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Academic year: 2017

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DOI: 10.1590/1980-43692014000200006

Israel: a crise próxima

Israel: the upcoming crisis

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Peter DEMANT Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil. Contato: prdemant@usp.br

Resumo: Apesar de êxitos indisputáveis, o Estado de Israel enfrenta problemas estruturais decorrentes do conflito com o mundo árabe. O texto analisa cinco vulnerabilidades subestimadas: (1) demografia: o crescimento dos ultraortodoxos e dos árabes israelenses, ambos antissionistas, que arrisca tornar minoria os judeus sionistas; (2) estratégia: novas formas de resistência usadas pelos árabes, tanto militares, como os mísseis, quanto pacíficas, como a resistência não violenta, estão progressivamente se tornando contraproducentes à ocupação israelense de territórios inimigos; (3) regional: a Primavera Árabe, apesar dos fracassos, é uma etapa na democratização e modernização das sociedades árabes que acabará erodindo a vantagem qualitativa-educacional israelense; (4) internacional: Israel depende, militar e economicamente, do apoio ocidental, mas, movidos por seus próprios desenvolvimentos demográficos e culturais, os europeus se mostram cada vez mais indiferentes ou hostis a Israel; e até nos EUA, último reduto de simpatia pró-israelense, a identificação com o Estado judaico pode se tornar mais frágil; (5) mundo judaico: devido à orientação cada vez mais particularista de Israel, há, em vez de legitimação recíproca, ameaça de alienação entre as diásporas judaicas e Israel. O artigo conclui que, a termo, as custas políticas, militares e socioculturais que a beligerância permanente impõe a Israel podem constituir um risco existencial para este país. Eventualmente, os dilemas podem se tornar perigosos para sua sobrevivência como Estado judaico.

Palavras-chave: Israel; Palestina; segurança; demografia; crítica internacional; resolução de conflitos; sionismo.

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permanent belligerency may constitute an existential risk. These dilemmas may one day threat its survival as a Jewish State.

Keywords: Israel; Palestine; security; demographics; international criticism; conflict resolution; Zionism.

Israel – que em 2014 celebrou seu 66o aniversário – é, sob muitos aspectos, uma história de êxito. Conquistou sua independência em 1948 a partir de duros combates e tem, desde então, oferecido uma relativa segurança para sua população, um padrão de vida elevado, uma economia vibrante e – pelo menos para a maioria judaica – uma democracia relativamente liberal. Ainda mais importante, o Estado judaico produziu um novo sentido de vida, não apenas para sua própria população como também para os judeus ao redor do mundo, e isso, apenas três anos após o holocausto ter dizimado um terço de todos os judeus no mundo.

Apesar dessas realizações objetivas, em termos subjetivos os judeus em Israel continuam temendo por sua segurança, pois o conflito que opõe o Estado judaico ao mundo árabe e muçulmano não parece estar perto de uma solução, e o ódio que Israel evoca é possivelmente pior

hoje em dia. O presente ensaio analisa os desafios que Israel enfrenta. Chegamos à conclusão de que um pessimismo sentido por parte da população pode refletir a realidade.

Uma história de sucesso? Entre a aparência de normalidade e a realidade de um conflito não resolvido

A história do projeto sionista está repleta de paradoxos. O Estado que se construiu como barreira contra o antissemitismo, pelo qual recebeu sua legitimidade internacional em grande medida “graças” ao Holocausto, chegou tarde demais para quem pretendia beneficiar: os judeus europeus em sua grande maioria acabaram vítimas do nazismo. Israel absorveu uma parte dos sobreviventes, mas, mais da metade de sua população são descendentes de judeus médio-orientais, desalojados pelo próprio conflito que dera nascimento a Israel e forçados a se estabelecer num Estado que inicialmente pouco os atraía e os acolheu como cidadãos de segunda classe. Apenas posteriormente realizou-se uma emancipação política e social-cultural destes “judeus orientais” (mizrahim), e isto amplamente, mediante sua identificação com o partido Likud, concorrente

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judaicos, os árabes autóctones perderam sua pátria-mãe e a coesão societal – estando hoje divididos entre palestinos na Cisjordânia e Gaza, diásporas palestinas na Jordânia, outros países árabes e mundo afora, além dos árabes israelenses.

Carecem de Estado e de dignidade; o PIB por capita palestino é um décimo do israelense, um contraste gritante. É verdade que a causa palestina goza hoje no mundo muçulmano e internacionalmente de uma popularidade do que a sionista. Porém, os palestinos raramente conseguem traduzir seus ganhos propagandísticos em poder tangível. O descompasso entre realidade e retórica é ainda mais flagrante desde que a Primavera Árabe falhou em suas promessas, deixando o mundo árabe caótico e ainda mais impotente. Em alguns Estados do mundo árabe a

vontade democrática popular é reprimida pelos velhos potentados, em outros ela conduziu a novas ditaduras. Nesse mundo, os palestinos dispõem de poucos adeptos efetivos.

O relativo bem-estar de Israel, por outro lado, é inegável e impressiona ainda mais por se manter contra o pano de fundo de um conflito interminável. Para contextualizar, é preciso lembrar alguns desenvolvimentos históricos. Devido ao não resolvido conflito com seus vizinhos árabes, Israel permanece um dos poucos Estados no mundo com sua legitimidade contestada, sobrevivendo sob uma ameaça existencial declarada. O contraste entre seu hard e soft power não poderia ser maior. Apesar de seu poder militar, Israel é mundialmente o quarto Estado mais detestado. Sente sua segurança ameaçada; o país que pretendia “normalizar” a vida dos judeus continua vivendo sob um regime de exceção.

A situação de anomalia estrutural que marca a sociedade israelense deriva diretamente de seu conflito central com a população que ela substituiu. Este conflito é ao mesmo tempo nacional e colonial: nacional porque é uma contenda por um mesmo território, Eretz Yisrael (“Terra de Israel”) ou Filastin (“Palestina”), travado entre dois movimentos nacionais, o judaico e o árabe; e colonial porque um dos reivindicantes, o movimento sionista, atuando em nome de uma população judaica

ainda não presente e destituída de meios militares, dependia de um “guarda-chuva” colonial, no caso, o britânico: a resistência da população árabe foi, portanto, não apenas contra os judeus sionistas, mas também contra seus protetores imperialistas (britânico, depois francês, estadunidense agora).

O objeto da briga é um território com conotação e valor religioso tanto para o judaísmo

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requerente ausente, o movimento sionista se viu obrigado antes de mais nada a criar, dentro de e contra uma zona de população hostil, um substrato territorial para estabelecer uma autoridade judaica nacional; somente numa segunda etapa daria para atrair e assentar nele imigrantes judaicos de ultramar. Ora, o movimento sionista só poderia realizar estes objetivos pela colonização de um território que povoou com judeus (“judaizou”). Diferentemente dos colonialismos “clássicos”, o movimento sionista não colonizou para explorar a mão de obra indígena, mas para conquistar um território: neste processo ele foi obrigado a desvincular os nativos de sua terra. (DINER, 1980). Aliás, nem dispunha, como os demais colonizadores, de uma metrópole, pois os sionistas representavam uma população perseguida e odiada na Europa e buscavam um território não para

expansão, mas para salvação. O processo de construção da nação foi conduzido por sionistas socialistas – e provavelmente nem poderia ter sido conduzido por ninguém a não sê-los – que ativamente se opuseram à integração da mão de obra árabe na nova sociedade judaica: seu ideal era a abolição da diáspora numa sociedade em que judeus ocupariam todas as funções econômicas – processo que consideravam “normalização”. O resultado foi que o sionismo, que ideologicamente se propunha a “devolver” o povo judaico disperso à sua terra ancestral, realiter, criou duas novas

nações: os israelenses judaicos e os palestinos árabes que, nunca integrados ao yishuv, cristalizaram sua nacionalidade e sua distinção dos demais árabes por oposição ao projeto sionista. Em termos ideológicos, a luta pela terra estimulou, tanto no sionismo quanto no movimento nacional palestino, um notável fetichismo pela terra. (GONEN,1975).

As diferenciações acima não são meramente teóricas, mas ajudam a explicar por que o conflito continuou; elas também impactam as possibilidades de solução do conflito.

Graças ao trabalho incansável da propaganda antissionista, o catálogo dos pecados de Israel é bem conhecido: o mais preocupante desenvolvimento é, sem dúvida, a colonização da Cisjordânia, impulsionada por motivos securitários e teológicos, mas considerada ilegal pelos palestinos e pela lei internacional. No entanto, Israel é mais forte, e sua progressiva infiltração em regiões antes palestinas diminui paulatinamente o terreno que sobra para estabelecer um Estado palestino independente ao lado de Israel; portanto, o processo de assentamento solapa e esvazia de conteúdo as negociações de paz. Tem ocorrido uma radicalização da jovem geração de colonos, que atacam camponeses palestinos, vandalizam e incendiam mesquitas numa estratégia de “rótulo de preço” (price tag) que aposta em forçar o governo israelense a decisões ainda mais pró-colonos pelo

viés de agressões antipalestinas.

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judeus. (DEMANT, 1988).2 Outras se colocam na esfera cinzenta de informalidade, como a exclusão de cidadãos árabes de profissões ou funções com potencial “estratégico” (que os exclui de qualquer trabalho nas forças de defesa, grande empregador). Finalmente, há ocorrências abertamente ilegais, mas socialmente aceitas, como a rejeição de locatários árabes em moradias. De fato, é socialmente endêmica (e mútua) a antipatia entre a maioria israelense judaica e os concidadãos árabes. De repente, a lealdade destes últimos causa acessos de insegurança que “justificam” práticas “paralelas”, como espionagem nas comunidades árabes, censura, detenções administrativas. Não devemos exagerar a extensão das práticas que erodem a igualdade que a Declaração da Independência prometera a todos os israelenses – árabes israelenses gozam de

liberdade de expressão e organização política, eles têm direitos de voto ativo e passivo, e no Estado subsiste uma reserva de regras e instituições democráticas. Contudo, há fumaça.

Apesar de frequentes condenações internacionais por suas políticas de ocupação, a realidade, amarga para os palestinos mas confortável para os israelenses, é que o Estado judaico não sofre demais com seu isolamento e ostracismo. Para entender o paradoxo desta contradição, precisamos

distinguir entre o que mantém Israel numa posição protegida na superfície conjuntural e os

perigos estruturais mais profundos que futuramente poderiam afetar sua viabilidade.

A segurança artificial de Israel: fatores de proteção

Os fatores que protegem Israel – qualidade da própria população, proteção ocidental e as desavenças no mundo árabe – são mais conhecidos do que aqueles que o ameaçam estruturalmente.

1. A população é reduzida em comparação ao mundo árabe, mas tem bom nível educacional, é relativamente próspera e (ainda) fortemente identificada com o Estado. Isto produz o exército mais forte da região. Além disso, a economia israelense é sofisticada e está em boa forma.

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calcanhar de Aquiles da aliança de fato entre Israel e a potência mais forte do mundo. (DEMANT, 2006; PEW RESEARCH CENTER, 2006).4

3. A fraqueza árabe e palestina (e a relativa isenção do resto do mundo muçulmano e de potências como a China e a Rússia) constitui um fator não menos importante do que o ativismo pró-israelense de Washington. No nível popular, atitudes de simpatia com os palestinos e de rejeição a Israel se mantêm em patamares altíssimos e não raramente mesclam-se com preconceitos antissemitas. (PEW RESEARCH, 2008).5 Contudo, o mundo árabe tem sido até agora amplamente incapaz de traduzir seus sentimentos em poder. A primavera árabe mergulha na balbúrdia. Os palestinos, que recebam muita simpatia mas pouco apoio capaz de intimidar Israel, estão engajados numa operação defensiva contra uma invasão israelense rastejante. Eles estão cansados e com baixo moral. Com oscilações, este quadro tem se repetido por décadas. Será que nunca mudará?

A confluência dos fatores acima tem por muito tempo produzido para Israel uma conjuntura em que causas parecem não resultar em efeitos – um tipo de estratosfera política na qual as leis da gravidade ficam suspensas. Embora as consequências desta conjuntura pareçam favorecer Israel e prejudicar os palestinos, no longo prazo elas não são positivas para o Estado judaico. Abaixo, explicamos como a situação de segurança artificial torna Israel menos disposto a fazer as concessões imprescindíveis para chegar a uma paz com os árabes. Em seguida serão detalhados os fatores que estão paulatinamente solapando o status quo favorável.

A posição de “vácuo geopolítico” artificial que Israel conseguiu erigir ao redor de si aprofundou e tornou irreversível a derrota histórica da esquerda sionista. Tanto os resultados das eleições quanto as pesquisas de opinião pública exibem a virada para a direita, associada ao cinismo do público. Em 2013, os trabalhistas ficaram com apenas 11%. Hoje, a maioria dos israelenses não acredita que a paz com os palestinos e com o mundo árabe seja possível – e quase a metade deles nem considera negociações de paz necessárias! (THE ISRAEL DEMOCRACY INSTITUTE, 2014b).6 Numa constelação de crescente religiosidade e racismo (contra árabes, mas também contra trabalhadores negros e contra não judeus em geral), a vontade política para pagar um preço territorial para a paz parece menor do que nunca.

Resultado de uma ocupação sem fim: de bi-Estadismo ao bi-nacionalismo

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se esforçou durante anos para manter o status quo demográfico nos territórios, encarados como trunfo para “comprar” a paz com Egito, Síria, Jordânia e os palestinos. (DEMANT, 2003).7

Ocupados e ocupantes tinham uma posição desigual, mas os contatos entre soldados e população palestina civil, ou entre trabalhadores palestinos e supervisores israelenses, permitiram um começo de humanização das relações e até de diálogos e negociações informais. Contudo, no decorrer dos anos as tendências endureceram. Os Estados árabes insistiram no não reconhecimento; os atos de resistência violenta dos palestinos ocupados aumentaram; as represálias israelenses alienaram os palestinos. Na mesma época, israelenses da direita nacionalista e religiosa começaram a estabelecer colônias em “Judeia e Samária”. Nem o processo de Oslo dos anos 90, pautado no princípio da “paz pela terra”, ou seja, a retirada israelense em contrapartida ao reconhecimento árabe e normalização das relações, foi capaz de frear a espiral negativa: os colonos israelenses já eram suficientemente numerosos para sabotar o processo, e os primeiros atos de homens-bomba do Hamas minaram o pouco de confiança mútua que se estabelecera. Israel e os palestinos entraram num ciclo de violência mútua que terminou apenas quando Israel aprisionou a população ocupada inteira atrás da nova muralha numa camisa de força draconiana de bloqueios e controles. Esta situação continua, periodicamente pontuada por erupções de violência.

