Carlos Roberto Quintão
VIAGEM ATRAVÉS DO IMPOSSÍVEL
A EVOLUÇÃO DOS EFEITOS VISUAIS NO CINEMA
Dissertação apresentada à Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Artes Visuais
Orientador: Prof. Heitor Capuzzo C-Orientadora: Prof. Ana Lúcia Andrade
Quintão, Carlos Roberto, 1974-
Viagem através do impossível [manuscrito] : a evolução dos efeitos visuais no cinema / Carlos Roberto Quintão. – 2013.
185 f. : il.
Orientador: Heitor Capuzzo. Coorientadora: Ana Lúcia Andrade
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Belas Artes, 2003.
1. Animação (Cinematografia) – Teses. 2. Animação
SUMÁRIO
PRIMEIRAS MÁGICAS ... 03
AS ILUSÕES ÓPTICAS ... 14
A SUBSTITUIÇÃO DO ESPAÇO ... 33
A ANIMAÇÃO 2D ... 63
A ANIMAÇÃO 3D ... 71
A CIÊNCIA DA ERA ANALÓGICA ... 98
A ERA DIGITAL ... 113
O EFEITO INVISÍVEL ... 139
O HOMEM SINTÉTICO ... 152
CONCLUSÃO ... 164
FILMOGRAFIAS SELECIONADAS ... 169
CAPÍTULO I:
PRIMEIRAS MÁGICAS
Aqui são apontadas as primeiras experiências de manipulação da imagem, através de trucagens, dupla e tripla exposição e animação. São introduzidas basicamente as principais técnicas que serão desenvolvidas paralelamente à linguagem clássica.
O francês Georges Méliès (1861-1938) registrava imagens com sua câmera de fabricação própria – construída a partir de um protótipo desenvolvido pelo inglês Robert W. Paul – no Place de l’Ópera em Paris, quando o dispositivo
travou. Demorou cerca de um minuto para que Méliès conseguisse liberar a película e continuar filmando. Neste meio tempo, as pessoas e os veículos que ele filmava obviamente se moveram. Quando foi projetar o conteúdo filmado, após ter unido os trechos interrompidos, Méliès se deparou com um evento interessante: ônibus se transformavam em cocheiros, mulheres em homens. Um truque simples, chamado de FOTOGRAFIA DE STOP-ACTION, mas que despertou em Méliès – um mágico de formação – a ânsia por experimentar novas formas de espetáculo permitidas pelo invento.
de se utilizarem de técnicas fotográficas com o intuito de chocarem ou maravilharem o olhar ainda virgem do público. Os Irmãos Lumiére, por exemplo, já tinham experimentado algumas dessas possibilidades, como em
Démolition d’un Mur (1896), no qual pedreiros derrubavam um pequeno muro
e, logo após, ao rodar o filme ao contrário, o muro se reerguia milagrosamente.
Em Le Squelette Joyeux (1895), os Lumiére manipulavam uma marionete de
um esqueleto em frente a um fundo negro, fazendo-a dançar, se desmontar e se reconstruir. A trucagem, simples, nem precisava recorrer à animação. Bastava pintar os fios que erguiam os membros do esqueleto também de preto, de modo que estes não apareciam na filmagem.
Mas foi Méliès, que era proprietário do famoso Théâtre Robert-Houdin em Paris, um renomado espaço para espetáculos de mágica e ilusionismo, quem percebeu que poderia, utilizando o invento, ampliar tanto seu repertório de trucagens quanto seu público. Sua paixão pelas possibilidades da invenção surgiu na lendária sessão promovida pelos Irmãos Lumiére no dia 28 de dezembro de 1895, na qual estava presente.
Cena de O Homem com a Cabeça de Borracha (1901)
A maior parte destas técnicas Méliès aproveitou da fotografia e do teatro. Em O
Homem com a Cabeça de Borracha (L’homme à la tête en caoutchouc,
1901), por exemplo, o cineasta dividiu a tela, criando uma máscara que impedia que uma área da película sofresse exposição num primeiro momento e depois reajustando a máscara para que somente estas áreas fossem expostas numa segunda filmagem. Com isso, o espectador via apenas um cientista (vivido pelo próprio Méliès) que duplicava sua cabeça e a inflava até explodir.
Cenário pintado em perspectiva forçada em Viagem à Lua (1902)
As mais famosas realizações do criador são Viagem à Lua (Le voyage dans la lune, 1902) e Viagem Através do Impossível (Le Voyage à travers l’impossible, 1904). Viagem à Lua, inspirado na obra de Julio Verne e H. G.
quadro. Méliès combina cenários pintados com dupla exposição – uma para a sacada construída em estúdio, outra para os demais elementos. A ilusão de tridimensionalidade obtida ainda hoje é eficiente.
