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1. BREVES DELINEAMENTOS ACERCA DA HISTÓRIA E EVOLUÇÃO

1.3 Conceito Moderno de Pena

Poucos são os autores que se ocupam com a conceituação do vocábulo pena e, não é para menos, sua existência, e sobre isso não há dúvidas nem desavenças doutrinais, se deve a necessidade abstrata e absoluta, que existiu em todas as épocas e culturas, de se aplicar algum tipo de sanção.

Não obstante, deve-se admitir que, ao longo dos séculos, modificaram-se não apenas as sanções aplicadas, mas também a forma de imposição, a autoridade legitimada a aplica-la, bem como seu fundamento.

A pena, como hodiernamente entendida, é a consequência jurídica de um fato delitivo. Nesse sentido, Bobbio30, ao afirmar que a pena é a resposta à violação; Ferrajoli, ao asseverar que com a pena se concretiza a máxima nulla poena sine crimina31; Muñoz Conde32, ao esclarecer que a pena é um mal que impõe o legislador, pela prática de um delito, ao culpado pelo mesmo; dentre tantos outros.

A pena, entretanto, não é uma consequência jurídica qualquer. Assim como não é qualquer comportamento que é elevado à categoria de delito, senão a conduta que a sociedade rechaça com maior firmeza justamente por ir de encontro aos seus interesses sociais, a pena não se traduz em uma consequência jurídica comum e sim na sanção mais grave que pode ser imposta a quem realiza uma conduta considerada intolerável pelo resto da comunidade.

E justamente em razão de sua gravidade e para que não haja arbitrariedades, é que pena somente pode ser criada, aplicada e executada pelo Estado, que conta com o monopólio do ius puniendi. O fundamento dessa potestade exclusiva encontra-se no contrato social, onde cada um dos indivíduos renuncia, em favor do Estado, de parte de sua liberdade, em troca de que este lhe garanta outro espaço mais amplo de independência e autonomia33.

30 BOBBIO, Noberto. Teoria da Norma Jurídica. 5ª ed. Bauru: Edipro, 2012.

31 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. 3ª ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 38-40.

32 MUÑOZ CONDE, Francisco; ARÁN, Mercedes García. Derecho Penal: parte general. 8ª ed. revisada y posta al día. Valencia: Tirant lo Blanch, 2010. p. 46.

33 OLIVÉ, Juan Carlos Ferré; NÚÑEZ PAZ, Miguel Ángel; OLIVEIRA, William Terra de; BRITO, Alexis Couto de. Direito Penal Brasileiro: parte geral: princípios fundamentais e sistema. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 75.

Neste ponto, vale mencionar Beccaria34:

“Foi, portanto, a necessidade que constrangeu os homens a cederem parte da própria liberdade, é certo, pois, que cada um só quer colocar no depósito público a mínima porção possível, apenas a que baste a induzir os outros a defendê-lo. A agregação dessas mínimas porções possíveis forma o direito de punir, tudo o mais é abuso e não justiça, é fato, mas não direito”.

Mas essa pena não pode ser imposta ao livre arbítrio das autoridades estatais, deve estar previamente definida em lei. Trata-se do princípio da legalidade, retratado na máxima nulla poena sine lege, a qual foi descrita expressamente na Constituição Federal de 198835 e repetida no Código Penal brasileiro36.

Com efeito, o princípio em comento garante a impossibilidade de se sancionar com pena uma conduta que não esteja previamente proibida ou ordenada pela lei penal. E, se por um lado, a lei deve estabelecer, de forma clara e prévia, quais condutas estão penalmente proibidas, por outro, deve-se consignar que também cabe à lei, em sentido estrito, estabelecer as consequências jurídicas do delito, determinando os tipos de sanções – no caso brasileiro, pena ou medida de segurança, sendo a primeira o objeto de estudo desse ensaio – e quando devem ser impostas.

