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UMA CHAMA NA AMAZONIA
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UMA CHAMA NA AMAZONIA
Campesinato, consciência de classe e educação.
O Movimento Sindical dos Trabalhadores Rurais
de Santarém (PA) (1974-85)
Jean-Pierre René Joseph Leroy
Dissertação submetida como
re-quisito parcial para a
obten-çao do grau de mestre em Educa
çao
Rio de Janeiro
Fundação Getúlio Vargas
Instituto de Estudos Avançados em Educação
1989
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meu pa..i,A
Noêm.ia.,6.il ho /) da. t:. elO ta.
na. f~a.nca. e em Mina./) lheh devolvo a.qui um poueo
do que me delta.m.
APRESENTACÃO
Outubro de 1972. são Caetano de Odivelas, Salgado,
Pará. Em direção ao mar para a pesca do tubarão, a montaria
1
desliza magicamente no rio. A bombordo, desfila a massa escura do manguezal; a estibordo, o rio se abre
ã
baia e ao ceu.Cintilação de estrelas que a lua nova emergente não ofusca.
O murmúrio do vento na vela e da agua nos costados e, em con
traponto, um breve rumor nas matas ou o estalar do mastro
tornam o silêncio mais profundo. Emoção. Seu Benedito, o
pa-trão pescador, qUebra o encantamento: "Faz dias que está com
a gente. Você vê a nossa vida aperreada, sacrificada. Eu nao
tenho tempo de ler, mas aqui (num amplo gesto do braço) está
meu livro." Na leitura do céu, dos ventos, das correntes,
dos odores (em noite escura, reconhecia a proximidade do
tu-barão ao cheiro do seu vômito) estava uma parte da sua
ciên-cia da pesca. Mais do que isso, da harmonia com a natureza e
dos mistérios que se escondiam nela, tirava o seu sentido da
vida. Uma coisa só ameaçava essa ordem, segundo Seu
Benedi-to: o "dragão", a "besta-fera" que poderia pôr fim
ã
suatranqUilidade e
ã
da região, algo horroroso que nao sabiabem o que era, "um tal de comunismo".
O que atingiu os barcos de pesca, as ilhas e as
praias e tirou a paz dos pescadores do Salgado foram a pesca
industrial e a especulação fundiária. Nestes últimos 20 anos,
u Amazônia atraiu definitivamente a cobiça do capital.
Espe-culação fundiária, mineração, empreendimentos duvidosos, pr~
J~Jores e/ou artificialmente sustentados pelos recursos pu-
-hlicos trazem
ã
região um desenvolvimento pervertido e1
I
1
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I
saiam nela "o anteato da destruição", como disse o
jornalis-ta paraense Lúcio Flávio Pinto.
Frente a tal situação, forma-se progressivamente
uma consciência amazônica: trabalhadores urbanos,
intelectu-ais, lavradores, seringueiros, 'pescadores, índios escrevem
um livro de resistência e de esperança. Os camponeses e
pes-cadores de Santarém estão entre eles e
é
um pouco da sua história que quero resgatar nestas páginas.
O título se impôs a mim naturalmente. Lembra o
in-cêndio criminoso que destruiu a sede do Sindicato dos
Traba-lhadores Rurais em 1985, a bala que matou 'Avelino Ribeiro,
delegado sindical do interior de Santarém, em 1982, e, em pa
no de fundo, tantas mortes e incêndios sem fim. Mas, antes,
essa chama é a da Lamparina, símbolo da Corrente Sindical
"Lavradores Unidos", personagem central da história e do meu
trabalho.
Meus agradecimentos vao primeiro a eles, lavradores
e pescadores, engajados no movimento sindical dos
trabalhado-res rurais de Santarém, e a todos os que militam no munlCl-. ...
pio ao seu lado, por manter viva a sua - e a minha - espera~
çaj
aos meus colegas, companheiras e companheiros da Fa
se, com quem aprendi muito do que está aqui e que me deram
condições para levar este trabalho adiante;
aos meus colegas do IESAE,
à
turma dos professoresque dignificam a sua profissão exercendo-a como uma função
social;
especialmente ao meu amigo e mestre Cândido
Grzy-IV
I
I
bowski que, com a sua competência e coerência, foi de
funda-mental importância nesta caminhada.
SUMÁRIO
INTRODUCÃO - O FOGO DO INCENDIO
CApITULO 1 PERCORRER OS CAMINHOS DA RESISTENCIA
ZAR O ESPACO. FAZER A HISTORIA
1.1 - Introdução
1.2 A formação do campesinato dos rios
1.2.1 - A geografia física dos rios e da várzea
HUMANI-1.2.2 - A escravização ao serviço do comércio colonial
1.2.3 - Crise do sistema colonial. A revolta amadurece
1. 2.4 A Cabanagem,um grito de liberdade
1.2.5 - A volta do caboclo à marginalização
1.3 - A formação do campesinato nordestino do Planalto
1.3.1 - O Nordeste em decadência
1.3.2 - O nordestino vai para a Amazônia: da colonização ao
1
20
21
28
29
32
37
42
46
52
54
seringal 57
1.3.3 - Uma aventura tropical: a Companhia Ford em Santarém 63
1.3.4 - A geografia física da terra firme 66
1.3.5 - Os nordestinos voltam
à
colonização 681.4 - A formação do campesinato das estradas 71
1.4.1 - A incorporação da Amazônia ao modelo capitalista
mo-nopolista 71
1.4.2 - O discurso militar da colonização na Transamazônica 74
1.4.3 - Os projetos de colonização. A megalomania
tecnocrá-tica
à
prova dos fatos1.4.4 - Tirando a máscara: a Amazônia aberta
à
pilhagem1.5 - Conclusão
VI
78
83
CAP!TULO 2 - A EMERGENCIA DE UMA CLASSE - (1974-78)
2.1 - Introdução
2.2 As condições em que surge o movimento. O meio ambiente
e seus atores
2.2.1 - O contexto político-econômico geral
2.2.2 - A cidade de Santarém
2.2.3 A Igreja no vácuo político
2.2.3.1 - A opção pelos pobres na Igreja de Santarém
2.2.3.2 - Entre o desenvolvimentismo e a Teologia da Liberta 91
91
93
93
96
99
101
çao 105
I
2.3 - A situação econômico-social dos ruralistas santarenos 110
2.3.1 - A estrutura agrária regional e local 110
2.3.2 - As diferenças entre os grupos sociais constitutivos
do campesinato santareno 116
2.3.3 - A unidade objetiva do campesinato santareno 121
2.4 - Novas lutas 128
2.4.1 - As atividades comunitárias: os grupos de revenda 128
2.4.2 - A luta pela terra no Ituqui: a saída de um silêncio
secular 133
2.4.3 - Os primeiros anos do PIC-Itaituba: o amadurecimento
da revolta 138
2.4.3.1 - Chegar e sobreviver 138
2.4.3.2 - A visita do General Médici a Rurópolis, vista pelo
outro lado 145
2.4.3.3 - Conflitos com o Banco do Brasil, o Incra e a Cibra
...
zem 149
2.5 - Um início de organização: o Grupo dos 30, os
Caminhei-ros 153
2.b -Conc:lusão 162
CAPfrULO 3 - A AFIRMACÃO COLETIVA: "O SINDICATO SOMOS
NOS"
(1978-82) 164
3.1 - Introdução 164
3.1.1 - A configuração do período 165
3.1.2 - A conjuntura da "abertura" 166
3.2 - O processo interno de construção da classe 175
3.2.1 - A criação da "Corrente Sindical Lavradores Unidos"
(1978-79)
3.2.2 - A corrente conquista o Sindicato. A pororoca
(1979-80)
3.2.2.1 - Cronologia
3.2.2.2 Como a cronologia vira história
3.2.3 - Fazer o barco andar no rumo certo. Aprendizado da
1 76
187
187
193
gestão e da representação. (1980-82) 203
3.2.3.1 - A organização material do sindicato 205
3.2.3.2 A divisão das responsabilidades 208
3.2.3.3 - As equipes de educação sindical 213
3.2.3.4 - A participação do STR nas articulações siridicais
nacionais 219
3.3 - Nossa força
é
nossa união. As lutas dos trabalhadoresrurais 221
3.3.1 - As lutas 222
3.3.1.1 - O conflito das Placas, Transamazônica
3.3.1.2 - Conflito com o IBDF na área da Flona-Tapajós
3.3.1.3 - As comunidades da margem esquerda do Tapajós em
223
233
conflito com empresas madeireiras 239
3.3.1.4 - A morte anunciada de Avelino Ribeiro da Silva, na
Santarém-Cuiabá 244
3.3.1.5 - A luta pelo preço da produção, contra os
interme-diários e o banco. Os grupos de revenda 254
3.3.1.6 - A luta pelas vicinais 265
3.3.1.7 - A luta dos pescadores contra os predatores. A
con-quista da Colônia Z 20 271
3.3.1.8 - O processo contra o presidente do STR 280
3.3.2 - A consciência de classe possível expressada nas
lu-tas 283
3.4 - Conclusão: novas práticas e nova ética 297
CAPrTULO 4 - OS CAMPONESES ENTRE O CAMPO E A CIDADE
(1983-85) 304
4.1 - Introdução 304
4.1.1 - A caracterização do período 304
4.1.2 - A conjuntura 1983-85 307
4.2 - As lutas sindicais 314
4.2.1 - As lutas pelà terra, pelo sub~olo e pelas águas 315
4.2.1.1 - Vargeiros contra fazendeiros em Surubim-Açu 316
4.2.1.2 - Conflito no Tapajós. O petróleo é nosso 322
4.2.1.3 - A luta contra a pesca predatória 324
4.2.2 - A defesa do preço da produção 331
4.2.2.1 - Os pescadores contra o entreposto pesqueiro 331
4.2.2.2 - O "revendão" e a feira livre 334
4.2.3 Ainda a luta pelas vicinais
4~2.4 - A luta pela saúde
4.2.5 - Lutas contra a repressão ao STR
4.2.5.1 - Ensaio de demonstração de força
IX
339
343
353
4.2.5.2 - Intervenção gorada
4.2.5.3 - O incêndio da sede do STR
4.3 - A presença do movimento campones santareno na " cidade
política"
4.3.1 - Os trabalhadores rurais e os movimentos e
cões da cidade de Santarém
4.3.2 - O STR e a CUT
4.3.3 - O campesinato santareno e o PT
4.4 -
Conclusão. O desafio para o campesinato: sese e.ncontrar
CAPITULO 5 - CONCLUSÃO
ANEXOS
..
GLOSS~RIO
BIBLIOGRAFIA
x
organiza-perder ou
354
360
364
364
372
377
385
403
417
421
R E S U M O
o
campesinato santareno (lavradores, pescadores,po~seiros, colonos etc.
é
extremamente diversificado,guindo-se três trajetórias: a) a do campesinato de
distin-
beira-rio, oriundo do tempo do Brasil-colônia; b) a do
campesina-to do planalcampesina-to, formado por nordestinos fugidos das secas e
do latifúndio e por sobreviventes do auge da borracha; c) a
do campesinato das estradas, que se origina na penetração da
Amazônia em conseqUência do modelo capitalista dominante. Po
rém todos se identificam pela mesma ameaça de exclusão fren-/
te a este modelo que lhes atinge direta ou indiretamente.
As condições econômico-sociais criadas pela
história, a conjuntura e a ação de determinados agentes sociais
-da Pastoral, educadores e lavradores - propiciaram, em
mea-dos mea-dos anos 70, a eclosão de um movimento de trabalhadores
rurais. Este movimento
é
visto num primeiro período (1974-78)como comunitário, de ação e perspectivas limitadas; num
se-gundo período (1978-82) se define, predominantemente, como
movimento voltado para a organização sindical dos trabalhad~
res rurais; no terceiro período analisado (1983-85),a organi
zação sindical dos camponeses impõe a sua força relativa
-
a"cidade política", presente na cidade de Santarém, na
cur
ecom uma ativa participação deles no
pr.
Em cada período, combinam-se de modo diferente três
"graus" ou "momentos", constitutivos, segundo Gramsci, da
consciência de classe: o "momento econômico-corporativo", o
momento sindical e o momento político. Neste processo de
teracão, concretizado nas suas lutas (por terra, saúde,
es-trada, melhores preços para a sua produção, contra a pesca
'predatória, etc.) e na sua organização, o campesinato
santa-reno forja a sua identidade coletiva, sua consciência de
classe.
Esta história
é
vista, ao mesmo tempo, como "político-militar", em que um grupo social luta para manter e
am-pliar o seu espaço físico-social, e como pedagógica, em que
o grupo se socializa e constrói uma nova visão do mundo,
ad-quirindo/forjando os instrumentes conceituais e operacionais
necessários para sobreviver como classe em que seus componen
tes se impõem como cidadãos.
RESUME
La paysannerie de Santarêm (petits fermiers e pécheurs,
colons propriétaires et simples occupants de terres publiques,
etc) est tres diversifiée. On peut distinguer trois
trajectoi-res: celle de la paysannerie riveraine des eaux, dont
l'origi-ne remonte au temps de la COlonie, celle de la paysanl'origi-nerie du
plateau, formée par les familles du Nord-Est que ont fui le
la-tifundium et la sécheresse, celle enfin de la paysannerie des
routes, que s'est formée
ã
partir de la pénétration en Amazoniedu modele capitaliste dominante Cependant la même menace
d'ex-clusion que fait peser sur eux ce modele, plus ou moins
direc-tement, les unit.
Les conditions économiques et sociales crees par
l'his-toire, la conjoncture de l'époque et l'action de différents
ac-teur sociaux - éducateurs, agents de I 'Eglise locale, paysans
-ont permis la naissance, au milieu des années 1970, d'un
mouve-ment de "travailleurs ruraux". Ce mouvemouve-ment est vu, dans un
premier temps (1974-1978), comme communautaire, d'action et de
perspective limitées. Dans une seconde période (1978-1982), il
se définit de maniere prédominante comme mouvement syndical des
"travailleurs ruraux". Dans la troisieme période analysée
(1983-1985), l'organisation syndicale paysanne impose sa force
relati-ve a la civitas, la "ville pensée comme lieu du politique", se
faisant prêsente dans la ville de Santarém, dans la Centrale
Unique des Travailleurs et, par ses membres, dans le Parti des
Travailleurs.
