AVALIAÇÃO ATUARIAL DO EFEITO D E ANTICONVULSIVANTES
SOBRE ALTERAÇÕES ELETRENCEFALOGRÁFICAS
E X P E R I Ê N C I A E M 309 CASOS
ROSEMARIE LOPES GOMES *
R E S U M O — A a u t o r a faz u m e s t u d o d e a v a l i a ç ã o a t u a r i a l d e s u a e x p e r i ê n c i a clínica, e m 309 p a c i e n t e s , a r e s p e i t o do efeito d o u s o d e a n t i c o n v u l s i v a n t e s s o b r e a l t e r a ç õ e s eletrencefa-¬ lográficas d e d i v e r s o s t i p o s . O t e m p o d e a c o m p a n h a m e n t o foi d e 10 a n o s e a p e r c e n t a g e m d e r e m i s s ã o foi, em m é d i a , 70%.
Actuarial evaluation of anticonvulsivants effect on electroencephalographic changes : experience about 309 cases.
SUMMARY — T h e a u t h o r m a k e s a n a c t u a r i a l e v a l u a t i o n s t u d y of h e r clinical w o r k over 309 p a t i e n t s a b o u t t h e effect of a n t i c o n v u l s i v a n t d r u g s u s e d in m a n y k i n d s of e l e c t r o e n c e p h a l o - ¬ g r a p h i c c h a n g e s . T h e follow-up h a d been d o n e for 10 y e a r s a n d p e r c e n t of c h a n g e s r e m i s s i o n w a s a b o u t 70%.
A l i t e r a t u r a e s p e c i a l i z a d a n ã o tem a p r e s e n t a d o , s e n ã o com e s c a s s a ênfase, d a d o s s o b r e a evolução do e l e t r e n c e f a l o g r a m a ( E E G ) em p a c i e n t e s com t r a ç a d o a l t e r a d o e s u b m e t i d o s a o u s o de a n t i c o n v u l s i v a n t e s 1-9.
N o p r e s e n t e t r a b a l h o , é a v a l i a d o p o r e s t u d o a t u a r i a l o efeito do uso c o n t i n u a d o de d r o g a s a n t i e p i l é t i c a s s o b r e o E E ü t a n t o em p a c i e n t e s epiléticos, como em p a c i e n t e s n ã o epiléticos com a l t e r a ç ã o de c o n d u t a . O s d a d o s foram colhidos n o s últimos 10 a n o s de experiência clínica em c o n s u l t ó r i o .
CASUÍSTICA
Foram estudados 309 prontuários de pacientes de ambos os s e x o s ; o acompanhamento
foi realizado mediante traçados semestrais. Utilizou-se como critério de inclusão na amostra
apresentarem os pacientes EEG alterado. Todos os casos estudados fizeram no mínimo dois
e, no máximo, 21 traçados. Os EEG não foram realizados por um único laboratório, como
seria desejável. E s t e fator de variação s e deve ao fato de que este estudo foi realizado
inclusive em pacientes previdenciários. O medicamento usado em grande parte dos casos
foi a carbamazepina, devido a seu efeito psicotrópico, além do conhecido efeito
anticonvulsi-vante. Os pacientes com sintomas como sonolência, tontura ou náuseas, nc início do
trata-mento, foram orientados no sentido de diminuir a dose, por tempo determinado, voltando,
a posteriori, ao esquema inicial. A medicação foi substituída nos casos que apresentaram
reações alérgicas ou piora de comportamento.
* N e u r o l o g i s t a .
380 Arq. Neuro-Psiquiat. (São Paulo) 46(4) 19S8
R E S U L T A D O S E COMENTÁRIOS
A r r o l a r a m - s e 309 pacientes, a n o t a n d o - s e a d a t a do início d a investigação e a
d a t a d a última o b s e r v a ç ã o , q u a n d o foi, e n t ã o , r e g i s t r a d a a s i t u a ç ã o de a c o m p a n h a
-mento dos casos, a qual pode ser classificada em t r ê s c a t e g o r i a s : 1. P a c i e n t e s nos
quais havia d e s a p a r e c i m e n t o d a s a l t e r a ç õ e s em dois E E G consecutivos, sem
convul-sões por, no mínimo, dois a n o s ; 2. P a c i e n t e s evadidos, tendo o último E E G , ainda sido
a l t e r a d o ; 3. P a c i e n t e s que c o n t i n u a r a m sendo a c o m p a n h a d o s . C a b e r e s s a l t a r que
não foram o b s e r v a d o s c a s o s de alterações hematológicas que d e t e r m i n a s s e m a
suspen-s ã o d a medicação. Foi calculado o tempo de suspen-seguimento, em mesuspen-sesuspen-s, e, a p ó suspen-s , o período
incidente, em s e m e s t r e s .
N a s e g u n d a fase (Gráfico 1) os r e s u l t a d o s foram t r a n s c r i t o s , u s a n d o - s e o cálculo
a t u a r i a l , o b s e r v a n d o - s e queda na p e r c e n t a g e m de E E G a l t e r a d o s : de 9 8 , 0 % , ao fim do
primeiro semestre, p a r a 2 7 , 7 % ao cabo de 17 s e m e s t r e s (oito a n o s e m e i o ) . Ademais,
no decorrer de 20 s e m e s t r e s (10 a n o s ) , notou-se que o q u a r t o , o quinto e o sexto
s e m e s t r e s de t r a t a m e n t o foram os p e r í o d o s em que se observou maior n ú m e r o de
t r a ç a d o s n o r m a l i z a d o s , com q u e d a s p e r c e n t u a i s respectivas de 5,6%, 9,2% e 6,9%,
conforme m o s t r a d o no gráfico I.