Ademais, a pena não pode ser aplicada a qualquer pessoa, senão àquela que cometeu o delito, com dolo ou com culpa (a máxima nulla poena sine culpa caracteriza o princípio da culpabilidade). Em épocas distantes, a pena podia transpassar aos familiares, aos amigos e inclusive à comunidade a qual pertencia o delinquente. Hoje, a responsabilidade penal fica restrita àqueles que praticaram o fato criminoso, em linguagem técnica, aos autores e partícipes do delito. O princípio da pessoalidade, como é conhecido, está previsto expressamente no artigo 5º, inciso XLV da Constituição Federal (“nenhuma pena passará da pessoa do condenado...”).

Importante ressaltar, ainda, que essa pena, previamente descrita em lei, deve ser aplicada ao delinquente de forma proporcional, ou seja, deve-se mensurar a pena de acordo com o caso

34 BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Trad. Lucia Guidicini; Alessandro Berti Contessa. Rev. Roberto Leal Ferreira. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 43.

35 Art. 5º (...)

XXXIX: Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. 36 Art. 1ª Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.

concreto. Em verdade, o princípio da proporcionalidade da pena deve ser observado sob três aspectos distintos: o legislador infraconstitucional, ao estabelecer abstratamente as penas para os delitos, deve observar se os valores mínimo e máximo fixados guardam proporcionalidade com o bem jurídico que será afetado com a prática daquele delito descrito na lei; o juiz, ao fixar a pena para aquele que foi condenado, deve partir do quantum mínimo estabelecido em lei e considerar as características pessoais do condenado, bem como as circunstâncias do delito para, então, determinar a pena no caso concreto, pautando-se sempre em critérios de proporcionalidade (art. 5º, XLVI da CF); e, na execução penal, deve o condenado receber um tratamento diferenciado, de acordo com a natureza de seu crime, idade e sexo (art. 5º, XLVIII da CF).

Não bastasse, a pena imposta ao delinquente deve levar em conta a sua condição humana e a sua dignidade. Não se admite mais as penas desumanas, cruéis e degradantes, sendo que a Carta Magna expressamente veda a pena de morte – salvo em caso de guerra declarada –, as penas de caráter perpétuo e de trabalhos forçados, bem como as penas cruéis (art. 5º, XLVII da CF), garantindo aos presos o respeito à integridade física e moral (art. 5º, XLIX da CF).

Em verdade, o sistema de penas, hodiernamente, está baseado na pena privativa de liberdade, não devendo a imposição da pena de prisão afetar quaisquer outros direitos que não aqueles estritamente relacionados com a perda da liberdade. Nesse sentido:

O Estado Democrático de Direito elenca como um dos seus fundamentos a dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF/88). Portanto, o homem deve ser a medida primeira para a tutela do Estado, alcançando ainda maior destaque no Direito Penal, onde o condenado será encarcerado como sujeito de direitos, e deverá manter todos os seus direitos fundamentais que não forem lesados pela perda da liberdade em caso de pena privativa. Note-se que a pena é privativa da liberdade, e não da dignidade, respeito e outros direitos à pessoa humana37.

Feitas essas considerações, pode-se assinalar que são notas características do conceito de pena, levando em conta uma concepção moderna de Estado: que a pena é um mal – pela privação ou restrição de bens jurídicos que sempre implica –; um mal, por outro lado, necessário – porque todo sistema que considera o homem como elemento nuclear só pode recorrer a pena quando seja necessária a manutenção de tal sistema –; deve estar prevista em

37 SHECAIRA, Sérgio Salomão; CORRÊA Jr, Alceu. Pena e Constituição. Aspectos relevantes para a sua aplicação e execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 31.

lei – que atuará como garantia da segurança jurídica, em prol do princípio da legalidade –; imposta e executada conforme ela – a lei atua como garante ao largo do processo e execução; – só se imporá ao responsável do delito – responsabilidade penal pessoal –; e estará dirigida unicamente à prevenção do delito – única finalidade coerente e racional com o ius puniendi próprio de um Estado Social e Democrático de Direito38, como se verá a seguir.

38 BERDUGO GOMES DE LA TORRE, Ignacio. apud SANZ MULAS, Nieves. Alternativas a la pena privativa

de liberdad: Análisis crítico y perspectivas de futuro en las realidades española y centroamericana. Madrid: