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Não-lugar : um olhar sobre as metrópoles contemporâneas

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Academic year: 2017

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO

ULISSES MACIEL

NÃO-LUGARES: UM OLHAR SOBRE AS METRÓPOLES CONTEMPORÂNEAS

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ULISSES MACIEL

NÃO-LUGARES: UM OLHAR SOBRE AS METRÓPOLES CONTEMPORÂNEAS

São Paulo 2015

Dissertação apresentada à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie para obtenção do título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo.

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M152n Maciel, Ulisses.

Não-lugar : um olhar sobre as metrópoles contemporâneas / Ulisses Maciel. – 2015.

102 f. : il. ; 30 cm.

Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2015.

Referências bibliográficas: f. 93-102

1. Sociedade contemporânea. 2. Arquitetura. 3. Lugares. 4. Marc Augé. 5. Não-lugares. I. Título.

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ULISSES MACIEL

NÃO-LUGARES: UM OLHAR SOBRE AS METRÓPOLES CONTEMPORÂNEAS

Aprovado em

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________________________ Prof. Dr. Carlos Guilherme Santos Serôa da Mota

Universidade Presbiteriana Mackenzie

___________________________________________________________________________ Prof. Dr. Abílio da Silva Guerra Neto

Universidade Presbiteriana Mackenzie

___________________________________________________________________________ Profa. Dra. Maria Helena de Moraes Barros Flynn

Universidade Católica de Santos

Dissertação apresentada à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie para obtenção do título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo.

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AGRADECIMENTOS

Ao Prof. Dr. Carlos Guilherme Mota pela orientação sempre precisa e pela postura incentivadora durante todo o desenvolvimento dessa pesquisa.

Ao amigo Peres Rusky pela generosidade e competência em adensar meu repertório e aguçar minha inquietação frente ao mundo.

À colega Mariana Rolim pela disponibilidade em ajudar a operacionalizar esse trabalho.

Aos companheiros, professores e funcionários da instituição pelo apoio e colaboração.

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A arquitetura como construir portas, de abrir; ou como construir o aberto;

construir, não como ilhar e prender, nem construir como fechar secretos; construir portas abertas, em portas; casas exclusivamente portas e teto. O arquiteto: o que abre para o homem

(tudo se sanearia desde casas abertas) portas por-onde, jamais portas-contra; por onde, livres: ar luz razão certa.

Até que, tantos livres o amedrontando, renegou dar a viver no claro e aberto.

Onde vãos de abrir, ele foi amurando opacos de fechar; onde vidro, concreto; até fechar o homem: na capela útero, com confortos de matriz, outra vez feto.

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RESUMO

A sociedade contemporânea pode ser caracterizada, dentre outros aspectos, pela transmutação, pela velocidade e pelo excesso, descontruindo-se e reconstruindo-se a todo instante. É, também, nesse cenário que muitos conceitos ou noções conceituais, das mais diversas áreas, são postos em xeque. Na arquitetura – mas não apenas nela – têm sido recorrentes as tentativas de teorização a respeito dos atributos próprios dos lugares, assim como suas potenciais implicações sobre as relações humanas. Segundo o antropólogo francês Marc Augé, os lugares podem se definir como identitários, relacionais e históricos: sendo algum desses atributos enfraquecido, configuram-se os não-lugares. Buscando abarcar a natureza de tal fenômeno e compreender como a polivalência do mundo contemporâneo colabora na produção e reprodução dos não-lugares, lança-se mão, aqui, de uma abordagem inter, trans e multidisciplinar: geografia, antropologia, história, psicologia, arquitetura e cinema somam-se com o intuito de criar um panorama investigativo-científico academicamente legítimo. Para isso, ao invés de se optar por uma mera análise projetual que seria mais previsível , assume-se, em ressonância com a pluralidade da própria metrópole contemporânea, um enfoque poliédrico e de cunho mais ensaístico.

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ABSTRACT

Contemporary society can be characterized, among other aspects, by its transmutation, speed and excess, being deconstructed and reconstructed all the time. It is also in this scenario that many concepts or conceptual notions from several areas are challenged. In Architecture – but not limited to it – attempts to theorize about the attributes related to the idea of places are recurrent as well as its potential implications for human relations. According to the French anthropologist Marc Augé, places can be defined as identitarian, relational and historical: if one of these attributes is weakened, non-places are configured. In order to encompass the nature of this phenomenon and to understand how the versatility of the contemporary world collaborates to the production and reproduction of non-places, is resorted here, an inter, trans and multidisciplinary approach: Geography, Anthropology, History, Psychology, Architecture and Cinema are summed up in order to create an investigative and scientific panorama academically legitimate. For this purpose, instead of opting for a simple architectural design analysis what would be more expected is assumed, in conformity with the plurality of contemporary metropolis itself, a polyhedric focus and a more essayistic feature.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 10

1. TRANSFORMAÇÕES E TRANSMUTAÇÕES ... 12

2. SUPERMODERNIDADE ... 28

3. LUGARES OU NÃO ... 38

4. IDENTIDADE FRAGMENTÁRIA ... 55

5. MASSAS E DESERTOS ... 63

6. CRISTALIZAÇÃO NIILISTA ... 77

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 86

LISTA DE ILUSTRAÇÕES ... 90

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INTRODUÇÃO

As ideias colocadas a seguir pretendem expor conceitos ou noções conceituais, provocando discussões sobre como a sociedade contemporânea, notadamente nas metrópoles, está submetida a uma lógica de mercado que traz consequências tanto para o território, enquanto suporte físico, quanto para os próprios sujeitos, enquanto agentes dos eventos. Materialidade e imaterialidade, portanto, influenciam-se mutuamente e de modo bastante intrincado, com reflexos não apenas nas relações dos habitantes com a cidade, mas, também, desses entre si.

Velocidade, produção e consumo fazem parte de uma complexa equação que favorece, através de processos de homogeneização, o apagamento, a segregação e o isolamento dos indivíduos, resultando no que Augé denomina de cocooning (2012, p. 109) ou, em livre tradução, encapsulamento.

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Se o individuo já não se confronta com o outro, defronta-se consigo mesmo. Torna-se Torna-seu anticorpo, por uma reviravolta ofensiva do processo imunitário, por um desajuste do seu próprio código, por uma destruição das próprias defesas. Ora, toda a nossa sociedade busca neutralizar a alteridade, destruir o outro como referência natural – na efusão asséptica da comunicação, na efusão interativa, na ilusão da troca e do contato. De tanta comunicação, a sociedade torna-se alérgica a si mesma. De tanta transparência a seu ser genético, biológico e cibernético, o corpo torna-se alérgico até a sua sombra. Todo o espectro de alteridade negada ressuscita como processo autodestruidor (BAUDRILLARD, 1996, p.129).

Embora as metáforas tenham uma grande capacidade de coerção, pretendendo condensar e reduzir o universo em perspectiva, elas contribuem, de forma muito esclarecedora, em diversos trabalhos de investigação científica. As metáforas não devem, contudo, ser tomadas como ponto de chegada, mas como bússolas que norteiam o desenvolvimento do argumento, apontando o rumo que a pesquisa irá trilhar. Didaticamente, elas podem se revelar bastantes ricas e facilitadoras.

Para a argumentação subsequentemente desenvolvida, recorre-se, assim como Augé, à metáfora do casulo, entendendo-a como a dimensão da vida-morte-vida, da morte-vida-morte, da latência, do transe, do outro que se metamorfoseia para ser o mesmo, enfim, uma relativização muito esquiva e, por isso mesmo, difícil de compreender na sua totalidade. Esse invólucro é, também, o espaço da não-relação, da não-singularidade, do não-vínculo e, portanto, da não-interação características muito reconhecíveis nos habitantes da metrópole contemporânea e muito pertinentes para o estudo em questão.

Nesse cenário, segundo Augé, multiplicam-se os não-lugares: espaços com caráter predominantemente funcional, voltados para a rápida circulação e que permitem apenas frágeis apropriações ou contatos superficiais entre os usuários. Por sua vez, os lugares são o ambiente de trabalho, o lar, o espaço íntimo. Ambos os conceitos estão diretamente vinculados à própria identidade dos sujeitos, funcionando como sustentáculos de diversos processos, tanto de inclusão quanto de exclusão.

