• Nenhum resultado encontrado

A Mulher Evangélica Congregacional em Angola – Análise do Processo da Formação Pastoral da Mulher no Período 1965-1975

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2017

Share "A Mulher Evangélica Congregacional em Angola – Análise do Processo da Formação Pastoral da Mulher no Período 1965-1975"

Copied!
173
0
0

Texto

(1)

Universidade Metodista de São Paulo

Faculdade de Filosofia e Ciências da Religião

Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião

A mulher Evangélica Congregacional em Angola

Análise do processo da formação pastoral da mulher no período de

1965-1975

Por: Adelaide Tomás Manuel

(2)

Universidade Metodista de São Paulo

Faculdade de Filosofia e Ciências da Religião

Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião

A mulher Evangélica Congregacional em Angola

Análise do processo da formação pastoral da mulher no período de

1965-1975

Por: Adelaide Tomás Manuel

Orientador: Professor Dr. Geoval Jacinto da Silva

Dissertação de Mestrado apresentada em cumprimento parcial às exigências do Programa de Pós-Graduação para obtenção do grau de mestre

(3)
(4)

Dedico este trabalho

Às minhas filhas Aldina Adelaide Nahunjo Manuel, Leontina Cumbelembe Tomás Manuel, Memória Tiago Manuel, ao meu filho Manuel Chimbungo Tiago e a Tiago Manuel, meu esposo, em memória.

(5)

Agradecimentos

Agradeço de forma muito especial e respeitosa ao Prof. Dr. Geoval Jacinto da Silva, que durante a pesquisa e elaboração desta dissertação foi professor, orientador, educador e, nos momentos difíceis, amigo ajudando-me a prosseguir na caminhada.

Agradeço ao Prof. Dr. Lauri Emilio Wirth, que nunca poupou esforços em resolver meus problemas.

Agradeço a todos os professores e à administração que, ao longo destes semestres, têm sido instrumentos dedicados ao processo da minha formação. À professora Dra. Sandra Duarte por sua participação na elaboração do projeto deste trabalho.

À Igreja Evangélica Congregacional em Angola, aos pastores e pastoras agradeço pela confiança depositada e o tempo concedido para realização do mestrado. Pelos esforços de articular junto aos seus parceiros o apoio financeiro para minha formação, assim como pela companhia em orações.

Agradeço ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da UMESP, que me concedeu a bolsa da CAPES. A concessão desta bolsa desde março de 2003 aliviou minhas dificuldades econômicas.

Agradeço ao Conselho Mundial de Igrejas – CMI que me acompanhou moral e financeiramente, proporcionando, conseqüentemente, a tranqüilidade e bom aproveitamento nos estudos.

O carinho dos colegas foi da maior importância para minha adaptação na academia. O encorajamento e apoio recebidos contribuíram para o meu aproveitamento durante as aulas.

(6)

família, Luzia e sua família, Eloy e sua família, Maria da Graça Araújo, Virgínia Inácio e sua família, Josué Barbosa Cordeiro e sua família.

A Igreja Congregacional de São Bernardo do Campo.

A toda minha família, de quem desfrutei conselhos e apoio especial.

(7)

MANUEL, Adelaide Tomás. A mulher Evangélica Congregacional em Angola: análise do processo da formação pastoral da mulher no período de 1965-1975. São Bernardo do Campo, Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião – UMESP, 2005.

SINOPSE

Esta dissertação tem por objetivo analisar a mulher Congregacional, sua formação pastoral no período de 1965-1975, considerado de grande desenvolvimento da Igreja. Fez-se analise dos contextos social, político, econômico e religioso para ter idéia do contexto geral do espaço em que a Igreja Evangélica Congregacional em Angola foi implantada. Falou-se da viagem dos primeiros missionários norte-americanos para o interior do país, assim como do episódio acontecido durante a implantação da Igreja no Bailundo, sede do reino na época, liderado pelo rei Ekuikui II nos primeiros anos de vida da Igreja. O desenvolvimento da igreja mereceu um olhar especial, assim como os modelos pastorais, a cooperação dos nativos na expansão do evangelho, as instituições da Igreja e sua mudança de nome. Destacaram-se as relações de gênero, a formação na cultura, o processo da formação pastoral das mulheres e os principais cursos ministrados nos centros, nas estações missionárias e no Dôndi. Os cursos eram: economia doméstica, alfabetização, educação cristã, formação feminina, formação das parteiras. A contribuição das mulheres para o desenvo lvimento da Igreja e da sociedade era diversificada, o que acontece até hoje, entretanto, destacam-se as contribuições das mulheres leigas, diaconisas, esposas dos pastores e o programa do Fogo Cristão implementado por elas. Apontei as dificuldades que as mulheres encontraram no processo da formação. Analisei a situação geral e a necessidade da formação pastoral das mulheres nos dias de hoje no Huambo e em toda Angola. O trabalho faz propostas de formação pastoral das mulheres que podem servir de ponte entre a nova e a velha geração.

(8)

MANUEL, Adelaide Tomás. Congregational Evangelical Women in Angola: Analysis of the pastoral formation process of women during 1965-1975. São Bernardo do Campo, Post Graduate Program of Religion Sciences – UMESP, 2005.

ABSTRACT

The aim of this project is to analyse the pastoral formation of women during 1965 to 1975, a period considered to be of great importance to the Church. The social, political, economic and religious contexts were analysed in order to present an overall idea of how the Congregational Evangelical Church was established in Angola. The presence of the first North American missionaries in the interior of the country as well as other episodes that occurred during the establishment of the Baliundo Church, which was considered the center of King Ekuikui II’s kingdom in the early days of the Church, are presented. The development of the church, pastoral models, the cooperation of native peoples in the dissemination of the Gospel, the institutions of the Church, and the name change of the Church are given special attention. Relationships of genre, cultural formation, the pastoral formation of women, and the main courses given in missionary centers and in Dondi are discussed. The courses given included domestic economy, instruction in reading and writing, Christian and women’s formation and delivery training instruction for midwives. The contribution of women to the development of the church and to the society was diversified, and continues until the present day. However, the work of lay women, the deaconess, minister’s wives and their implementation of the Christian program merit special attention. The research also refers to the difficulties faced by women in the process of their formation, and the current situation of women’s pastoral formation in Huambo and Angola as a whole. The present work proposes the pastoral formation of women as being capable of narrowing the gap between the old and the new generations.

(9)

Sumário

Introdução

11

Capítulo I

A implantação e o desenvolvimento da Igreja Evangélica

Congregacional em Angola

17

1.1- África

17

1.2-

Angola

21

1.2.1- Localização e caracterização do país Angola 21

1.2.2- Análise do contexto social 27

1.2.3- Análise do contexto político 36

1.2.4- Análise do contexto econômico 40

1.2.5- Análise do contexto religioso 43

1.3

-

A implantação e desenvolvimento da Igreja Evangélica

Congregacional em Angola

46

1.3.1- Origem do Congregacionalismo 46

1.3.2- A implantação da Igreja Evangélica Congregacional em Angola 49

1.3.3- O modelo pastoral educacional 55

1.3.4- O modelo pastoral cristocêntrico 58

1.3.5- O modelo pastoral proselitista 59

1.3.6- O modelo pastoral ecumênico 60

1.4

-

A cooperação dos nativos no desenvolvimento da

IgrejaCongregacional

62

1.4.1- A cooperação dos nativos 62

1.4.2- As instituições da Igreja 63

1.4.3- A primeira nomenclatura e a mudança do nome da Igreja Evangélica

Congregacional em Angola 65

Capítulo II

A formação pastoral das mulheres em Huambo no período

de 1965-1975

69

2.1-

O estado do Huambo

69

2.1.1- Análise de conjuntura do estado do Huambo 70

2.1.2- Situação social das mulheres no estado do Huambo, entre 1965-1975 72

2.2-

A formação e as relações de gênero na cultura angolana

74

2.2.1- As relações de gênero 74

2.2.2- A formação na cultura angolana 77

2.3-

A formação pastoral das mulheres em Huambo

86

2.4-

A formação pastoral das mulheres nas Missões: Bailundo, Elende e

Dôndi

88

(10)

2.4.2- A formação pastoral das mulheres no Dôndi 90

2.4.3- A formação na Escola Means 95

2.4.4.1- Outras atividades das alunas na Escola Means 98

2.4.5- Formação em educação cristã 101

2.4.6- Formação feminina em Huambo ex-Nova Lisboa 104

2.4.7- Formação das parteiras 106

2.5-

A contribuição das mulheres na Igreja Congregacional e na

sociedade

111

2.5.1- Contribuição das mulheres leigas 111

2.5.2- Contribuição das diaconisas 113

2.5.3- Contribuição das esposas dos pastores 114

2.5.4- Evangelização pelas mulheres por meio do programa denominado “fogo

cristão” 116

2.6-

A primeira pastora da Igreja Evangélica Congregacional

121

2.6.1- A primeira pastora 121

2.6.2- A receptividade da mulher pastora pelas comunidades eclesiais 122

2.7-

As mulheres da Igreja Congregacional

123

Capítulo III

Desafios e oportunidades a partir da formação pastoral das

mulheres

130

3.1-

A mulher no contexto atual de Angola

130

3.1.1- A necessidade da formação pastoral das mulheres 137

3.2-

Formação pastoral de conjunto

142

3.3-

Formação pastoral social de cidadania

145

3.4-

Formação pastoral em liturgia

147

Considerações finais

151

Referencias bibliográficas

156

Anexos

164

Anexo 1: Informações pela Profa. Alice Miguel Pongolola 164

Anexo 2: Entrevista com Rev. Augusto Chipesse 166

Anexo 3: Entrevista com Rev. André Cangovi Eurico 168 Anexo 4: Memorando das etapas das Escolas Doméstica ontem 170

Anexo 5: Retrospectiva da formação feminina 172

(11)

Introdução

A pesquisa se inscreve no contexto que envolve a formação pastoral das mulheres na Igreja Evangélica Congregacional em Angola, que tanto em Angola quanto na África desempenham um papel preponderante; nada se consegue sem a participação das mulheres. As mulheres, mesmo fora do continente, tem dado provas de sua inteligência e capacidade. O Revº José Belo Chipenda, que foi Secretário Geral da Igreja Congregacional nos anos 1996-2004, afirma que:

(...) é a mulher que conserva a cultura da qual os africanos se orgulham, no tempo de crise ela tem trabalhado com zelo e dignidade para manter em vida famílias numerosas em casa. Maridos desempregados têm dependido delas para comer, vestir, educar os filhos e outras questões1.

As mulheres da Igreja Congregacional em Angola tiveram uma formação pastoral que as capacitou participar em ações pastorais que fizeram da Igreja Congregacional uma instituição religiosa de expressão no país e ao Sul do Saara. As atividades comerciais e outras desenvolvidas pelos membros, sobretudo os ovimbundu2, contribuíram para a expansão e desenvolvimento da Igreja em virtude dos mesmos testemunharem a fé cristã onde eles estivessem. As ações pastorais desempenhadas pela Igreja Evangélica Congregacional por meio de suas instituições educacionais.

O conceito pastoral que irá perpassar o trabalho não se restringe ao ministério dos pastores e pastoras, mas trata-se da ação que inspira a fé dos fiéis estimulando-os a serem participantes em todas as dimensões da pastoral. Refere-se à pastoral abrangente como

1 CHIPENDA, José Belo. A mulher e sociedade. In: A mulher na família. Lobito Angola, Conselho Angolano

de Igrejas Evangélicas, CETECA, 1986, p.4.

2 Os ovimbundu são povos que falam a língua umbundu, que habitavam ao sul do rio Kuanza ocupando a

(12)

toda a atividade da igreja, isto é, todo trabalho que os membros e os dirigentes executam na igreja, e que envolvem as diversas dimensões ligadas ao ser humano, quer sejam políticas, econômicas, culturais, religiosas, pessoais ou sociais3.

De acordo com Casiano Floristan, a pastoral equivale a uma ação revolucionária que exige o compromisso e a consciência crítica na perspectiva de uma transformação radical, a partir da ação dos membros da comunidade eclesial. Nessa perspectiva, a pastoral não é uma ação repetitiva, mas reflexiva e transformadora na forma de agir e conceber4.

As motivações à pesquisa do tema decorrem do envolvimento em programas das mulheres na Igreja Congregacional desde que tornei-me membro em plena comunhão, aos doze anos de idade. Baseia-se também na apreciação e admiração pelas ações pastorais desenvolvidas pelas mulheres, que normalmente eram direcionadas para as vertentes da diaconia, educação cristã, enfermagem (incluindo parteiras), agricultura, formação feminina, economia doméstica, evangelização, artes manuais motivaram-me para a elaboração desta pesquisa. O desejo de analisar o processo de formaçãopastoral decorre da tensão que surgiu entre a nova e a velha geração de mulheres. Com relação a esta questão, Eva de Carvalho Chipenda descreve o problema revelado pelas mulheres:

(...) as mulheres mais novas, e há muitas nas nossas Igrejas, não assistem às reuniões e cursos de formação organizada pelas mulheres de idade mais avançada. Alegam que os programas são tradicionais, nunca começam à hora marcada e nada apresentam como novidade. Por esta e outras razões, as mulheres mais jovens preferem ficar em casa5.

Percebe-se que os processos de transformação pelo qual a sociedade angolana passa (a guerra que levou muitas mulheres a serem chefes de famílias, a inserção das mulheres no mercado formal e informal, a mudança do socialismo para economia de mercado livre, a influência de movimentos feministas) criaram situações novas para a vida do povo, estimulando as mulheres mais jovens a procurarem formação que lhes identifique no espaço público e não simplesmente no lar e na igreja.

A mulher angolana está na fase de se identificar com o espaço público conquistado nos últimos anos, o que afeta a forma de viver das mulheres e de suas famílias. Por sua

3 CASTRO, Clovis Pinto de. Por uma fé cidadã – A dimensão pública da igreja. São Paulo, Edições Loyola,

2000, p.104.

4 FLORISTAN, Casiano. Teologia Prática – teoria de la accion pastoral. Salamanca, Ediciones Sigme,

1991, p.140.

5 CHIPENDA, Eva de Carvalho. Seminário sobre: a mulher e suas actividades. Lobito Angola, Centro de

(13)

vez, a geração das mulheres mais velhas se identifica completamente com a formação pastoral adquirida ao longo de sua vida na igreja e na sociedade em geral, exercendo funções de guardiã da educação cristã a partir do lar, de boa esposa, de administradora do lar, provedora do bem estar no lar, munida de conhecimentos adquiridos nas várias formações obtidas na igreja. As mulheres mais jovens reconhecem que os conhecimentos da geração mais velha são importantes para a vida, porém são tradicionais e sem novidade. Visto que as mudanças vividas pela sociedade angolana, requerem das igrejas ações pastorais voltadas para as novas realidades que surgem, exigindo iniciativas destinadas à formação e preparação dos membros a assumirem sua responsabilidade cristã na igreja e na sociedade6.

A decisão em pesquisar sobre “A mulher evangélica congregacional em Angola: análise do processo da formação pastoral no período 1965-1975”, no Estado do Huambo, se justifica por ser o Huambo a região onde se implantou a Igreja, ou seja, o berço da Igreja Evangélica Congregacional em Angola.

O período em referência cativou interesse nesta época, em virtude da Igreja atingir o seu mais alto nível de desenvolvimento. Implementou programas que criaram impacto significativo na vida dos membros, comunidades e sociedade angolana. Também por tratar-se de um período enquadrado dentro de outro período da vida da Igreja (1926 a 1975), caracterizado pelo despertar das comunidades angolanas na valorização e adesão à formação dada pela Igreja nas estações missionárias e suas filiais.

José Belo Chipenda acrescenta que “foi quando a formação de quadros médios e superiores foi acelerado e houve um desenvolvimento extraordinário nas zonasrurais7”.

A Igreja, além do anúncio do Evangelho como sua função primordial, proporcionou formação a menina s, rapazes, mulheres e homens nas seguintes áreas de conhecimento: economia doméstica, educação cristã, teologia, agronomia, saúde, pedagogia, nutrição e ensino acadêmico.

Também promovia o progresso comunitário das aldeias por meio de um programa geral denominado “Melhoramento do Povo”, que tinha como objetivos incrementar o saneamento básico, a construção de fontenários, isto é, bicas para aquisição de água potável, incentivar novos hábitos alimentares, que estimulou a Igreja ensinar a semeadura

6 ASSOCIAÇÃO DE EDUCAÇÃO CATÓLICA DO BRASIL. Para Que Todos Tenham Vida. Brasil,

A.E.C, 1984, p.64.

(14)

de soja, alguns tipos novos de hortaliças e alguns tipos de plantas de frutas e cafeeiros. O período também ficou marcado pelo desenvolvimento eclesial e da vida dos membros da Igreja. Segundo referiu o Revº André Cangovi Eurico, pertencer à Igreja era fazer parte da elite8.

As instituições da Igreja, tais como as missões, centros educacionais, hospitais e postos médicos, escolas e outras estruturas tornaram-se famosas. As mulheres que cursaram Formação Feminina, na Escola Industrial pertencente ao governo colonial e Escola Means da Igreja, capacitaram outras mulheres, emancipando-as pela formação. Neste período, surgiram mulheres que se destacaram e se dedicaram na edificação e emancipação de outras mulheres, estimulando-as a serem boas profissionais, boas educadoras, boas transmissoras do Evangelho, tanto na igreja quanto na sociedade9. Esse período, também ficou marcado, pois o mesmo antecedeu a independência de Angola. O Revº Augusto Chipesse, atual Secretário Geral da Igreja Congregacional, revela que ao nível do estado colonial, nesse período já havia brigadas que exigiam processos para obtenção de bilhetes de identidade. A assimilação da cultura portuguesa não era privilégio exclusivo para alguns10.

A pesquisa desenvolveu-se por meio de pesquisa bibliográfica, análise de documentos e entrevistas. O método utilizado foi histórico que segundo Eva Maria Lakatos:

(...) consiste em investigar acontecimentos, processos e investigar do passado para verificar a sua influência na sociedade de hoje, pois as instituições alcançaram sua forma atual através de alterações de suas partes componentes, ao longo do tempo, influenciadas pelo contexto cultural particular de cada época11.

O método histórico na perspectiva da práxis religiosa se exprime de forma crítica e interdisciplinar.

8 EURICO, André Cangovi. Entrevista concedida à pesquisadora. Luanda Angola, dezembro de 2003.

9 Idem

10 CHIPESSE, Augusto. Entrevista concedida à pesquisadora. Luanda, novembro de 2003.

11 LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Maria de Andrade. Metodologia Científica. São Paulo, Atlas, 1983,

(15)

De acordo com o professor Geoval Jacinto da Silva, o método possibilita partir de pressupostos históricos da ação pastoral12. O método histórico evita parcialidade na interpretação dos fatos ou eventos. Assim, ao longo da pesquisa utilizaram-se dados e informações que permitiram a compreensão da atuação da Igreja Evangélica Congregacional no processo da formação pastoral das mulheres.

O trabalho dividiu-se em três capítulos, considerações finais, referências bibliográficas e anexos. No Capítulo I será analisado o contexto geral angolano (social, político econômico e religioso), a implantação da Igreja Congregacional em 1880, o desenvolvimento, os modelos pastorais usados na expansão da Igreja. O Capítulo II analisará o processo da formação pastoral das mulheres na Igreja Congregacional, que consistiu essencialmente da formação acadêmica, educação cristã, economia doméstica, diaconisas, agentes de saúde, parteiras e formação feminina. Descreveu-se de igual modo a contribuição das mulheres leigas, esposas de pastores, educadoras cristãs, diaconisas, a evangelização pelas mulheres por meio do Fogo Cristão, bem como a primeira pastora negra no clero da Igreja Congregacional e a sua receptividade pela igreja.

O Capítulo III abordará os desafios e as oportunidades propostas a partir de sua formação pastoral. Sugeriu-se que os processos e os currículos passem pela reflexão na perspectiva da práxis religiosa e se viabilize o acréscimo da formação que sirva de ponte entre as mulheres mais jovens e as mais velhas, tais como: formação pastoral de conjunto que abrange diversas ações pastorais conforme a necessidade; formação pastoral de cidadania, com enfoque na ação pastoral no espaço público; formação pastoral da liturgia, que leve as mulheres à reflexão da liturgia como celebração da vida e seu sentido festivo.

Nos três capítulos busca-se atingir o objetivo geral que está relacionado com a análise da formação pastoral da mulher evangélica congregacional no período de 1965-1975 em Angola. Os objetivos específicos que tratam de: analisar a formação pastoral das mulheres durante a implantação e desenvolvimento da igreja em Huambo, Angola; analisar as relações sociais, econômicas, políticas, religiosas e processos de formação na cultura angolana; resgatar a memória da contribuição pastoral das mulheres na Igreja Evangélica Congregacional em Angola e na sociedade.

A problemática criou preocupação de saber qual era a participação das mulheres na elaboração dos conteúdos de formação pastoral, bem como o que a liderança e os membros pensam a respeito da atualização da formação pastoral das mulheres, levando-se em conta

12 SILVA, Geoval Jacinto da. Los aspectos pastorales de la Cartas del Apocalipisis de Juan. Tese de

(16)

as transformações que ocorrem na sociedade angolana. Descobrir também qual formação pastoral estabelecerá a ponte entre as duas gerações, visando satisfazer as necessidades de ambas.

(17)

Capítulo I

A implantação e o desenvolvimento da Igreja Evangélica Congregacional

em Angola

A pesquisa, embora trate da “Mulher Evangélica Congregacional em Angola: análise do processo da sua formação pastoral no período de 1965-1975”, fala de alguns aspectos do continente africano, no qual se insere a Angola.

1.1– África

A vida na África antes da chegada dos europeus era diferente da atualidade. Os povos africanos viviam em grandes civilizações, tinham suas religiões, culturas próprias, viviam em cidades ou em aldeias, conforme suas regiões e reinos. A vida religiosa era fator importante nas comunidades sendo os sacerdotes muitas vezes chefes e reis, em decorrência de sua influência.

As principais características dos povos eram: a religiosidade, a vida comunitária, a musica, a dança e a arte13. Entretanto, Davidson Basil afirma que os africanos ergueram seus sistemas agrícolas em todas as regiões habitáveis e esta é a maior realização central da história africana14.

Muito se sabe dos primórdios dos povos do continente africano graças a conservação da tradição oral passada de geração a geração, da escrita e por estudos arqueológicos, posteriormente.

(18)

Henrique Cunha Júnior, relata que a organização social da África era estabelecida por reinos que tiveram início por volta do ano 400 a.C, quando se constituíram os reinos Núbios. Henrique C. Júnior revela que os historiadores em seus estudos apontam seis grandes regiões que constituem o continente africano e que apresentam aspectos geográficos e culturais comuns. Para ele, são unidades com características semelhantes, embora exista diversidade interna das regiões quanto aos povos e cultura. A primeira região conhecida como a mais antiga e que a história destaca está constituída por Sudão e Egito, com uma história política e econômica com mais de cinco mil anos. Os dois constituem impérios parecidos, como por exemplo, as semelhanças na construção das pirâmides, que vão do Alto ao Baixo Nilo, em períodos diversos representando uma forma típica da região15.

A segunda região é a costa africana do Oceano Indico, região que naquela época exercia grande influênc ia comercial de trocas intensas com os países árabes e com a Ásia. Esta região era notabilizada de pequenos reinos, cidades e estados que foram de grande esplendor arquitetônico. Nas relações comerciais, à língua comum utilizada era o Suarile, denominada a partir da região Suarile16.

A terceira região é constituída por Zimbabwe e África do Sul. Zimbabwe, pela antiguidade das ruínas e extensão da civilização aí construída no passado, se considera uma região de importância histórica na África, porém sem ser separada da Suiapenas, parte da região também com destaques históricos, sobretudo no processo da resistência às invasões européias, como é o caso dos Zulus17.

A quarta região, ao sul do rio Congo, trata-se de uma extensa área entre o Atlântico e os lagos Vitória e Tanganica. Esta é uma região de influência cultural bantu, desenvolvida antes dos séc. XIV e XV, formada por um conjunto de reinos como é o caso do Congo, Ndongo, Lunda, Luba, Mbalundu, Ekovongo e outros. Como vemos, Angola fazia parte dessa região. A quinta região se estende a partir do Atlântico, atravessando o sistema fluvial do rio Níger e cobrindo os afluentes do lago Chade. Fazem parte da região as civilizações Nok, os impérios de Gana, Male e Songai. A sexta região é de predominância de povos Berberes, estende-se desde o Deserto do Saara até as bordas do Mediterrâneo. É uma região marcada por invasões externas18.

