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As funções da pena e o sistema penitenciário brasileiro: em busca de novas alternativas

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Academic year: 2017

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

FERNANDA ROCHA MARTINS

AS FUNÇÕES DA PENA E O SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO: EM BUSCA DE NOVAS ALTERNATIVAS

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FERNANDA ROCHA MARTINS

AS FUNÇÕES DA PENA E O SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO: EM BUSCA DE NOVAS ALTERNATIVAS

Dissertação de Mestrado apresentada à Universidade Presbiteriana Mackenzie como parte das atividades para obtenção do título de Mestre em Direito Político e Econômico.

Orientador Prof. Dr. Gianpaolo Poggio Smanio

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R672f Martins, Fernanda Rocha

As funções da pena e o sistema penitenciário brasileiro: em busca de

novas alternativas. / Fernanda Rocha Martins. – 2014.

187 f. ; 30 cm

Dissertação (Mestrado em Direito Político e Econômico) – Universidade

Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2014. Orientador: Gianpaolo Poggio Smanio Bibliografia: f. 171-176

1. Sistema Prisional 2. Direito de Punir 3.Pena de Prisão 4. Função da Pena 5. Estabelecimentos Penais 6. Políticas Públicas. I. Título

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FERNANDA ROCHA MARTINS

AS FUNÇÕES DA PENA E O SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO: EM BUSCA DE NOVAS ALTERNATIVAS

Dissertação de Mestrado apresentada à Universidade Presbiteriana Mackenzie como parte das atividades para obtenção do título de Mestre em Direito Político e Econômico.

Orientador Prof. Dr. Gianpaolo Poggio Smanio

Aprovado em:

BANCA EXAMINADORA:

____________________________________________________ Prof. Dr. Gianpaolo Poggio Smanio – Orientador

Universidade Presbiteriana Mackenzie

____________________________________________________ Prof. Dr. Alexis Augusto Couto de Brito

Universidade Presbiteriana Mackenzie

____________________________________________________ Prof. Dr. Eduardo Dias de Souza Ferreira

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais por todo esforço despendido para garantir-me uma boa formação. À minha mãe, pela paciência, pelos conselhos e incentivos, pelo amor incondicional. Ao meu pai, pela ideia e estimulo para que eu cursasse Direito, pelas palavras firmes que me mantiveram no caminho e me tornaram a mulher que sou. Aos meus irmãos, por todo carinho e alegria dedicados todos os dias.

Agradeço ao Professor Gianpaolo Poggio Smanio pela orientação irretocável, não apenas para o trabalho acadêmico, mas para toda a vida; pela paciência e preciosa compreensão diante de meus atrasos, indecisões e infortúnios.

Agradeço ao Professor Alexis Couto de Brito por todo incentivo para que eu seguisse a carreira acadêmica, pelas oportunidades e conselhos, por toda ajuda despendida para que este trabalho se realizasse, por ter se revelado, com o passar do tempo, um amigo.

Agradeço as amigas Maria Fernanda Soares Macedo, Daliane Vasconcelos e Bárbara Lívio, por toda paciência e apoio, por estarem comigo nas horas mais difíceis, por estimulares meus objetivos acadêmicos e, acima de tudo, pela amizade.

Agradeço ao Renato Carlos Mariano Quintão por sua paciência, por seu apoio e, principalmente, pelo amor dedicado.

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“É possível julgar o grau de civilização de uma sociedade visitando suas prisões”

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RESUMO

Trata o presente trabalho acerca do sistema prisional brasileiro e, portanto, dos estabelecimentos destinados ao cumprimento da pena privativa de liberdade, sanção mais grave que pode ser imposta, no ordenamento jurídico brasileiro, a quem realiza uma conduta considerada intolerável pelo resto da comunidade. Pois bem, o estudo dos estabelecimentos penais e de seu (correto) funcionamento conduz necessariamente ao estudo do Direito de punir do Estado e da própria pena de prisão. Ora, o que legitima o Estado a segregar um de seus membros e interferir em seu modo de vida, impondo a restrição de certos bens jurídicos? O que pretende o Estado ao impor uma pena de prisão, ou seja, ao segregar um individuo por determinado período de tempo, consciente de seu retorno ao seio social? Bom, a presente dissertação se dedica, em seus dois primeiros capítulos, a responder essas questões e estabelecer qual a função da pena em um Estado Democrático de Direito. A partir daí, possível se torna a análise do sistema prisional brasileiro: se os estabelecimentos penais são destinados ao cumprimento da pena de prisão, eles devem necessariamente estar estruturados de forma a alcançar a função desta mesma pena. Os capítulos 3 e 4 se destinam, neste sentido, a demonstrar a atual realidade do sistema prisional brasileiro, se ele se presta ao cumprimento da função que lhe é intrínseca e, em caso negativo, se é possível a elaboração de políticas públicas que visem a alcançar essa finalidade essencial.

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ABSTRACT

It treats the present work about the Brazilian prison system and hence the establishments intended to serve the sentence of imprisonment, a more serious sanction that can be imposed, in the Brazilian legal system, who performs a behavior not tolerated by the rest of the community. Well, the study of prisons and their (correct) functioning necessarily lead to the study of law to punish the state and own imprisonment. Now what legitimizes the state to segregate one of its members and interfere with their way of life, imposing the restriction of certain legal rights? What do you want the state to impose a prison sentence, in other words, to segregate an individual for a certain period of time, conscious of his return to the bosom of society? Well, this thesis is dedicated, in its first two chapters, answer these questions and establish what function pen in a democratic state. From there, it becomes possible to analyze the Brazilian prison system: if the prisons are intended to serve the sentence in prison, they must necessarily be structured to achieve the function of this same penalty. The Chapters 3 and 4 are intended, in this sense, to demonstrate the current reality of the prison system, if it lends itself to the fulfillment of the function that it is intrinsic and, if not, it is possible to design public policies aimed at achieve this very purpose.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 11

1. BREVES DELINEAMENTOS ACERCA DA HISTÓRIA E EVOLUÇÃO DA PENA DE PRISÃO... 13

1.1 Origem da Pena de Prisão... 13

1.1.1 A Idade Antiga... 14

1.1.2 A Idade Média... 15

1.1.3 A Idade Moderna... 17

1.2 Humanização das Penas... 22

1.2.1 Cesare Beccaria... 23

1.2.2 John Howard... 26

1.2.3 Jeremy Bentham... 28

1.3 Conceito Moderno de Pena... 30

2. FUNÇÕES DA PENA... 34

2.1Teorias sobre as Funções da Pena... 34

2.1.1 Teorias absolutas ou retributivas... 34

2.1.2 Teorias relativas ou utilitaristas... 38

2.1.2.1 Teoria da prevenção geral negativa... 40

2.1.2.2 Teoria da prevenção geral positiva ou de integração... 43

2.1.2.3 A prevenção especial negativa... 49

2.1.2.4 A prevenção especial positiva... 50

2.1.3 Teorias mistas ou ecléticas... 51

2.2 A Função da Pena de Prisão no Atual Modelo de Estado... 54

2.2.1 O Estado Social e Democrático de Direito como paradigma... 57

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2.2.3 A função da pena em um Estado Social e Democrático de Direito... 68