Achaque période se combinent de maniere différente
trois "degrés" ou "moments" constitutifs, selon Gramsci, de la
conscience de classe: le "moment économique-corporatif", le
mo-ment syndical et le momo-ment politique. Dans ce processus
d'inter-action concrétisé dans ses luttes Cpour terre, santé, routes et
transports, meilleurs prix pour la production, préservation de
la pêche, etc.) et dans son organisation, la paysannerie de San
tarém forge son identité collective, sa conscience de classe.
Cette histoire est donc vue autant comme
"politique-mili taire", dans laquelle un groupe social lutte pour maintenir
et augmenter son espace physique et social, que pédagogique,
dans laquelle le groupe se ·sociaJise et construit une nouvelle
vision du monde, assimilant et forjant les outils conceptuels
et opérationnels nécessaires
ã
sa survie comme classe etã
sonaffirmation comme citoyens.
INTRODUÇÃO
O FOGO DO INCENDIO
Na madrugada do dia 12 de abril de 1985, queimou a
sede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais(STR) de Santarém,
Pará. O cadeado quebrado e atirado ao chão, as quatro sa
las queimadas por igual a indicar fogo ateado simultaneamen
te. o desaparecimento de uma bicicleta .•. tudo indicava ter
sido o incêndio criminoso. Não haveria resposta para a pe!
gunta que todos se faziam: quem foi e por quê? Mas se os
trabalhadores rurais não podiam dar rostos e nomes aos
in-cendiários nem aos mandantes, sabiam que os culpados eram
velhos conhecidos. dentre os seus inimigos enfrentados de
cara limpa ao longo de 10 anos de luta, mas que so atacavam
apoiados na força bruta ou escondidos na calada da noite. Sa
biam também os trabalhadores que o incêndio era um sinal de
fraqueza, senão de medo por parte dos agressores e que. por
tanto, eles estavam certos quanto ao rumo que tinham
traça-do e de que sua força era suficiente para incomodar.
Foi um duro golpe no patrimônio e na memória do Sin
dicato, mas, passados os primeiros instantes de derrota e
tristeza, os trabalhadores colocaram na fachada arruinada
do prédio uma faixa com um misto de recado e afirmação: "O
Sindicato somos nós." Podiam destruir a sede, mas não des
truiriam a mente, a consciência do trabalhador. Disse um la
vrador: liA sede da nossa consciência está no coração das
meses mais tarde, na nova sede em festa, outra faixa
desa-fiava: "Oi nós aqui outra vez." Nós, lavradores de
Tapa-jós, nós varzeiros, nós colonos do Planalto e da
Transamaro-nica; nós: 12 mil associados. O que tinha transformado p~
raenses, cearenses, maranhenses, gaúchos e outros; caboclos,
brancos e mulatos; pescadores, produtores de arroz ou de man
dioca, seringueiros e caçadores em nós, sujeitos coletivos?
o
que havia transformado lavradores economicamente insign!ficantes em ameaçadores atores polí~icos?
Por feliz coincidência, na véspera do incêndio fo
ram retiradas dos arquivos do Sindicato as pastas contendo
documentos sobre os principais conflitos que os lavradores
enfrentaram em Santarém; das cinzas também escaparam ilesos
os livros de atas das assembléias do STR. Simbolicamente,pD!
tanto, estava resgatado o registro da história do movimento
sindical dos trabalhadores rurais de Santarém, de suas
lu-tas e da sua organização. Mas convinha dar "carne" e vida
a essa história, fazê-la viver, história dos homens em cons
trução, de uma classe camponesa em formação. Convinha ela
borá-Ia, construí-la para que fizesse sentido, ou melhor,
para que o sentido escondido aparecesse e que tivéssemos um
começo de resposta às questões colocadas acima. ~ a
que se propõe esta monografia.
isso
Em poucas linhas, para qualificar os atores desta
história utilizei diversos nomes que indicam uma relação
diferente com a terra (produtor de arroz ou seringueiro)e/ou
n ocupação de um espaço físico diferente (colono ou varzei
3
(colono, trabalhador rural, camponês). Ao ouvir ou ler ca
da um desses nomes, vem a nossa mente o contorno mais ou me
nos nítido de um grupo social, de urna realidade rural. Ten
tarei fazer com que esses nomes fiquem carregados de senti
do, prenhes de história, cada qual com a sua especificidade,
a sua riqueza. Por isso os usarei aqui, na medida do possi
vel e do desejável, respeitando o significado que lhes atri
buo. Para me referir a realidades bem definidas e localiza
das, falarei de colonos, lavradores, varzeiros etc. Já qua~
do estiver falando deles como coletivo, pensando no seu
mo-vimento, na sua organização sindical, usarei de preferência
o termo "trabalhadores rurais". Enfim, ao querer enfatizar
a sua participação num coletivo maior, os apresentarei como
"campesinato".
"Camponês e latifundiário são palavras p~
líticas que procuram expressar a unidade
das respectivas situações de classe e,
sobretudo, que procuram dar unidade as
lutas dos camponeses. Não são, portanto,
meras palavras. Estão enraizadas numa
concepção da história, das lutas
políti-cas e dos confrontos entre classes soci
ais. Nesse plano, a palavra camponês não
designa apenas o seu novo nome, mas
tam-bim o seu lugar social, não apenas no es
paço geográfico (campo/cidade), mas na
estrutura da sociedade; por isso, não e
apenas um novo nome,mas pretende ser ta~
bém a designação de um destino histórico"
( Ma r t in s, 1 9 8 3, p. 2 2) .
Embora a palavra "camponês" não faça parte do voc~
4
o lavrador santareno e' seu movimento inscrevem-se dentro de
uma tradição de lutas formadoras de uma classe, de Norte a
Sul, cuja unidade esse nome simboliza.
Se o termo "camponês" impôs-se com as lutas
desen-volvidas no campo, no Nordeste, antes de 1964, o de "traba
lhador rural" acabou se sobrepondo ao primeiro, tão carreg~
do de "subversão", durante o regime mili tar. A expressão
"trabalhador rural" foi formalizada em 1963, com o Estatuto
do Trabalhador Rural (Lei n9 4.214, de 2 de março de 1963).
Se este
é
definido de modo restritivo como "toda pessoafÍ-sica que presta serviços a um empregador rural", com a Por
taria n9 71, de 2 de fevereiro de 1965, que normaliza o pr~
cesso de organização e reconhecimento de entidades sindicais
rurais, afirmou-se mais claramente que é trabalhador rural
tanto o empregado quanto o autônomo "em regime de economia
individual, familiar ou coletiva e sem empregado" (art. 39 ).