Em outras palavras, a ocupação, inevitavelmente sustentada pela violência, associada a todo um repertório de abusos, resistência palestina e opressão israelense, há muito tempo destruiu qualquer potencial de coexistência que inicialmente podia ter escondido em seu seio. Foi dito muitas vezes que neste conflito uma minoria de extremistas sequestrou as maiorias mais moderadas. A mais grave consequência desta vitória dos extremos talvez tenham sido o esvaziamento da plataforma para a paz e a perda de credibilidade de qualquer solução política baseada em concessões recíprocas. Ora, este “sequestro” foi possível, e apenas possível, devido à perpetuação de uma ocupação que tem um significado diametralmente oposto para cada parte. Para uma parcela substancial dos israelenses judaicos, os territórios não são ocupados, mas libertados, e constituem uma parte inalienável do patrimônio histórico judaico. Para uma parcela significativa dos palestinos, como também do mundo árabe e muçulmano, mesmo um Israel menor, sem os territórios palestinos, seria ainda inaceitável, pois ocupa parte de seu patrimônio. Definir os termos do conflito desta maneira, é claro, impossibilita qualquer saída pacífica com o aval de ambas as populações.

Em uma perspectiva futura, a posição de Israel é menos confortável do que parece hoje.

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é possível. Depois, a repressão do potencial violento palestino os convenceu de que tal convivência tampouco é indispensável – nem é necessário que israelenses se escondam atrás de uma muralha. Exceto em casos excepcionais, como o do navio turco Mavi Marmara, as políticas antipalestinas de Israel não custaram praticamente nada, porém elas estão destruindo no mundo árabe e muçulmano a crença de que um acordo com Israel seja possível. A termo, este preço pode ser pesado demais para Israel. Um novo consenso está se desenhando no campo pró-palestino: devido à expansão dos assentamentos, já seria tarde para dividir o patrimônio comum, e a única saída será compartilhá-la com os israelenses num Estado binacional, desmantelando o sistema discriminatório que favorece os judeus. Este programa de dessionização significaria o fim de Israel, e é para a esmagadora

maioria dos judeus israelenses um pesadelo. Ora, com a rejeição israelense tanto à partilha quanto ao binacionalismo, o conflito caminha para um beco sem saída.

O conflito foi sempre assimétrico em sua estrutura mas não no total dos recursos que as partes conseguiam mobilizar em prol de seu lado: não fosse isso, há muito tempo uma das partes teria derrotado e possivelmente aniquilado a outra. Na teoria, os modelos de solução – tanto partilha territorial quanto binacionalismo – existiam desde muitos anos antes de 1948. No entanto, na época formativa do sionismo, quase todos os políticos árabes e, a fortiori, palestinos negaram aos judeus o direito de existir como comunidade política soberana. Hoje, muitos israelenses adotam a imagem reversa dessa rejeição árabe de então, numa combinação de medo (“eles nos exterminarão”), desespero (“eles nunca optaram pela paz”) e arrogância (“de qualquer forma nós não precisamos deles”). Antes e durante o Holocausto europeu, quando os judeus não tinham para onde fugir e estivam à beira da perda total, o lado árabe superava o judaico em força e recursos. Nesse período mais terrível da história judaica, praticamente todos os palestinos rejeitaram tanto a partilha da terra em dois Estados quanto o binacionalismo, na época, a bandeira dos sionistas socialistas de esquerda do Mapam.

A opção binacional foi sempre a do lado mais fraco. Os palestinos abraçam-na hoje, após ter tentado a opção pela violência terrorista e tê-la perdido. Hoje, quase metade da opinião palestina é favorável à estratégia “militar”. (JMCC, 2013b).8 Enquanto apoia oficialmente o processo de paz, a Autoridade Palestina continua tolerando uma odiosa propaganda antissemita nas escolas e mídia palestinas. É comum ouvir articulistas árabes afirmar que “os sionistas entendem apenas a linguagem da força”. Talvez. Os israelenses alegam o mesmo sobre os palestinos. Ambos têm amplos argumentos históricos que parecem “comprovar” a acusação.

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Israel: cinco fraquezas existenciais subestimadas

Israel está numa conjuntura excepcional e temporária. Não poderá infinitamente evitar enfrentar uma cadeia de dilemas estruturais praticamente insuperáveis: as crises serão demográfica, estratégica, regional, internacional e intrajudaica. Senão vejamos:

1. A próxima catástrofe demográfica

A situação demográfica de Israel é muito particular. Desde 1967, a esquerda sionista afirma

que Israel deveria se desfazer rapidamente da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, argumentando a partir de uma lógica demográfica aparentemente inexorável. Devido à taxa de nascimento árabe ser muito mais elevada, a anexação dos territórios palestinos, formal ou informal, acarretaria dentro de uma ou duas gerações uma maioria árabe “entre o rio e o mar”9

: os judeus se tornariam uma minoria em seu próprio país. Alcançado este ponto, Israel teria apenas a escolha entre dois males: dar o voto à maioria não-judaica, que não tardaria a abolir por lei o Estado judaico – ou manter os palestinos permanentemente subjugados e sem direitos políticos – uma apartheid sul-africana no Oriente Médio. Ambos os cenários significariam o fim de Israel como Estado judaico e democrático. Políticos trabalhistas tão diferentes entre si quanto Allon e Dayan se esforçaram para evitar uma tal constelação. (DEMANT, 1988, p. 131; GORENBERG, 2006, p.172-175).

Os proponentes da visão direitista do "Grande Israel" contra-argumentavam que a taxa de crescimento natural árabe nos territórios iria diminuir da mesma maneira como já acontecia com os árabes israelenses; a colonização dos territórios bíblicos causaria uma onda de entusiasmo entre os judeus da diáspora que os levaria maciçamente para Israel (ou, alternativamente, causaria uma onda de antissemitismo no mundo, com o mesmo resultado feliz, do ponto de vista sionista). Os mais radicais propuseram a expulsão dos palestinos para a Jordânia, o que resolveria de vez “a questão árabe”. (SPRINZAK, 1991).

Nenhuma destas duas profecias se verificou. A percentagem aproximada de judeus em Israel e Palestina juntos totalizava 65% em 1967 e hoje ca. de 50% – um declínio brutal que, porém, esconde transformações demográficas profundas dentro das comunidades.

A coluna vertebral dos colonos são os israelenses nacionais-religiosos: ortodoxos modernos sionistas, seguidores do outrora Bloco dos Fiéis ou Gush Emunim, também conhecidos como kipot

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mantém no patamar de ca. 15%; na Faixa de Gaza, a desproporção foi tão extrema que Sharon decidiu em 2005 terminar ali o projeto de colonização.