2.2.4 A inafastável correspondência entre função da pena e a função do Direito Penal... 75

2.2.5 As finalidades da Execução Penal tendo como foco a garantia da cidadania... 78

3. OS SISTEMAS PENITENCIÁRIOS... 82

3.1 Tipos de Sistemas Penitenciários... 82

3.1.1 Sistema pensilvânico... 83

3.1.2 Sistema auburniano... 87

3.1.3 Sistemas progressivos... 91

3.2 As Regras Mínimas de Genebra... 95

3.3 O Sistema Penitenciário Brasileiro... 97

3.3.1 Disciplina legislativa: A Lei de Execução Penal... 98

3.3.2 Os estabelecimentos penais... 100

3.3.3 A realidade das cadeias públicas e penitenciárias brasileiras... 107

3.3.4 Crise do sistema penitenciário brasileiro: algumas causas... 112

3.3.4.1 O fenômeno da prisionização... 112

3.3.4.2 A estrutura descentralizada do sistema penitenciário... 115

3.3.4.3 O sistema penitenciário como tema de agenda política... 117

3.3.4.4 A falta de profissionais especializados/qualificados... 118

3.3.4.5A existência de facções criminosas nos presídios... 120

4 ALTERNATIVAS VIÁVEIS: A NECESSÁRIA ATUAÇÃO ESTATAL NA REALIDADE PRISIONAL... 122

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4.2 A Eliminação das Penas de Prisão de Curta Duração: A Necessária Aplicação

de um Direito Penal de Ultima Ratio... 130

4.2.1 Realidade atual: as penas restritivas de direitos e a suspensão condicional da pena... 133

4.2.2 A Fixação de penas alternativas no preceito secundário do tipo penal 140 4.3. O Trabalho nos Estabelecimentos Penais... 147

4.3.1 A importância do trabalho e o instituto da remição de pena... 150

4.3.2 A necessidade de elaboração de políticas públicas voltadas à implementação do trabalho no ambiente carcerário... 157

4.3.3 As políticas públicas que deram certo: o projeto “Carpe Diem”... 162

CONCLUSÃO... 167

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INTRODUÇÃO

Pouco estudada nas faculdades de Direito do país, a execução penal apresenta-se como uma das fases mais importantes do processo penal. É nela que se faz valer o comando contido na sentença penal condenatória e, efetivamente, se impõe a sanção penal.

A execução penal é, pois, uma atividade complexa, que se desenvolve nos planos jurisdicional e administrativo. Dessa atividade participam dois Poderes estatais: o Judiciário e o Executivo, por intermédio, respectivamente, dos órgãos jurisdicionais e dos estabelecimentos penais.

Cuida, esta dissertação, dos estabelecimentos penais que compõem o sistema prisional brasileiro, partindo da premissa de que eles devem estar estruturados não apenas como o local em que se cumpre a pena privativa de liberdade, mas essencialmente como o local em que se atinge a função perseguida com a imposição dessa pena.

Com efeito, o sistema prisional, também chamado de sistema penitenciário ou de sistema carcerário, está intimamente ligado ao direito de punir do Estado, afinal, apenas com o seu surgimento foi possível legitimar o poder punitivo estatal, banir a punição ligada à vingança e, principalmente, possibilitar o cumprimento efetivo da sentença penal condenatória.

Não obstante, num Estado social e democrático de Direito, cuja base é justamente o cidadão, entendido como o ente dotado de direitos civis, políticos e sociais, não é possível admitir a imposição de uma pena como mera retribuição a um mal causado. A toda atividade estatal é, pois, atribuída uma função e não é diferente quando se trata da pena de prisão. Estabelecer qual a função da pena dentro do mencionado modelo de Estado, adotado pela Constituição Federal, é, sem duvida alguma, o ponto de partida para a compreensão do sistema prisional.

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Portanto, constitui objetivo geral desta dissertação examinar o sistema penitenciário brasileiro de forma a detectar problemas e indicar possíveis alternativas ou soluções. O que se busca, essencialmente, é a apresentação de alternativas viáveis para o aperfeiçoamento da pena privativa de liberdade, no que tange ao seu cumprimento, e a demonstração da necessidade de substituição da pena carcerária por outras penas alternativas, quando possível e recomendável, haja vista as contradições insolúveis que caracterizam a prisão.

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1. BREVES DELINEAMENTOS ACERCA DA HISTÓRIA E EVOLUÇÃO DA PENA DE PRISÃO

1.1 Origem da Pena de Prisão

A pena de prisão, não obstante guarde em sua essência contradições sabidamente insolúveis, afigura-se como um instituto reconhecidamente imprescindível, um mal necessário à sociedade que a utiliza como forma quase que exclusiva de controle social formal. E, justamente em razão de sua imprescindibilidade, é que a origem da pena de prisão é quase tão antiga quanto à própria humanidade. Seu caminho ao longo dos séculos não é tão linear nem tão evolutivo: a história da pena de prisão não é a de sua progressiva abolição, mas a de sua reforma. Há, em razão disso, uma carência quase total de continuidade, sendo a história da pena de prisão marcada por evoluções e retrocessos.

Diante de tais peculiaridades, a narrativa da origem histórica e evolução da pena de prisão torna-se uma tarefa árdua, onde as contradições que se apresentam são dificilmente evitadas. Os próprios doutrinadores não concordam na divisão de suas investigações1, de modo, que não há um padrão a ser seguido. Aqui, por razões didáticas, optou-se por apresentar a origem e evolução da pena de prisão de acordo com os períodos da História da humanidade2.

1 Cezar Roberto Bitencourt, em Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas (4ª ed. 2ª tiragem. São Paulo:

Saraiva, 2012), e Sérgio Salomão Shecaira e Alceu Corrêa Junior, em Teoria da Pena: finalidades, direito positivo, jurisprudência e outros estudos de Ciência Criminal (São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002), apresentam a origem e evolução das penas de acordo com os períodos da humanidade; Renê Ariel Dotti, em Bases e Alternativas para o Sistema de Penas (2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998), trata da “Referência histórica e evolução” das penas (capítulo I), trazendo “Os tempos imemoriáveis e antigos”, “O instrumento espiritual de castigo”, “A pena como instrumento de terror”, “As vantagens do trabalho presidiário”, “A prisão como penitência”, “O estado das prisões” e “A ficção e a realidade”; Rogério Greco, em Direitos humanos, sistema prisional e alternativas à privação da liberdade” (São Paulo: Saraiva, 2011), apresenta a “Origem e evolução histórica da pena e da prisão”, estabelecendo a seguinte divisão “As penas aflitivas”, “A Pena de morte”, “Antecedentes históricos das prisões” e apresentando, em seguida, os reformadores Beccaria, Howard e Bentham.

2 Uma das periodizações da história da humanidade adotada pelos historiadores considera dois períodos básicos:

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1.1.1 A Idade Antiga

A Antiguidade3, considerada aquele período da história que abrangeu desde o surgimento da escrita, cerca de 3500 a.C., até a queda do império Romano e a invasão da Europa pelos denominados povos bárbaros, em 476 d.C., não conheceu a prisão como sanção penal. Neste período, a privação da liberdade era utilizada para a contenção e guarda dos réus até o momento de serem julgados ou executados, isto porque prevaleciam a pena de morte, as penas corporais (mutilações e açoites) e as infamantes. A prisão era, portanto, lugar de custódia – já que nela os presos aguardavam o julgamento ou execução da pena – e de tortura, frequentemente utilizada para o “descobrimento” da verdade.

A Grécia, grande expoente das civilizações antigas, também não conheceu a privação da liberdade como pena, embora seja indiscutível a influência de Platão e Aristóteles na reflexão sobre os fundamentos do direito de punir e sobre as finalidades da pena. Platão, inclusive, no livro nono de “As leis”, propunha o estabelecimento de três tipos de prisão: uma na praça do mercado, que servia de custódia; outra, denominada sofonisterium, situada dentro da cidade, que servia de correção, e uma terceira destinada ao suplício, que, com o fim de amedrontar, deveria constituir-se em um lugar deserto e sombrio, o mais distante possível da cidade4.

Não obstante os estudos de Platão, a Grécia também utilizou a prisão, quase que exclusivamente, para a custódia dos réus. Era possível, ainda, a utilização da prisão como meio de reter os devedores até que pagassem as suas dívidas: tratava-se de uma prática inicialmente privada, mas que, posteriormente, foi adotada como pública, mantendo-se a característica de medida coercitiva para forçar o devedor a pagar sua dívida.