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1. TRANSFORMAÇÕES E TRANSMUTAÇÕES

Desde as suas origens a cidade é investida por uma ordem dupla de desejos: desejamos a cidade como seio, como mãe e, em simultâneo, como máquina, como instrumento; queremo-la ethos, no sentido original de morada e residência e, ao mesmo tempo, queremo-la um meio complexo de funções; pedimos-lhe segurança e paz e, concomitantemente, pretendemos dela grande eficiência, eficácia e mobilidade. A cidade vive sujeita a questões contraditórias. Querer ultrapassar esta contraditoriedade é má utopia. É necessário, ao invés, dar-lhe forma. A cidade, na sua história, é a perene experiência de dar forma à contradição, ao conflito (RIZZI, In: CACCIARI, 2009, p. 7).

Além de designar um meio geográfico e uma instituição político-administrativa, a cidade funciona como sustentáculo para encontros, interações e embates das mais variadas ordens uma entidade múltipla que ampara fenômenos complexos e multifacetados; uma sobreposição de funções que concentra atividades, fluxos, demandas, interesses, finalidades, problemas e sentidos.

Embora existam algumas interpretações sobre seu significado, é bastante difícil definir com clareza o que é, precisamente, a urbe. Em termos gerais, pode-se dizer que ela é uma trama entre estrutura física e ideologia: uma criação do espírito humano, resultado de uma fermentação própria, um produto da aventura humana sobre esse planeta.

Apoiando-se em tais princípios, cada país ou órgão envolvido com a temática dos assentamentos urbanos acabam por ter, de acordo com suas conveniências, uma definição específica, não havendo, portanto, um consenso universal sobre o tema. Mesmo porque os critérios para a elaboração do conceito de cidade seguem várias diretrizes, destacando-se os de natureza demográfica, funcional, jurídica e mista.

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seja exatamente por esse motivo que não exista um acordo universal sobre o que venha a ser uma cidade.

O Programa das Nações Unidas para Assentamentos Urbanos – UN-HABITAT, publicou um relatório chamado Estado Mundial das Cidades 2012/ 2013: Prosperidade das Cidades1, no qual faz uma conceituação bastante razoável sobre a ideia de cidade, sob uma perspectiva psicológica. A certa altura do texto, é dito que as cidades são o lugar o deà ambições, aspirações e outros aspectos imateriais da vida são realizados, proporcionando contentamento e felicidade e aumentando a expectativa de bem-esta ài dividualàeà oletivo (2012, p. 10). Explanação muito pertinente, mas, ainda assim, limitada e longe de arrematar o debate.

Independentemente do significado, a evolução das cidades tem uma história que sempre esteve ligada a questões de produção de bens de subsistência (alimentos), manufaturados (artesãos) ou simbólicos (religiosos e artistas), trocas, transporte, abastecimento e estocagem, além de exigências de controle (contabilidade e escrita) e proteção (guerreiros). O crescimento delas, tanto horizontal como vertical, só foi possível pela combinação de técnicas e invenções que propiciaram o funcionamento integrado de alguns desses mecanismos, colocando-os sempre no núcleo das dinâmicas urbanas.

Na tentativa de montar um quadro teoricamente mais estruturado, é preciso que se retroceda no tempo, buscando alinhavar uma série de acontecimentos que, cronologicamente, culminaram na formação da cidade contemporânea, tal como ela é. Embora existam algumas lacunas históricas, que nem mesmo os estudiosos da área conseguem preencher, os eventos revelam um continuum,desenhando um panorama digno de credibilidade sobre a odisseia da espécie que vem guiando a mais profunda e contundente transformação no ambiente natural de que se tem registro.

Os seres humanos, segundo a maioria dos paleontólogos, surgiram na Terra há cerca de 500.000 anos2 e, durante quase todo esse tempo, foram caçadores e coletores nômades, tendo que se deslocar constantemente no território em busca de comida para poderem sobreviver, sem se fixar de modo definitivo em lugar algum.

1

Disponível em: < http://www.onuhabitat.org/index.php?option=com_docman&task=cat_view&gid=362& Itemid=18>. Acesso em: 24 set. 2014.

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No período que se estendeu até aproximadamente 10.000 a.C., denominado de Paleolítico, o abrigo e o refúgio primitivos eram a própria natureza, que sofria muito pouca ou nenhuma modificação. Quando alguma alteração ocorria naquele espaço, nunca era profunda e tampouco permanente, limitando-se, no máximo, à construção de tendas feitas de galhos, cobertas com folhas ou pele de animais.

Os instrumentos criados por aquele grupo de hominídeos eram muito rudimentares, feitos de madeira, ossos ou pedra (lascada), não possibilitando grandes alterações no meio ambiente e nem ganhos lucrativos pelos esforços despendidos na caça ou na colheita. Toda a energia e todo o tempo eram consumidos em atividades direta e estritamente voltadas para a sobrevivência – uma realidade pouco cômoda e sem regularidade alguma –, tornando os homens paleolíticos nada mais do que seres errantes e semifamintos, arriscando suas vidas por magras recompensas. Diante das adversas condições a que estavam submetidos, não havia mesmo outra opção a não ser obedecer a seus instintos mais básicos: alimentação e reprodução.

Quando se fala sobre instinto (Instinkt), não se pode escapar de falar, também, sobre pulsão (Trieb), conceito apresentado, pela primeira vez em 1905, pelo médico austríaco Sigmund Freud, ainda que de maneira seminal, na sua obra Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Embora, na obra de alguns outros autores, os dois termos tenham sido, em diversas circunstâncias, confundidos e considerados equivalentes, nos textos freudianos, eles aparecem, na maioria das vezes, com significados distintos, e cada qual trazendo seu próprio conteúdo semântico.

Na psicanálise, o conceito de pulsão é uma abstração que procura romper com a dicotomia, teoricamente, existente entre a mente e o corpo. Ainda que pareça uma contenda de simples resolução, na verdade, é uma tarefa que se revela bastante árdua e inglória. Para o psicanalista,à u aà puls oà oà te à ualidade,à eà oà ueà o e eà à vidaà psíquica, deve ser considerada apenas como uma medida de exigência de trabalho feito à e te à FREUD,à ,àp.à .àA pulsão seria, portanto, o representante psíquico de uma excitação endógena, um conceito limítrofe entre a psique e o soma, uma ponte entre o anímico e o somático ou, ainda, uma fronteira entre o mental e o corporal.

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pulsões fazem parte de um processo mais plástico e mais complexo. Elas são cargas de excitação que precisam ser aliviadas, com o intuito de fazer com que o organismo volte para o estado anterior ao aumento de tal carga.

As pulsões são, segundo Freud, caracterizadas por quatro elementos constituintes: uma [a] pressão (Drang ,àdefi idaà o oàoà fato à oto ,àaà ua tidadeàdeàfo çaàouàaà edidaà

da exigência que ela rep ese ta à ,àp. 143); uma [b] fonte (Quelle,àe te didaà o oà oà

processo somático que ocorre num órgão ou parte do corpo, e cujo estímulo é representado na vida mental por uma pulsão à ,àp.à ; uma [c] finalidade (Ziel ,à ueà à se p eàaà

satisfação, que só pode ser obtida eliminando-se o estado de estimulação na fonte da pulsão" (1915, p. 143); e um [d] objeto (Objekt), que "é a coisa em relação à qual ou através da qual a pulsão é capaz de atingir sua fi alidade à ,àp.à143).

No início das pesquisas freudianas, as pulsões tinham um caráter unicamente construtivo; mas, a teoria foi sendo amadurecida, ampliada e acabou por abarcar outras conformações. As pulsões passaram, então, a ser polarizadas, dicotômicas e conflitantes. O primeiro dualismo pulsional proposto pelo psicanalista refere-se aos pares idealizados a partir dos mitos de Eros e Ananke, determinantes, respectivamente, das pulsões sexuais sublimadas ou não , e das pulsões do eu referentes à auto-conservação dos indivíduos, que têm a fome e a sede como exemplares mais representativos. Juntas, tais pulsões teriam o poder de preservar a espécie, em face de uma realidade externa adversa, esmagadora e impiedosa, dominada pelos infortúnios que se voltariam contra os homens, guiada pelas inexoráveis leis do destino e que poderiam culminar na materialização da morte.

A partir de 1920, Freud reagrupa as pulsões sexuais (Eros) e as pulsões do eu (Ananke) em um único grupo pulsional, representado pela figura de Eros (Pulsão de Vida). O estudioso desenvolve, paralelamente, uma categoria de traço oposto, mas complementar, representada pela figura de Thánatos (Pulsão de Morte). Essas pulsões, embora de natureza contrárias, nunca atuam de maneira isolada; o caráter que as distingue também as une e é, nesse jogo de consonância e antagonismo, que reside o cerne dos conflitos psíquicos humanos.

Era uma tarde quente e abafada, e Eros, cansado de brincar e derrubado pelo calor, abrigou-se numa caverna fresca e escura.

Era a caverna da própria Morte.

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Quando ele acordou percebeu que elas tinham se misturado com as flechas da Morte, que estavam espalhadas no solo da caverna.

Eram tão parecidas que Eros não conseguia distingui-las.

No entanto, ele sabia quantas flechas tinha consigo e ajuntou a quantia certa. Naturalmente, Eros levou algumas flechas que pertenciam à Morte e deixou algumas das suas.

E é assim que vemos, frequentemente, os corações dos velhos e dos moribundos, atingidos pelas flechas do Amor, e às vezes, vemos os corações dos jovens capturados pela Morte (ESOPO [Grécia Antiga], In: KOVÁCS, 1992, p. 149).

Figura 2.Guernica, óleo sobre tela, Pablo Picasso, 1937 | Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía.

A Pulsão de Vida (Lebenstrieb) não tem o cunho regressivo típico das pulsões, mas um caráter amplificador, expansivo e empreendedor, buscando congregar indivíduos, famílias e povos em prol da preservação da vida. Tais expressões unificadoras e defensivas se contrapõem à regra geral das pulsões, conduzindo a comportamentos que se desviam e se distanciam do caminho assinalado por elas.

Já a Pulsão de Morte (Todestrieb) hipótese bastante controversa e, até hoje, não completamente aceita por muitos estudiosos da área tende a reduzir a excitação interna ao máximo, levando o organismo, inclusive, a um estado anterior ao surgimento da vida, ao estado anorgânico. Para Freud, oào jetivoàdaàvidaà àaà o te,àeà e o ta doàaoàpassado:àoà inanimado j àexistiaàa tesàdoàvivo à ,àp.à .àEssa pulsão seria, portanto, uma pulsão por excelência.

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agressão – forças a priori devastadoras, mas, paradoxalmente, criativas, que estabelecem desarranjos e rompimentos, mas que obrigam, por isso mesmo, os homens a se reconstruírem, promovendo, por fim, evolução e crescimento.

A maneira como se dará a pretendida descarga das pulsões será determinada, em nível inconsciente, pelas três instâncias basilares da personalidade: [a] o id, que seria o repositório da energia psíquica básica, das paixões, da agressividade e da libido; [b] o ego, tido como o elemento consciente e racional da mente humana; e por último, [c] o superego

onde estariam introjetadas as proibições, assim como os padrões morais e de conduta social. Três categorias que, apesar de distintas, interagem em todos os instantes e em todas as situações da vida cotidiana.

A utilização do instrumental psicanalítico para compreender questões históricas se faz válido na medida em que expõe a conexão existente entre a psique individual e a psique coletiva, já tratada por Freud em sua análise da gênese dos totens (símbolos sagrados e respeitados) e dos tabus (proibições de práticas diversas), que teriam como papel cercear as liberdades individuais e moldar o ethos dasàso iedades.à To eià o oà aseàdeàtodaà i haà

posição a existência de uma mente coletiva, em que ocorrem processos mentais exatamente

o oàa o te eà aà e teàdeàu ài divíduo à FREUD,à ,àp.à .àPsi a lise, Antropologia

Social e História convertem-se, portanto, em campos afins, que passam a se auxiliar mutuamente, no entendimento das relações que se estabelecem entre o homem e a sociedade à qual ele pertence.

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Nesses santuários paleolíticos – muitas vezes adornados com pinturas de notável mestria estética e maturidade artística, que retratavam cenas observadas ou idealizadas do cotidiano – já era possível identificar o embrião de uma vida mais profusa, que exaltava o sentimento, voltando-se para u àau e toàdoàp aze àso ial,àg açasàaàu aàutilizaç oà aisà completa da fantasia simbolizada e daà a te à MUMFORD, 1998, p. 14) e, também, para o florescimento de e tasà fa uldadesà espi ituaisà ouà so e atu ais,à fa uldadesà deà potência mais elevada e maior duração, de significado cósmico mais amplo do que os processos

o di iosàdaàvida à MUMFORD,à ,àp.à .

Figura 3. Desenhos na caverna de Chauvet, França, entre 28.000 e 40.000 anos atrás | Veja.

Na fase seguinte, intitulada de Neolítico, período compreendido entre 10.000 a.C. e 5.000 a.C., os homens começaram a desenvolver habilidades de cultivo agrícola, armazenamento de alimentos e domesticação de animais, essenciais ao desenvolvimento de um esquema mais seguro e previsível de vida. Embora algo muito sutil e, de certo modo, quase insignificante diante dos impactos provocados pelo homem sobre o território nos dias de hoje, rigorosamente não deixa de ser uma artificialização do meio natural. Alterações no

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É possível compreender, no caso dos grupos de hominídeos, que, através de um maior controle sobre as fontes de alimentação – antes sujeitas apenas aos caprichos da natureza –, os deslocamentos para coleta e para caça passariam a ser menos frequentes e também menos necessários, fazendo com que surgissem os primeiros assentamentos permanentes: as aldeias rurais – fragmentos do ambiente modificados segundo um projeto, um esquema, uma intenção.

O processo de sedentarização tornou-se, dessa forma, intrínseco ao novo modo de vida daqueles indivíduos, e a cultura meramente predatória do Paleolítico começou a dar espaço a uma existência mais simbiótica, e também, mais complexa em relação ao meio ambiente. Paralelamente, começaram a surgir uma série de avanços tecnológicos ligados à produção, armazenamento e conservação de víveres, estação após estação, garantindo uma melhor nutrição e trazendo, como resultado, um acréscimo populacional. Tal ordenamento e estabilidade proporcionados pela aldeia neolítica já forjaram, de certo modo, as bases para o desenvolvimento das cidades.

Contudo, não foi o simples aumento demográfico que transformou as aldeias em cidades. A geração de excedentes, permitida pelos progressos da agricultura e da pecuária, impulsionou o surgimento de atividades mais especializadas. Além do caçador, do camponês e do pastor, começaram a surgir muitos tipos de trabalhadores, como mercadores, sacerdotes e soldados, além de artesãos, lenhadores, administradores e construtores. Dessa a ei a,à uitasàfu ç es,à ueàhavia àat àaliàsidoàdispe sasàeàdeso ga izadas,àaju ta a -se dentro de uma área limitada, e os componentes da comunidade foram mantidos num

estadoà deà te s oà eà i te aç oà di i a à MUMFORD,à ,à p.à .àEnfim, um universo

socialmente mais complexo, economicamente mais sólido e também simbolicamente mais delineado.

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alusão à riqueza do solo da região – oriunda do depósito regular de material orgânico, proveniente das inundações dos rios e responsável pelo êxito obtido na agricultura.

Figura 4. Mapa da área denominada Crescente Fértil | Autor não identificado.

Ao longo do tempo, o conceito de cidade, enquanto suporte espacial e simbólico, sofreu consideráveis transformações. Concepções antes tidas como inabaláveis sobre a urbe perderam destaque, ao passo que novas condições começaram a se projetar e outras leituras foram ganhando protagonismo. Em uma dimensão histórico-terminológica, pode-se começar a discorrer sobre a ideia de cidade, partindo-se da noção grega de pólis– a sede onde uma determinada linhagem de pessoas, uma gente (gens/génos) se fixa e mora. Surge, nesse sentido, a forte conotação de ancestralidade, enraizamento e apropriação vinculada ao termo.