Dentro de Israel, por outro lado, a taxa de natalidade entre os judeus seculares, embora mais elevada do que as equivalentes na maioria dos Estados europeus, não acompanha a dos cidadãos árabes, que chegou a 3,51 filhos por mulher. Mas o fenômeno mais impressionante é a explosão quantitativa dos haredim (judeus ultraortodoxos), que ocorre muito mais dentro de Israel do que nos territórios. Este grupo é o absoluto campeão mundial com uma média de 8,51 filhos por mulher. Como resultado, a fertilidade judaica israelense média chegou em 2012 a 3,04 filhos por mulher – a mais alta no mundo ocidental, e ainda em crescimento.10

O resultado é paradoxal. O que acontece na realidade é que a quase absoluta maioria de crianças do primeiro ano das escolas primárias em Israel se compõe já hoje de haredim e árabes (mas que não compartilham as mesmas escolas). (ILANI, 2009).11 Judeus secularistas, com a mais baixa taxa de crescimento de todos, estão gradualmente se tornando uma minoria em Israel, e o restante da população está se tornando cada vez mais religioso. O processo ocorre parcialmente pela volta individual à religiosidade, mas muito mais por crescimento natural. Os judeus religiosos se dividem, porém, em duas tendências diferentes e opostas. Os sionistas religiosos, constituindo o fundamento social e político do movimento dos assentamentos, são majoritariamente direitistas, participam na vida política, econômica e social de Israel e têm uma presença cada vez mais destacada nas forças armadas.

Já os ultraortodoxos (haredim) rejeitam o sionismo e a vida secular, vivem numa autossegregação voluntária em comunidades fechadas caracterizadas por um extraordinário controle social mútuo e são economicamente dependentes, sobrevivendo de filantropia e previdência social: os homens passam a maior parte de sua vida em estudos religiosos em yeshivot, e as mulheres se dedicam à criação da família. Até agora, não prestam serviço militar. (JERUSALEM, 03/03/2014).

Os privilégios dos haredim não só geram tensões políticas e sociais – a maioria da população os considera parasitas; na sua aparência física, estilo de vida conspícua e vulnerabilidade caricatural de Luftmenschen, eles lembram os estereótipos antissemitas – como também reproduzem em Israel o contraste entre uma massa pobríssima e uma pequena elite de muito ricos. Mais grave ainda é que o crescimento haredi solapa a base social e ideológica de Israel como Estado judaico e

democrático. Mesmo na hipótese de uma integração muito mais adequada dos haredim do que a atual, é difícil acreditar que, no longo prazo, seu estilo de vida não prejudicaria a vantagem qualitativa do Estado judaico.

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número de israelenses permanentemente estabelecidos supera várias centenas de milhares. Agrupamentos menores existem na Europa, e.o. na Alemanha. Os motivos desta emigração são sem dúvida variados, mas o fenômeno constitui uma séria perda para o Estado judaico.

2. O beco sem saída estratégico

Sem legitimidade, reconhecimento mútuo ou possibilidade de concordar sobre fronteiras reciprocamente reconhecidas e internacionalmente garantidas, o conflito entre Israel e os árabes só podia continuar explodindo periodicamente em guerras abertas. Estes embates regularmente tiveram como aposta a destruição física do inimigo. Enquanto os árabes ameaçavam “jogar os judeus no mar”, Israel, geograficamente quase sem profundidade, não teve outra alternativa senão deslocar as hostilidades para o território árabe, vencer para não ser exterminado e (já que nenhuma derrota jamais parecia mudar o obstinado não reconhecimento árabe) ocupar preventivamente.

Portanto, até os anos 1970, os enfrentamentos conduziram regularmente a uma expansão de Israel – resultado menos de alguma ideologia expansionista de antemão, supostamente inerente ao sionismo, do que da dinâmica militar. A pequena e vulnerável superfície de Israel fez com que quase todas suas guerras fossem travadas em solo árabe. O aumento territorial foi ditado pela lógica de estabelecer acampamentos militares no front, com a finalidade de proteger as concentrações populacionais no estreito litoral de Haifa até Ashqelon. Num segundo momento os acampamentos militares temporários se transformavam em assentamentos permanentes, e estes depois viravam centros civis “regulares”. Estes subsequentemente tinham que ser defendidos contra novos ataques... obrigando a novas conquistas para garantir sua segurança, um novo front – e novos assentamentos, ainda mais periféricos.

Desde 1973, não ocorreram mais novas ocupações: o processo de expansão se transformou no aprofundamento da colonização na Cisjordânia. Mas a lógica é a mesma, e o impacto negativo sobre a resolução do conflito, idêntica.

Essas estratégias, que funcionaram bem na Guerra de Independência de 1947-49 e nas primeiras décadas seguintes, têm se tornado progressivamente mais caras e problemáticas para Israel. Em primeiro lugar, o território ocupado só outorga segurança se os ocupados estiverem

desarmados e controlados; ou ainda melhor, sem população hostil. Ora, a expulsão de civis, em obvia contradição à lei internacional, se tornou mais difícil quando propagandistas pró-árabes alertaram sobre o risco, observadores internacionais relataram o que viam, e jornalistas aproveitam cada vez mais a instantaneidade das notícias que as novas mídias permitem.

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(apesar de temporária) perda de controle israelense. Os acordos de Oslo II, de 1995, deixaram dois terços da população palestina fora da supervisão imediata das forças e dos serviços de segurança israelenses, tornando a segurança da cidadania israelense refém da cooperação das autoridades palestinas. Tal cooperação tática funcionou razoavelmente enquanto houve progresso nas negociações de paz; mas isto acabou pelo fracasso da Cúpula de Camp David em 2000. A onda de ataques por homens-bomba palestinos na subsequente Segunda Intifada deteriorou ainda mais a

humint (human intelligence) de Israel. A chegada ao poder de Hamas em Gaza em 2006 e logo a

perda de controle da AP sobre a Faixa, exacerbaram ainda mais uma conjuntura já delicada.

Estas foram as circunstâncias militares que levaram Israel à construção da infame Muralha.

Enquanto estrutura física para evitar a entrada de terroristas em território israelense, ela funciona. Contudo, a própria eficácia deste instrumento empurrou os radicais palestinos a desenvolver novos métodos ofensivos. Encontraram-nos nos mísseis relativamente primitivos de produção caseira ou contrabando de origem iraniana. Estes projéteis de breve e, posteriormente, de médio alcance são lançados cegamente contra alvos israelenses, por Hamas, Jihad Islâmico e outros grupos palestinos, a partir do território de Gaza – e por Hizbullah, a partir do Líbano do Sul. Os mísseis cruzam sem oposição fronteiras e linhas de cessar-fogo, progressivamente colocando todos os israelenses a seu alcance. Golpes perto de Tel-Aviv e de Jerusalém recebidos durante a guerra contra Hamas de 2012 ilustram a crescente vulnerabilidade de Israel.

