co d o se r h u m a n o e x i st i r corresponde ao “ ser- no- m undo”, em que o hom em é ent endido a part ir do m undo em que se encont ra e com o se r elacion a com esse, com ob j et os e com p e sso a s, a b r i n d o - se p a r a si m e sm o e p a r a o m undo( 14).

Ne sse co n t e x t o , a t r a b a l h a d o r a d e en f er m ag em , v iv en cian d o o p r ocesso d e d oen ça, pode, à m edida que se abre para si e para o m undo, quest ionar- se em relação à sua própria exist ência no m undo, percebendo a fragilidade de sua exist ência, ocasionada pelos sint om as advindos do DORT. Assim , out ra caract eríst ica ont ológica definida por Heidegger é a angústia que surge quando o ser hum ano percebe da sua inst abilidade exist encial e acrescent a, ainda, o filósofo que, som ent e ao reconhecer- se com o ser-para- a- m ort e, exist e a possibilidade do ser encont rar sua autenticidade, m om ento em que essa m ulher pode t ranscender a doença( 15).

Com o descrit o ant eriorm ent e, apropriou- se, aq u i, d o r ef er en cial ex ist en cialist a d e Heid eg g er, acr edit ando que as est r ut ur as pr opost as pelo aut or poder iam ser v ir de baliza na análise com pr eensiv a d o d e p o i m e n t o d e ssa m u l h e r t r a b a l h a d o r a d e enferm agem que experiencia dist úrbio ost eom uscular relacionado ao t rabalho ( DORT) .

A ent r evist a foi concedida no m ês de j ulho de 2004, na casa da t rabalhadora, na cidade de São Paulo, t endo a duração de 42 m inut os, gravada em fita cassete, após a sua autorização por m eio do term o de consentim ento livre e esclarecido. Para a condução d a e n t r e v i st a , u t i l i zo u - se a se g u i n t e q u e st ã o n o r t e a d o r a : co m o é p a r a v o cê se r m u l h e r t r ab alh ad or a d e en f er m ag em e con v iv er com u m DORT? Essa qu est ão t ev e o in t u it o de con du zir a

pesquisadora ao m undo-vida dessa m ulher, com base e m su a s p r ó p r i a s v i v ê n ci a s, co n si d e r a n d o q u e som ente a partir do suj eito que experiencia a doença, a dor e o sofr im ent o, desencadeados pelo DORT, é p o ssív e l d e sv e l a r o f e n ô m e n o se r m u l h e r -t r a b a l h a d o r a d e en f er m a g em co n v i v en d o co m o DORT.

Vale ressalt ar que, ant ecedendo a realização d a en t r ev i st a , o p r esen t e est u d o f o i a v a l i a d o e aprovado pelo Com itê de Ética em Pesquisa da Escola d e En f e r m a g e m d a Un i v e r si d a d e d e Sã o Pa u l o ( EEUSP) .

CONSTRUI NDO OS RESULTADOS

Após a ent revist a, realizou- se a t ranscrição do discurso colhido na íntegra, a seguir realizou- se a leitura e re- leitura em busca das unidades de sentido, o u sej a , d o s t r ech o s si g n i f i ca t i v o s d o d i scu r so , considerando as proposições de Mart in Heidegger. A et apa seguint e foi o agr upam ent o das unidades de sent ido por sem elhança, o que originou a form ação de t em as, com pondo as Unificações Ont ológicas( 16).

Ap r e se n t a - se a s UNI FI CAÇÕES ONTOLÓGI CAS ident ificadas no discur so da m ulher t rabalhadora de enferm agem port adora de lesão De Quervain, as quais revelam o ser m ulher trabalhadora de enferm agem convivendo com o DORT.