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concordância entre pessoas de distintas raças e origens, submetidas a uma mesma lei e congregadas para atingir um mesmo objetivo. Fosse africano, asiático ou europeu, qualquer homem livre que habitasse as terras do Império era um cidadão romano. Portanto, não é uma raiz étnico-religiosa o que uniria tais pessoas.

Limites espaciais e temporais, associados à cidade tradicional, bem como sua essência e seu ideário, têm-se tornado cada vez mais fluidos, mutáveis e reprogramáveis. As organizações e os indivíduos têm se emancipado cada vez mais dessas amarras. Surgem novas nuances, não somente em termos de configuração urbana e arquitetônica, mas, também, de ordem idiossincrática.

É incontestável que, para expressar nossa realidade, não podemos mais recorrer ao conceito de cidade tal como entendida historicamente. Basta ver a enorme quantidade de neologismos utilizados pelos autores contemporâneos – Ecstacity, cidade nodal, cidade informacional, cidade dos bits, e-topia, metápole etc. – como tentativa de situar a cidade dentro das modificações vigentes (ARAUJO, 2011, p. 29).

Figura 5. Vista noturna da cidade de Nova Iorque, 2013 [foto editada pelo autor utilizando efeito neon] | Ulisses Maciel.

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desenvolvimento da indústria do aço, a invenção do concreto armado e o surgimento de novos meios de transporte e comunicação – induziu ao surgimento de estruturas maiores, mais altas e arrojadas, possibilitando deslocamentos mais velozes e permitindo trocas de informações mais efetivas, levando a uma intensificação do fluxo de pessoas, bens e serviços como nunca havia existido. Tal cenário trouxe à tona, como consequência, uma necessidade pulsante de remodelação coletiva.

Nessa linha de raciocínio, não seria mais factível, nos dias de hoje, conceber indivíduos ou territórios com fronteiras rigorosamente fixas, estanques e delimitadas. Hibridismo e mestiçagem seriam os pressupostos do mundo contemporâneo, a regra vigente. Diversidade que, ao mesmo tempo em que revela pluralidade, também se traduz em achatamento dos papéis, homogeneização dos valores e destruição das singularidades, propiciados, em alguma medida, pelo fortalecimento de uma proposta de integração socioeconômica e cultural, a qual se costuma designar de globalização.

Nesse universo, o surgimento de uma série de descobertas e avanços tecnológicos trouxe consigo significativas alterações no estilo de vida, nos hábitos e nos padrões de comportamento das pessoas. É fato que, atualmente, o cotidiano dos habitantes das metrópoles contemporâneas encontra-se invadido por um número enorme de equipamentos eletrônicosque, ao permitirem novos modos de conexão, também afastariam e isolariam os indivíduos, promovendo certa impermeabilização entre eles.

Soma-se ao quadro o poder de alienação proporcionado pela publicidade e pelas estratégias de marketing, evocado a todo instante nos mais diversos suportes e ambientes, levando as pessoas a se abstraírem, em alguma proporção, da existência dos seus semelhantes, dificultando a construção de diálogos e mitigando as interações, como entendidas tradicionalmente.

Já no ano de 2005, ao falar sobre walkmans, discmans e mp3 players, Bruno Cardoso, aponta que eles deram a opo tu idadeàaoài divíduoàdeàseàalhea ,àat av sàdoàp aze àdeàouvi à úsi a,à deà u aà ealidadeà ueà seà to aà olate al à ,à p.à , e que os celulares, hoje

smartphones o e tadosà ài te et,à pe ite àesta àe à o tatoà aisàdi etoà o àalgu à

que se encontra longe do que com indivíduos que estão por perto (2005, p. 15).

Muitas das conexões estabelecidas, atualmente, acabam sendo mediadas por

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cognitiva do sujeito; configuram uma nova consciência, estabelecem as normas de conduta doà ovoàhu a oàeàdissolve àoàso ialàeàaàpolíti aà oà ei oàdoàespet ulo à “UBIRáT“,à 0, p. 17). Reuniões de família e encontro com amigos ou colegas – que deveriam ser, a princípio e por definição, eventos de intimidade, troca e interação – ficam, muitas vezes, truncados, mutilados e incompletos, pelo simples motivo de que os participantes estão bastante entretidos e absortos em seus mundos virtuais e particulares, trazidos até eles pela

internet. O olho-no-olho e o cara-a-cara são subjugados a um segundo plano e as ligações concretas perdem espaço para o virtual. Quem recebe e merece o touch, hoje em dia, são os

screens.

Ficção e propaganda, genocídio e consumo, patriotismo e entertainment fecham um ciclo contínuo e indiferenciado de imagens, ritmos e signos no qual os limites éticos e cognitivos entre o falso e o legítimo, o fragmento e a totalidade, entre o real e o delírio são vaporizados no panorama da super-realidade eletronicamente produzida (SUBIRATS, 2010, p. 23).

Figura 6. Usuários do metrô de Seul | Daniela Braun, G1.

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mais populosos, permitidas e estimuladas, em grande parte, pelos artefatos tecnológicos disponíveis à mão e ao bolso de quase todos, podem ser identificadas, por exemplo, no filme

Ela (Her), dirigido por Spike Jonze e lançado pela Sony Pictures em 2013.

Vivendo na Los Angeles de um futuro próximo, a personagem interpretada por Joaquin Phoenix, Theodore Twombly, é um homem melancólico, de poucos amigos e não muito entusiasmado pela vida, que, ironicamente, trabalha em uma empresa especializada em traduzir sentimentos e emoções dos clientes através de cartas manuscritas.

Após adquirir um novo sistema operacional com inteligência artificial autodenominado Samantha, Theodore vê sua vida mudar de sentido, seu vazio existencial, potencializado pela recente separação da esposa, começa a ser preenchido e um novo brilho começa a despontar no seu cotidiano.

Em um primeiro instante, Samantha é, basicamente, uma assistente eletrônica pessoal, que organiza e-mails e compromissos. Eventualmente, ela também dá alguns conselhos e umas injeções de ânimo em Theodore. Os diálogos entre eles vão se tornando progressivamente mais líricos e intimistas, fazendo com que homem e máquina gastem cada vez mais tempo conectados um ao outro e Samantha passe, em certo ponto, a ser uma presença quase palpável. Logo, Samantha desenvolve (ou, pelo menos, simula) mais afeição, mais cuidado e mais carinho com seu dono, e eles acabam por se apaixonar. Bem, pelo menos Theodore se apaixona por ela.

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Figura 7. Cena do filme Ela (Her), Spike Jonze, 2013.

É importante ficar claro, a partir do momento em que se reconhece a invasão de tais aparatos eletrônicos no cotidiano das pessoas, que não se está afirmando, em absoluto, que as pessoas não dialogam ou não interagem mais. Seria ingênuo afirmar tamanho despropósito. As relações humanas não estão, de jeito algum, arruinadas! As formas de conexão tradicionais ainda continuam sendo protagonistas e, portanto, ainda são a mola propulsora da sociedade. O que se está chamando atenção aqui é para o surgimento de uma nova maneira de comunicação e troca, com vínculos de outra natureza e baseada em outros suportes, que tem tomado forma no mundo contemporâneo e das quais a arquitetura se torna, sob certa ótica, conivente.

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Figura 8. Certificações LEED, Green Building Council.

De tal maneira, os habitantes das grandes metrópoles são forçados a se tornar peças de uma engrenagem, devendo produzir veloz e incansavelmente, sem parar. O objetivo é fazer tudo mais rápido e com menos recursos, em busca de uma eficiência que, na realidade, desgasta e pulveriza a socialização entre os indivíduos. Nessas cidades, os deslocamentos frenéticos e efervescentes dos corpos, em muitas situações, permitem apenas que se estabeleçam vínculos débeis e superficiais. áà idadeà ,à adaàvezà ais,àoà e ioàdeàde ivasàeà fluxos, encontros e fugas produzidos no território que articula os sujeitos que a percorrem,

suasàfo asàdeàvida,àsuasà e essidadesàeàa siedades à JáRáUTá,à ,àp.à .