Ou seja, a conquista com ocupação de novos territórios não só é militar e financeiramente onerosa e não mais aceitável internacionalmente, como quase não mais funciona para a segurança dos centros populacionais judaicos entre Haifa e Tel-Aviv, coração demográfico de Israel: o país inteiro se torna home front. Israel está, doravante, preso às tenazes de um alicate. A nova conjuntura militar empurra o Estado para uma escolha: conquistar e ficar com uma nova ocupação, impossível de gerenciar ou “engolir”; retirar-se até a próxima vez, ou não reagir, o que é desmoralizador e impossível desde que os mísseis ataquem de maneira suficientemente maciça.

Doravante, quando Israel atacar para “punir” os agressores, pode fazer pouco além de causar destruição e rapidamente ir embora. Foi o que aconteceu na guerra do Líbano contra Hizbullah em 2006; e na operação Ferro Fundido contra Hamas, em dezembro de 2008/janeiro de 2009. Assim que os caças israelenses vão embora, chegam os repórteres e ativistas para acusar Israel de

violações de direitos humanos. O Estado judaico fica com os prejuízos políticos.

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antissionistas quanto sionistas, é mais fácil, eficiente e visível quando os palestinos são pacíficos – e o engajamento pró-palestino de judeus e outros fatores “externos” contribuem para polarizar a sociedade israelense num debate sobre a justiça de suas políticas de ocupação e de colonização. Se tal é o efeito das lutas populares em aldeias palestinas perdidas, é fácil visualizar o impacto que teria uma marcha sobre Tel-Aviv e Jaffa de 100.000 palestinos. Israel está sem resposta à estratégia não violenta.

3. Israel no Inverno Árabe

Nos primeiros meses de 2011, Israel estava muito preocupado com os acontecimentos nos vizinhos países árabes. Apesar de considerar as autocracias um marco permanente das sociedades árabes e uma indelével expressão da “mentalidade árabe”, tentou buscar acomodações com esse clube de ditadores. Do ponto de vista israelense, os resultados da sua diplomacia não eram equivalentes aos esforços dispendidos: os potentados médio-orientais se dividiam numa gama que ia de parceiros mornos, como Mubarak no Egito ou Abdullah II da Jordânia, até inimigos ferozes, como Bashar al-Assad da Síria ou Mu`ammar Qadhafi da Líbia, incluindo-se mesmo lideranças abertamente antissemitas como a monarquia saudita ou o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad. Novamente, a não resolução da questão palestina era o obstáculo principal para uma paz menos fria. Antes dos tronos tremerem por causa das revoluções populares da Primavera Árabe, Israel nunca havia contado com o desaparecimento de ditadores, reis e sultões. As oposições na rua árabe representaram uma incógnita, e poucos em Israel acreditavam que a democratização do mundo árabe seria positiva para Israel. O governo de Netanyahu não conhecia o lado do vento, então escolheu uma postura de discrição e invisibilidade, mantendo abertas todas as opções. Os críticos puderam observar que, mais uma vez, Israel perdeu uma oportunidade de se perfilar solidário com o povo árabe, e não com seus opressores.

Israel mantém a vigilância militar, mas não pode escapar do ódio árabe. A revolução egípcia abriu espaço para expressões virulentamente pró-palestinas e anti-israelenses, por exemplo, o ataque à embaixada de Israel no Cairo em setembro de 2011. Isto não teria sido tolerado sob Mubarak, que mantinha contatos frios mas corretos com o Estado judaico. Para Israel, o mais

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Isto nunca aconteceu: o efeito da Primavera Árabe sobre os palestinos foi muito mais limitado do que o esperado. Exceto alguns incidentes como no Cairo, as massas árabes estavam preocupadas demais com suas políticas internas para prestar muita atenção à causa palestina. A guerra de Gaza em novembro de 2012 aumentou o prestígio e até a legitimidade internacional do Hamas, mas Israel não perdeu militarmente. (DILLOW, 2012).13

Por outro lado, Israel se sentiu aliviado pela resiliência das monarquias árabes: a alternativa popular teria sido mais radical – mais islamista, mais pró-palestina, ou ambos. Pela mesma lógica, Israel não lamentou o golpe militar que em julho de 2013 desalojou o presidente islamista eleito no Egito, restabelecendo um regime militar repressivo de cunho mais secularista – um mubarakismo

sem Mubarak.

Como a antipatia contra Israel era um dos poucos princípios comuns a quase todos no mundo árabe, do ponto de vista de Israel, a situação mais confortável seria uma de luta interna entre as várias facções, todas anti-israelenses. Foi o que aconteceu na Síria, sem dúvida, o inimigo árabe mais obstinado. Israel não tem nenhuma simpatia para com Assad, mas tem medo de que sua queda abra um buraco negro caótico em sua fronteira setentrional, onde grupos terroristas poderiam se estabelecer e nenhuma força política garantiria a calma no Golã. Na realidade este cenário de desestabilização está se verificando, com vários incidentes fronteiriços (os primeiros desde 1974).

Por outro lado, Assad é aliado do Hizbullah no Líbano e do regime teocrático no Irã – ambos inimigos jurados de Israel. Netanyahu considera o Irã não apenas um competidor geopolítico, mas um perigo existencial, em particular haja vista sua corrida pela tecnologia nuclear; portanto, uma vitória de Assad pode ser não menos perigosa para Israel do que o desaparecimento do ditador. Israel tem efetuado vários ataques a comboios de armamentos destinados ao Hizbullah. Cada novo ataque, contudo, arrisca arrastar Israel para um confronto mais amplo – ou para uma terceira intifada palestina.

Até o momento deste escrito (abril de 2014) todas essas vicissitudes não vão mal para Israel, que parece navegar com esperteza sobre as corredeiras e rochedos de uma Primavera Árabe transformada em Inverno. Como na Primavera dos Povos de 1848 na Europa, as tentativas árabes de revolução têm se perdido numa série de restaurações. A atenção popular parece estar longe do eterno conflito israelo-palestino.

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ONU dos anos 2002 a 2009 documentam de maneira impressionante o lastimável atraso do mundo árabe em comparação com quase todas as demais regiões do mundo. O contraste é particularmente gritante nas esferas de educação, direitos das mulheres e qualidade da governança. O descompasso entre o potencial dos povos árabes e suas realizações não podia deixar de causar uma profunda indignação, em particular entre os jovens mais informados.

As desvantagens árabes representam vantagens para Israel. Ora, as revoluções árabes, sejam elas bem-sucedidas ou não, representam o esforço coletivo da sociedade árabe para superar seus problemas. Elas são carregadas por uma nova geração um pouco mais bem educada e muito mais empenhada do que as anteriores. O processo será necessariamente longo e cheio de contratempos e

recaídas, mas as precondições para uma transformação da sociedade árabe nunca foram mais favoráveis do que em nossos dias. Mais cedo ou mais tarde, os árabes superarão seu déficit de educação, tecnologia e governança. Neste dia, a vantagem qualitativa de Israel, já sob pressão pela “haredização” da sociedade israelense, ficará muito diluída.