15JUNIOR, Henrique Cunha. O ensino da história africana. www.historianet.com.br, texto capturado em

maio de 2004.

(19)

Independentemente das subdivisões administrativas impostas pelos países colonizadores, os estudos empreendidos por historiadores, antropólogos e missionários, revelam que o continente antes de ser alvo das invasões, mantinha relações sócio culturais, comerciais e políticas internas e externas. Nas relações externas consta a integração econômica e artística com a Ásia e a Europa19. Na América Latina, por meio de artefatos se denota a probabilidade das relações dos antigos habitantes com os africanos. A respeito das relações entre a África e a América, Abdias do Nascimento explicita o seguinte:

(...) os traços, símbolos, as técnicas artísticas e funerárias, bem como os caracteres somáticos africanos se evidenciam frequentemente nos túmulos, nas estátuas e nas urnas funerárias das culturas indígenas pré-colombianas. (...) Mas se comprova o liame existente entre o México, a Guatemala, a Colômbia e principalmente o Peru pré-colombianos, por exemplo, nas suas técnicas de mumificação que são iguais às do Egito negro da antiguidade. A história oral de origem maia diz que os primeiros habitantes do México eram negros, e se assinala entre várias deidades do submundo egípcio e do panteão olmeca, similitudes que ultrapassavam o nível da coincidência20.

No aspecto religioso, se percebe através da Bíblia Sagrada que alguns povos da África tiveram contato com o cristianismo antes das missões européias, principalmente os da região do norte: Egito, Líbia, Sudão e Etiópia. A Etiópia tinha um relacionamento com o judaísmo desde os tempos de Moisés e da rainha de Sabá, assim como a Líbia e o Sudão, que tiveram conhecimento do cristianismo conforme citado em Atos dos Apóstolos. Atos cita Líbios convertidos ao cristianismo e pode-se encontrar também a conversão de um Oficial da Rainha Candace da Etiópia por Filipe (At. 9:26-40). Supõe-se que este tenha sido um missionário em seu país e no continente africano21. Enfim, o cristianismo já era forte no norte da África no século IV e que os pensadores africanos Tertuliano, Cipriano e Agostinho muito contribuíram para o desenvolvimento da teologia cristã22. Tempos depois, a mesma África recebeu outro cristianismo envolvido pela cultura ocidental, o que fez com que algumas áreas da vida dos povos ficassem inseguras. Segundo Augusto

19NASCIMENTO, Abdias. Aspectos da experiência afro-brasileira. In: Mensagem. Revista Angolana de

Cultura 5. Luanda Angola, ENDIPU/UEE, 1990, p.35-36.

20Idem, p.36.

21http://www.mquilombo.hpg.ig.combr/sociedade/28/index_int_6.html Capturado em julho de 2004.

22 Conselho Angolano de Igrejas. CETECA: A serviço das igrejas. Lobito República Popular de Angola,

(20)

Chipesse, isso se verifica diante de questões como a doença, morte, tristeza e o fracasso, onde diversas vezes a tendência é recorrer à religião original ao invés do cristianismo23.

Os aspectos acima referenciados ajudam a compreender a vida e atividades dos africanos e dos angolanos em particular antes da invasão européia.

23 CHIPESSE, Augusto. Ser membro da igreja em Angola. Huambo Angola, trabalho mimiografado, 1981,

(21)

1.2 –Angola

(22)

1.2.1- Localização e caracterização da Angola

Angola é um país localizado no sudoeste da África, na quarta região do continente africano. A população é de 13 milhões, segundo dados estatísticos do ano 2000. Sua capital é Luanda. A extensão territorial é de 1.246.700Km2. Quanto à densidade demográfica a estimativa é de 8,3 habitantes por quilômetro quadrado. Está subdividido político e administrativamente por dezoito estados (províncias), cento e sessenta e três municípios e quatrocentos e setenta e cinco comunas (povoados). A língua oficial é o português, porém dezenas de línguas nacionais de origem bochimane e bantu24 mantêm viva a tradição oral no país. Angola faz fronteira com a República Democrática do Congo (ex-Zaire) ao norte, Zâmbia ao leste, Namíbia ao Sul e ao oeste, Angola é banhada pelo oceano Atlântico. A moeda nacional é Kwanza (Kz)25

O país possui grande diversidade de recursos naturais e a estimativa é de que seu subsolo tenha 35 dos 45 minerais mais importantes do comércio mundial, entre os quais se destacam o petróleo, o diamante e o gás natural. Há também reservas de fosfato, ferro, manganês, cobre, ouro e rochas ornamentais. As grandes bacias petrolíferas em exploração situam-se junto à costa nas bacias de Cabinda e Zaire, ao norte do país, o que o ele va a categoria de segundo exportador em toda a África. A reserva de diamantes localiza-se na Lunda Norte e Lunda Sul. Apesar de Angola ser um país com recursos minerais, tem tradição na agricultura, na pesca e na criação de gado. Atualmente o povo angolano encontra-se em situação de pobreza, em parte por causa da guerra civil que se prolongou por vinte e sete anos. A guerra civil fez com que parte da população vivesse deslocada nas periferias das cidades. Alguns viveram como refugiados em países vizinhos, em condições precárias, chegando muitas vezes a depender das ajudas humanitárias internacionais para sobreviver26.

O solo angolano produz grande variedade de produtos agrícolas por ser uma terra fértil e irrigada por chuvas e rios, que também fornecem água para o consumo. O clima é favorável à habitação, as temperaturas são moderadas em virtude da corrente fria de

24Bantu é a designação atribuída aos povos africanos que tinham similaridade linguística a partir da raiz ntu e muntu. O nome bantu emergiu dos estudos do lingüista alemão Wilhelm Bleekem 1856 na África do Sul. Ver HENDERSON, L. W. A igreja em Angola. Lisboa, Ed. Além Mar, 1990, p.19.

25 Revista. Angola hoje: 25 anos de independência. Luanda Angola, Ano 1-nº1 – julho/agosto/setembro,

2001, p.49.

26 Revista. Angola Hoje: Independência 27 anos comemorados em paz. Luanda, Ano 3 – n.º6,

(23)

Benguela, área litorânea. As elevações do Planalto Central tornam frias as águas do Antártico, que por sua vez arrefecema planície costeira27.

Os habitantes da Angola atual são de origem bantu, que constitui a maioria do povo angolano, os não bantu e os de origem européia. A terminologia bantu se refere a uma unidade étnica de povos, palavra se aplica a uma civilização que manteve a sua unidade e foi desenvolvida por povos negros. O radical ntu e muntu, para a maioria das línguas

bantu, significa pessoa, ser humano. O prefixo ba caracteriza o plural à raiz. Assim bantu

significa seres humanos. E muntu é usado para o singular28.

Existem aproximadamente quinhentos povos bantu, que constituem uma unidade cultural, com uma civilização comum e linguagens similares. Tiago Manuel, citando Fituni, explica que vestígios comprovam o “aparecimento das culturas primitivas em Angola, data do oitavo milênio antes de Cristo”29. Entretanto, foi na Idade de Ferro que surgiram as primeiras migrações de povos africanos, vindos do norte, provavelmente da selva equatorial, região onde estão hoje a Nigéria e Camarões. Na época, a selva equatorial era de difícil acesso devido à mata densa que exigia machado e outros instrumentos de ferro, porém a nutritiva produção de banana e inhame possibilitou a vida por alguns séculos30.

O movimento migratório dividiu-se em duas vertentes: para o sul e para o leste. A imensa selva equatorial, os rios e os lagos das savanas que se apresentavam propícios à agricultura e a descoberta de ferro, minério comum na África, deram força à aventura migratória. Nessa época, os povos bantu foram chegando ao território angolano, onde encontraram os pigmeus e bochimane que são os primeiros habitantes da Angola31.

As diversas línguas bantu que existem em Angola e em outras partes da África, apresentam semelhanças justificadas por uma origem comum, mantendo suas raízes. Sobre esse aspecto encontra-se destacado na revista “Angola hoje” o seguinte:

Para além da semelhança linguística, mantiveram também uma base de crenças, fortes rituais e costumes muito similares, uma cultura com características idênticas e específicas que os tornam semelhantes e agrupados. Fora da sua

27Revista. Angola Hoje: Independência 27 anos comemorados em paz. Op. cit., p.49. 28Idem, p.47.

29 MANUEL, Tiago. Análise de modelos pastorais da Igreja Evangélica Congregacional em Angola. São

Bernardo do Campo, dissertação de mestrado apresentado ao Instituto Metodista de Ensino Superior, 1992, p.14.

(24)

identidade social são caracterizados por uma produção cultural de grande originalidade estilística, uma incrível sabedoria empírica e um discurso 32.

As similaridades e qualidades são notáveis até os dias de hoje, embora pouco valorizadas em alguns meios. Os africanos que se fixaram em Angola introduziram novas técnicas como a metalurgia, a cerâmica e a agricultura, criando as primeiras comunidades agrícolas.

O processo de fixação prosseguiu até o século X e as estrutur ações dos reinos autônomos se evidenciaram no século XII. Os reinos começaram a surgir por toda a região, com a efetivação de um poder hierárquico, firmado nos pressupostos de granjear respeito da comunidade com prestígio e poder econômico, como foi o caso dos reis: Mani, no Congo, que ganhou reputação do povo de sua região; rei Ngola no Ndongo, nome do qual descendeu o nome do país Angola; Ekuikui II no Bailundo; Ndumduma no Bié; Mandume e outros 33.

Angola está marcada pela colonização européia por Portugal, durante cinco séculos (1482 a 1975). Tal colonização articulou políticas que ocasionaram a escravidão de milhões de angolanas/os. Simão Souindoula considera que essa situação emerge como resultado dos contatos entre as culturas européia e angolana. Segundo ele, nos objetivos do contato subjazia o desenvolvimento do sistema mercantilista que foi implementado de forma violenta, racista, imoral, traiçoeira, corrupta e de ambições desenfreadas34.

Os portugueses que chegaram no final do século XV a Angola encontraram reinos estruturados. Diogo Cão foi o primeiro comandante a chefiar o contingente dos portugueses para a Angola. O contingente integrava também professores e missionários. Quando chegaram em Angola, foram acolhidos pelo rei do Congo, com o qual estabeleceram relações regulares. Pouco tempo depois o relacionamento se transformou em horrores aos filhos e filhas da Angola. A postura dos portugueses levou o rei a expulsá-los, porém os missionários católicos e os professores não haviam sido expulsos. Os missionários e os professores foram usados como mediadores entre o Rei e Portugal, para que aceitasse a presença de mais portugueses mediante acordos e regimentos. Naquela época, Portugal havia sugerido acordos e regimentos que consistissem, a princípio, em ajudas que Portugal devia prestar ao rei do Congo, tais como: organizar o reino, introduzir

32 Revista. Angola hoje: 25 anos de independência. Op. cit, p.49. 33Idem, p.50.

34 SOUINDOULA, Simão. Mercantilismo, colonialismo e factos culturais para o desenvolvimento em

(25)

noções do direito português, da arte de guerra, construção de igrejas, escolas. Prometeram agir com respeito, sem ofensas e criar sempre que possível um paralelo africano da sociedade portuguesa. Também constava dos acordos e regimentos evitar conflitos e disputas entre africanos e europeus que moravam no Congo. E quando acontecessem os conflitos, deveriam ser resolvidos amigavelmente e os transgressores repatriados, julgados e punidos em Lisboa, Portugal. Por outro lado, o regimento insistia que Mani, o Rei, deveria fornecer carregamentos aos navios de retorno a Portugal35. Numa das cartas que D. Manuel escreveu a Simão da Silva, português que residia no Congo, ha via ordens para que o mesmo fornecesse todas as informações políticas, militares e comerciais, ainda acrescentando o seguinte:

Embora o nosso principal desejo seja de servir Deus e aprazer ao rei do Congo não obstante vós (Simão da Silva) tentareis fazê-lo compreender – como se falásseis em nosso nome o que deve fazer para encher os navios quer seja com escravos, cobre ou marfim36.

Essa orientação foi recusada pelo rei do Congo, contudo, os portugueses usaram estratégias que colocariam os nativos numa situação bastante difícil. Os portugueses, naquela época, criaram intrigas, inimizades entre os reinos para penetrar no interior do país, causando guerra. Uma dessas guerras era denominada kuata-kuata37.

O reino de Ngola, ao sul do Congo, se apercebeu das intenções dos portugueses e manteve-se hostil à ocupação. Entre 1605 e 1641 verificaram-se grandes campanhas militares dos portugueses, entretanto, devido à resistência do reino de Ngola, dos reinos do interior e sul da Angola, as incursões não foram favoráveis. Nesta luta de resistência destacam-se a liderança e resistência, da rainha Nzinga Mbandi, de 1581-1663, assunto que será abordado mais adiante. Em 1617, Manuel Cerveira chegou ao litoral sul, subjugou os reis dos povos Mundombe e Hanha e estabeleceu uma estação na localidade que hoje é a cidade de Benguela. Tal como em Luanda, passou a funcionar uma pequena estação administrativa colonial. Foi em Benguela onde desembarcaram os primeiros missionários que fundaram a Igreja Congregacional38.

O tráfico de escravos passou a ser negócio bastante lucrativo aos portugueses, provocando o esvaziamento dos povos angolanos, colocando assim em decadência a

35 DAVIDSON, Basil. Mãe negra: os anos de provocação. Lisboa, Editora Sá da Costa, 1961, p.24. 36Idem, p. 24.

37 Guerra de kuata-kuata. Designação dada à guerra que os portugueses desencadearam em Angola com o

objetivo de pegar a força pessoas para a escravidão.

(26)

agricultura local e hostilizando social e politicamente os reinos. Esse comércio de africanos escravizados foi abolido teoricamente a nível internacional em 1836. Segundo Moisés Kamabaya, na prática os escravos continuaram a trabalhar passando para a nomenclatura de servente (grifo nosso). O escravo já não era vendido nem comprado, mas contratavam-se os contratavam-seus contratavam-serviços contratavam-segundo a lei promulgada em 1878. A mudança de nome de escravo para servente não significava nada, pois crianças, mulheres e homens ainda eram arrancados da sua casa para as plantações européias em S. Tomé, Américas e no país de origem. Em 1899, foi criada outra lei denominada “Trabalho Corretivo”, lei de trabalho escravo por castigo39.

As disputas territoriais pelas terras africanas que envolviam países econômica e militarmente mais fortes que Portugal, tal é o caso da França, Inglaterra e Alemanha, constituía motivo de preocupação para Portugal. Como medida de manter o que havia usurpado, com urgência reforçou o domínio no terreno ocupado e reformulou a sua política colonial. A política adotada em relação à economia angolana se baseava na exportação de matérias primas produzidas na colônia, incluindo borracha, marfim e minerais. Em 1906 acrescentaram-se os impostos que eram cobrados à população nativa40. A situação desumana criada durante todo o processo da ocupação e posteriormente da colonização, criaram no povo angolano resistência ao longo desse tempo.

A partir de 1950 levantam-se os movimentos nacionalistas que começaram a lutar contra o regime opressor colonial e reivindicar a independência. Anos depois de entre outros, a criação Movimento Popular para a Libertação de Angola (MPLA), fundado em 1956; Frente Nacional para Libertação de Angola (FNLA), fundada em 1961; e a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), fundada em 1966. Depois de longos confrontos, o país alcança a independência em 11 de novembro de 1975 41. Por

coincidência o dia 11 de novembro também é a data em que a Igreja Evangélica Congregacional em Angola comemora o aniversário da sua implantação pelos primeiros missionários.

A Igreja Congregacional foi implantada no contexto social, político, econômico e religioso peculiar.

39 KAMABAYA, Moisés. O Renascimento da Personalidade Africana. Luanda, Editorial Nzila, 2003, p.86. 40 Revista. Angola hoje: 25 anos de Independência. Op. cit., p.51.