Roma, igualmente, não conheceu a privação da liberdade como pena propriamente dita. O encarceramento tinha como finalidade a custódia dos réus, aos quais poderia se aplicar a pena de morte, penas pecuniárias, perda de direitos civis, desterro e trabalhos forçados, além de

3 A Idade Antiga ganhou uma subdivisão: Antiguidade oriental (referente aos povos do Oriente Próximo, Ásia

Menor e Ásia Oriental) e Antiguidade clássica (referente à Grécia e Roma). Essa designação leva em conta não a situação geográfica das sociedades em questão, mas a importância a elas atribuída pelos renascentistas, que pretendiam retomar os valores greco-romanos na construção do mundo moderno: clássico, em latim, significa algo “excelente”, “de alta qualidade” (Cf. MORAES. José Geraldo Vinci de. História: Geral e do Brasil. vol. único. 3. ed. reform. e ampl. 3ª reimpressão. São Paulo: Atual, 2009. p. 88). Como a história grega e romana foram determinantes para a formação do mundo ocidental, o estudo aqui desenvolvido se atém à antiguidade clássica.

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penas acessórias como a perda da liberdade (torná-lo um escravo), a perda dos direitos de cidadão e a confiscação dos bens.

Alguns autores, entretanto, afirmam que em Roma a pena de morte era comutada, em alguns casos, pela prisão perpétua5. Além disso, deve-se consignar que Roma, assim como a Grécia, conheceu a prisão por dívida e, ainda, permitia o aprisionamento e reclusão de escravos, em um local destinado a esse fim na casa dos donos, quando necessário castigá-los.

Também naquela época, não existia uma arquitetura penitenciária própria. Os piores lugares eram empregados como prisão, como calabouços, torres, conventos abandonados, aposentos insalubres, etc.

Grécia e Roma, portanto, adotaram a prisão com finalidade eminentemente de custódia, para impedir que o culpado pudesse se subtrair ao castigo ou que o acusado fugisse antes do julgamento. A pena de prisão dos devedores tinha a mesma finalidade: garantir que cumprissem suas obrigações. Daí porque impossível identificar o germe da pena privativa de liberdade no mundo antigo.

1.1.2 A Idade Média

Com a queda do império romano e a invasão da Europa pelos povos bárbaros, inicia-se a Idade Média, período no qual a privação da liberdade, em regra, continuou a ter a função de custódia de réus e que as penas propriamente ditas caracterizaram-se pela extrema crueldade com que eram aplicadas, sendo comuns as amputações, mutilações, queima do condenado a fogo e morte das mais variadas formas. Neste período, destacaram-se o direito germânico e o direito canônico.

Nos primórdios da aplicação do direito germânico, a punição era realizada através da perda da paz, ou seja, se retirava a proteção social do condenado, possibilitando que qualquer pessoa o agredisse ou o matasse impunemente. Em relação aos delitos privados, utilizava-se a

5 MOMMSEN, Teodoro apud SHECAIRA, Sérgio Salomão; CORREA Jr, Alceu. Teoria da Pena: finalidades,

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composição e a faida, quer dizer a inimizade contra o infrator e sua família, que deveriam sofrer a vingança do sangue6.

Posteriormente, o poder público germânico se fortaleceu e, com isso, o Direito Penal tornou-se público, ocasião em que a faida foi mitigada pela composição, a qual tornou-se tornou obrigatória em uma série de hipóteses.

Também exerceu grande influência, naquela época, o Direito Penal canônico, porquanto a Igreja Católica, cujas bases começaram a se formar com a expansão do cristianismo no fim do Império Romano, figurou como uma das principais instituições da Idade Média, seja em razão de sua influência político-econômica, seja em razão de sua influência na vida cotidiana das pessoas.

Com efeito, com o aumento do poder da Igreja, as decisões eclesiásticas passaram a ser executadas por Tribunais civis e, no que tange às penas, passaram a ter caráter evidentemente sacral, de base retribucionista, porém com preocupações de correção do infrator. O mérito do Direito Penal canônico, portanto, foi o de consolidar a punição pública como a única justa e correta, em oposição à prática individualista da vingança privada utilizada pelo Direito germânico.

E foi justamente a Igreja Católica que produziu o primeiro antecedente da moderna pena de prisão. Com efeito, a Igreja do século IV, para punir os clérigos faltosos, costumava aplicar como penalidade a reclusão em celas ou internações em mosteiros. A prisão respondia às ideias de caridade, redenção e fraternidade da Igreja, a qual dava à reclusão e ao internamento um sentido de penitência e meditação. Os infratores eram recolhidos para que, por meio da penitência e da oração, se arrependessem do mal causado e obtivessem a correção e emenda.

Esse pensamento eclesiástico de que a oração, o arrependimento e a contrição contribuíam mais para a correção do que a mera força física teve grande influência nos primeiros penitenciaristas e inspiraram os princípios que orientaram os clássicos sistemas penitenciários, quais sejam o celular e o auburniano.

6 ZAFFARONI, Eugênio Raul; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: parte geral.

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Em verdade, a influência do direito canônico foi tão grande que do vocábulo “penitência” surgiram as palavras “penitenciário” e “penitenciária”, além de ter predominado, até o século XVIII, no direito penal, os conceitos teológico-morais, já que o crime era considerado um pecado contra as leis morais e divinas.

Nesta época, também, surge a prisão de Estado, aplicada tão somente aos inimigos do poder, real ou senhorial, que tivessem cometido delitos de traição e aos adversários políticos dos governantes de então. Referida pena de prisão coexistia com a prisão-custódia que, sem dúvida alguma era a regra no período, já que a verdadeira pena aplicada era caracterizada por ser extremamente desumana, cruel e terrível - como dito anteriormente.

Nesse contexto, só poderia destacar-se a influência penitencial canônica que deixou como legado o isolamento celular, o arrependimento e a correção do delinquente e outras ideias de reabilitação do recluso, as quais, se não incorporadas totalmente, constituem um indiscutível antecedente da pena de prisão.

1.1.3 A Idade Moderna

A partir do século XVI, com a conquista da Constantinopla pelos turcos ortomanos e consequente queda do Império Romano do Oriente, inicia-se a Idade Moderna, caracterizada pelo desaparecimento do feudalismo e pela extrema pobreza que se abate, entre os séculos XVI e XVII, por toda a Europa, aumentando o número de desafortunados e consequentemente de delinquentes.

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Assim, para fazer frente ao aumento desenfreado da criminalidade, as pequenas minorias, pretendendo proteger seus patrimônios, dispuseram-se elas mesmas a defender-se, criando instituições de correção de grande valor histórico penitenciário7: a pedido de alguns integrantes do clero inglês, por exemplo, o Rei da Inglaterra autorizou a utilização do Castelo de Bridwell para que nele se recolhessem os vagabundos, os ociosos, os ladrões e os autores de delitos pequenos. Essas “prisões” foram chamadas de houses of correction ou bridwells e tinham como finalidade a correção dos delinquentes, através do trabalho e forte disciplina, além de buscar desestimular a vadiagem e a ociosidade. Essa experiência alcançou notável êxito, sobretudo, na segunda metade do século XVII quando já estavam presentes em vários lugares da Inglaterra e contavam com um estatuto próprio.

Na mesma linha de desenvolvimento, surgiram na Inglaterra as chamadas workhouses, resultado da união de várias paróquias de Bristol e cujo desenvolvimento demonstra claramente as relações existentes, ao menos em suas origens, entre a prisão e a utilização da mão de obra do recluso.

Na Holanda, a exemplo da Inglaterra, também foram criadas casas de correção: em Amsterdam, foram criadas, em 1596, casas de correção para homens; em 1597, para as mulheres; e, em 1600, uma seção especial para jovens. Buscavam, igualmente, a correção do delinquente por meio do trabalho constante e ininterrupto, do castigo corporal e da instrução religiosa.

Contudo, deve-se destacar que, não obstante essas casas de trabalho ou de correção já assinalassem para o surgimento da prisão, elas apenas se destinavam à pequena delinquência, já que o sistema de penas continuava baseado nas penas pecuniárias, penas corporais e pena capital.

Foi no século XVI, inclusive, que surgiu a pena de galés, umas das mais cruéis modalidades de pena de prisão que já existiu na história da humanidade e que foi utilizada até meados do século XVIII. Tratava-se de uma prisão flutuante: condenados a penas graves e prisioneiros de guerra eram enviados como escravos ao serviço das galés militares, onde eram acorrentados a um banco e permaneciam, sob ameaça de um chicote, obrigados a remar.

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Em contrapartida, foi também nesse período que surgiram obras de importante valor histórico do ponto de vista penitenciário. Em 1667, foi fundada em Florença, pelo sacerdote Felippo Franci, o Hospício de San Felipe Neri, instituição que, a princípio, destinava-se à reforma de crianças errantes e que, posteriormente, tratou de cuidar também de jovens rebeldes e desencaminhados. Aplicava-se um regime celular estrito, no qual um interno sequer conhecia o outro, já que, nos atos coletivos, estavam sempre com as cabeças cobertas por capuzes.

Essas ideias inspiraram Jean Mabillon, um monge beneditino francês que escreveu um livro intitulado Reflexões sobre as prisões monásticas (uns sustentam que foi publicado em 1695, outros em 17248). Mabillon, partindo da experiência punitiva do tipo carcerário que se havia aplicado no direito penal canônico, formula uma série de considerações, dentre elas a ideia de proporcionalidade da pena de acordo com o delito cometido e a força física e espiritual do réu e a ideia de reintegração do apenado à comunidade, sendo um dos primeiros defensores dessa ideia. Insiste, em sua obra, que os penitentes ocupem celas e que nos atos coletivos utilizem cada um o seu respectivo capuz; para ele, cada cela deveria ter um jardim, onde o recluso pudesse caminhar e cultivar o solo, sendo que não seriam permitidas visitas do exterior, mas somente do superior e de pessoas devidamente autorizadas.

Deve-se citar, ainda, a Casa de Correção de São Miguel, fundada em 1703, por Clemente XI, em Roma. A Casa abrigava jovens delinquentes para a correção e asilava órfãos e anciãos num regime misto: durante o dia trabalhavam em comum e, à noite, eram mantidos isolados em celas, permanecendo todo o dia com a obrigação de guardar silêncio absoluto. O ensino religioso era um dos pilares fundamentais da instituição e a disciplina era mantida à custa de fortes sanções. Novamente, trabalho e disciplina como formas de correção, aplicados através do ensino religioso e isolamento, marcas do período em comento.

Neste ponto, no que tange à utilização do trabalho como forma de correção, é bom que se diga que ele não foi introduzido nas instituições destinadas à reclusão de pequenos delinquentes, vagabundos e ociosos simplesmente porque se pretendia corrigir os reclusos, ensinando-lhes um oficio, para, em seguida, reinseri-los no corpo social, ideias que ainda eram incipientes naquele período da história.

8 Segundo Bitencourt, Elias Neuman, em sua obra Evolución de la pena, e Luis Garrido Guzman, em

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Como dito anteriormente, a pobreza se generalizou no continente europeu e, com ela, a criminalidade. Já não era possível aplicar a pena de morte a tantas pessoas e, nesse sentido, a pena de prisão afigurou-se como um substituto ideal. Contudo, seria ingenuidade acreditar que a prisão surgiu simplesmente porque era necessário encontrar uma sanção que substituísse a pena capital, até porque, como já referido, a pena de morte continuou a existir e, ao lado das penas pecuniárias e das penas corporais, constituía a base da maioria dos Códigos Penais então existentes, sendo a prisão destinada tão somente à pequena delinquência.

Em verdade, foi a razão econômica a determinante para a transformação da pena privativa de liberdade. Com o fim do feudalismo e a ascensão da classe burguesa, surge o capitalismo e com ele um novo modo de produção e organização social: as primeiras fábricas são construídas, as cidades começam a se desenvolver e o trabalho passa a ser assalariado. As pessoas, especialmente os pobres, precisavam se adaptar às novas concepções burguesas, sejam de vida, de sociedade ou mesmo de divisão do capital. Era necessário transformar o trabalhador agrícola, expulso de sua terra, em operário, introduzi-lo no mundo da produção manufatureira, mas de uma forma que aceitasse a ordem, a hegemonia da classe proprietária dos bens de produção, sem qualquer resistência.

Assim, não é mera coincidência que as primeiras prisões tenham se caracterizado pelo trabalho imposto aos reclusos. Com efeito, num ambiente opressivo como a prisão era muito mais fácil preparar o recluso para que se adaptasse ao novo sistema e se submetesse, obedecendo de forma irreflexiva.

Neste sentido, Dario Melossi e Massimo Pavarini9:

“É na Holanda da primeira metade do século XVII que a nova instituição da

casa de trabalho atinge, no período das origens do capitalismo, à sua forma

mais desenvolvida. A criação desta nova e original forma de segregação punitiva responde mais a uma exigência conexa ao desenvolvimento geral da

sociedade capitalista que à genialidade individual de algum reformador”.

Para os autores, a prisão surge quando se estabelecem as casas de correção holandesas e inglesas, cuja origem não se se explica pela existência de um propósito mais ou menos humanitário e idealista, mas pela necessidade que existia de possuir um instrumento que

9 Cárcere e fábrica. As origens do sistema penitenciário (séculos XVI - XIX). Trad. Sérgio Lamarão. Rio de

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permitisse não tanto a reforma ou reabilitação do delinquente, mas a sua submissão ao regime dominante (capitalismo)10.

E, se por um lado as workhouses tinham como objetivo prioritário que os reclusos aprendessem a disciplina da produção, por outro, se deve admitir que esse novo modelo punitivo se prestava bem ao controle de mercado: a prisão se afigurava como fonte de mão-de-obra barata quando havia trabalho e altos salários; em períodos de desemprego, servia para a reabsorção dos ociosos e proteção contra a agitação e os motins. Neste ponto, não olvidemos que as primeiras workhouses aparecem justamente em um dos pontos mais industrializados da Inglaterra, qual seja Bristol.

Acerca dessa relação, afirmou Marx11:

“a aprendizagem da disciplina de seu novo estado, isto é, a transformação do

trabalhador agrícola expulso da terra em operário, com tudo o que isso significa, é um dos fins fundamentais que, em suas origens, o capital teve de se propor. A organização das casas de trabalho, e de tantas outras organizações parecidas, responde, antes de mais nada, a essa necessidade. É evidente que esse problema não está separado do que estabelece o mercado de trabalho, isso não só porque através da institucionalização das casas de trabalho de um setor, embora limitado, da força de trabalho obtém-se um duplo resultado: ao contrário do trabalho livre, com o trabalho forçado, geralmente mais rebelde, força-se a aprendizagem da disciplina, e também a docilidade ou a oposição da classe operária nascente às condições de trabalho depende da força que tenha no mercado, pois na medida em que a oferta da mão de obra é escassa, aumenta a sua capacidade de oposição e resistência, e a sua possibilidade de luta”.

É evidente que essa análise, estritamente vinculada ao materialismo histórico, não é a única possível acerca da origem da pena de prisão. Com efeito, inúmeras condicionantes confluíram para o desenvolvimento da pena privativa de liberdade a partir do século XVI, destacando-se a influência dos movimentos renascentistas, que trouxeram para o campo da filosofia, da ciência e da arte, novos valores, como o humanismo, o individualismo e o conhecimento baseado na razão, no método científico e no experimentalismo e, ainda, a necessidade de substituição da pena capital. No entanto, não se pode ignorar que a razão político-econômica apresenta influência decisiva na mudança de “prisão-custódia” para “prisão-pena”.

10 MELOSSI, Dario; PAVARINI, Massimo.

Cárcere e fábrica. As origens do sistema penitenciário (séculos XVI - XIX). Trad. Sérgio Lamarão. Rio de Janeiro: Revan: ICC, 2006. (pensamento criminológico; v. 11). p. 40-41.

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1.2 Humanização das Penas

No século XVIII, conhecido como século das luzes12, houve uma verdadeira revolução filosófica e política: os pensadores abandonaram as concepções religiosas e, incorporando a maioria das preocupações renascentistas, passaram a adotar a razão, resgatando o homem como centro dos debates filosófico, político e jurídico. O Iluminismo trouxe, ainda, ferrenhas críticas ao modelo absolutista, ao mercantilismo e aos privilégios da nobreza e, consequentemente, ao sistema penal vigente, sobretudo às penas cruéis e de morte.