Foi nessa legislação - além do decreto que a criou, em 31 de
janeiro de 1964 - que a Confederação dos Trabalhadores na
Agricultura (Contag) apoiou-se para advogar para si a repre
sentatividade de todos os trabalhadores rurais (Contag, s.
d.). A lei complementar n9 lI, de 25 de maio de 1971,
ins-tituindo o Prorural e o Funrural - Programa e Fundo de
As-sistência ao Trabalhador Rural, respectivamente - consagr.ou
o amplo uso do termo que pelo Decreto n9 71.617, de 12 de fe
vereiro de 1974, se estendeu ao pescador. Embora a Contag
assuma a herança das lutas camponesas pré-64, os Anais do
IV
Congresso Nacional dos Trabalhadores Rurais (1985) naoapre-5
senta o congresso como "um marco na história do movimento
camponês no Bras i1 ", dando, as s im, maior extensão a este ter
mo. A Central Onica dos Trabalhadores (CUT) , em seus
docu-mentos, fala tanto do campesinato quanto do trabalhador ru
ralo
A expressa0 "trabalhador rural", portanto, apesar
de carregar um forte componente institucional e autoritário,
acabou se legitimando. A Contag, justamente apoiada sobre
a sua tradição e o seu peso institucionais, ao usar a expre~
são, reafirma-se como representante dos interesses de um am
pIo leque de grupos sociais. Quanto à CUT, ao incorporar o
termo, lembra que muitos sindicatos do campo nela
ingressa-ram quando travavam disputas como "oposições sindicais", p~
ra que o sindicato voltasse ao trabalhador. "Trabalhador ru
ral" aqui coloca-se em ruptura com a continuidade institucio
nal, mas se quer portador de novas lutas.
E o caso de San
tarém, cujos lavradores, colonos, varzeiros etc., nascidos
como movimento nessa conjuntura, reconhecem-se como
"traba-lhadores rurais".
Ao iniciar este trabalho, eu pretendia atingir dois
objetivos de certo modo contraditórios: o de ajudar o
movi-mento dos trabalhadores rurais de Santarém a resgatar a sua
história e o de fazer uma reflexão sobre o papel da
educa-çao nesta história. Todo o meu esforço metodológico voltou
se, portanto, para dar conta dessa contradição: fazer com
que a educação apareça como ela
ê
efetivamente, tão insep~rável do movimento que ao falar dele, é ela que se
6
aos atores do que eles ji sabem de sobra por viv~ncia pro-
-pria, mas uma história reconstruída, nova, que se constitui
em ação pedagógica voltada não só nem principalmente para os
trabalhadores de Santarém, mas para todos os que estão a
fim de aprender com a experi~ncia de outros para enriquecer
a sua. Por isso, devo resgatar o que hi de essencial e de
universal numa experi~ncia que é única e particular.
Quando cheguei a Santarém como pesquisador mais
em abril de 1985, nao era estranho
à
região nem aogrupo social que queria estudar. Tinha vivido nesta cidade
de janeiro de 1975 a março de 1977, como técnico em
educa-ção não-formal da Federaeduca-ção de Orgãos para Assist~ncia
So-cial e Educacional (Fase). Posteriormente, minhas novas f~
çoes dentro da mesma entidade me possibilitaram voltar va-
-rias vezes ao Tapajós, o que me permitiu o acompanhamento de
longe do processo educativ%rganizativo que se desenrolava
ali. Não era mais o companheiro da luta diária, mas estava
suficientemente próximo para que os trabalhadores de
Santa-rêm me abrissem seus arquivos e liberassem sua fala com o
calor da amizade e da confiança, sem a censura imposta pela
experi~ncia de anos de luta. A sua disponibilidade
devia-se também
à
consciência de que estavam escrevendo comigo asua história, e que esta era uma tarefa militante a~rir.
Para o pensamento dialético, os outros são "aqueles
com os quais ajo em comum. Não são mais do lado objetivo,
mas do lado sujeito do conhecimento e da ação" (Goldmann,
1979, p. 21). Assim, o envolvimento pesquisador/pesquisados
7
seguiria conhecer por dentro a história dos trabalhadores
porque seria possível reconstruí-la juntos. Ao mesmo tempo
e contraditoriamente, esta proximidade poderia dificultar a
produção de um real conhecimento sobre a sua história. Eu
não devia esquecer que sou estranho - e até estrangeiro
a essa realidade; que a abordava com urna visão pré-formada,
fruto de urna reflexão teórica ja desenvolvida sobre campesl
nato, classes, educação, mas também de idéias, preconceitos
adquiridos ao longo da vida. Havia, portanto, um esforço a
ser feito de minha parte, não para negar ou eliminar essas
influências, mas, pelo contrário, a fim de torna-las "cdns
cientes e integra-las na investigação científica para
evi-tar ou para reduzir a sua ação deformante" (Goldmann, 1979,
p. 36). Quanto às. categorias teóricas, haveria que pô-las
..
a prova no contato com a particularidade que representa omeu campo de trabalho.
A minha identificação com o movimento dos trabalha
dores rurais provocou outra dificuldade - quanto ao aces
so a determinadas informações. Algumas repartições públicas
e pessoas protelaram o fornecimento de dados - talvez rele
vantes para a minha pesquisa - de tal modo que equivalia a
uma recusa; mas, em compensação, fizeram-me experimentar al
go provavelmente mais significativo: a exclusão dos
traba-lhadores da informação e do saber. Sobrava, porém, um acer
vo de dados provenientes de dentro do movimento. Procedi a
um levantamento minucioso de toda a documentação existente
nas sedes do STR (até a noi te do incêndio) e da Colônia Z 20,
8
gumas lideranças e no setor de documentação da Fase
nacio-nal.
Organizei todo o material em dossiês temáticos: or
ganização do sindicato, educação, lutas pela terra (10 do~
siês), saúde, estradas, produção, mulheres, jovens, igreja
etc. Vale ressaltar o enorme e precioso esforço de
regis-tro e organização da sua documentação que tinha sido feito
pelo próprio movimento. Dispunha também da coleção compl~
ta do seu boletim Lamparina (32 números, de maio de 1979 a
setembro de 1985) e do programa radiofônico semanal do STR,
"Momento Sindical" (de 1983 a 1985). Em complemento, fiz
60 entrevistas, 47 gravadas, às quais se acrescentam 9 dePOl
mentos já existentes (numerei no meu trabalho de 1 a 56
en-trevistas e depoimentos dos quais tenho o registro escrito
lit~ral).
Como eu queria refletir sobre a história do
movi-mento e o processo de formação da consciência de classe, me
interessavam mais as práticas do movimento do que o discur
so das pessoas, e mais a reflexão das pessoas engajadas ati
vamente nesse processo do que da massa. Neste sentido, as
minhas entrevistas - "histórias de vida" (25) ou focalizan
do determinados aspectos - eram sempre referidas às lutas
travadas e a organização.
Com tanta documentação, arriscava enveredar por
uma descrição minuciosa de acontecimentos, uma vasta trans
posição da realidade em que se perderia possivelmente o es
sencial. Como ultrapassar as aparências, o episódio, o "fe
9
faz com que os casos, as histórias particulares que se con
tam se transformem em história comum? Para responder a
es-sa questão, tentei no momento da pesquies-sa apoiar-me sobre a
reflexão esboçada por Marx na Introdução
à
crítica da econ~mia política (Marx, 1978). Ele nos previne em relação ao
significado da realidade tal como nos aparece espontaneame~
te.