Utilizando a divisão aceita pela maior p a r t e d o s a u t o r e s , classificamos a s
alte-rações do E E G em dois g r a n d e s g r u p o s : lentas e irritativas. As primeiras foram
divididas em difusas e l o c a l i z a d a s ; a s difusas, p o d e n d o ocorrer com sinais irritativos
( L D C ) ou sem sinais irritativos ( L D S ) ; a s localizadas, em frontal, parietal, temporal
e occipital, cada u m a delas p o d e n d o ocorrer, também, com ou sem sinais paroxísticos,
(respectivamente, LLFC, L L F S , L L P C , L L P S , L L T C , L L T S , LLOC, e L L O S ) . As a l t e
-rações irritativas foram subdivididas em corticais e s u b c o r t i c a i s ; as primeiras, p o d e n d o
ser frontal, parietal, temporal e occipital (1CF, ICP, 1CT e I C O ) ; a s subcorticais, de
3,5 cps (IS 3,5) ou de 4 ou mais cps (IS 4 + ) .
Q u a n t o à evolução dos casos por tipo de a l t e r a ç ã o do E E G , podemos verificar,
da análise d a s c u r v a s a t u a r i a i s a p r e s e n t a d a s no gráfico II ( F i g . 1), que a s diferenças
entre p r o p o r ç õ e s de pacientes com a s a l t e r a ç õ e s s ã o significativas ( p < 0 , 0 5 ; g r u p o s IS e
LL) desde o primeiro ao q u a r t o ano de t r a t a m e n t o . Aos 2,5 anos de t r a t a m e n t o , a
p o r c e n t a g e m de pacientes com alterações irritativas subcorticais (IS) baixa p a r a 5 0 % ,
ao p a s s o que p a r a os tipos LD, LL e IC oscilam entre 6 6 % e 7 9 % os n ú m e r o s de
pacientes que a i n d a m o s t r a m alterações no E E G . Do terceiro ao sétimo ano de t r a t a
-mento, o g r u p o IS n ã o m o s t r a qualquer evolução, e n q u a n t o nos g r u p o s LD, LL e IC
vai diminuindo a p r o p o r ç ã o de pacientes com alterações. Desde o q u a r t o ano até
os 9,5 a n o s de t r a t a m e n t o , a s diferenças n ã o s ã o significativas ( p > 0 , 0 5 ) , como pode
ser o b s e r v a d o no gráfico II. Ademais, a p a r t i r dos 7,5 anos de t r a t a m e n t o , a p r o p o r
-ção dos c a s o s de a l t e r a ç õ e s no E E G em t o d o s os g r u p o s está em t o r n o de 3 0 % , d e n t r o
de um intervalo de 24 a 3 8 % , como m o s t r a o gráfico II.
A presente experiência é o r e s u l t a d o d a s o b s e r v a ç õ e s r e a l i z a d a s , como vimos,
em 309 pacientes. Em 4 0 % d o s casos, a medicação e m p r e g a d a foi somente a c a r b a m a
-zepina ( C B Z ) ; em cerca de 8 % foi u s a d a a CBZ associada a o u t r a s d r o g a s e, nos
FIG. C
d r o g a s (fenilhidantoina, f e n o b a r b i t a l , p r i m i d o n a ) . A figura 2A i l u s t r a e s t a s p r o p o r -ções. O b s e r v o u - s e q u e 8 8 % d o s p a c i e n t e s a p r e s e n t a r a m a l t e r a ç ã o de c o n d u t a n a p r i m e i r a c o n s u l t a ( F i g . 2 B ) . P o r o u t r o l a d o , 3 0 % d o s c a s o s r e f e r i r a m convulsões como um d a d o de a n a m n e s e ( F i g . 2 C ) .
E s t e e s t u d o refere-se a o t e m p o de d e s a p a r e c i m e n t o d a s a l t e r a ç õ e s do E E G e, n ã o , a o t e m p o em que a a l t a clínica foi r c o m e n d a d a . O s r e s u l t a d o s o b t i d o s m o s t r a m que 7 2 , 3 % d o s p a c i e n t e s com E E G a l t e r a d o a p r e s e n t a r a m r e m i s s ã o c o m p l e t a d e s s a s a l t e -r a ç õ e s confo-rme m o s t -r a o e s t u d o a t u a -r i a l . E s s e s d a d o s -r e f o -r ç a m a hipótese d a efici-ência do t r a t a m e n t o , t e n d o - s e em v i s t a q u e e s t a s i t u a ç ã o é t i d a como de evolução " a r r a s t a d a " e de difícil m a n i p u l a ç ã o t e r a p ê u t i c a .
Agradecimentos — A g r a d e ç o ao P r o f e s s o r M á r i o W a g n e r , a o P s i c ó l o g o R a m i r o Chaves d e Oliveira J ú n i o r e a Sueli B e n i t e s P a i x ã o , pelo a u x í l i o p r e s t a d o n e s t e e s t u d o .
R E F E R Ê N C I A S
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