Com efeito, a legislação criminal europeia, até meados do século XVIII, caracterizava-se por procedimentos de excessiva crueldade, sendo comum a tortura e castigos corporais, além da pena capital. O Direito era um grande instrumento gerador de privilégios e, não raras vezes, a pessoa sequer sabia do que estava sendo acusada, tampouco podia acompanhar o procedimento criminal ou defender-se, o que atribuía aos juízes um enorme poder e permitia que julgassem de acordo com a classe social do acusado.

A reforma dessa situação não podia esperar mais e, a segunda metade do século, é marcada por uma verdadeira revolução nas ideias e forma de pensar. Esse movimento atingiu seu ápice com a Revolução Francesa e a incorporação dos ideais de igualdade, fraternidade e solidariedade. As correntes iluministas e humanitárias faziam severas críticas à legislação penal e bradavam pela proporcionalidade das penas, pelo fim das penas cruéis e pela consideração de circunstâncias pessoais do delinquente.

Dentre os pensadores desse período, destacaram-se Cesare Beccaria, com sua obra “Dos Delitos e das Penas”; Jean Jacques Rousseau, com “Do contrato social”; Montesquieu e sua obra “O Espírito das Leis”; Voltaire, com “O Preço da Justiça e da Humanidade”; Jeremias Bentham e sua obra “Introdução aos Princípios Morais na Legislação”; Immanuel Kant e a “Metafísica dos Custumes”; John Haward e “O Estado das Prisões na Inglaterra e no País de Gales”; dentre outros.

12 Os termos luzes e ilustração são usados para identificar a razão como ‘luz’ capaz de iluminar as trevas da

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Ante a impossibilidade de analisarmos cada um dos autores mencionados, nos ocuparemos de Cesare Beccaria, John Howard e Jeremias Bentham, cujas ideias retratam com clareza o pensamento da época.

1.2.1 Cesare Beccaria

Nascido em 15 de março de 1738 em Milão e formado em Direito em 1958 na Universidade de Pavia, na França, Cesare Bonesana, o Marquês de Beccaria, vivenciou todas as inquietudes de seu tempo e foi influenciado diretamente pelas ideias políticas e filosóficas que fervilhavam na época. Beccaria viveu no Século das Luzes e se embriagou com as ideias desse movimento intelectual que defendia a razão como único e legítimo instrumento para se chegar a uma verdade científica e que criticava duramente o Antigo Regime e os privilégios do clero e da nobreza. Inspirou-se em Iluministas como Montesquieu (1689-1755) e Rousseau (1712-1778) e interessou-se por fenômenos sociais, sendo grande partidário do contratualismo e do utilitarismo.

Embora pertencesse à nobreza, Beccaria rompeu relações com sua família ao casar-se contra a vontade desta com Teresa Blasco, chegando ao ponto de seu pai conseguir um decreto de prisão em seu desfavor, ocasião em conheceu pessoalmente as arbitrariedades do sistema prisional de seu tempo, fato que evidentemente influenciou seu interesse e estudo sobre o sistema de penas.

Em sua principal obra, Dei delitti e dele pene (Dos delitos e das penas), Beccaria ataca ferozmente a arbitrariedade da prática criminal dominante, as penas cruéis e degradantes que eram impostas e propõe inúmeras reformas, expressando valores até hoje vigentes. As ideias filosóficas que informam referida obra, no entanto, não podem ser tidas como originais, porquanto grande parte de suas proposições já havia sido formulada por outros pensadores. O mérito de Beccaria foi, sem dúvida, dirigir-se a um grande público num momento histórico de grande opressão. Aliás, deve-se destacar que a primeira publicação da obra, datada de 1764, foi distribuída na cidade de Livorno, sendo que Cesare residia em Milão, e de forma apócrifa, justamente em razão do medo da Inquisição13.

13 BRITO, Alexis. A. Couto. Apresentação à obra dos delitos e das penas. Trad. Alexis Augusto de Couto Brito.

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E não era para menos: Dos delitos e das penas aspirava uma reforma penal, criticava duramente o sistema até então vigente e propunha mudanças que, não apenas foram incorporadas à prática criminal, como perduram até os dias atuais.

Como dito anteriormente, Beccaria era partidário da teoria clássica do contrato social e, com ela, do utilitarismo. Assim, a pena, para ele, se origina justamente do pacto social, em suas palavras:

“As leis são condições sob as quais os homens independentes e isolados se uniram em sociedade, cansados de viver em contínuo estado de guerra e de gozar de uma liberdade inútil pela incerteza de sua conservação. Parte dessa liberdade foi por eles sacrificada para poderem gozar o restante com segurança e tranquilidade. A soma dessas porções de liberdade sacrificada ao bem comum forma a soberania de uma nação e o soberano é seu legítimo depositário e administrador. Mas não bastava constituir esse depósito, havia que defendê-lo das usurpações privadas de cada homem em particular, o qual sempre tenta não apenas retirar do depósito a porção que lhe cabe, mas também apoderar-se daquela dos outros. Faziam-se necessários motivos sensíveis suficientes para dissuadir o espírito despótico de cada homem de novamente mergulhar as leis da sociedade no antigo caos. Esses motivos são

as penas estabelecidas contra os infratores das leis”14.

E essas penas, como insistentemente afirmou Beccaria, devem derivar de uma necessidade absoluta, tudo mais será abuso, tirania. Nesse sentido, o direito do soberano de punir os delitos se funda sobre a necessidade de defender o depósito do bem comum das usurpações particulares, e tanto mais justas são as penas quanto mais sagrada e inviolável é a segurança e maior a liberdade que o soberano garante aos súditos15.

A partir dessas premissas, Beccaria deu sua mais importante contribuição: desenvolveu, em sua obra, a necessidade de previsão legal dos delitos e das penas, ou seja, o princípio da legalidade, eternizado no brocardo nullum crimen, nulla poena sine lege. Conforme defendeu, só as leis podem decretar as penas dos delitos, e esta autoridade, só pode residir no legislador, que representa toda a sociedade unida por um contrato social16.

Defendeu, ainda, a necessidade de haver proporcionalidade entre os delitos e as penas, estabelecendo para estas últimas o objetivo preventivo. Para ele, a pena não poderia voltar-se

14 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Trad. Lucia Guidicini; Alessandro Berti Contessa. Rev. Roberto

Leal Ferreira. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 41.

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para o passado, porquanto impossível restabelecer ações já consumadas; ao contrário, a pena deveria dirigir-se ao futuro e, neste sentido, sua finalidade não poderia ser outra que não impedir que os réus causem novos danos aos seus concidadãos e dissuadir os outros de fazer o mesmo. Em suas palavras: “É melhor prevenir os delitos do que puni-los” 17.

E essa prevenção, deve-se ressaltar, não deve ser obtida, conforme enfatizou Beccaria, através do terror como então era feito, mas sim através da eficácia e certeza da punição. Em verdade,

“para que a pena produza seu efeito, basta que o mal que ela mesma inflige exceda o bem que nasce do delito e nesse excesso de mal deve ser levada em conta a infalibilidade da pena e a perda do bem que o delito devia produzir. Tudo mais é supérfluo e, portanto, tirânico”18.

No que tange à prisão, imperioso esclarecer que, à época, ainda era utilizada para a custódia daqueles que aguardavam julgamento ou a execução da pena propriamente dita, como a pena de morte ou as penas corporais, sendo que a privação da liberdade como sanção coexistia no sistema de penas, destinando-se especialmente à pequena delinquência.

Portanto, não é de se estranhar que Beccaria tenha tratado justamente da prisão como forma de custódia dos réus, destacando a necessidade da lei apontar quais indícios que impõem e justificam a custódia de um indivíduo, sujeitando-o a um interrogatório e, eventualmente, a uma pena. Criticava o fato de se misturarem numa mesma prisão denunciados que aguardavam julgamento e condenados que esperavam a execução da pena, além das condições insalubres das cavernas em que eram enclausurados. Não obstante, enxergou na pena privativa de liberdade um bom substitutivo para as penas capitais e corporais.