A modernização social árabe não garante nenhuma postura mais amistosa para Israel, apenas uma mudança no equilíbrio das forças. Vindo de posições extremamente anti-israelenses, os árabes julgarão seu vizinho judaico pela maneira como este se comporta para com as vítimas palestinas do sionismo e para com as aspirações democráticas do mundo árabe – e para com o islã. Ora, Israel se torna paulatinamente uma ilha cada vez menos liberal, mais nacionalista e fundamentalista, cada vez em maior distonia com o resto do mundo. Está engajado numa maciça holding operation que apenas pode adiar o momento quando seus vizinhos árabes reconquistarem suas possibilidades.

4. Erosão do apoio ocidental

A sociedade israelense sionista deve seu êxito histórico em primeiro lugar a suas próprias qualidades: vimos acima como estas estão enfrentando pressões progressivamente mais pesadas. Em segundo lugar, Israel deve sua sobrevivência ao apoio internacional, ocidental em particular. Este apoio está também sob crescente pressão.

Israel é reconhecido por 157 dos 193 Estados da ONU. Recebe armas, inteligência e proteção geopolítica e diplomática dos EUA. Sem a ajuda militar estadunidense, a mais moderna do

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e universidades internacionais. A participação do Estado judaico em múltiplas redes internacionais, econômicas, humanas e culturais é, ao mesmo tempo, uma prova da sua integração internacional e uma grande vulnerabilidade. Todo esse intercâmbio econômico, humano e cultural só se sustenta graças à aceitação de Israel como membro do “clube ocidental”: porém, sua participação neste grupo parece cada vez mais frágil.

Israel depende militar e economicamente de seus laços com os EUA e a Europa, já que muitos países não ocidentais (Índia, Rússia, África do Sul e também o Brasil) mantêm uma fria distância. Isto sem contar com o quinto da humanidade que compõe o mundo muçulmano – Paquistão, Malásia, Indonésia – praticamente fechado para visitantes e comerciantes israelenses.

Talvez ainda mais fundamental, Israel define sua própria identidade como pertencendo à civilização ocidental e explicitamente se comporta como um jovem arbusto ocidental vulnerável plantado num inóspito ambiente médio-oriental e islâmico.

Fatores da tendência anti-Israel na Europa

Como os demais integrantes da comunidade internacional e em particular do mundo ocidental, veem este seu ramo recalcitrante? A erosão do sentimento pró-Israel na opinião pública é documentada em muitos países. Não surpreende que o mundo muçulmano tenha sempre as mais altas porcentagens de rejeição a Israel, seguida pela América Latina. Mas também na Europa o declínio da popularidade tem sido vertiginoso. Antes da Guerra de Seis Dias de junho de 1967, a opinião pública era fortemente pró-Israel. O processo de distanciamento de Israel entre públicos antes pró-israelenses começou na época da Guerra do Líbano de 1982, com os massacres de palestinos em Sabra e Shatila, mas chegou a níveis sem precedente durante a Guerra de Gaza do fim de 2008. Desde então, o processo só se tem intensificado. No Reino Unido, 72% da população declara atitudes negativas sobre Israel, contra 14% positivas. Os resultados na França, Itália e Espanha não são muito mais animadores. Mesmo na Alemanha, que carrega um fardo histórico ímpar de culpa para com os judeus e que é um dos principais parceiros comerciais de Israel, o governo mantém as posições mais pró-israelenses do mundo ocidental (fora os EUA), mas 67% da população se declara crítica a Israel e apenas 8%, amistosa. (ABUNIMAH, 2013). Extrapolando a

conjuntura atual, o futuro promete mais atrito e alienação.

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4.1. A consecução geracional

Após a Segunda Guerra e sob o impacto do Holocausto e da culpa para com (ou compaixão com) os sobreviventes, a opinião europeia era bastante filossemita. A narrativa pró-sionista estava no auge de sua popularidade. Muitos cristãos, protestantes em particular, simpatizavam com o retorno do “povo eleito” para seu berço histórico. Socialistas (inclusive por alguns anos a URSS e os regimes estalinistas da Europa Oriental) admiraram os kibutzim coletivistas e o êxito da Histadrut, o mega-sindicato sionista. A justiça de uma “recompensa” para um povo martirizado parecia incontestável. Este ambiente político favorável foi crítico para a legitimação do novo Estado

judaico.

Hoje se extinguiu a geração que enxergava Israel com lentes coloridas por causa da sombra do Holocausto. A maioria dos europeus atualmente não se sente responsável pelo antissemitismo histórico e contempla Israel como um Estado normal – e vê muito para criticar. À medida que Israel se transforma numa sociedade menos ocidental e mais médio-oriental, o estranhamento europeu cresce ainda mais.

Por este mesmo mecanismo da sucessão das gerações, o tabu sobre o antissemitismo, ainda subsistente em nível jurídico e educacional, diminui. Os judeus não são mais considerados “coitados” – o papel de vítima é hoje reivindicado com algum sucesso pelos muçulmanos. A maioria dos judeus europeus é abastada e percebida como integrante da elite de seu país. A inveja reacende os preconceitos judeofóbicos tradicionais, e estes se encaixam nas demais reações de protecionismo cultural e de rejeição ao outro – xenofobia anti-imigrante, islamofobia, homofobia, tendências antirroma – que progressivamente infectam a cena social e ideológica europeia. Embora em inegável ascendência, o antissemitismo está ainda longe dos patamares da primeira metade do século passado e é, sem dúvida, politicamente menos explosivo do que a islamofobia. Nem é automática a correlação com atitudes anti-Israel. (KAPLAN, 2006). Mesmo assim, há indubitavelmente casos em que um antissemitismo preexistente se expressa em posições hostis a Israel.

4.2. A secularização

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predominantemente a-religioso da esquerda, o que correspondia à tendência ideológica da inteligência progressista europeia da primeira metade do séc. 20. Israel não era uma sociedade particularmente religiosa. Mas nas últimas décadas abandonou suas posições socialistas.

O que vem preenchendo o vácuo ideológico em Israel é um nacionalismo extremado e uma religiosidade fundamentalista e particularista que, por sua natureza, não podem ter um eco positivo em outras sociedades (talvez com exceção de cristãos fundamentalistas, importantes nas Américas e África, mas pouco presentes na Europa).

Ao lado da dessecularização da sociedade israelense, ocorre uma deslaicização de sua política. (ROY, 2005, p. 29).14 Israel se define como Estado judaico e democrático. O conteúdo de “judaico” é opaco, mas a influência do religioso é considerável e está em expansão. A hegemonia do religioso na esfera pública se concretiza por meio de inúmeras restrições, que vão do banal até o existencial. Restaurantes oficiais só servem comida kasher. Judeus são proibidos de trabalhar no sábado, e transportes públicos e lugares de entretenimento não funcionam neste dia. Israel não tem casamento civil, apenas religioso, impossibilitando-se casamentos mistos (e incidentalmente reproduzindo as divisões religiosas de geração a geração). Divórcio e questões de tutela estão nas mãos do rabinato. Esta é também a instância que determina quem é judeu e quem não é, não se reconhecendo, por exemplo, conversões ao judaísmo efetuadas no exterior por rabinos não ortodoxos.