Georges Méliès voltaria a utilizar a mesma trucagem em outros momentos da trama. Numa determinada seqüência, os exploradores passam a primeira noite na superfície da Lua e, enquanto dormem, eles sonham com estrelas com rostos femininos, astros e planetas com formas humanas que pairam sobre eles, finalizando com uma chuva cósmica. Fica claro aqui que os sonhos dos personagens são como o grande sonho da platéia, materializado pelo celulóide.
mais exato. A tela funciona como uma nova profundidade para o palco, onde ele pode acrescentar novas camadas e novas ilusões.
Mesmo não tendo considerado ainda o potencial da montagem como linguagem, Méliès já a utiliza como recurso ilusório, aja visto a seqüência descrita acima. Principalmente, ele consegue vislumbrar o potencial do cinema como uma arte de camadas, reflexão que guiará a prática de efeitos especiais por toda a História do Cinema.
existe, mas a preocupação com a interação destes elementos com o espectador ainda é deficiente. A platéia permanece observando a trama impassível, sempre do mesmo ângulo, o que causa um distanciamento.
Em seguida, temos um efeito elaborado, quando os exploradores chegam na estação de trem: vemos a bilheteira, os passageiros e a estação à frente, com o trem ao fundo, vislumbrado através de duas portas, uma à direita da tela, onde se vê o trem especificamente e outra situada à esquerda, onde se vêem os vagões, por onde entram os cientistas. Após esta porta da esquerda ser fechada, o trem entra em movimento, o que pode ser conferido na abertura da direita. Obtida através de criativa utilização de elementos cênicos, a ilusão é perfeita. Méliès dá continuidade a essa imagem na tomada seguinte que segue o trem saindo da estação (ou seja, continuando o seu movimento anterior) ao longe, numa mistura de miniaturas, cenários pintados e elementos de
composição cênica, como uma pequena queda d’água simulando uma
cachoeira e a fumaça que sai da chaminé do trem. Mais uma vez, a montagem é usada pelo cineasta com objetivos de trucagem, unindo dois objetos que se pretendem o mesmo (o trem cênico e o trem miniatura) numa seqüência de movimento ininterrupta na mesma direção.
servindo uma refeição, e saindo pela parede oposta. Elementos cênicos como fumaça e poeira completam a ilusão.
Na seqüência onde o trem alça vôo em direção ao espaço sideral, o realizador utiliza várias camadas de imagens obtidas por duplas e triplas exposições.
O prolífico cineasta chegou a fundar o primeiro estúdio especializado em efeitos especiais, o Star Filmes de Paris. O resultado estético das experimentações de Méliès ainda hoje impressiona pela criatividade e continua a influenciar novas gerações de realizadores. Essa influência pode ser sentida em longas como As Aventuras do Barão Munchausen (The Adventures of Baron Munchausen, 1989), de Terry Gilliam e em videoclips como Tonight,
Tonight (EUA), da banda Smashing Pumpkins e Busca Vida (Brasil), dos
Paralamas do Sucesso.
Por mais de 10 anos, graças a sua imaginação fértil e o gosto pela experimentação dos recursos da técnica cinematográfica, George Méliès foi o cineasta mais popular do mundo. Suas “tramas”, contadas, sobretudo de forma
A criação de uma linguagem específica da arte cinematográfica veio depois com as experimentações de Edwin S. Porter e D.W. Griffith, nos EUA. Porter, em seu filme mais famoso, O Grande Roubo do Trem (The Great Train Robbery, 1903) chegou a utilizar a mesma técnica criada por Méliès em O
Homem com a Cabeça de Borracha, só que com efeito dramático. Logo na
Cena da estação ferroviária em O Grande Roubo do Trem (1903)
Em outro momento, a cena é percebida de dentro do trem e vemos pela abertura que o veículo está em movimento e que já saiu da estação. Nesta mesma seqüência, Porter utiliza um efeito visual, no caso o acréscimo de cor, para substituir um efeito sonoro. Ao explodir o cofre onde se encontra o dinheiro transportado, a explosão é pintada à mão na cor vermelha, o que
reforça a impressão de estrondo. O espectador chega a “ouvir” mentalmente a
Outra trucagem que se provou eficiente, a partir da utilização efetiva de posições diversas de câmera e do uso da montagem para reforço do efeito visual acontece em A Pequena Corrida dos Policiais (La Course dês Sergents de Ville, 1906), de Ferdinand Zecca. Nesse curta-metragem de 6 minutos de duração, uma espécie de precursor das comédias dos Keystone Cops, um policial surpreende um cachorro roubando um pedaço de carne num açougue e dá início a uma perseguição pela cidade, que acaba envolvendo diversos outros policiais.