O ser- no m undo convivendo com o DORT

Considerando que o hom em é entendido com b ase n o m u n d o em q u e se en co n t r a e co m o se r elaciona com esse m undo, ser m ulher no m undo, trabalhar na equipe de enferm agem , convivendo com DORT é m uit o m ais do que experienciar a dor e as d if icu ld ad es p r of ission ais, m as con v iv er com u m cot idiano de im possibilidades, inclusiv e de r ealizar tarefas sim ples do seu cotidiano, o que é apresentado no t recho do discurso abaixo.

...e na m inha casa t am bém eu não conseguia m ais fazer

nada, nem puxar o cobertor para m e cobrir eu conseguia...( Marília)

Na cot id ian id ad e, o sig n if icad o d e m u it as coisas só aparece para o ser quando algo lhe falt a, o u se j a , a v i v ê n ci a d e u m a p e r d a o u l i m i t a çã o e v i d e n ci a o s si g n i f i ca d o s a t é e n t ã o o cu l t o s o u desper cebidos( 14).

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est á, convivendo com suas diversas im possibilidades, j á q u e sã o m u i t a s a s m o d i f i ca çõ e s e m su a s habilidades físicas, t or nando- a incapacit ada não só para o trabalho, com o para a realização de atividades m a i s si m p l e s, r e l a ci o n a d a s a o se u p r ó p r i o aut ocuidado.

O d e p o i m e n t o d a t r a b a l h a d o r a d e e n f e r m a g e m r e v e l a q u e , a p e sa r d a s d o r e s, d a lim it ação, a t r abalh ador a per m an ece n o t r abalh o, i n si st i n d o co n si g o m e sm a , r e si st i n d o à s d o r e s in t en sas, esf or çan d o- se p ar a n ão se af ast ar d as at iv idades pr ofissionais.

...e depois da lesão aqui est abelecida né, eu j á não

podia fazer quase nada m ais, eu não podia pegar um a caixa, erguer

um a caixa, descer caixas de prateleira...eu já não conseguia exercer

quase m ais nada na Cent ral de Mat eriais...Ent ão eu chegava, eu

escolhia a escala que dava para aquele dia , m as às vezes eu não

conseguia chegar at é o fim do plant ão...( Marília) .

Pod e- se p er ceb er q u e o ag r av am en t o d a doença t ende a ocasionar um a sér ie de alt er ações f ísi ca s e p síq u i ca s e a t r a b a l h a d o r a p o ssu i a consciência das suas lim it ações para o t rabalho, no ent ant o, para ela est ar afast ada do t rabalho significa m uit o m ais que adm it ir sua doença, significa aceit ar e t ornar público a sua incapacidade, com o evidencia o discurso que segue.

...eu não vou volt ar para caixa, eu quero ver at é onde eu

consigo t rabalhar né....( Marília) .

A t r ab al h ad o r a d e en f er m ag em co n t i n u a exercendo suas at ividades profissionais, procurando pr ov ar par a si m esm a que ainda é capaz, em bor a m uit as vezes esse represent e o fat or m ais relevant e para o agravam ent o da sua lesão. O ser- no- m undo d a t r a b a l h a d o r a d e e n f e r m a g e m m o d i f i ca - se int ensam ent e com as alt erações advindas do DORT, pois, im placavelm ent e, as m anifest ações se inst alam e essa m u lh er v ê- se ob r ig ad a a con v iv er com as m udanças, pois, em bora doente, continua convivendo con sig o e com o m u n d o, est ab elecen d o r elações sim ples do exist ir no m undo, sofrendo com a dor e com as suas lim it ações.

A t r a b a l h a d o r a d e e n f e r m a g e m v i v e n ci a n d o a am bigüidade da solicit ude

A m u l h e r t r a b a l h a d o r a d e e n f e r m a g e m , co n v i v e n d o co m o D ORT, p o d e e x p e r i e n ci a r a preocupação dos outros com ela e com o seu estado de saúde. A pr eocupação funda- se na const it uição ont ológica da pr e- sença enquant o ser - com , guiada

pela consideração e pela t olerância ou paciência em relação ao out ro, a cham ada solicit ude( 14).