Lã onde pensamos ver algo de concreto, apresenta-se
uma abstração, algo vago e pobre de sentido. Fazendo um pa~
ticho de Marx, eu diria: o incêndio do sindicato e o próprio
I
sindicato são uma abstração se desprezarmos, por exemplo,as
classes que estão por trás. "Por seu lado, estas classes
sao uma palavra vazia de sentido se ignorarmos os
elemen-tos em que repousam, por exemplo: o capital" (Marx, 1978,
p. 116), ou seu trabalho submetido a certas formas de subor
dinação ao capital (o campesinato).
o
incêndio, ao finaldo processo de investigação, embora nao se descubra o culpa
do material, faz sentido, toma concretitude, depois de
percorrido a história de enfrentamento de classes.
Marx, é só então que o incêndio se torna concreto, pois
"real" começa a ser real, a tomar concretitude, quando
ter
Para
o
-e
pensado como inserido numa totalidade de relações e de deter
minações. "O método que consiste em elevar-se do abstrato
ao concreto não é senão a maneira de proceder do pensamento
para se apropriar do concreto, para reproduzi-lo como
con-creto pensado" (Marx, 1978, p. 117).
Assim, o levantamento de material bastante exausti
que-10
ria chegar fosse rico de múltiplas determinações e relações,
nao fosse um tronco seco, mas árvore bem encopada. Este con
ereto pensado é de fato uma "totalidade". Totalidade nao
significa reunir todos os dados sobre uma determinada reali
dade, todos os fatos, mas ver a "realidade como um todo
es-truturado, dialético, no qual ou do qual um ato quaLquer
(classe de fatos, conjunto de fatos) pode vir a ser
racio-nalmente compreendido" (Kosik, 1976, p. 34). A totalidade
ê
a outra face do concreto pensado.Procurei ter como princípio metodológico de
inves-tigação "o ponto de vista da totalidade co.ncreta que, antes
de tudo, significa que cada fenômeno pode ser compreendido
como um momento do todo" (Kosik, 1976, p. 40). Tanto nas
entrevistas como na escolha e ordenação do meu material,bu~
cava assim estabelecer relações (entre os homens, no tempo
e no espaço), dar corpo, estrutura aos fatos (dar-lhes
"co-pa", para retomar a imagem usada anteriormente), entendê-los
na sua dinâmica, no seu desenvolvimento e na sua atividade
de criação.
A totalidade nao
ê
a generalização. O todo estácontido no fenômeno. Totalidade não ê. falar do campesina to
brasileiro em geral. ~ entender que ele está nesse campesi
nato santareno. E este trabalho responde ao que se propos
se eu der a esse campesinato uma dimensão universal, se eu
conseguir transpor para o papel, no plano da reflexão, o
-que os trabalhadores rurais conseguiram no plano da sua pra
xis: fazer história. Para melhor explicar, parto da conti
11
"Um fenômeno social ê um fato histórico
na medida em que ê examinado como
momen-to de um determinado momen-todo; des empenha,po!,
tanto, uma função dupla, a única capaz
de fazer dele efetivamente um fato histó
rico: de um lado, definir a si mesmo, e
d e ou t r o, d e f i n i r o to do; s e r a o mesmo tem
po produtor e produto; ser revelador e
ao mesmo tempo determinado; ser revelador
e ao mesmo tempo decifrar a si mesmo; co~
quistar O próprio significado autêntico e
ao mesmo tempo conferir um sentido a
al-go mais" (Kosik, 1976, p. 40).
o
movimento dos trabalhadores rJais é um fato histórico porque ao mesmo tempo que
ê
feito pela história nacional, fazessa história. Nele está em jogo parte do nosso destino. Na
da de regionalismo nem estudo de caso de uma comunidade ru
ral periférica, que pertenceria quase ao passado. O drama
desses lavradores ou pescadores, as suas lutas são
Mas o embate de classes que revelam é universal.
deles.
Concretitude e totalidade formavam o quadro
teóri-co no qual eu iria me mover, mas não são categorias
opera-cionais que podiam me ajudar a decompor e recompor meu
uni-verso de pesquisa: uma classe em movimento. Iria
encontrá-las em Gramsci.
A história humana é a história das relações que os
homens mantêm entre si, de forças que se enfrentam, de ven
cedores e vencidos. Essas relações podem e devem ser decom
postas, segundo Gramsci (1976, p. 49 e seguintes), em três
12
o
primeiro momentoé
"uma relação de forças sociaisestreitamente ligada
à
estrutura, objetiva, independente davontade dos homens". Através do tempo (história), forças s~
ciais lutaram para que determinadas relações prevalecessem
dentro de um espaço construído para tal (geografia). Da lu
ta econômico-política travada no passado entre forças
so-ciais, resultou um espaço social rural no município de San
tarém, ocupado por 80 mil pessoas, a grande maioria
possei-ros, dominados economicamente pelo capital usurário. ~ a es
trutura econômico-social encontrada e que é ponto de
parti-da objetivo parti-da ação.
O segundo momento na totalidade histórica apontado
por Gramsci é "a relação das forças políticas: a avaliação
do grau de homogeneidade. de autoconsciência e de organiz!
ção alcançado pelos vários grupos sociais". ~ o momento que
privilegia a análise da vontade em ação, o momento de cons
trução da consciência de classe, de construção do movimento
camponês em Santarém. Este momento "pode ser analisado e
diferenciado em vários graus, que correspondem aos diversos
momentos da consciência política coletiva":
1 -"0 primeiro é o econômico-corporativo", em que se sente
que se deve ser solidário com alguém do seu grupo, mas
nao com o conjunto da classe ainda. Problemas de ordem
econômica fazem com que pessoas se juntem, por exemplo,
para. tentar resolver este ou aquele problema. A sua motiva
ção
é
o interesse imediato que os une.2 -"Um segundo é aquele em que se adquire a consciência da
solidariedade de interesses entre todos os membros do
13
o momento sindical, no qual se focaliza a articulação
entre a questão econômica
e
a organização que vai lhedar tratamento. Também, o "sindical" não é só a organi
zação específica, local que ajudaria a responder a tais
e quais questões, mais próximo da "comunidade".
E o
si~dicato, na sua concepção ampla, que inclui do específi
co ao geral: o conjunto do movimento sindical
brasilei-ro, as centrais. Sem essa dimensão, a classe ainda não
se pensa como classe.
3 -"Um terceiro é aquele em que se adquire a consciência de
que os próprios interesses corporativos, no seu
desen-volvimento atual e futuro( ... ), podem e devem tornar-se
os interesses de outros grupos subordinados( •.• ). Essa
é a fase mais abertamente política." E o momento do par
tido. O partido tem como objetivo o exercício do poder
sobre um país conforme um proj eto de soc.iedade para o
qual quer ganhar a maioria da população, numa sociedade
democrática. Para tal, a classe ou as classes, os seto
res sociais que integram o partido, além das suas lutas
e organizações classistas próprias de cada um, procuram
juntar-se, aliar-se no seu projeto comum.
Além de considerar esses dois momentos, Gramsci su
gere que se analisem os movimentos sociais, falando de guer
ra. Propõe que, na "relação de forças" entre classes e
se-tores sociais, se considera um terceiro momento, "o da rela
ção das forças militares". Gramsci empresta aqui o seu
vo-cabulário ã arte militar, pois trata do poder, e sua
análi-se dos Estados da Europa lhe mostra o quanto política e ar
14
do poder do Estado.