Vivemos num tempo de mudança. Em muitos casos, a sucessão alucinante de eventos não deixa falar de mudanças apenas, mas de vertigem [...] Hoje, a mobilidade se tornou praticamente uma regra. O movimento se sobrepõe ao repouso. A circulação é mais criadora que a produção. Os homens mudam de lugar, como turistas ou como imigrantes. Mas também os produtos, as mercadorias, as imagens, as ideias. Tudo voa (SANTOS, 2006, p. 222).

Alegoricamente, configura-se um pouco o que arquiteto holandês Rem Koolhaas chama de Cidade Genérica, uma cidade fundada por pessoas em trânsito, determinadas a seguir adiante. Isto explica a insubstancialidade de suas fundações à ,à p.à . Esse território torna-se o novo laboratório de relacionamentos, olhares, tolerâncias e reconhecimentos à JáRáUTá,à ,àp.à ,àp oduzi doà u à ovoàse àso ial,à o st uídoàdeà matéria híbrida das diferenças, das ausências forçadas pela distância do lugar de origem, da

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As pessoas têm urgência em chegar a seus destinos, têm pressa de continuar em direção a seus empregos, suas escolas ou de voltar para suas casas, ao fim de cada extenuante jornada, se possível de modo rápido, sem atrasos ou empecilhos. Em meio à tamanha urgência, qualquer forma de socialização atrapalharia e desviaria os indivíduos de seu objetivo final. É a lógica da metrópole capitalista contemporânea e dela não se tem muito como escapar.

Nos deslocamentos há alta eficiência, entretanto são deslocamentos não para constituir encontros, mas para otimizar percursos entre pontos. Assim, deslocamento físico eficiente e segregação constituem-se como partes desdobradas de uma mesma condição (BOGÉA, 2009, p. 189).

Eclode uma realidade curto-circuitada, que põe em xeque o convívio e as relações sociais como são conhecidas, desdobrando-se, no final das contas, em distanciamento e isolamento entre as pessoas. Como não reconhecer, por exemplo, que alguém, dirigindo seu carro com vidros escuros e ar-condicionado ligado, conectado ao seu iPhone™à e ua toà cruza a Avenida Paulista, está, na verdade, desconectado, isolado e falsamente protegido de todos à sua volta? Dife e te e teàdasà idadesà edievais,à o àsuasàpo tasà la asàeàsuasà muralhas a definir o dentro e o fora, o habitante e o forasteiro, cidades contemporâneas

t à u osà adaàvezà aisài te osàeà uasà ueàseà o fu de à o àexte io idade à BOGÉá,à

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2. SUPERMODERNIDADE

Depois da experiência de duas guerras mundiais, depois de Auschwitz, depois de Hiroshima, vivendo num mundo ameaçado pela aniquilação atômica, pela ressureição dos velhos fanatismos políticos e religiosos e pela degradação dos ecossistemas, o homem contemporâneo está cansado da modernidade. Todos esses males são atribuídos ao mundo moderno. Essa atitude de rejeição se traduz na convicção de que estamos transitando para um novo paradigma. O desejo de ruptura leva à convicção de que essa ruptura já ocorreu, ou está em vias de ocorrer (ROUANET, 1987, p. 268-269).

Embora qualquer tentativa de definição seja reducionista e não faça jus à multiplicidade da situação, a pós-modernidade pode ser vista, em termos gerais, como um misto de condição filosófico-científica, manifestação sociocultural e expressão estética do capitalismo pós-industrial, fase caracterizada, dentre outros aspectos, pela explosão das inovações tecnológicas, ascensão do setor de serviços e amplificação das atividades relacionadas à informação. O recurso-chave das sociedades passou, então, a ser o conhecimento e não mais os tradicionais fatores de produção como a terra, a mão-de-obra e o capital, embora não se possa ainda prescindir deles.

Altamente complexo por natureza, o termo que lhe dá nome busca evidenciar uma mudança de orientação e revelar a fragilidade inerente às grandes utopias do modernismo.

Tal expressão, evidentemente, tem seu mérito, mas não basta por si só para traduzir o cenário de descrédito e desencantamento frente aos projetos e planos que tomavam corpo na sociedade, já que o sentido carregado por ela e seu uso mais recorrente não abarca uma mera denúncia ou simples tentativa de superação da modernidade, mas uma sugestão crítica para uma maior ramificação e multiplicação de conceitos.

A disputa pela primazia do uso do termo, pelo menos no campo da arquitetura, instaura-se entre os críticos norte-americanos e ingleses. Ainda que o norte-americano Charles Jencks, em 1977, tenha discutido mais claramente os possíveis fundamentos da nova linguagem arquitetônica no seu livro The language of post-modern architecture, em 1966, o inglês Nikolaus Pevsner já havia usado a expressão no seu artigo Architecture in our time: the anti-pioneers. No mesmo ano de 1977, o também inglês Peter Blake, ironizando o axioma

Form follows function enunciado pelo norte-americano Louis Sullivan e um dos mais emblemáticos do modernismo , publica o livro Form follows fiasco: why modern

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O próprio Jencks chegou a estabelecer, inclusive, como marco simbólico do término do modernismo e passagem para o pós-modernismo, a implosão do premiado complexo habitacional Pruitt-Igoe ocorrido em 15 de Julho de 1972, então localizado na cidade de Saint Louis, Missouri, Estados Unidos, projetado pelo arquiteto americano Minoru Yamasaki, e erguido em 1951 a partir dos postulados do Congrès Internationaux d'Architecture Moderne– CIAM.

É claro que atribuir exclusivamente à arquitetura a falha do referido projeto em promover qualidade de vida e bem-estar aos seus habitantes é um mito que não se sustenta. Se assim fosse, estariam sendo minimizadas todas as questões políticas, econômicas e culturais que levaram à ruína do complexo. Na conta da falência, devem ser computados, ainda o descontrolado crescimento populacional de Saint Louis, causado pelo rápido processo de industrialização após a Segunda Guerra; a periferização dos trabalhadores; o acirramento das históricas tensões raciais, muito próprias da sociedade norte-americana; a violência e a degradação não apenas do espaço físico, mas também o declínio social daqueles indivíduos já marginalizados por tantas outras circunstâncias.

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A partir do final dos anos 70, a noção de pós-modernidade fez sua entrada no palco intelectual com o fim de qualificar o novo estado cultural das sociedades desenvolvidas. Tendo surgido inicialmente no discurso arquitetônico (em reação ao estilo internacional), ela bem depressa foi mobilizada para designar ora o abalo dos alicerces absolutos da racionalidade e o fracasso das grandes ideologias da história, ora a poderosa dinâmica de individualização e de pluralização de nossas sociedades. Para além das diversas interpretações propostas, impôs-se a ideia de que estávamos diante de uma sociedade mais diversa, mais facultativa, menos carregada de expectativas em relação ao futuro (LIPOVETSKY, 2004, p. 51).

Em um quadro mais amplo, constata-se que muitas transformações estavam se desdobrando: a crença no futuro revolucionário, promulgada pelo ideário moderno, havia sido profundamente abalada; as regras autoritárias, enfraquecidas; e as militâncias das mais diversas ordens, abrandadas. Simultaneamente, o consumo, a comunicação em massa, a fragmentação do tempo e do espaço, a individualização e o hedonismo ganhavam força e importância.

Como se poderia pensar pelo simples uso do prefixo, a pós-modernidade, embora a interponha, não surge exatamente para aniquilar a modernidade, chegando, até mesmo, em alguns pontos, a maximizá-la. Muitos críticos e teóricos possuem suas próprias perspectivas e seus próprios discursos sobre o que vem a ser a pós-modernidade. Teorizá-la, portanto, não é uma empreitada das mais fáceis. Ainda que seja preciso, nesse momento, assumir algum risco para avançar na exposição, é realmente um pouco complicado tratar de um assunto, que presume refletir, contestar ou repaginar uma condição anterior sobre a qual nem ao menos se tem pleno domínio e entendimento.

É difícil chegar ao caráter fundamental do fenômeno pós-moderno do modo como ele surgiu na arquitetura e em quase todos os outros campos culturais. Sob um ponto de vista, é preciso reconhecê-lo como uma reação compreensível às pressões da modernização social, e, portanto, como uma fuga à tendência da vida contemporânea a ser totalmente dominada pelos valores do complexo industrial-científico (FRAMPTON, 1997, p. 372).

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típicos do discurso moderno. Sem querer criar uma plataforma política, caberia, aqui,

pa af asea à oà ef oà daà úsi aà Ideologia,à o postaà po à Cazuzaà e à :à Meusà he isà

morreram de overdose / Meus inimigos estão no poder / Ideologia / Eu quero uma pra

vive à Cá)U)á,àIdeologia,à .à

As controvérsias atuais sobre o que muitos rotularam de pós-modernidade talvez devessem ser vistas antes como as primeiras iniciativas reais da ambiciosa tarefa de mapear o universo cultural decorrente da desintegração completa e cabal do mundo tradicional. No mínimo, elas certamente exprimem o forte sentimento de que os modelos preestabelecidos de análise cultural deixavam radicalmente a desejar (GIDDENS, 1987, p. 28-29).

Segundo o filósofo francês Gilles Lipovetsky, para quem os tempos atuais ainda são modernos, ocorre, na realidade, o recrudescimento de algumas características já presentes nas sociedades Hipercapitalismo, hiperclasse, hiperpotência, hiperterrorismo, hiperindividualismo, hipermercado, hipertexto o que mais não é hiper? O que mais não

exp eàu aà ode idadeàelevadaà àpot iaàsupe lativa? à LIPOVET“KY,à ,àp.à .à

Como espelho de tal alegação, pode-se constatar, em diversos filmes, uma profusão quase insana de tramas simultâneas ou fora de sequência, cortes abruptos, personagens com histórias superficiais e narrativas focadas em acontecimentos banais, muitas vezes através de episódios inverossímeis de ação, recheadas de efeitos visuais e sonoros, feitos por computador, ou até mesmo através de cenas apelativas de sexo e violência, que pretendem provocar algum grau de sensação impactante na plateia.

Nessa estética, ocorre também uma mistura de referências das ditas alta e baixa culturas, congruente com esse mesmo excesso de informação, sem profundidade ou superficialmente contextualizada que têm como objetivo final o gozo, a surpresa e a catarse dos espectadores, em um esforço de constante busca pela satisfação hedonista e pelo prazer imediato.

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O declínio de perspectivas e narrativas históricas mais abrangentes e a neutralização de um complexo mais antigo de interesses e enfoques narrativos (ou formas de consciência temporal) nos liberam agora para um presente de intensidades não-codificadas, mais ou menos como o efeito químico de drogas serve para afrouxar nossas pró-tensões e re-tensões temporais na contemplação hipnótica do que agora nos é apresentado alucinogenamente (JAMESON, 1995, p. 153).

Figura 10. Propaganda do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, Associação Brasileira de Imprensa, 2008 | Agência Africa.

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inspirada em filmes exploitation, em um blockbuster que arrecadou muitas vezes mais o valor investido, sendo hoje considerada um cult movie, ou por que não mesmo dizer,

mainstream.

A narrativa tem como pano de fundo o submundo das drogas e do crime, onde são contadas três histórias diferentes que se interconectam e se interlaçam, como em uma colagem. O filme, fora da ordem cronológica e com uma extensa gama de personagens – dois assassinos profissionais, um gângster e sua esposa junkie, um pugilista e um casal de assaltantes –, apresenta cenas e diálogos oblíquos com muitas referências à cultura pop e estilização da violência, misturando ficção com a realidade das ruas – outro recurso típico do cinema pós-moderno. Ao mesmo tempo, seus significados se revelam mais pela forma do que, propriamente, por seu conteúdo, propondo uma organização discursiva na qual as imagens tenham tanto ou mais força do que as palavras.

Causa pouca surpresa que a relação do artista com a história (o historicismo peculiar para o qual já chamamos a atenção) tenha mudado, que, na era da televisão de massa, tenha surgido um apego antes às superfícies do que as raízes, à colagem em vez do trabalho em profundidade, a imagens citadas superpostas e não às superfícies trabalhadas, a um sentido de tempo e de espaço decaído em lugar do artefato cultural solidamente realizado. E todos esses elementos são aspectos vitais da prática artística na condição pós-moderna (LIPOVETSKY, 2005, p. 51).

Figura 11. Cena do filme Pulp Fiction: tempo de violência, Quentin Tarantino, 1994.

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muito evidente e bastante difícil de contrariar: o excesso, que pode ser traduzido através de três figuras – a superabundância factual, a superabundância espacial e a individualização das referências (2012, p. 41).

A superabundância factual seria condizente com a aceleração dos acontecimentos e com a falsa sensação de abreviação da história, causadas, nos dias de hoje, por um volume massivo de informações, geradas e propagadas quase que simultaneamente, nutridas por uma quantidade sem precedentes de interdependências globais e ratificada pela necessidade de se atribuir importância e valor ao presente, já que o passado perdeu força, como referência, e o futuro é, mais do que nunca, incerto.

Chegou a vez da liquefação dos padrões de dependência e interação. Eles são agora maleáveis a um ponto que as gerações passadas não experimentaram e nem poderiam imaginar; mas, como todos os fluidos, eles não mantêm a forma por muito tempo. Dar-lhes forma é mais fácil que mantê-los nela. Os sólidos são moldados para sempre. Manter os fluidos em uma forma requer muita atenção, vigilância constante e esforço perpétuo – e mesmo assim o sucesso do esforço é tudo menos inevitável (BAUMAN, 2001, p. 14-15).

Seguindo com a explicação de Augé, a superabundância espacial seria reflexo direto de uma alteração de escala, que acabou por encolher o planeta. Os meios de transporte rápidos, as imagens captadas e difundidas por satélites, as informações cabeadas à velocidade da luz, a publicidade ostensiva e onipresente, entre outras coisas, conduziram, contraditoriamente, a um considerável grau de achatamento e homogeneização do globo, acarretando na produção e na reprodução de alguns lugares sem identidade, relação ou história, especialmente quando comparada com a noção sociológica de lugar herdada do sociólogo francês Marcel Mauss3 eà deà todaà u aà t adiç oà et ol gi aà uelaà deà ultu aà

lo alizadaà oàte poàeà oàespaço. à áUGÉ,à ,àp.à .

A lenta miniaturização das proporções do habitat terrestre, causada pela aceleração permanente de todos os trajetos é uma forma insidiosa da desertificação do mundo, uma forma geralmente percebida como um progresso tanto técnico quanto político que aproximaria os homens, as culturas remotas, reduzindo a nada, ou a quase nada, as distâncias, as demoras (VIRILIO, 2011, p. 103-104).

3 Marcel Mauss assinalou que as coisas não podem ser mais importantes que os vínculos estabelecidos entre as

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Figura 12.Times Square, Nova Iorque | Inside Student Blogs.

Por fim, a individualização das referências – excesso do ego – seria decorrência de um atributo que, simultaneamente ao fortalecimento das articulações do rizoma-mundo, considerando toda sua multirracialidade, plurissexualidade, interdisciplinaridade e transcontextualidade, faz ressoar um clamor de particularização e distinção, através do qual asà oletividadesà e essita à epe sa àoàvalo àeàoàsi olis oàdeàsuaàide tidade,àj à ue,à aà medida em que a identidade deriva da substância física, do histórico, do contexto e do real, de certo modo não conseguimos imaginar que algo contemporâneo – feito por nós –

o t i uaàpa aàela à KOOLHáá“,à ,àp.à .à

Até os comportamentos individuais são pegos na engrenagem do extremo, do que são prova o frenesi consumista, o doping, os esportes radicais, os assassinos em série, as bulimias e anorexias, a obesidade, as compulsões e vícios. Delineiam-se duas tendências contraditórias. De um lado, os indivíduos, mais do que nunca, cuidam do corpo, são fanáticos por higiene e saúde, obedecem às determinações médicas e sanitárias. De outro lado, proliferam as patologias individuais, o consumo anômico, a anarquia comportamental (LIPOVETSKY, 2004, p. 55).