. . . n esse ín t er im eu en con t r ei u m m éd ico q u e f oi

cuidando de m im e falou você t em que se afast ar né, esse braço

t em que repousar...( Marília) .

Ao relat ar a solicit ude desse profissional, ela r ev ela sua gr at idão pelo fat o de ele t ê- la aler t ado sobr e a sua r eal sit uação e a necessidade que ela tinha de dar im portância ao seu próprio adoecim ento, o que lhe possibilit ou a aber t ur a par a poder - ser - si própria, convivendo com a verdade.

I n f elizm en t e, a t r ab alh ad or a r elat ou q u e dificilm ent e esse apoio part iu dos profissionais, t ant o os pr of ission ais en gaj ados n o cu idar da saú de do t rabalhador com o dos próprios colegas profissionais q u e at u av am j u n t o co m essas t r ab al h ad o r as n a equipe de enfer m agem . O sent im ent o de despr ezo ou o des- cu idado m u it o pr esen t e n o am bien t e de t rabalho, configurou o dist anciam ent o do ser- com , j á que, conform e Heidegger, nós som os essencialm ent e relação e, nessa relação, a preocupação com o outro, ou sej a, “ a solicit ude ” passa a ser a essência da nossa exist ência( 14).

...na verdade eu não sent i é que m e levavam a sério...

Sent ia que ele não acredit ava na m inha dor, né que era t ão

int ensa...um cert o descaso assim ...( Marília) .

A verbalização de Marília dem onst ra que ela sent iu que os profissionais do at endim ent o à saúde do t r abalhador não at r ibuíam a dev ida im por t ância à s q u e i x a s p o r e l a a p r e se n t a d a s. Essa im pessoalidade, cont ext ualizada na relação m édico-p a ci e n t e a cu sa a n e ce ssi d a d e d e so l i ci t u d e apresentada por essa m ulher, j á que, nesse m om ento, o que ela m ais precisava era se sentir ouvida quanto à dor, quant o ao sofrim ent o que experienciava.

O im pessoal encont r a- se em t oda a par t e, em que todo m undo é o outro e ninguém é si próprio e esse conviver dissolve int eiram ent e a própria pre-sença no m odo de ser - com os out r os e isso de t al m aneira que os out ros desaparecem ainda m ais em sua possibilidade( 14).

Som ado a essa difícil const at ação, exist e o pr econ ceit o v elado dos pr ópr ios t r abalh ador es da en f er m agem .

... eu acabei ficando m al vist a né, pelos colegas, eu

acabei com um a im agem ruim no set or, hoj e eu falo para m inha

psicot er apeut a assim , eu...eu sent i o que os negr os sent em

( choro) ...( Marília) .

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enferm agem , evidenciando o descuidado nas relações do cot idiano. Essa sit uação t ende a gerar ainda m ais sofr im ent o na t r abalhador a, pois, em bor a o m undo sej a com par t ilhado, a ex per iência de ser por t ador a de DORT é individual.

A angúst ia por conviver com o DORT

No co n t e x t o d o a d o e ce r p o r D ORT, v a l e r essalt ar que são m uit as as m odificações adv indas do pr ocesso fisiopat ológico. Con sider an do qu e, n a m aior ia das v ezes, as m u lh er es r espon dem pelas atividades dom ésticas e profissionais, a nova situação, m arcada por m anifest ações dolorosas, dim inuição da for ça m uscular e r est r ições par a m uit as at ividades, obriga- a a t om ar consciência de que a vida m udou, as t r an sf or m ações acar r et ad as p ela d oen ça j á se inst alaram e o seu am anhã é incert o.

Ob ser v a- se q u e as i n cer t ezas q u an t o às habilidades físicas, os com prom et im ent os e ainda às r espost as fr ent e aos t r at am ent os, fizer am com que vivenciasse a angúst ia.