De fato, o que ele destaca neste momento
ê
a impo!tância das relações políticas, pois ê neste campo que se de
cide o poder. Para expressar essas relações, usa as magens
de "guerra de movimento", que não interessa comentar aqui,
e de "guerra de posição". Na "guerra de posição" as forças
atacadas se incrustam e resistem nas suas posições. Os seus
adversários não conseguem impor sua superioridade e, pelo
contrário, ao não conseguir ocupar o terreno, vão-se desga~
tando e cedendo posições. Carlos Nelson Coutinho observa
"a correlação que Gramsci estabeleceu( ... ) entre 'guerra de
posição' e conquista da 'hegemonia' civil"
(Co~tinho,
1981,p. lOS), correlação que aparece, por exemplo, nesta citação:
"As superestruturas da sociedade civil são como o sistema de
trincheiras na guerra moderna" (Gramsci, 1976, p. 73).
Uma classe social conquista a hegemonia, a direção
de uma sociedade mediante a persuasão. Na sociedade
brasi-leira, as classes dominantes não conseguem exercer a sua di
reçao sem o recurso
à
força ou a ameaça. Não conseguem persuadir o conjunto da sociedade de que elas são a melhor o~
çao para o futuro. Abre-se, portanto, espaço para que
ou-tras classes_possam tentar exercer uma contra-hegemonia,sen
do reconhecidas por apontar efetivamente um rumo
ã
socieda-de e conseguir atraí-la para o seu projeto. Esse espaço aber
to nao se assemelha ao salão de baile onde reina a harmonia,
mas ao campo de batalha, onde uns lutam para conquistar ter
reno, outros para não perdê-lo. Luta em que, pela afirmação
15
Se Gramsci elabora a sua reflexão pensando em gra~
des conjuntos sociais - Estados, países, sociedades,
esti-mo que possa usar essa categoria ao falar do campesinato de
Santarém organizado, componente da "sociedade civil". Ele
luta para ser reconhecido, para se impor, tenta ganhar alia
dos, perde batalhas e ganha outras ... Faz pa~te dessas pa!
celas das classes dominadas que recomeçaram nestes últimos
anos uma luta longa e indecisa para mudar a correlação de
forças existentes hoje.
Assim, eu pensaria o campesinato santareno como to
tal idade ao conseguir açambarcar na minha pesquisa os três
momentos apontados por Gramsci: 1) o econômico/estrutural;
2) o de constituição da classe; 3) o político-militar. O
meu campo de investigação específico era o segundo momento,
mas para compreendê-lo teria, pelo menos como pano de
fun-do, de apreender os dois outros momentos. Pois como falar
das lutas dos trabalhadores rurais de Santarém se nao busco
compreender as condições objetivas em que se dão? Como
po-deria afirmar que são parte do campesinato se nao os situo
mesmo de leve dentro da história política, da luta de
clas-se que clas-se declas-senrola no País? Tive de abrir, portanto, a ml
nha investigação
à
histó.ria antiga e recente e a uma -breverecuperaçao do lugar estrutural ocupado por esses colonos,
lavradores, pescadores ••.
Quanto ao segundo momento, os três graus em que
Gramsci se propõe decompô-lo me orientaram em dois sentidos.
Primeiro, levaram-me a separar as lutas da organização e a
lo
rural das suas relações com outros setores. Foi o tempo
propriamente da decomposição. Mas a finalidade dessa
sepa-ração analítica entre lutas, organização, ações comuns com
outros setores etc. era reconstruir uma totalidade. Portan
to, teria de ficar atento aos elementos que me permitissem
relacionar esses graus. E como essa relação entre o econo
mico-corporativo, o sindical e o político não está parada no
tempo, não é estática, mas dinâmica, movimento permanente,
procuraria ver se a relação não se daria de modo diferente,
segundo a época. Neste sentido, procurei, para cada perí~
do analisado, descobrir uma característica dominante ~ue
influísse na combinação desses graus e que fizesse com que
nenhum período repetisse o outro; pois a totalidade nao e
juntar tudo sobre um determinado período, mas em cada momen
to histórico compor os seus elementos para formar uma tota
lidade original, diferente do que seria numa outra época.
Se os cortes gramscianos me forneciam a chave que
precisava para a recuperaçao da história do movimento sindi
cal dos trabalhadores rurais de Santarém, também me permiti
riam, acredito, desvendar o processo político-educativo
in-corporado ao movimento. Concebo a educação como um aprendi
zado que faculta
ã
pessoa criar as condições de realizar assuas potencialidades, no confronto de elementos de aprendi
zado adquiridos com a sua experiência própria.
Analogica-mente, penso educação para o campesinato como um aprendiza
do coletivo. No confronto do que a vida lhe ensina com a
reflexão já elaborada pelos homens, ele vai eleborando o
po-1
:-tencialidades, a defender seus interesses, a desenvolver as
suas solidariedades. A educação, portanto, ê um processo
que visa um fim. O fim aqui seria o homem novo, e o proce~
50, a construção deste homem. Parece evidente que, para fa
-lar de educação, se deveria perguntar primeiro que homem
formar. "Ao colocarmos pergunta: 'o
-
ho-se quer a que e o
mem escreve Gramsci - queremos dizer: o que e que o ho
-mem pode se tornar, isto e, se o ho-mem pode controlar seu
próprio destino, se ele pode 'se fazer', se ele pode criar
a sua própria vida. Digamos, portanto, que um homem ê um
processo, precisamente o prdcesso dos seus atos"
1978
2,
p. 38).(Gramsci,
Processo e, portanto, o surgimento constante
-
massempre renovado do homem coletivo. Como o animal que vai
trocando de pele com a nova estação, ele se renova, se puri
fica. Gramsci chama a isso de "catarsis":
"Catarsis( ••• ), passagem. do momento purame~
te econômico( . . . ) ao momento ético-poli
tico, isto é, a elaboração superior da
estrutura em superestrutura,
dos homens. Isto significa,
consciência
tambem, a
passagem do'objetivo ao subjetivo' e da
'necessidade ã liberdade'. A estrutura
da força exterior que sub.juga o homem,
assimilando-o e o tornando passivo,tran~
formando-se em meio de liberdade, em in~
trumento para criar uma nova forma ético
política, em fonte de novas iniciativas"
(Gramsci, 1975Q, p. 53).
1 3
método nem técnica para alcançar o resultado, o homem novo,
a classe ideal. ~ o fazer em movimento; o homem novo se fa
zendo. E é isso justamente que os momentos gramscianos me
permitiriam apreender: lavradores nas suas lutas contra a
expropriação e a exploração promovidas pelo capitalismo na
Amazônia, saindo da sua passividade e fazendo daquilo que
os subjugava o meio da sua liberdade e da sua dignidade.
Na pesquisa, abordo 11 anos do movimento dos traba
lhadores rurais de Santarém: 1974 a 1985. ~ um tempo curto
frente
ã
escala da história, mas no quadro de um estudoes-pecífico, faz-se necessário recortar o processo de lutas em
períodos que ajudem a melhor entender a dinâmica do movimen
to, os passos e os saltos que deu.