Por sua vez, a identidade religiosa, que em Israel é tida como categoria “nacional” (leom),

determina os direitos do individuo. Judeus são obrigados ao serviço militar, muçulmanos são excluídos dele. Apenas judeus têm acesso a 90 % das terras e a todas as funções públicas. Neste campo de tensão nunca resolvida entre judaísmo e democracia, é cada vez mais nítida a tendência para privilegiar o primeiro às custas da segunda. Isto se expressa não apenas num conteúdo religioso mais duro nas escolas para judeus, mas também na vontade de excluir por lei os não-judeus da decisão sobre um eventual acordo com os palestinos. No parlamento israelense e fora dele, os proponentes argumentam que num Estado judaico apenas judeus deveriam ter o direito de votar sobre eventuais concessões territoriais que implicassem uma perda à Terra de Israel (Eretz

Yisrael). (ISRAEL, 12/03/2014).15

Toda a tendência para restringir os direitos dos não judeus (um quarto da população), e até o

próprio sistema democrático em Israel, está diametralmente oposta ao movimento, para maior inclusão e empowerment da cidadania, independentemente do credo.16 Uma tal tendência é majoritária na Europa e consensual nos EUA. Israel, pelo contrário, se torna mais particularista num mundo globalizado.

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As duas exceções mais significativas ao processo de secularização e pós-modernização cultural na Europa são os grupos da extrema direita nacionalista e os muçulmanos. Infelizmente para Israel, estes são exatamente os mais suscetíveis a preconceitos antissemitas.

Há cerca de 20 milhões de muçulmanos na Europa e 15 milhões na Rússia, com taxa de crescimento muito além da média europeia. Na Europa ocidental e central a maioria dos muçulmanos descende de imigrantes recentes da África do Norte, Turquia, Índia e Paquistão. Já na população europeia autóctone – presa num inexorável processo de envelhecimento que resulta em estagnação e até encolhimento da população –, o crescimento das populações muçulmanas constitui

uma importante contra-tendência.

Seria um exagero falar da iminente islamização da Europa, não somente em termos numéricos, mas também porque muitos muçulmanos se esforçam para se integrar e participam da secularização que os circunda. Mesmo assim, a presença muçulmana – inclusive a dos mais ortodoxos – é maciça nas grandes cidades onde se discutem e formulam as políticas públicas. Em Londres, Paris, Berlim, Bruxelas ou Estocolmo, os muçulmanos formam concentrações férteis e criativas que constituem uma reserva demográfica contra o envelhecimento da Europa e, potencialmente, contribuem para sua economia e cultura. Ao mesmo tempo, porém, são consideradas inassimiláveis por uma grande parcela dos europeus “autênticos”, por sua visibilidade física, atraso socioeconômico, religião e costumes culturais. Este quadro fomenta entre parte da sua juventude uma crescente alienação da sociedade anfitriã e atrai alguns para uma radicalização islamista: mas, assimilados ou radicalizados, os muçulmanos europeus empurram a Europa para posições anti-israelenses.

Onde muçulmanos entram na política europeia, como indivíduos em suas próprias associações ou por meio de partidos políticos, os efeitos só podem ser prejudiciais para Israel. Muitos são bastante politizados; em particular, aqueles de ascendência árabe seguem de perto os desenvolvimentos no Oriente Médio, identificando-se fortemente com os palestinos. A antipatia a Israel é universal. O antissemitismo é igualmente frequente e produz atritos comunitários entre judeus e muçulmanos. Houve incidentes violentos na França, Bélgica e alhures – não raramente provocados por este distante conflito, em reação a ações de Israel contra os palestinos.

(GERSTENFELD, 2014; CALDWELL, 2009, p. 259-268).

4.4. A última exceção: erosão do apoio dos EUA?

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que a atitude norte-americana é mais surpreendente do que a israelofobia europeia. De fato, os EUA são o último bastião de sentimento pró-israelense no ocidente: 51 % expressam opiniões favoráveis – em particular entre brancos protestantes masculinos – contra 32 % que criticam. Mas mesmo nos EUA o futuro do alinhamento a favor de Israel não está isento de dúvidas.

A postura estadunidense no conflito israelo-palestino, que chegou a um auge de identificação após o ano 2000, tem uma longa história que, apesar da constante presença de um certo idealismo, é menos uniforme ou constantemente pró-Israel do que se pensa. Nas primeiras décadas após 1948, os laços não eram particularmente íntimos. Apenas desde a administração de Nixon, no começo dos anos 1970, os EUA têm se tornado o principal suporte externo de Israel, uma

posição que se consolidou ainda sob George W. Bush após o 9/11. As causas da atual aliança militar, política e econômica dos EUA com Israel são complexas e múltiplas. Entram nelas considerações estratégicas, por exemplo, a suposta utilidade de Israel como ponto de apoio pró-ocidental na guerra fria; domésticas, como o peso impar da comunidade judaica e o poder do lobby pró-Israel; porém, em última instância, a amizade têm raízes ideológicas – os EUA se reconheciam em e se identificavam com Israel – refúgio de perseguidos, embutido de ideais de justiça e renovação, precariamente mantendo sua segurança contra uma massa hostil de “índios” árabes.

A estes fatores deve-se adicionar o nível relativamente baixo de antissemitismo; a integração exemplar dos judeus, amplamente pró-Israel; e a posição dos muçulmanos nos EUA que – apesar de paralelos com a Europa – se destaca por diferenças significativas. Nos EUA os muçulmanos constituem uma porcentagem muito menor da população do que a judaica, que soma mais de 5 milhões (comparável aos judeus em Israel em números absolutos). Portanto, o peso político do lobby pró-palestino é mais reduzido. (AHMAD, 2011). O alto nível de religiosidade da sociedade norte-americana, em geral, e sua mais elevada fertilidade são mais dois fatores para a menor distância cultural com Israel.

Porém, mesmo nos EUA o apoio a Israel está sob pressão – e por motivos que lembram os europeus: os sentimentos pró-israelenses são mais fortes entre as faixas mais idosas. As novas gerações são mais indiferentes e, como na Europa, mais suscetíveis a escutar as críticas anti-israelenses. Os imigrantes latinos católicos, muito mais numerosos nos EUA do que os muçulmanos, mas social e vagamente comparáveis aos muçulmanos na Europa, não compartilham

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No longo prazo, a conexão entre Israel e EUA não depende de nenhum lobby, mas da simpatia do público e de sua identificação com os interesses de Israel. Ora, o comportamento israelense, mais de qualquer outro fator, está solapando isto. Em última instância, o mesmo fator que já minou a amizade de Israel com a Europa pode trazer o mesmo resultado com os EUA: as políticas de Israel são vistas como desnecessariamente duras. A culpa pelas injustiças sofridas pelos judeus no passado ocidental cede o lugar à culpa pelo sofrimento experimentado pelas vítimas das vítimas; a admiração pela coragem, criatividade e generosidade do novo Estado erigido pelos pais judaicos sobreviventes desvanece-se frente à indignação pelas injustiças cometidas pelos filhos. Nas diplomacias europeias, treinadas num frio realismo, a influência dos Estados árabes,

geograficamente mais próximos, é sempre maior. Mas também nos EUA as preferências do público podem eventualmente empurrar os políticos para posições menos confortáveis para Israel.