...a gent e com eça assim , quando t em um a lesão assim ,

na m ão, m ão direit a, quando im obilizava a m ão não conseguia

fazer nada com a m ão esquerda, queria m orrer...( Marília) .

A v er b alização d e Mar ília r ev ela q u e seu m undo- v ida foi int ensam ent e m odificado em r azão da doen ça e, qu an do ao lon go do discu r so r ef er e “ m ão direita”, evidencia- se que na sua relação com o m undo e com as coisas do m undo, ela percebe sua incapacidade e passa a questionar sua existência, em que o “ querer m orrer” parece o fim de tudo, o fim de se deparar com um a fragilidade t ão ínt im a, t ão sua, ex p l i ci t a n d o a a n g ú st i a d a t r a b a l h a d o r a q u e se per cebe enquant o ser - par a- m or t e.

A m orte é das possibilidades a m ais pessoal, m ais ím par do ser- aí e essa é j ustam ente a fonte da angúst ia. Nesse aspect o, a m ulher t r abalhador a de enferm agem , convivendo com o DORT, ao pensar em su as lim it ações, su as r est r ições p ar a o t r ab alh o, apr ox im a- se de sua finit ude, onde poder á v iv er de form a aut ênt ica, abrindo- se para si, ou inaut ênt ica, em função do m edo de se confrontar consigo m esm a e com o seu ser- para o- fim( 14).

Além disso, com o agravam ent o da doença, sur ge a sensação de que j am ais poder ia ex er cer a sua pr ofissão nov am ent e, o que ger ou sent im ent o int enso de incapacidade. Nessa fase da doença, a angústia experim entada pela trabalhadora foi tão forte que repercutiu de form a decisiva em seu tratam ento,

no qual ela reconheceu a necessidade de invest ir na psicot erapia, com o revela o discurso abaixo.

... em alguns m om ent os achei que eu não pudesse

m ais t rabalhar m esm o aí com ecei a fazer um t rat am ent o int enso

com psicot erapia... Eu t ava precisando m esm o ( choro, silêncio)

( Marília) .

Ao reconhecer a possibilidade da m orte é que o ser hum ano encont r a sua aut ent icidade j á que a m orte é um a possibilidade incondicional e insuperável, portanto, para o autor, a angústia é um tipo de náusea ontológica que invade o ser hum ano quando esse está p e r t o d e co m p r e e n d e r a i n ce r t e za d e su a exist ência( 14).

Sob t al aspect o, ao se depar ar com a sua r ealidade, t endo em v ist a a sua finit ude, a m ulher resolve enfrent ar a nova sit uação de vida, m om ent o em que passa a viver em sua aut ent icidade.

A t r an scen dên cia da t r abalh ador a de en f er m agem convivendo com o DORT

Ao v iv en ciar as d if icu ld ad es in er en t es ao p r o ce sso d e a d o e ci m e n t o p e l o D ORT, a m u l h e r ex p er im en t ou sen t im en t os d e p er d a, d e r ev olt a, t r ist eza, m as, no m om ent o em que adm it iu a sua d o e n ça e a su a n o v a co n d i çã o , a b r a ço u n o v o s o b j e t i v o s , a t r i b u i n d o n o v o s i g n i f i c a d o à s u a ex ist ên cia.

... aí eu volt ei aí eu m e dei bem assim , eu consegui m e

sair assim superbem ...assim , hoj e eu consegui, não por eles, por

m im m esm o eu consegui at ingir, chegar onde eu queria...nesse 1

ano ela viu o m eu t rabalho né , ela t em m e elogiado... ( Marília)

O seu depoim ent o evidencia que, dent ro da sua nova situação, ela retornou ao trabalho e acredita ter tido êxito, pois recebe elogios de sua chefia e, na v er dade, ela m esm a est abeleceu par a si algu m as m et as, as quais for am alcançadas, per m it indo que ela transcendesse a sua doença, sentindo- se realizada. A t r a n sce n d ê n ci a o co r r e , p o r t a n t o , n o inst ant e em que a t r abalhador a r econhece sua r eal sit u ação e, ain d a assim , t r aça m et as e en con t r a sent ido no seu exist ir.