A
tentação dos atores éfazer o recorte a partir deles, do que eles consideram
im-portante na trajetória do movimento: "Em 1974, nós chegamos";
"em 1978, nós organizamos um grupo que viria a ser a Corren
te Sindical"; "quando ganhamos o STR em 1980 ••• ". A impre~
são inicial é de que os recortes sao feitos em função da or
ganização interna da categoria, sem que haja referência
plícita ao movimento da classe para a qual a organização ex
-e
só o instrumento privilegiado, não o fim, nem
ã
evolução dacorrelação de forças. do local ao nacional, que influi no
movimento.
Como "princípio de periodização" (cf. Cardoso ,1976,
p. 23) ,partiria de uma perspectiva de totalidade. A
totali-dade maior que eu podia abraçar era a conjuntura nacional,
que poderia me indicar os cortes históricos nos quais a hi~
tória do movimento de Santarém se inseriria. O confronto
I
l
19
da periodização que me indicava a conjuntura nacional com
os cortes propostos pelos dirigentes do movimento mostrou a
afinação de ambas as propostas.
o
capítulo introdutório recupera um pouco da formaçao histórica do campesina to santareno. O capítulo 2 aborda
os anos 1974-78. Neste tempo da distensão, surgem em Santa
rém os primeiros ensaios de luta coletiva e organização, em
cima de uma situação econômico-estrutural que é objeto da
primeira parte deste capítulo. Embora as forças estruturais
condicionem permanentemente a história, nao voltarei a elas
nos capítulos seguintes por considerar que nao evoluíram
substancialmente nos períodos que estudo. O capítulo 3 abo!
da o tempo da abertura (1978-82), quando os trabalhadores ~
rais santarenos se organizaram, conquistando o seu sindica
to e alcançando vitórias significativas nas suas lutas pela
terra. O capítulo 4 trata de um período que assinala o fim
da ditadura (1983-85), com a ascensão política de novas for
ças sociais e recuperaçao. pelas classes dominantes, da con
dução política do País; mostra os trabalhadores rurais indo
ã
"cidade", tornando-se atores nacionais. Finalmente, aconclusão proporá algumas reflexões sobre a educação.
I
f
I
I
1
1
20
CAPfTULO 1
PERCORRER OS CAMINHOS DA
RESISTENCIA, HUMANIZAR O ESPAÇO, FAZER A HISTÓRIA
"Ninguem ouviu um soluçar de dor/ no
canto do Brasil. Um lamento triste
sempre ecoou/ desde que o indio
guerreiro foi pro cativeiro e de lã
can-tou.
Negro entoou um canto de revolta pelos ,
ares. No quilombo dos palmares, onde
se refugiou/ ora a luta dos inconfidentes
pelas quebras das correntes de nada adian
tou/ e
de guerra em paz a paz em guerra
todo povo desta terra/ quando pode
canta de dor
...
-
--o, --o, --o, --o, o
Ecoa noite e dia/ es o vencedor/
ai mas que agonia/ ê o canto do
trabalhador/ este canto que devia/
ser um canto de alegria/ soa apenas
como um soluçar de dor, ... o, o, o, o. ... "
can-tar,
(Canto das três raças)
"Os homens fazem sua própria história, mas
não a fazem como querem; não a fazem sob
circunstâncias de sua escolha e sim sob
aquela com que se defrontam diretamente,
ligadas e transmitida pelo passado"
.21
1.1 - INTRODUÇÃO
Apesar de colocar como da ta inicial do movimento dos
trabalhadores rurais de Santarém os anos de 1974-75, por m~
tivos que serão apresentados mais adiante, as suas raízes
devem ser procuradas num passado mais remoto. ~ com a
in-tenção de ajudar a compreender as lutas atuais que pretendo
fazer aqui alguns apontamentos históricos e geográficos
so-bre o campesinato santareno.
Ao se ficar absorto na contemplação do rio Amazonas a
impressão inicial que se tem de movimento provocado pela co~
renteza desaparece para ceder lugar a uma sensaçao mesclada
de imobilidade e imutabilidade. Hoje e como ontem e amanhã
-será como hoje ..• ~ difícil cultivar a noçao do tempo pela
escala humana (um dia, uma idade da vida, uma geração) num
mundo em que a natureza ainda se impõe como referência pri~
cipal, marcando a paisagem ao longo de lentos séculos e
mi-lenários. A natureza tem seu tempo, um tempo anistórico,no
qual os homens não intervêm. Aqui falo do tempo histórico,
ritmado pela presença e pela ação do homem e que vai debmr,
por sua vez, a sua marca na paisagem ao longo dos anos, das
décadas e dos séculos. O homem faz a história, dá sentido
-ao grande rio humano que corre entre as margens que ele pr~
prio delimita, dentro de uma tradição filosófica comum ao
cristianismo e ao marxismo, embora essa visão otimista seja
temperada pelo "salto" que representa o Reino de Deus, para
a teologia, e a resolução das contradições, para a dialéti
ca marxista.
,
I
I
âDe fato, nao seria a afirmação de Marx demasiadame~
te idílica para caracterizar a atuação histórica do campesi
nato santareno? Será que este fez a história, ou "sofreu"
a história feita por outros? Ou, então, se deverá pensar a
sua ação como de resistência durante décadas e séculos a pr~
parar o seu surgimento como ator, e não mais como figurante
ou marionete? Karel Kosik afirma que "o único sentido da
história" é que "o homem se explicita a si mesmo", "se
rea-liza, isto é, se humaniza" (Kosik, 1976, p. 21). Há uma ten
dência para nao se ver sentido nesse passar de gerações de
I
lavradores, pescadores e caçadores, a não ser que se mante
nha forte o senso da continuidade para se perceber que as
lutas e as conquistas de hoje, a afirmação de uma classe e
da supremacia do "nós" sobre o "eu" têm a ver com o
"traba-lho e (os) resultados obtidos pelas gerações precedentes"
(id. ibid., p. 218). Portanto, só ao abranger um longo
pe-ríodo histórico pode-se "pôr em evidência os fatores de
transformação e de renovação" (Goldmann, 1979,p. 38) da so
ciedade rural do Baixo Amazonas, ver os seus componentes co
mo ator histórico.
Para tal, Lucien Goldmann acrescenta uma segunda
condição: enquadrar o relato "numa análise de conjunto" (id.
ibid.). Contar o que aconteceu cornos lavradores do municí
pio durante décadas ou séculos sem situar os fatos e as suas
interpretações num contexto mais amplo regional, nacional
e internacional - não seria história, mas no máximo mera
crônica de datas, dados e acontecimentos. Se fazer
histó-ria é agir sobre o nosso mundo, transformá-lo e humanizá-lo,
é impossível separar o campesinato de Santarém das grandes
forças sociais em açao no mundo e que o "puxaram" e "puxam"
para participar.