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aproximação, uma das inúmeras facetas do cenário da contemporaneidade – um mundo fractal, comprometido e legitimado pela fluidez, pela vertigem e pela multipossibilidade.

Figura 13.La desintegración de la persistencia de la memoria, óleo sobre tela, Salvador Dalí, 1952-54 | The Dalí Museum.

Há muito a velocidade está enraizada – ponto pacífico. O que acontece agora é que o giro (turnover) foi incrivelmente acelerado, fazendo com que tudo esteja programado para a obsolescência, devendo ser jogado fora ou substituído em algum momento. Coisas e pessoas tornaram-se igualmente consumíveis e descartáveis. Tal condição induz os indivíduos, com notável destaque para os habitantes das metrópoles, a buscarem algum grau de completude por meio do trabalho incessante ou pela busca frenética do prazer consumista.

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Grosso modo, essas válvulas de escape podem ter suas expressões ligadas a uma materialidade arquitetônica. A alienação através do trabalho, por exemplo, pode ser ratificada pelo aspecto predominantemente funcional de muitos edifícios, que são parte integrante da paisagem e da identidade urbanística contemporânea, tais como estações de trem, metrô, rodoviárias, aeroportos e high-rise buildings, dentre outros.

Já, a alienação pelo prazer pode ser traduzida pelas sensações imediatas de deleite visual, presentes tanto nos atuais templos de consumo – os shopping centers – quanto nas próprias cidades em si que, em alguns casos, através de processos de city marketing, fazem brotar edifícios icônicos, com forte apelo estético, comumente vinculados a grandes marcas ou conglomerados empresariais, buscando seduzir pela audácia formal e arrojo tecnológico. Tais projetos são concebidos, indiscutivelmente, como mercadorias, atrelando toda uma gama de símbolos e valores ao cliente entendido, aqui, como seu patrocinador e quase nunca ao seu usuário final.

Figura 14. Skyline de Dubai durante o pôr-do-sol | Karim Nafatni.

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3. LUGARES OU NÃO

O conceito de lugar, considerado por muito tempo como um dos mais problemáticos da Geografia, tem se destacado, recentemente, como uma das chaves para a compreensão das tensões do mundo contemporâneo. Articulando, entre outras, as questões relativas a globalização versus individualismo, às visões de tendência marxista versus fenomenológica ou à homogeneização do ambiente versus sua capacidade de singularização, o lugar tem se apresentado como um conceito capaz de ampliar as possibilidades de entendimento de um mundo que se fragmenta e se unifica em velocidades cada vez maiores (FERREIRA, 2000, p. 65).

Para apreender a concepção de lugar que, em uma primeira leitura, pode parecer uma expressão evidente por si só, faz-se apropriado também discorrer sobre o conceito de espaço, esclarecendo, desde já, que essas noções ultrapassam em muito a esfera do conhecimento apenas geográfico, permitindo interlocuções com uma multiplicidade de disciplinas, tais como a história, a filosofia, a sociologia, a antropologia, a psicologia, a literatura, o cinema e a arquitetura, dentre tantas outras.

Embora exista uma profusão de autores que já dissertaram sobre o assunto, muitas vezes com interpretações divergentes e contestadas, para essa pesquisa é oportuno esclarecer que tais noções não serão tomadas como categorias antagônicas e desarmônicas, mas como modalidades análogas e congruentes, não havendo, stricto sensu, oposição entre elas. As ideias de lugar e espaço são, portanto, espécies de camadas que se tocam embora se diferenciem, mantendo uma constante relação dialética.

Para uma consolidação mais efetiva do argumento a ser desenvolvido, o ponto de partida da análise subsequente será as pessoas, principais usuárias desses referidos domínios. Enquanto criaturas biológicas, os seres humanos são dotados de órgãos sensoriais, muito semelhantes aos de uma série de outros animais; contudo, seus princípios de organização espacial são fundamentados, de modo particular, em uma estrutura corporal bípede, uma postura ereta e uma orientação horizontal, frontal e linear. É com base nesse esquema de base biológica que o ser humano interpreta toda a complexidade do mundo físico e social em que vive.

O primeiro objeto autônomo que uma criança tem contato no espaço é, sem dúvida,

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(GEHL, 2013, p. 33). Daí a importância de Eguimar Chaveiro4 – apoiado em autores do gabarito de Jean-Paul Sartre e Maurice Merleau-Ponty, ao discorrer sobre a interconexão entre espaço e corporeidade –aoàafi a à ueà oà àpossívelàhave àexist iaàdoà o poàeàdaà vida sem o espaço e os seus componentes, como não é possível existir espaço, lugar, paisagem ou outro atributo queàpe iteàaàaç oàhu a a,àse àaàexpe i iaàdoà o po .à

Os diferentes indivíduos que, por alguma circunstância ou por um instante qualquer, tenham de partilhar um mesmo espaço, acabam por endossar muitos dos processos de segregação e discriminação que definem a realidade conflitiva deles. O espaço, sempre alvo de disputas entre os variados estratos sociais, é concebido, portanto, pelas distintas corporeidades que o experienciam e pleiteiam sua apropriação, não apenas no âmbito físico, mas também no campo subjetivo, imagético, simbólico.

Ainda que os sentidos de espaço e de lugar possam ser confundidos facilmente e, no cotidiano, isso aconteça com muita frequência é importante pontuar algumas tentativas de caracterização feitas por destacados autores, que podem ajudar a formar um quadro teórico consistente a respeito de tais conceitos.

Para o geógrafo sino-americano Yi-Fuà Tua ,à oà ueà o eçaà o oà espaçoà indiferenciado, transforma-se em lugar à medida que o conhecemos melhor e o dotamos de

valo à ,àp.à .àPa aàele,àoàespaçoà e ua toàu idadeàgeo t i aà ... à àu aà ua tidadeà

e su velà eà p e isa à ,à p.à ,à u à o eitoà veto ializ velà eà u idoà deà di e s esà finitas como altura, largura, profundidade, área e volume. Seus substratos são de caráter físico, referenciados em coordenadas cartográficas e representados por uma extensão, uma distância entre dois pontos ou até mesmo uma rede com limites e conexões. O espaço, dessa maneira, tem uma natureza estacionária, onde os objetos se põem distintamente em relação aos outros, implicando em uma delimitação própria a cada um deles e transmitindo, como consequência, uma ideia de estabilidade. Sua base é de cunho essencialmente pétrea e estacionária.

4 MARANDOLA JR, Eduardo; HOLZER, Werther; OLIVEIRA, Lívia de (Orgs.). Qual o espaço do lugar?: geografia,

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Figura 15. Espaço indiferenciado | ForWallpaper.

Por sua vez, o lugar é antropológico, impalpável e subjetivo, habitualmente ligado à noção de tempo, onde as ações e competências humanas se sucedem e ganham significado, conforme se pode inferir a partir das teorias enunciadas por geógrafos humanistas, tais como o próprio Tuan e Edward Relph. Todas as vivências culturais, sociais e simbólicas do cotidiano, sejam individuais ou coletivas, manifestam-se nesse palco. O lugar, desse modo, tem uma condição cinética, onde os elementos, embora se ponham distintamente em relação ao demais, estabelecem uma interação, transmitindo, como resultado, uma ideia de movimento. Sua base é de cunho essencialmente dinâmica e transmutável.