As ideias de Beccaria foram quase literalmente implantadas pelo primeiro Código Penal da França, adotado pela Assembleia Constituinte de 1791. Reduziu-se em muito a quantidade de delitos sancionados com a pena de morte, aboliram-se as penas corporais e introduziu-se a pena privativa de liberdade para muitos delitos graves19.

17 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Trad. Lucia Guidicini; Alessandro Berti Contessa. Rev. Roberto

Leal Ferreira. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 130.

18 Id. Ibidem. p. 92-93.

19 BITENCOURT, Cezar Roberto.

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Como se vê, é na obra Dos delitos e das penas que se forjam os alicerces do Direito Penal Liberal20, sendo que muitas das ideias que apresenta, em seus aspectos fundamentais, continuam vigentes até os dias atuais e muitos dos problemas suscitados, ainda sem solução.

1.2.2 John Howard

John Howard21, cujas ideias foram determinantes para a humanização das prisões, pertencia a uma tradicional família inglesa, sendo seu pai um próspero comerciante. Assim como Beccaria, conheceu de perto as mazelas das prisões existentes em seu tempo, isto porque, quando retornava de Portugal para a Inglaterra após ajudar as vítimas de um terremoto que assolou aquele país, o barco em que viajava foi aprisionado por corsários franceses e, juntamente com os demais passageiros, foi encarcerado no Castelo de Brest e, depois, na prisão de Morlaix, permanecendo recluso por vários meses22.

Apesar dessa experiência infeliz na prisão, Howard foi nomeado xerife de Bedford e, partir de então, decidiu dedicar a vida à problemática penitenciária. Já em 1773, foi nomeado alcaide do Condado de Bedford, aproximando-se ainda mais da situação calamitosa em que se encontravam as prisões inglesas. Seu estudo, no entanto, não limitou à Inglaterra: viajou por toda a Europa para conhecer hospitais, prisões e lazaretos, investigar e analisar os diferentes sistemas penitenciários. O resultado de suas pesquisas foi a obra The state of prisions in England and Wales with an account of some goregn, na qual propunha uma reforma penal, caracterizada, sobretudo, pelo processo de humanização e racionalização das penas23.

De acordo com a análise marxista sobre a função da prisão anteriormente vista, considera-se que Howard encontrou as prisões inglesas em péssimas condições, isto porque, com o desenvolvimento econômico que já havia alcançado a Inglaterra, fazia desnecessário que a

20 SMANIO. Gianpaolo Poggio. FABRETTI, Humberto Barrionuevo.

Introdução ao Direito Penal: criminologia, princípios e cidadania. São Paulo: Atlas, 2010. p. 27.

21 A data de seu nascimento é incerta: uns assinalam 1726 em Hackney, outros, 1724, 1725 ou 1727, nas

localidades de Enfreld, Clapton, Smithfield. Certo é que faleceu em 1790, vítima de “febres carcerárias”, em Kherson, Crimeia (Cf. BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 4ª ed. 2ª tiragem. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 58-59).

22

Id. Ibidem. p. 58.

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prisão cumprisse uma finalidade econômica e, portanto, indiretamente socializante, devendo circunscrever-se a uma função punitiva e através da qual se impõe o terror e o medo24.

Diante disto, Howard propunha a construção de estabelecimentos adequados para o cumprimento da pena privativa de liberdade e fixava, como condições para remediar o sistema carcerário então existente, higiene, alimentação e assistência médica para os presos, além de considerar a educação religiosa e o trabalho obrigatório como meios para a regeneração do condenado. Aliás, Howard era extremamente religioso e, talvez em razão disso, propunha o isolamento celular como meio indispensável para a reflexão e arrependimento. Reconhecia que o isolamento diurno era difícil alcance, mas afirmava que os presos deveriam permanecer em celas isoladas durante a noite.

Howard propunha, ainda, que a classificação das pessoas encarceradas de acordo com os seguintes critérios: (a) processados, deveriam ter um regime especial, já que a prisão não era castigo, mas sim um meio assecuratório; (b) condenados, seriam sancionados de acordo com a sentença condenatória imposta; e (c) devedores. Insistiu, ainda, que mulheres ficassem separadas dos homens e os jovens, dos delinquentes velhos, ideais que ainda orientam as execuções penais25.

Ademais, se preocupou com os funcionários destinados a cuidarem das prisões. Ressaltou a necessidade de serem nomeados carcereiros honrados e que estes fossem fiscalizados por um inspetor eleito ou por todos os membros de um tribunal.

Como se observa, Howard enxergou, além da necessidade de humanização das prisões, a importância de um controle jurisdicional sobre os carcereiros, desenhando as linhas mestras da figura de um juiz da execução da pena. Com ele, o direito penal não só foi separado da execução da pena, como nasceu a corrente penitenciária que revolucionaria o mundo das prisões, primando sempre pela humanização e racionalização das penas.

24 MELOSSI, Dario; PAVARINI, Massimo.

Cárcere e fábrica. As origens do sistema penitenciário (séculos XVI - XIX). Trad. Sérgio Lamarão. Rio de Janeiro: Revan: ICC, 2006. (pensamento criminológico; v. 11). p. 80.

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1.2.3 Jeremy Bentham

Jeremy Bentham (1748-1832) foi um influente pensador inglês que se dedicou ao estudo penitenciário, expondo suas ideias de forma sistemática, e que influenciou não só a reforma penal de seu país, mas também os redatores do Código de Napoleão26.

Bentham criticou severamente a prática de castigos cruéis e desumanos e sempre procurou um sistema de controle social que fosse ético. Bentham era partidário do utilitarismo, que se traduzia na procura da felicidade para a maioria ou simplesmente da felicidade maior. Considerava, a partir disso, que o homem sempre busca o prazer e foge da dor e, sobre esse fundamento, assentou sua teoria da pena: para ele, a aplicação da pena não poderia basear-se unicamente na retribuição do mal praticado pelo criminoso, mas haveria de ser útil para toda a sociedade, prevenindo o cometimento de novos delitos27.

Assim, considerava a prevenção geral predominante, na medida em que ressaltava a função exemplificante da pena. Não obstante, admitia também o fim correcional da pena, a qual se prestava à emenda do delinquente, não só pelo temor de ser castigado novamente, mas pela mudança de seu caráter. Neste ponto, interessante destacar que Bentham, justamente por aceitar a ideia de que a prisão seria um meio para corrigir o recluso, preocupava-se com a “assistência pós-penitenciária”, quer dizer preocupava-se com o fato de que os reclusos, quando adquirissem a liberdade, seriam soltos no mundo sem qualquer auxílio ou cuidado.

Como se vê Bentham abandonou o conceito tradicional que via na crueldade da pena um fim em si mesmo para dotá-la de finalidades, destacando a ideia de se servia para prevenir a prática de novos fatos criminosos.

Bentham se interessou, ainda, pelas condições das prisões, identificando, mesmo que de forma incipiente, o que hoje se denomina subcultura carcerária. Detectou que os segregados, num ambiente marcado pela ociosidade, assimilavam linguagens e costumes e faziam suas próprias leis, sendo que aqueles mais temidos eram justamente os mais respeitados. A prisão se tornava, portanto, uma escola da maldade.

26 SMANIO. Gianpaolo Poggio. FABRETTI, Humberto Barrionuevo.

Introdução ao Direito Penal: criminologia, princípios e cidadania. São Paulo: Atlas, 2010. p. 28.

27

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E, a partir do estudo das condições criminógenas da prisão, Bentham atribuiu importância à arquitetura penitenciária, criando o estabelecimento carcerário conhecido como panótico.

Em seu desenho arquitetônico, Bentham propôs um modelo de prisão baseado, sobretudo, no controle e segurança. As celas estariam em um edifício circular e seriam abertas na parte interna, sendo que uma grade de ferro bastante larga deixaria os reclusos inteiramente à vista. No centro, haveria uma torre, onde ficariam os inspetores, sendo que referida torre seria rodeada de uma galeria coberta com uma gelosia transparente, que permitiria ao inspetor registrar todas as celas. Portanto, a vigilância seria ininterrupta e total. Aliás, o nome “panótico” expressa “em uma só palavra sua utilidade essencial, que é a faculdade de ver com um olhar tudo o que nele se faz”28.

Não obstante, Bentham se preocupava, também, em estimular a emenda do condenado, tanto que recusava o isolamento celular permanente, defendendo a interação de pequenos grupos, além da imposição de trabalhos produtivos e atrativos. Não acreditava na eficácia de castigos cruéis, mas admitia um “castigo moderado” e disciplina severa como formas de prevenção geral, destacando que o condenado não poderia gozar de uma condição melhor que a de indivíduos que pertencem à mesma classe social e que vivem em estado de inocência e liberdade, ideia até hoje arraigadas nas convicções do cidadão comum.

O panótico, como idealizado por Bentham, nunca chegou a se desenvolver plenamente, não obstante seus esforços pessoais, inclusive, com perdas patrimoniais. Depois de forte empenho, inaugurou-se em Millbank, na Inglaterra (1816), uma prisão inspirada em suas ideias fundamentais, mas foi nos Estados Unidos que suas proposições tiveram maior acolhida, ainda que não em sua totalidade.

De toda forma, Bentham conseguiu que suas críticas servissem para reduzir os castigos cruéis e degradantes que até então se impunham nas prisões inglesas, não se olvidando que, no plano arquitetônico, seu projeto do panótico é considerado antecedente imediato do desenho radial que muitas prisões apresentam29.

28 BITENCOURT, Cezar Roberto.

Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas. 4ª ed. 2ª tiragem. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 69.

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1.3 Conceito Moderno de Pena

Poucos são os autores que se ocupam com a conceituação do vocábulo pena e, não é para menos, sua existência, e sobre isso não há dúvidas nem desavenças doutrinais, se deve a necessidade abstrata e absoluta, que existiu em todas as épocas e culturas, de se aplicar algum tipo de sanção.

Não obstante, deve-se admitir que, ao longo dos séculos, modificaram-se não apenas as sanções aplicadas, mas também a forma de imposição, a autoridade legitimada a aplica-la, bem como seu fundamento.

A pena, como hodiernamente entendida, é a consequência jurídica de um fato delitivo. Nesse sentido, Bobbio30, ao afirmar que a pena é a resposta à violação; Ferrajoli, ao asseverar que com a pena se concretiza a máxima nulla poena sine crimina31; Muñoz Conde32, ao esclarecer

que a pena é um mal que impõe o legislador, pela prática de um delito, ao culpado pelo mesmo; dentre tantos outros.

A pena, entretanto, não é uma consequência jurídica qualquer. Assim como não é qualquer comportamento que é elevado à categoria de delito, senão a conduta que a sociedade rechaça com maior firmeza justamente por ir de encontro aos seus interesses sociais, a pena não se traduz em uma consequência jurídica comum e sim na sanção mais grave que pode ser imposta a quem realiza uma conduta considerada intolerável pelo resto da comunidade.

E justamente em razão de sua gravidade e para que não haja arbitrariedades, é que pena somente pode ser criada, aplicada e executada pelo Estado, que conta com o monopólio do ius puniendi. O fundamento dessa potestade exclusiva encontra-se no contrato social, onde cada um dos indivíduos renuncia, em favor do Estado, de parte de sua liberdade, em troca de que este lhe garanta outro espaço mais amplo de independência e autonomia33.

30 BOBBIO, Noberto. Teoria da Norma Jurídica. 5ª ed. Bauru: Edipro, 2012.

31 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. 3ª ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2010. p. 38-40.

32 MUÑOZ CONDE, Francisco; ARÁN, Mercedes García. Derecho Penal: parte general. 8ª ed. revisada y posta

al día. Valencia: Tirant lo Blanch, 2010. p. 46.

33 OLIVÉ, Juan Carlos Ferré; NÚÑEZ PAZ, Miguel Ángel; OLIVEIRA, William Terra de; BRITO, Alexis

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Neste ponto, vale mencionar Beccaria34:

“Foi, portanto, a necessidade que constrangeu os homens a cederem parte da

própria liberdade, é certo, pois, que cada um só quer colocar no depósito público a mínima porção possível, apenas a que baste a induzir os outros a defendê-lo. A agregação dessas mínimas porções possíveis forma o direito de punir, tudo o mais é abuso e não justiça, é fato, mas não direito”.

Mas essa pena não pode ser imposta ao livre arbítrio das autoridades estatais, deve estar previamente definida em lei. Trata-se do princípio da legalidade, retratado na máxima nulla poena sine lege, a qual foi descrita expressamente na Constituição Federal de 198835 e repetida no Código Penal brasileiro36.

Com efeito, o princípio em comento garante a impossibilidade de se sancionar com pena uma conduta que não esteja previamente proibida ou ordenada pela lei penal. E, se por um lado, a lei deve estabelecer, de forma clara e prévia, quais condutas estão penalmente proibidas, por outro, deve-se consignar que também cabe à lei, em sentido estrito, estabelecer as consequências jurídicas do delito, determinando os tipos de sanções – no caso brasileiro, pena ou medida de segurança, sendo a primeira o objeto de estudo desse ensaio – e quando devem ser impostas.

Ademais, a pena não pode ser aplicada a qualquer pessoa, senão àquela que cometeu o delito, com dolo ou com culpa (a máxima nulla poena sine culpa caracteriza o princípio da culpabilidade). Em épocas distantes, a pena podia transpassar aos familiares, aos amigos e inclusive à comunidade a qual pertencia o delinquente. Hoje, a responsabilidade penal fica restrita àqueles que praticaram o fato criminoso, em linguagem técnica, aos autores e partícipes do delito. O princípio da pessoalidade, como é conhecido, está previsto expressamente no artigo 5º, inciso XLV da Constituição Federal (“nenhuma pena passará da pessoa do condenado...”).

Importante ressaltar, ainda, que essa pena, previamente descrita em lei, deve ser aplicada ao delinquente de forma proporcional, ou seja, deve-se mensurar a pena de acordo com o caso

34 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Trad. Lucia Guidicini; Alessandro Berti Contessa. Rev. Roberto

Leal Ferreira. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 43.

35 Art. 5º (...)

XXXIX: Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.

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concreto. Em verdade, o princípio da proporcionalidade da pena deve ser observado sob três aspectos distintos: o legislador infraconstitucional, ao estabelecer abstratamente as penas para os delitos, deve observar se os valores mínimo e máximo fixados guardam proporcionalidade com o bem jurídico que será afetado com a prática daquele delito descrito na lei; o juiz, ao fixar a pena para aquele que foi condenado, deve partir do quantum mínimo estabelecido em lei e considerar as características pessoais do condenado, bem como as circunstâncias do delito para, então, determinar a pena no caso concreto, pautando-se sempre em critérios de proporcionalidade (art. 5º, XLVI da CF); e, na execução penal, deve o condenado receber um tratamento diferenciado, de acordo com a natureza de seu crime, idade e sexo (art. 5º, XLVIII da CF).

Não bastasse, a pena imposta ao delinquente deve levar em conta a sua condição humana e a sua dignidade. Não se admite mais as penas desumanas, cruéis e degradantes, sendo que a Carta Magna expressamente veda a pena de morte – salvo em caso de guerra declarada –, as penas de caráter perpétuo e de trabalhos forçados, bem como as penas cruéis (art. 5º, XLVII da CF), garantindo aos presos o respeito à integridade física e moral (art. 5º, XLIX da CF).