Longo tempo histórico e análise de conjunto sao ne
cessários para situar, retomando as palavras de Marx, os at~
res da história nas "circunstâncias( ... ) com que se defron
tam", independentemente da sua escolha. Se o "caboclo" san
tareno teve durante mais de dois séculos uma presença apag~
da, a não ser na época da cabanagem, como será visto adian
te,isso nao quer dizer que tenha sido devido a sua índole,
que lhe tenha faltado vontade para influir nos
acontecimen-tos. Obviamente, ele se defrontava com uma realidade obj~
tiva mais forte do que as suas veleidades de rebelião, com
um sistema econômico e pOlítico que atravessa séculos. ~
necessário refletir sobre um longo tempo para nao se
con-cluir dessa realidade objetiva que os homens estão submeti
dos a um determinismo implacável, obrigados - como o rio
que corre dentro do seu leito e limitado por suas margens
-a -av-anç-ar rumo -ao futuro contidos rigid-amente por leis,
re-gras e classes sociais dominantes. A observação de um lon
go tempo permite perceber as mudanças históricas a vonta
de dos homens em açao - como frutos de' lento amadurecimen
to.
Pelos mesmos motivos, a análise de conjunto é
im-prescindível. As forças sociais, econômicas e políticas com
que se defrontam os lavradores santarenos nao se encerram
no território do município. São e sempre estiveram
I
j
mia internacional, o que coloca limites formidáveis
à
cap~cidade e à vontade do trabalhador santareno de fazer histó
ria, embora ao mesmo tempo esteja, assim, se aproximando e
se juntando a outras massas humanas, o que possibilitaria a
emergência de uma vontade com força real. O grande
histo-riador Caio Prado Junior, em introdução a uma de suas
prin-cipais obras, salienta essa perspectiva internacional:
"No seu conjunto, e vista no plano mundial
e internacional, a colonização dos trop!
cos toma o aspecto de uma vasta empresa
comercial, mais complexa que a antiga fei
toria, mas sempre com o mesmo caráter que
ela, destinada a explorar os recursos na
turais de um territorio v~rgem em prove~
to do comercio europeu" (Prado Junior,
1974, p. 22).
Um grupo social deixa a sua marca na história na
medida em que ocupa um espaço físico, imprime nele um sinal
duradouro e o controla. ~ esse domínio sobre o espaço que
também constitui qualquer grupo social como ator histórico.
Compartilho dessa definição de geografia sugerida por geo-
-grafos franceses:
"As relações sociais inscrevem-se nas pai
sagens como sobre uma superfície de
gra
-vaçao: memória
Os aparelhos de poder atuam no espaço:
terreno e nele se materializam: posiçõEs.
As classes, as frações do capital, os
exercitos, os Estados aí se opõem:
fren-tes, nele disputam territorios:interesse.
f
I
I
!,
-- ; )
Os seus aparelhos fixam residências, de~
locam, exilam, canalizam, fecham: cidades
operárias, guetos, cidades novas,
fave-las, campos, quarteis.
As relações sociais são relações de for
ça" (Lacoste, s.d., p. 133).
Essa definição parece-me bem adequada ao
propósi-to anunciado na introdução: falar de movimenpropósi-to, de forças,
de luta, de conflito. Palavras e inagens de guerra, pois a
geografia, antes de ser instrumento do planejador, foi a
ciência dos oficiais. Mas não ser~a algo como uma guerra o
que se trava no silêncio das águas e das matas? Guerra em
que o campesinato santareno procura exercer a possibilidade
de ocupar e transformar o espaço local conforme os seus
in-teresses e em consonância com a realidade física na qual se
insere? A geografia, portanto, estará presente ao longo de~
sa história, tanto a física, "a superfície da gravação", qua!!
to a própria "gravação", a marca da ocupação humana, fruto
das relações sociais conflitantes historicamente travadas.
Os mapas I e 2 (anexos) procuram introduzir
ã
geo-grafia do município. ~ preciso, porém, fazer duas importa~
tes ressalvas:
I - O mapa I apresenta a geografia física. ~ preciso nao
imaginar esse espaço como se fosse uma superfície de gr~
vaçao virgem. Durante centenas e mesmo milhares de
anos, tribos senão nações indígenas ocuparam a região.
Os índios Tapajós, exterminados pelos conquistadores,
deixaram suas marcas nas admiráveis cerâmicas
ocu-paçao da região até hoje deve muito aos indígenas.
Po-rem, por limitações pessoais e deste trabalho, deixarei
de falar sobre essa ponte histórica, econômica e
cultu-ralmente tão fundamental entre o mundo indígena e a Ama
zônia rural moderna.
2 - O mapa 2 reflete a formação econômica e social do esp~
ço. Vale notar aqui que não se deve deixar enganar p~
lo mapa. Ao encerrar esse imenso município numa página,
fica-se impedido de colocar os detalhes como povoados e
estradas abertas por moradores do interior. O lei tor que
não conhece a região Norte pode esquecer que os rios e
igarapés são vias de comunicação. O mapa aqui
apresen-tado, portanto, é pobre, falta-lhe vida. Nele, o
cená-rio de muitas lutas travadas pelos lavradores de
Santa
-rem nao aparece.
o
município de Santarém está plantado no coraçaoda Região Amazônica, na microrregião do Médio Amazonas
Pa-raense, segundo o IBGE - ou, mais usualmente, no Baixo Ama
zonas. Está situado na foz do rio Tapajós. Para tomar cons
ciência das dimensões do município, basta ver
26.058km 2 cobrem uma área maior que a de Sergipe
e metade do Estado do Rio de Janeiro (44.268km 2).
Apesar do desmembramento do município de
que seus
(21. 994krn2)
Aveiros,
no rio Tapajós, prevalece a configuração clássica das
anti-gas divisões administrativas, correspondente
à
primeira ocupação do terri tório: partindo das vias de comunicação (o rio,
ceiras (parte do Tapajós, o rio Arapiuns e o rio Curuá-Una).
O recorte administrativo do espaço (os limites do município)
revela um certo grau de arbitrariedade, mas restrinjo-me
-
aapresentação do município por ser o movimento dos
trabalha-dores rurais de Santarém a minha referência, embora vejamos
como o próprio movimento não se encolhe nele como numa cami
sa de força. Contento-me, aqui, em lembrar que Santarémpe~
tence
ã
Região Amazônica, física, econômica e politicamente,adotando a definição que Francisco de Oliveira dá de região:
"Uma 'região' seria o espaço onde se imbri
cam dia1e ticamen te uma for'ma especial de
reprodução do capital, e por
conseqUên-cia, uma forma especial de lutas de c1as
ses, onde o econômico e o político se fu
sionam e assumem uma forma especial de
aparecer no produto social e nos
pressu-postos da reposição" (Oliveira, 1981, p.
29).
Minha perspectiva é totalizadora, o que nao sign!
fica o nivelamento das diferenças. Dentro e a partir deste
espaço, estou interessado em mostrar como o campesinato san
tareno forma uma classe, embora a história da ocupação do
município e a grande diferenciação do espaço físico tenham
condicionado sua diversidade e heterogeneidade. Nesse
sen-tido, abordarei sucessivamente a formação do campesinato da
várzea e de beira-rio, a do campesinato do planalto, a do
campesinato de estrada. A localização geográfica expressa
a diferença, e a palavra "campesina to" a unidade do seu des
tino. Como as águas azuis do Tapajós correm paralelas
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