Nesse aspecto, o fenom enólogo descreve que som en t e com a ab er t u r a d a p r e- sen ça é q u e se alcança o fenôm eno m ais originário da verdade, sendo que a pre- sença é e est á na verdade( 14).

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co m p ar t i l h a su as q u ei x as, esp er an d o m u i t o d o s out ros, com o passar do t em po ela passa a agir em defesa de si- m esm a, investindo em seus tratam entos e no seu aut ocuidado.

...eu dem orei pra perceber, se t á doendo, vai dar um

j eit o, vai fazer um a com pressa...( Marília) .

A f a l a d e Ma r íl i a d e m o n st r a q u e , a o t ranscender a doença, ela reconhece os sint om as e conhece m aneiras para aliviar suas dores, perm itindo que est abeleça m edidas de aut ocuidado, ao invés de esperar soluções de out ras pessoas.

Tom ando consciência de si- m esm a, das suas lim itações e da fragilidade, é que subsiste a condição ont ológico- ex ist encial de possibilidade de ser liv r e para as possibilidades propriam ent e exist enciárias( 14).

Assim sen do, su a ex per iên cia de con v iv er com o DORT perm itiu a possibilidade de ser- si- própria, co m su a s l i m i t a çõ e s e co m p r o m e t i m e n t o s, e n f r e n t a n d o a su a v e r d a d e e a su a h i st ó r i a , reconhecendo t oda a sua fragilidade assim com o as suas possibilidades no m undo.

CONSI DERAÇÕES FI NAI S

Ao com p r een d er o f en ôm en o ser m u lh er -t r ab alh ad or a d e en f er m ag em , con v iv en d o com a lesão De Quervain, pode- se com preender que, ao se confr ont ar com o pr ocesso de doença, essa m ulher vivencia m ult iplicidade de sent im ent os.

A t rabalhadora revelou que conviver com o DORT, ou o ser- no- m undo convivendo com DORT, a insere em um cotidiano caracterizado por dor e m uitas lim itações, o que lhe provoca sofrim ento físico e psíquico. O fato de m uitas vezes ter que se afastar do trabalho faz em ergir nessa m ulher a sensação de incapacidade e im pr odut iv idade, pois pelo t r abalho ela se t or na relação, exercita seu saber, sente- se valorizada.

Em bora t enha experienciado a solicit ude de u m pr ofission al da saú de qu e, com o ev iden ciou o discurso, parece t er sido o responsável por alert á- la da sua real sit uação,. infelizm ent e, cham a a at enção o descaso r efer ido por ela quant o aos pr ofissionais da saúde do trabalhador e tam bém dos seus próprios co l e g a s d e p r o f i ssã o , g r u p o s t ã o p r ó x i m o s d o cotidiano de vida e que, num m om ento de fragilidade, se revela t ão im pessoais ao seu sofrim ent o.

A a n g ú st i a f a z p a r t e d o s se n t i m e n t o s v iv en ciad os p ela t r ab alh ad or a aq u i est u d ad a, em especial por per ceber - se em um nov o cont ex t o de vida, por t er consciência de sua fragilidade enquant o ser no m undo. No entanto, m esm o vivenciando todas as dificuldades advindas do processo fisiopat ológico, evidencia- se, no discurso, que essa m ulher enfrentou a n o v a r e a l i d a d e , d e sco b r i u se u p a p e l co m o cuidadora de si própria, à m edida que se aceit a com a doen ça, r et or n a ao t r abalh o, r eelabor an do su as funções, t ranscendendo a doença, encont rando a si pr ópr ia n o n ov o con t ex t o de v ida, at r ibu in do r eal significado à sua exist ência.

REFERÊNCI AS BI BLI OGRÁFI CAS

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