Em verdade, o sistema de penas, hodiernamente, está baseado na pena privativa de liberdade, não devendo a imposição da pena de prisão afetar quaisquer outros direitos que não aqueles estritamente relacionados com a perda da liberdade. Nesse sentido:

O Estado Democrático de Direito elenca como um dos seus fundamentos a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF/88). Portanto, o homem deve ser a medida primeira para a tutela do Estado, alcançando ainda maior destaque no Direito Penal, onde o condenado será encarcerado como sujeito de direitos, e deverá manter todos os seus direitos fundamentais que não forem lesados pela perda da liberdade em caso de pena privativa. Note-se que a pena é privativa da liberdade, e não da dignidade, respeito e outros direitos à pessoa humana37.

Feitas essas considerações, pode-se assinalar que são notas características do conceito de pena, levando em conta uma concepção moderna de Estado: que a pena é um mal – pela privação ou restrição de bens jurídicos que sempre implica –; um mal, por outro lado, necessário – porque todo sistema que considera o homem como elemento nuclear só pode recorrer a pena quando seja necessária a manutenção de tal sistema –; deve estar prevista em

37 SHECAIRA, Sérgio Salomão; CORRÊA Jr, Alceu.

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lei – que atuará como garantia da segurança jurídica, em prol do princípio da legalidade –; imposta e executada conforme ela – a lei atua como garante ao largo do processo e execução; – só se imporá ao responsável do delito – responsabilidade penal pessoal –; e estará dirigida unicamente à prevenção do delito – única finalidade coerente e racional com o ius puniendi próprio de um Estado Social e Democrático de Direito38, como se verá a seguir.

38 BERDUGO GOMES DE LA TORRE, Ignacio. apud SANZ MULAS, Nieves. Alternativas a la pena privativa

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2. FUNÇÕES DA PENA

2.1 Teorias sobre a Função da Pena

Como já mencionado, em todas as épocas e culturas houve a necessidade de aplicação de uma sanção àqueles que praticaram uma conduta rechaçada pela sociedade, formada de homens que abriram mão de parte de sua liberdade para, em troca, viverem em paz e com segurança.

E se o direito de punir encontra seu fundamento no contrato social, a pergunta que resta é justamente o que espera a sociedade com a imposição da pena, ou melhor, o que a faz exercitar uma violência programada sobre um de seus membros.

Acerca da questão foram formuladas distintas teorias com a pretensão de fundamentar e buscar o fim da pena. Uma tarefa nada fácil, mormente porque não nos situamos unicamente ante a necessidade de legitimar de alguma forma a causação do mal em que consiste essencialmente a pena, mas também do Direito Penal que a prevê como consequência39.

Com efeito, definir quais são os fins da pena significa revelar a legitimação do direito penal e descobrir se a pena que se pretende impor é socialmente útil. Conhecer por que e para que se castiga consiste em definir o eixo sobre o qual deve girar todo o sistema penal em um moderno Estado de Direito40.

Assim, passemos a analisar as teorias que tratam das funções da pena.

2.1.1 Teorias Absolutas ou retributivas

As teorias da retribuição não encontram o sentido da pena na persecução de algum fim socialmente útil, ao contrário, sustentam que, mediante a imposição de um mal,

39 SILVA SANCHEZ, José Maria.

Aproximación al Derecho Penal Contemporáneo. Barcelona: J. M. Bosch, 1992. p. 179.

40 OLIVÉ, Juan Carlos Ferré; NÚÑEZ PAZ, Miguel Ángel; OLIVEIRA, William Terra de; BRITO, Alexis

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merecidamente se retribui, equilibra e expia a culpabilidade do autor pelo delito cometido41. Pretendem, pois, compensar a culpabilidade do autor com a imposição de um mal, razão pela qual seus adeptos justificam a pena exclusivamente no delito cometido (punitur quia peccatum est). É, em última análise, aceitar que o bem merece o bem e o mal merece o mal, como na Lei do Talião, com seu “olho por olho, dente por dente”.

Os retribucionistas rechaçam toda a busca de fins fora da própria pena, já que esta se basta como fim em si mesma, como exigência derivada do valor “Justiça”. Aliás, seus adeptos entendem que buscar finalidades fora da pena implicaria em instrumentalizar o homem, na medida em que se perseguiria, através dele, fins sociais que lhe são alheios. Essas teorias, portanto, se voltam para o passado e, por isso, sua legitimidade é apriorística, não condicionada por fins extrapenais42.

Essa concepção, historicamente e ainda hoje, é defendida pela teologia cristã, que vê na pena a realização da justiça como mandado de Deus, a reprovação e condenação moral do ato cometido pelo delinquente. Além disso, encontra guarida na própria sociedade, porquanto é comum que os cidadãos, ante a ocorrência de um delito grave, vejam na pena, a retribuição do mal causado e o meio através do qual se realiza a Justiça.

No entanto, o que tem assegurado a essa concepção uma influência tão predominante, não foi fazer parte do discurso religioso ou mesmo do imaginário popular, mas sim a fundamentação teórica formulada pelo Idealismo Alemão, sobre a base do pensamento dos filósofos Immanuel Kant (1724-1804) e Georg Hegel (1770-1831), os quais centram a função da pena na pura realização da Justiça.

Kant sustenta a tese de que a pena é uma retribuição ética justificada pelo valor moral da norma infringida pelo delinquente. A pena, portanto, se apresenta como um imperativo categórico, uma exigência incondicionada da Justiça e, portanto, livre de qualquer concepção utilitarista.

41 ROXIN, Claus. Derecho Penal: parte general. Fundamentos. La estructura de la teoria del delito. 1 t. 2ª ed.

Madrid: Civitas, 2008. p. 81-82.

42 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. 3ª ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais,

(38)

Para ele, a pena não pode servir como meio para fomentar outro bem, seja para o delinquente, seja para a sociedade civil; ela deve ser imposta simplesmente porque alguém delinquiu. Se a pena será útil ou inútil para assegurar a paz social é algo irrelevante, já que deve ser imposta sempre que assim o exija a Justiça, ainda que não resulte necessária no caso concreto. Neste ponto, seu famoso exemplo da ilha:

Ainda que se dissolvesse a sociedade civil com o consentimento de todos os seus membros (por exemplo, decidisse desagregar e disseminar por todo o mundo o povo que vive em uma ilha), antes teriam que ser executados até o último assassino que se encontrasse preso, para que cada qual receba o que merece por seus atos e o homicídio não recaia sobre o povo que não exigiu este castigo: porque ele pode ser considerado como cúmplice dessa violação da justiça43.

Hegel, por sua vez, falava de uma retribuição jurídica e, portanto, justificava a pena na necessidade de reparar o Direito com uma violência contrária que restabelecesse a ordem violada44. Trata-se, em verdade, da aplicação de seu método dialético: em primeiro lugar se encontra o direito, ou melhor, o ordenamento jurídico (tese), o qual é negado pelo delito, que procura suprimi-lo (antítese), então, o direito reage impondo uma pena, que procura a restauração da ordem violada (síntese). Portanto, a pena supõe a negação da negação do direito e, em razão disso, seu restabelecimento: a confirmação de que este direito está vigente45.

Como se vê, para Hegel, assim como para Kant, a pena se concebe como uma reação voltada ao passado, não havendo que se cogitar em qualquer utilidade fora da própria pena. Ambos baseiam a existência da pena em uma exigência incondicionada de Justiça – seja moral (Kant), seja jurídica (Hegel) – que não depende das conveniências utilitárias de cada momento; ao contrário, se impõe de forma absoluta.

À concepção retribucionista, como a qualquer proposta doutrinal, se atribuiu uma série de méritos, dentre os quais se destacam a defesa do livre arbítrio como característica humana – algo sempre desejável e ainda mais se levarmos em conta o momento histórico em que se

43 OLIVÉ, Juan Carlos Ferré; NÚÑEZ PAZ, Miguel Ángel; OLIVEIRA, William Terra de; BRITO, Alexis

Couto de. Direito Penal Brasileiro: parte geral: princípios fundamentais e sistema. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 193.

44 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. 3ª ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais,

2010. p. 237.

45 OLIVÉ, Juan Carlos Ferré; NÚÑEZ PAZ, Miguel Ángel; OLIVEIRA, William Terra de; BRITO, Alexis

Referências

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