A partir dessas premissas e da permeabilidade existente entre tais conceitos, o historiador e e uditoàf a sàMi helàdeàCe teauàe u iaà ueà oàespaçoàesta iaàpa aàoàluga à o oàaàpalav aà ua doàfalada ,àse do,àdesseà odo,à u àluga àp ati ado ,à u à uza e toà deà fo çasà ot izes 5. Ambos os conceitos são construídos por componentes materiais e

imateriais;àelesàseàe t elaça àeàu àajuda,à e ip o a e te,àaà o po àoàout o.à Éàta efaàdoà lugar envolver as tramas do modo de produção, das ações dos sujeitos e, então, do

5

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e volvi e toà dasà dife e tesà o po eidadesà oà usoà eà ap op iaç oà doà espaço à CHáVEIRO,à 2012, p. 267).

O tempo é vivido como memória, e por isso memória e identidade adensam o lugar. A memória é a experiência vivida que o significa, definindo-o e quanto tal. Não é à toa que pensar em lugar é mais fácil recuando no tempo: lugar de nascimento, lugar de lembranças, lugar de saudade, lugar de memória, lugar de identidade. Ele parece mais conectado a uma tradição, a uma experiência profunda de entrelaçamento com a terra. Um ritmo lento onde o sentido da permanência prevalece. Mas não apenas isso (MARANDOLA JR, In: MARANDOLA JR; HOLZER; OLIVEIRA, 2012, p. 229).

Figura 16. Grande Bazar de Istambul, 2014 | Ulisses Maciel.

Segundo o geógrafo brasileiro Milton Santos, os conceitos se põem de modo um pouco diferente do que já apresentados até aqui. Para ele,àoàespaçoà à u à o ju toàdeàfixosà

eàfluxos à ,àp.à ,ào deà osàele e tosàfixos,àfixadosàe à adaàluga àpe ite àaç esà ueà

odifi a àoàp p ioàluga à ,àp.à ,àe ua toà ueà osàfluxosàs oàu à esultadoàdi etoà

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indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isolada e te,à asà o oàu à uad oàú i oà oà ualàaàhist iaàseàd à ,à

p.à .àPo ta to,à oàespaçoà eú eàaà ate ialidadeàeàaàvidaà ueàaàa i a à ,àp.à ,àse doà

u àsiste aàdeàvalo es,à ueàseàt a sfo aàpe a e te e te à ,àp.à .à

O lugar não é mais o mesmo que sempre foi. Ou mais, os lugares não são mais os mesmos que foram outrora. Um mesmo espaço pode mudar ao longo da história. Os espaços ocupados podem ser os mesmos, mas é certo que todas as mudanças nele promovidas são acompanhadas por uma ressignificação dos sentidos que lhes são atribuídos. São os mesmos espaços, mas diferentes lugares. Podemos dizer preliminarmente que um espaço pode conter diferentes lugares. Para além de um mero espaço geográfico, o que um lugar representa depende dos significados que lhe são atribuídos (MOCELLIM, 2009, p. 77-78).

Pensando nesse sentido, arquitetos, engenheiros, planejadores, políticos, gestores e cientistas, de modo geral, não podem, através de seus desígnios, conceber lugares propriamente. Tais tomadores de decisão conseguem, no máximo, através de conhecimentos técnicos e analíticos, prover o suporte tectônico que facilita a produção e reprodução deles. Os usuários, não os especialistas, é que são os verdadeiros fundadores dos lugares.

O conceito de lugar, independente de qual venha a ser o interesse da área de estudo que o analisa e, portanto, do objeto em foco, encerra em si um leque de interpretações e de diferentes significados. Esses possíveis significados vêm sendo investigados há bastante tempo, mas foi na segunda metade do século passado que ganharam muito destaque no meio acadêmico, inclusive no campo da arquitetura, sendo amplamente discutidos e analisados, resultando em diversas abordagens teóricas como vernaculismo, regionalismo e modernidade apropriada, dentre outras.

A geografia, enquanto ciência, deu pouca atenção ao lugar no decorrer da história. Seu ganho de importância coincide com dois processos: o surgimento de abordagens teóricas que procuravam enfatizar valores humanistas orientados pelas filosofias do espírito, dando atenção à diversidade, à heterogeneidade e à diferença (geografia humanista primeiramente, depois a geografia cultural); e o movimento de mundialização que forjou uma oposição entre global-local/ mundo-lugar a partir da subjugação do segundo pelo primeiro (MARANDOLA JR, In: MARANDOLA JR; HOLZER; OLIVEIRA, 2012, p. XIV).

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Segundo Augé, os lugares possuem, fundamentalmente, três propriedades. Para o antropólogo, eles se pretendem identitários, relacionais e históricos. Embora tais características cubram com um certo verniz a real face dos lugares, também camuflam um aspecto não tão poético e, até mesmo, repulsivo deles. Surge, sob essa perspectiva, a manifestação do enraizamento e do apego ao lugar, com vieses bastante exclusivistas e preconceituosos, onde, tudo e qualquer coisa que seja diferente ou não reconhecido como parte integrante deles deve ser – e, muito provavelmente, será – deslocado de modo compulsório, em uma atitude legitimada de proteção e de defesa. Renda, etnia, gênero e crença (política ou religiosa) são plataformas que endossam uma equivocada e perigosa busca pela pureza dos lugares.

Já os não-lugares, por oposição, seriam o oposto do ambiente de trabalho, do lar, do espaço íntimo, vendo-se representados pelos meios de transporte em si, quanto pelas instalações públicas de grande e rápida circulação, como autoestradas, rodoviárias, estações de trem, metrô e aeroportos. Fazem ainda parte da lista, além dos nós de mobilidade citados, hospitais, supermercados, shopping centers, quartos de hotéis, parques temáticos, lanchonetes fast food, dentre uma infinidade de outros ambientes construídos de modo padronizado. Nesse cenário, agrupa-se também uma realidade colateral não menos considerável: a relação que os usuários estabelecem com esses espaços e entre si mesmos, quando os permeiam.

Em sentido trivial, como localização, toda parte é um lugar, mas, em um nível mais complexo, lugar se refere às configurações diferenciadas do seu entorno, pois são focos que reúnem coisas, atividades e significados. Sempre que a capacidade do lugar de promover a reunião é fraca ou inexistente temos não-lugares ou lugares-sem-lugaridade. Essas ideias são importantes porque permitem entender lugar pela ausência, tanto quanto pela presença (RELPH, In: MARANDOLA JR; HOLZER; OLIVEIRA, 2012, p. 25).

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Embora o termo não-lugar tenha sido cunhado pelo urbanista americano Melvin Webber6 em 1964 e só amplamente difundido por Augé7 a partir de 1994, sua natureza maquinal já havia sido identificada e apreendida por muitos pensadores, pintores, fotógrafos, poetas e artistas. Em O homem da multidão (The man of the crowd), por exemplo, conto de Edgard Allan Poe ambientado na Londres do século XIX, que naquele momento era a cidade mais populosa do mundo, o literato, já apontava para a essência marcial e automatizante dos não-lugares.

Olhava os transeuntes em massa e os encarava sob o aspecto de suas relações gregárias. Logo, no entanto, desci aos pormenores e comecei a observar, com minucioso interesse, as inúmeras variedades de figura, traje, ar, porte, semblante e expressão fisionômica.

Muitos dos passantes tinham um aspecto prazerosamente comercial e pareciam pensar apenas em abrir caminho através da turba (POE [1840], 2008, p. 259).

Da mesma forma, Charles Baudelaire já descrevia, em seu poema A uma passante (À une passante), publicado em As flores do mal (Le fleurs du mal) a característica fugaz dos encontros (e desencontros) na Paris de fins do século XIX, que se tornava cada vez mais populosa, registrando, pela primeira vez na literatura, a possibilidade da rápida perda de alguém em meio à multidão na metrópole que se agigantava.

Un éclair... puis la nuit! — Fugitive beauté Dont le regard m'a fait soudainement renaître, Ne te verrai-je plus que dans l'éternité?

Ailleurs, bien loin d'ici! trop tard! jamais peut-être! Car j'ignore où tu fuis, tu ne sais où je vais, Ô toi que j'eusse aimée, ô toi qui le savais! (BAUDELAIRE [1857], 1975, p. 93)

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WEBBER, Melvin M. et al. Explorations into urban structure. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1964.

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Figura 17. Estação de trem no horário do rush, Mumbai | Vivek Prakash, Reuters.

Referências

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