(27)

1.2.2– Análise do contexto social

Toda sociedade tem seu sistema de organização que propõe relações entre seus membros, buscando a harmonia, a coesão e o bem estar comum. Para Casiano Floristan a sociedade é um sistema de interações onde todos dependem de todos, os indivíduos têm sua posição (pai, filho, empresário, funcionário, obreiro etc.), que pode ser chamada de status. Existe meio de controle social onde os membros da sociedade são orientados a conhecerem seus direitos e seus deveres. A sociedade, através da formação, demonstra aos indivíduos como se deve atuar 42.

Na sociedade angolana, se observava a organização social por linhagens familiares. As linhagens eram extensas, compostas por famílias nucleares geradoras de solidariedade na sociedade. Esses núcleos não se articulavam isoladamente, mas estabeleciam vínculos fortes, que se alargavam até às amizades, pois os amigos e amigas tornavam-se parentes. A família isolada não existia, pois os princípios de consangüinidade e a participação da vida comunitária abrangia todos e os antepassados. A posse da terra não podia ser individual, mas sim coletivos onde os membros da família alargada usufruem bens e trabalham para o bem comum.

Nesse conceito de organização social, perpassa o provérbio umbundu conforme aponta Maria Chela Cikueka: “Usitue ocumba, ocali oco civokayako”, traduzido é, o parentesco é incompleto e a graça é que enche. Significa que, a vida não se completa com os parentes, mas ela se completa com todas/os, parentes e não parentes pelo amor43.

No período em que se implantou a Igreja Congregacional, a sociedade angolana se declarava linhagens familiares que descenderam dos mesmos ancestrais maternos ou paternos44. Era comum a família outorgar a alguém autoridade e esta pessoa exercer democraticamente as funções de sacerdote, regendo a família e o solo legado pelos antepassados, pois eles eram considerados forças tutelares presentes na vida da família e da comunidade. A função principal da chefia familiar consistia na representação da família, dos antepassados, no direito da posse da terra, assim como na produção e na função

42 FLORISTAN, Casiano; TAMAYO, Juan José. Dicionário abreviado de pastoral. ESTELLA Navarra

Espana, Editorial Verbo Divino, 1988, p.368.

43 CHIKUEKA, Maria Chela. Angola: Torchbearers. Toronto Ontário, ISBN, 1999, p.140.

44 MANUEL, Tiago. Análise de modelos pastorais da Igreja Evangélica Congregacional em Angola. São

(28)

sacerdotal. Normalmente, esta representação familiar recaía sobre aquele cuja conduta moral era menos repreensível e que merecesse o respeito da família45.

Na família nuclear, ao homem cabia a responsabilidade de coordenar, garantir a alimentação, o vestuário e a saúde para a esposa e filhos. Às mulheres cabia o papel de mãe procriadora e perpetuadora das gerações futuras, portanto, quanto mais filhos tivessem maior era o prestígio delas perante a sociedade. Esse conceito foi desaparecendo.

Havia o processo que outorgava a mulher para o casamento, o alambamento, que era o processo tradicional, ou seja, as formalidades realizadas pelas famílias dos cônjuges para se autorizar o casamento. Esse processo começava por encontros das duas famílias que abordavam sobre os cônjuges e sua vida futura, terminando com a doação de bens, conhecido por dote, da família do noivo para a família da noiva, antes do dia do casamento. Não faltaram exageros de algumas famílias ao estipularem os bens a serem recebidos no alambamento, que tinha por objetivo garantir, perpetuar o casamento e o compromisso das duas famílias de viverem juntas.

Esses acordos tornavam o casamento em um ato jurídico legitimado pelo alambamento. Esse processo ainda é observado até os dias de hoje, embora de forma simbólica principalmente nas cidades.46

Verifica-se que o processo não segue seus passos como era no passado isso talvez se justifique em parte pelas tendências negativas que por vezes acabam prejudicando um dos cônjuges, a mulher. Em muitas famílias é a mulher que acaba por suportar as conseqüências. Por exemplo, quando o marido morresse e se a mulher tivesse menos de três filhos, esta depois do luto era devolvida para sua família de origem sem os bens. A mulher com três ou mais filhos podia permanecer. Algumas igrejas combateram esse tipo de prática na cultura e outras se mantiveram neutras.

A organização familiar também é parte integrante da organização sócio-política da sociedade. A vida social pré-colonial do povo angolano era constituída por duas partes: a primeira era a aldeia, chamada imbo na língua umbundu. A aldeia também era subdividida em seções com o nome de olosongo, que eram constituídas por famílias. Os moradores da aldeia chamavam-se nungambo. A segunda parte era o reino, constituído por sub-reinos (atumbo), e por sua vez os sub-reinos eram compostos por um certo número de aldeias. A sede do reino chamava Ombala e era ali onde se encontravam as estruturas administrativas

45 MILHEIRO, Mário. A família tribal. Luanda, Instituto de Investigação Científica de Angola, 1952, p.30. 46ALTUNA, Raul Ruiz de Asúa. Cultura Tradicional Bantu. Luanda Angola, Secretaria Arquidiocesana de

(29)

do reino, onde morava o rei que, de acordo com o povo e língua, variava o nome. Por exemplo, os ovimbundu chamavam Osoma que mal pronunciado passou para Soba. O palácio onde morava o Soba sechamava Elombe47.

Em geral no Elombe, segundo Maria Chela, encontrava-se a seguinte estrutura: residência do Soba, onjango, etambo e estruturas administrativas. Nele estavam plantadas preferencialmente árvores chamadas mulemba. O onjango era a estrutura educacional da comunidade, assunto que será analisado no segundo capítulo. O etambo era o santuário ou casa onde se realizavam orações aos antepassados. Outras estruturas serviam para a administração do governo48.

O estudo realizado recentemente pelo Ministério da Administração do Território revela que na ampla diversidade cultural da Angola, o exercício da autoridade tradicional era relevante nos diferentes momentos da vida nas comunidades49.

A autoridade interferia concretamente na estrutura sócio-cultural, econômica e jurídica, incentivando a agricultura, base da economia das populações. Em relação ao aspecto jurídico, a autoridade tradicional resolvia conflitos e desavenças ligadas a indivíduos e famílias, reconciliando-os por meio de conselhos. Caso fosse necessário, aplicavam-se punições aos culpados. No aspecto moral, a autoridade era a guardiã dos usos e costumes e da história do respectivo povo. Na sociedade angolana, predominava a oralidade, por esta razão, a autoridade garantia a fidelidade dos usos, costumes e instituições tradicionais. Sendo assim, todos os membros da sociedade respeitavam, reconheciam e acolhiam com agrado as orientações provenientes dos Sobas dirigidas às comunidades50.

Nessa época, na maioria dos casos, a liderança era de sucessão uterina, isto é, de pai para filho ou de tios para sobrinhos. Nos ovimbundu, era a linhagem materna que tinha o privilégio de produzir autoridade no reino ou sub-reino. Caso a linhagem não tivesse homem com qualidades, escolhia-se alguém na família paterna. Portanto, além de ser na linhagem materna onde se escolhia a autoridade, tinha que ser somente na linhagem dos reis. Nesse assunto, João Pedro em seu artigo acrescenta que:

Naquilo que é a cultura tradicional dos povos Ovimbundu, uma pessoa para ser Soba tem de pertencer à genealogia de família de sobas de uma determinada região ou comunidade. Do contrário, não tem qualquer possibilidade. Por seu

47 CHIKUEKA, Maria Chela.Op., cit, p.17. 48 Idem, p.17.

(30)

lado, as mulheres só podem ser entronizadas quando não existam mais filhos homens. Assim, qualquer mulher que seja filha de Soba e desde que tenha capacidade suficiente para governar, é entronizada51.

Com a explicação de João Pedro percebe-se que nos ovimbundua mulher assumia liderança quando não havia homem com o perfil desejado para governar. E quando esta assumia, posteriormente o marido era responsável pelo cargo dela52.

Uma vez escolhido o rei e seu elenco, o exercício do poder era relacional, pois os pressupostos de governo estavam firmados na idéia de que toda e qualquer organização sócio-política encarna va a vontade e poder do povo, expresso no seguinte provérbio: “mbeu kalondi kochisingi, omano vo kapako”, cuja tradução literal é “cágado não sobe no tronco a não ser por intermédio do povo ou veredicto popular”.

É importante salientar que os reis africanos no poder cumpriam uma série de regras traçadas pelos antepassados. Caso isso não acontecesse ou se constatasse tendência de abuso de poder ou manipulação de regras para aumentar o poder, o povo tinha o direito de se levantar contra o rei e afastá-lo do governo, baseado no provérbio acima citado, partindo de princípio de que “um individuo é rei porque o povo o colocou como rei”. Basil Davidson diz que o fato de ir contra normas estabelecidas pelos ancestrais, sendo estas mais fortes que a vontade de qualquer rei, culpabilizava o líder53.

Para que não ocorressem erros, ganâncias, excesso de poder e outras atrocidades, os reis eram submetidos a fazer solenes promessas publicamente. Os representantes do povo eram os responsáveis pela instrução direta e prática do rei escolhido e tinham também o dever de transmitir ao rei o que o povo desejava de seu líder. Geralmente, o povo transmitia para o líder por meio dos representantes o seguinte:

Nós não desejamos a ganância,

Nós não desejamos que seus ouvidos sejam duros, Nós não desejamos que chame imbecil ao povo, Nós não desejamos que ele decida sozinho,

Nós não desejamos que se diga alguma vez: “não tenho tempo, não tenho tempo Nós não desejamos violência pessoal54.

51 PEDRO, João. O onjango na tradição dos povos umbundu. http://www.ritosdeangola.com.br. Capturado

em agosto de 2004.

52Idem.

(31)

O povo também exigia que o novo líder agisse com modéstia, paciência e que tivesse como maior preocupação amparar os necessitados e a gente comum, e consultasse seus conselheiros antes de tomar qualquer decisão importante55.

Em Angola, no Centro Sul, na região do Huambo os ovimbundu ostentavam uma organização sóciopolítico piramidal, cuja corte era constituída pelos membros abaixo descritos, bem como as respectivas responsabilidades de cada um:

Soba – Autoridade máxima do reino, responsável pelo governo da região, pela

prosperidade, pela vida religiosa, a manutenção e amparo aos deficientes, órfãos, pobres e viúvas.

Rainha – Primeira esposa do rei, em umbundu tratada por Inaculu. Soma Epalanga – Substituto direto do rei em suas ausências

Soma Cilala – Cuidava do local das caveiras de antigos Sobas, local conhecido como Akokotos.

Soma Cikola – Substituto do Soma Cilala.

Soma Citonga – Tomava conta do fogo do Jango, da limpeza e da ordem. Também era

responsável pela aquisição do fogo produzido no tronco da árvore seca.

Soma Ucilã – Sua responsabilidade era assegurar os movimentos do Soba, enquanto

estivesse a dançar.

Soma Henjengo – Em cada sentença tinha a obrigação de estipular e aumentar o valor da

multa ou castigo, como forma de disciplinar as pessoas.

Soma Calufele – Colaborador do Soma Henjengo.

Soma Muecalo – Tinha a responsabilidade de levar todos os dias a cadeira (feita de couro

denominado ocalo) do Soba 56.

Soma NdaluSegurava o animal durante o abate e cuidava do sangue.

Soma lombundi – Sua responsabilidade era abrir e fechar todas as entradas e saídas da Embala.

Soma Cikakula – Era quem arranjava capim para a preparação dos porcos depois de

abatidos. Também era o responsável pelas queimadas do lixo.

Soma Kesenje – Conselheiro direto do Soba e juiz. Soma Lusenje – Conselheiro e Juiz Adjunto do Soba.

55DAVIDSON, Basil. Mãe negra. Op. cit p.157.

(32)

Soma Sindako – Este era o estado maior, o general das forças para manter inviolável o

Reino e continuar com a ocupação de outras parcelas de terras.

Soma Ekundukundu – Este, depois do abate de uma cabeça de gado, era obrigado a retirar

a parte que trava a canga e levar para a casa do Soba.

Soma Sipata – Guarda-costa do Soba, trazendo sempre a espada consigo. Soma Kapitango – Chefe da unidade e proteção física da Embala (palácio). Soma TembuasomaEunuco que cuidava das mulheres do Soba.

Soma MuehomboCuidava de todo gado que o palácio possuía. Soma Sunguahanga – Responsável pela informação e mobilização.

Soma Ndaka – Mensageiro.

Soma Lumbungulu – Responsável pela iluminação no palácio57.

O Soba, pelo direito da nobreza, possuía mais de uma mulher. A primeira que consta na relação da corte, mais quatro mulheres, que também tinham suas responsabilidades. E assim encontravam-se:

Nangandala – Nos rituais e viagens, ela tinha a responsabilidade de levar a quinda, que

tem a forma cônica, isto é, afunilada na base e larga na superfície. A quinda é feita artesanalmente pelas mulheres e serve como utensílio doméstico. A Nangandala levava a

quinda à cabeça contendo cabaça de bebida, azeite de dendê, alimento já cozido para o

Soba58.

Ciwo Cipembe Cozinheira do Soba. A responsabilidade nutricional era desta mulher, os cardápios e o cozimento dos alimentos eram realizados por ela59. Lídia Cutala, filha de um

Soba, supõe-se que esta mulher tinha uma formação culinária, porque na cultura dos ovimbundu os homens faziam sua última refeição do dia juntos no onjango. Então a Ciwo Cipembe tinha de ser escolhida entre as mulheres que sabiam preparar devidamente os alimentos ao gosto da corte60.

Mbavela – Era a empregada. Providenciava as condições necessárias para as refeições do Soba. Colocava os alimentos à disposição.

Siya – Mulher jovem entregue ao Soba para com ele viver, tomava conta da comida e a

degustava antes de entregá-la ao Soba. A bebida também era provada por ela antes do

57MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO DO TERRITÓRIO – MAT. Op. cit, p.98. 58Idem, p.98.

59 Idem, p.98.

60 Entrevista concedida à pesquisadora por Lídia Cutala. São Bernardo do Campo São Paulo, novembro de

(33)

Soba61. A Siya detectava casos de alimento envenenado ou contaminado por qualquer microorganismo patogênico. A relação entre as quatro mulheres e o Soba, era mais político do que conjugal62.

As quatro mulheres eram escolhidas pelos representantes do povo e pela primeira mulher. Normalmente, estas quatro, uma vez escolhidas, aceitavam as pretensões da comunidade e da corte63.

Dentro da corte havia ainda um outro conselho jurídico, denominado Muekalia.

Va Muekalia – Era um setor especial. Era responsável pela eleição dos Sobas, dava

sugestões e orientações quanto ao suprimento das necessidades da população. Também era o órgão deliberador do poder64.

Esse era um dos tipos de organização socio-política que se registrava. Entretanto, vale lembrar que na África também existia o tipo de organização sócio-político de poder

invisível, termo usado por Basil Davidson, que era característica de governo dos povos

Dinka, Karimojong e outros.

Os Dinka viviam à volta do Nilo Superior. Por ser a área destes povos inundada na época das chuvas e não poderem viver no mesmo lugar o ano inteiro, tinham três habitações regulares. A primeira, a habitação onde as pessoas idosas ficavam praticando a agricultura, em lugares elevados. A segundo eram os lugares de acampamentos de pasto, onde adultos e jovens ficavam na época das chuvas. O terceiro era o lugar da época de seca, onde os membros de diferentes acampamentos se juntavam. Os jovens praticavam concursos de dança, música, caça e ajudavam a levarem manadas ao pasto. Este povo tinha uma organização, que Basil Davidson chamou de governo invisível65. A organização consistia em agrupamentos de certo número de famílias constituídas por marido, mulher, filhos e avós. Por sua vez, estas famílias pertenciam a uma grande família denominada

gol66, responsável pela conduta de seus membros. Cada gol era coordenada por um conselho de anciãos, respeitado pelo seu bom senso, caráter e pelo conhecimento profundo

61MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO DO – MAT. Op., cit, p. 98.

62Entrevista concedida à pesquisadora por Lídia Cutala. São Bernardo do Campo São Paulo, novembro de

2003.

63Idem.

64MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO DO – MAT – MAT. Op. Cit. p.98.

65 DAVIDSON, Basil. À descoberta do passado de África. Lisboa Portugal, Editora Sá da Costa, 1981, p.

149.

66 Gol, agrupamento de famílias nucleares no sistema de governo invisível dos povos dinka que viviam no

(34)

das regras da vida e o zelo para que essas se cumprissem. Eram apoiadas pela instrução comunitária das famílias67.

Todas as grandes famílias do acampamento de pastagem pertenciam a uma organização mais vasta que era a comunidade denominada wut, que significa acampamento. Cada acampamento também possuía o conselho de anciões, que era responsável pela transmissão de conhecimentos e solução dos problemas68.

Além dos Dinka, havia outros povos que estavam organizados em sistemas que não eram de reinos, os Karimojong, que viviam ao norte da Uganda, eram criadores de gado, vivendo em terras diferentes dos Dinka. Eles tiveram que ajustar-se às condições precárias ocasionadas pelas secas e por vezes pelas pragas de gafanhotos. Era necessário estudar minuciosamente a sua terra, em especial os recursos hídricos e os vários tipos de ervas. Também organizavam o sistema de acampamentos para o pasto e mudavam mediante as estações do ano. Embora mantivessem aldeias fixas, onde as mulheres e os velhos cultivavam alimentos, os homens Karimojong apascentavam continuamente o gado, o que os fazia passar a maior parte do tempo nos acampamentos. Nesses acampamentos adotaram formas de levar todos os homens a reconhecerem as mesmas regras e aplicá-las na educação e resolução de problemas ligados ao pasto. A solução encontrada foi de se organizarem em grupos etários69.

Os grupos etários se estabeleciam a partir dos 10 anos, até os 60 anos. Abaixo dos 10 anos não tinham responsabilidade na comunidade, acima dos 60 anos eram considerados anciãos. Estes não levavam gado ao pasto, ficavam na aldeia realizando atividades agrícolas, de conselheiros e a educação das crianças. Cada grupo etário era instruído nas leis, nos costumes e nas regras que deviam ser cumpridas, nas crenças religiosas e outras pelas quais explicavam o mundo em que viviam, sobre o país e a conduta correta. Desenvolviam o sentimento comunitário pela educação, demonstrando que o individuo era importante, mas a comunidade vinha em primeiro lugar. A educação tinha o objetivo de ensinar ao grupo que a sobrevivência de todos dependia da maneira correta de cada um se comportar. Os jovens, após regressarem dos treinos, eram considerados adultos e assumiam responsabilidades na comunidade ligadas à solução de problemas e outras questões ligadas à comunidade70.

67 DAVIDSON, Basil.Op. cit, p.149 68DAVIDSON, Basil.Op. Cit, p.149. 69 Idem, p.144.

(35)

Assim, nos Karimojong, segundo Basil Davidson, era possível se observar um governo sem governantes, sem polícia, nem funcionários, sem exército, nem aldeia capital, ficando denominado “governo invisível”71.

Os dois tipos de organização sócio-políticos, visível e invisível, estavam presentes na África. De uma forma geral, na organização social da Angola e da África, a representatividade das mulheres nos governos, era e continua a ser extremamente desproporcional em relação aos homens, apesar de seu papel preponderante em todas as esferas da vida.

Mesmo a cultura do cristianismo implantado em África, não evidenciava na prática a igualdade entre homens e mulheres. Maria José Nunes, em relação à situação das mulheres no cristianismo ao longo dos tempos, diz que elas ficaram relegadas ao segundo plano no patriarcal da igreja, da teologia e da sociedade72. Ainda comenta que a exclusão das mulheres na liderança da igreja foi estruturada e solidificada em conformidade com a imposição daquela época quando o ensino na sociedade estava a cargo dos homens e pensavam que os mesmos deveriam ter a sucessão na igreja, limitando cada ve z mais a participação das mulheres como mestre da fé73.

Essa sociedade estava fundamentada no pai de família e poucas mulheres tinham autonomia. A tradição religiosa e civil considerava as mulheres inferiores e impuras e por isto elas eram impedidas de presidir a própria comunhão. As filosofias divulgadas pela igreja recorreriam ao pensamento platônico, que interpretava as mulheres como seres inferiores, que impediam o filósofo de alcançar o “puro estágio da filosofia”. O mesmo se verifica no pensamento de Agostinho que fez uso da dicotomia platônica referente ao mundo sensível e ao mundo das idéias, que ele denomina por idéias divinas, afirmava que a mulher era a fonte da concupiscência e do prazer carnal74.

Casiano Floristan também nos remete à idéia da situação a que as mulheres estavam condicionadas ao longo da história, e diz que a mulher tem sido discriminada pelos condicionamentos religiosos, culturais e econômicos que se devem na sociedade patriarcal. Tanto na sociedade civil como na sociedade religiosa a práxis eclesial da Igreja tornou o

71 DAVIDSON, Basil.Op. cit, p.146.

72 NUNES, Maria José F. Rosado. De mulheres a deuses. In: Revisando Paradigma. Estudos de Religião

nº.13, São Bernardo do Ca mpo, UMESP, 1997, p.106.

(36)

espaço limitado para as mulheres. Entretanto elas sempre fizeram trabalho na igreja servindo a Deus mediante suas ações e que ficaram conhecidas como a ordem das viúvas75. As mulheres sustentadas pelas igrejas também trabalharam para a própria igreja, instruindo outras mulheres e cuidando dos enfermos, o que criou a ordem das “viúvas e virgens”, conceitos criados por Inácio de Loyola. Justo Gonzalez diz que essas mulheres decidiam não se casar para se dedicarem integralmente ao trabalho da igreja. Mais tarde, se deu origem às ordens monásticas femininas, o que leva a perceber que o monaquismo feminino que se deu no contexto da igreja local e é mais antigo que o monaquismo masculino76. Foi pelo do trabalho que as mulheres reconstruíram seu espaço, quebrando paradigmas, mostrando e provando suas competências nas igrejas e na sociedade, até os dias de hoje. Na África e em Angola, em particular, algumas igrejas ainda não mostraram simpatia ao ministério pastoral feminino e à participação das mulheres.

Casiano Floristan nos remete à idéia do poder que leva à transformação, onde se busca um poder fundamentado na posição de servir baseado na prática do lava pés e na transmissão da esperança de uma vida melhor. Para ele a pastoral deve ser a que liberta os oprimidos, os marginalizados, os invisíveis, por intermédio de uma liderança em que o poder é usado a serviço do desfavorecido, para libertá-lo e torná-lo participante dessa pastoral77.

1.2.3– Análise do contexto político

Neste subtítulo pretende-se analisar as condições políticas em Angola, no período em que a Junta Americana para Comissões Estrangeiras implantou a Igreja Evangélica Congregacional em Angola, em 1880. Nesse período havia movimentações internacionais que culminaram na divisão da África, na Conferência de Berlim realizada de novembro de 1884 a fevereiro de 1885.

As nações européias entraram em conflito à procura de mão-de-obra e matérias-primas para as indústrias. Com relação a este assunto, Lawrence W. Henderson afirma o seguinte:

75 FLORISTAN, Casiano. Teologia prática. Teoria e práxis de la accion pastoral. Salamanca Espana, p.342. 76 GONZALEZ, Justo L. A era dos Gigantes. Uma história ilustrada do Cristianismo. São Paulo: Vida Nova,

1980, p.58.

Referências

Documentos relacionados

The challenge, therefore, is not methodological - not that this is not relevant - but the challenge is to understand school institutions and knowledge (school

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este estudo teve como propósito apresentar o interesse de graduados do curso de Arquivologia, em relação à publicação de seus TCC’s após o término do

Desenvolver gelado comestível a partir da polpa de jaca liofilizada; avaliar a qualidade microbiológica dos produtos desenvolvidos; Caracterizar do ponto de

If teachers are provided with professional development opportunities that helps them develop a learning environment that is relevant to and reflective of students'

Sabe-se que as praticas de ações de marketing social tem inúmeras funções, dentre estas o papel de atuar na mudança de valores, crenças e atitudes, porém os alunos da

Esse tipo de aprendizagem funciona não no regime da recognição (DELEUZE, 1988), que se volta a um saber memorizado para significar o que acontece, mas atra- vés da invenção de

Os dados foram discutidos conforme análise estatística sobre o efeito isolado do produto Tiametoxam e a interação ambiente/armazenamento no qual se obtiveram as seguintes

O objetivo do curso foi oportunizar aos participantes, um contato direto com as plantas nativas do Cerrado para identificação de espécies com potencial