5. A futura alienação dos judeus de Israel

De todos os fatores, o laço entre Israel e os judeus no mundo é considerado o mais essencial. O sionismo estabeleceu Israel em benefício da segurança e dos interesses dos judeus; mas, durante o processo da independência, aconteceu uma reversão das prioridades. Tragicamente, a ideologia original não mais prioriza o bem-estar do povo, mas se curvou ao Estado. Doravante, o Estado de Israel seria o receptáculo da lealdade dos judeus e os julgaria em função de sua obediência à sua

Raison d’État. Esta transformação para mamlakhtiut (“estadismo”), introduzida por David Ben -Gurion, produziu um Estado viável e forte, mas o preço humano foi alto. Imigrantes foram escolhidos não em face de suas necessidades humanas, mas por sua utilidade para o Estado, e tratados como tal. Às vezes Israel considerou a cooperação com regimes antissemitas mais importante do que a proteção de vidas judaicas.

Num segundo momento, na atmosfera messiânica provocada pela “salvação”, em junho de 1967, e pelo “reencontro” com o patrimônio judaico nos novos territórios, o Estado foi atrelado a um projeto essencialmente teológico que nunca teve o aval da maioria da população israelense, e ainda menos dos judeus fora dele. O resultado tem sido uma vertiginosa queda do soft power de Israel. Hoje, as políticas israelenses para com os palestinos são o primeiro fator de insegurança de

judeus ao redor do mundo. Isto, em combinação com a rejeição à direção que o Estado judaico vem tomando, está minando não apenas o apoio da comunidade internacional, mas também, ao que parece, o do grupo cujo bem-estar e identificação são a própria razão de ser de Israel: os judeus.

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particularistas e direitistas de Israel correspondem cada vez menos aos valores universalistas e progressistas que animam a diáspora norte-americana, tradicionalmente pró-democrata na política doméstica e pró-paz em relação ao conflito com os palestinos. No decorrer das últimas décadas, a liderança da comunidade e em particular as instituições envolvidas no lobby pró-Israel se identificaram com posições coloniais, com apoio (e às vezes ultrapassando pela direita) ao governo israelense, estímulo ao projeto Grão-Israel (Eretz Yisrael ha-Shlema, ou seja, “a Terra de Israel Completa”), em contrário aos interesses palestinos, indiferentes em relação ao diálogo com o adversário e com seus representantes nos EUA, e ativamente contra grupos judaicos pró-sionistas mas a favor da “paz pela terra”, tais como J Street e Amigos do Paz Agora. Num polêmico artigo, o

jornalista Peter Beinart lamenta que os jovens judeus educados em valores liberais sejam pressionados a abandonar seu liberalismo na porta das instituições judaicas. (BEINART, 2010). Nestas circunstâncias, não surpreende que muitos se tornem indiferentes a uma causa que lhes é estranha. No final das contas, a tensão entre sionismo e liberalismo pode conduzir a uma separação.

Além de um certo resfriamento nas relações com Israel, as comunidades nos EUA também têm que lidar com outro desafio: a baixa taxa de fertilidade e o crescimento dos casamentos mistos empurram para um notável encolhimento da comunidade judaica pelo envelhecimento de seus quadros e pela assimilação. No entanto, a tendência para diminuição do engajamento judaico e do declínio demográfico, percebida nas comunidades Reform (liberal) e Conservative (centrista), não atinge os judeus ortodoxos e ultraortodoxos que, como seus correlatos em Israel, têm uma alta taxa de procriação. Os ortodoxos têm posições direitistas, são a única corrente judaica que tende ao voto republicano, são em geral fortemente pró-Israel e se identificam com posições da direita sionista. O resultado é que os ortodoxos futuramente constituirão uma proporção maior entre os judeus nos EUA.

Uma avaliação do movimento para a assimilação da maioria dos judeus nos EUA é obviamente especulativa. Podemos observar, no entanto, que numa sociedade como a norte-americana, que vem derrotando amplamente o racismo e o antissemitismo e oferece oportunidades para todos os grupos étnicos e religiosos, existem muitos fatores que estimulam os judeus a se misturar com outros grupos – e poucos fatores atuam na direção oposta. A religiosidade pessoal constitui logicamente um forte obstáculo à tentação da assimilação. Porém, a grande maioria dos

judeus nos EUA não é mais religiosamente judaica, apenas pratica certas tradições residuais.

Além da religiosidade, os fatores de identificação judaica na diáspora são relativamente frouxos. A memória do Holocausto é necessariamente menos importante nos EUA do que nas comunidades europeias, reduz-se aos descendentes dos sobreviventes e fatalmente se afrouxa no decorrer do tempo. O único outro fator fundamental não religioso da identidade judaica é o laço

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nacional judaico como também de certa utopia social. Muitos jovens judeus dos EUA visitam Israel, viagens fortemente incentivadas por Israel que nelas vê um instrumento para promover a identificação judaica na diáspora –sua última “reserva demográfica” – e sua conexão com o Estado judaico. De fato, parece-nos defensável argumentar que o vínculo com Israel é, a princípio, de longe o fator mais importante que diferenciaria judeus jovens não religiosos de não judeus não religiosos da mesma idade. Mas, o “fator Israel” não mais funciona como outrora. Seria exagerado supor que um profundo desapontamento com a direção que Israel vem tomando tenha algo a ver com este descolamento?

Considerações finais: desfecho possível do conflito

Delineamos acima a emergência simultânea dos seguintes problemas para Israel: (1) erosão demográfica da base sionista do Estado judaico; (2) exaustão do repertório estratégico para fazer frente aos palestinos; (3) inevitabilidade, dentro de indeterminado prazo, da modernização e do consequente fortalecimento da sociedade árabe; (4) perda do soft power de Israel e até de sua legitimidade no olhar ocidental; e (5) distanciamento emocional da diáspora judaica, provavelmente vedada a um gradual encolhimento numérico. Cada um destes cinco fatores constitui um desafio gravíssimo para Israel. Em conjunto, constituem um perigo que pode eventualmente ameaçar a viabilidade do país.

Nestes últimos parágrafos analisaremos os efeitos deste conjunto sobre o potencial da paz entre Israel e seus vizinhos.

É importante notar que não todos os problemas acima citados dependem das políticas de Israel. Por exemplo a “haredização” de Israel resulta de uma evolução demográfica mais profunda, e o resultado deste dilema escapa amplamente de qualquer engenharia política ou social. A maioria dos perigos, contudo, por mais que as evoluções descritas pareçam irreversíveis, corresponde em última instância a escolhas feitas por Israel. Contemplemos, a partir desta constatação, o que Israel pode fazer para aliviar, gerenciar ou resolver o conflito. (As outras partes no conflito e os palestinos, em primeiro lugar, possuem responsabilidades próprias não menos prementes, que devem ser objeto de outra análise).

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1. Vitória ou derrota final: a continuação do conflito por mais de um século, sem vencedor definitivo nem derrotado resignado com sua perda, comprova que cada uma das partes dispõe de um total de recursos mais ou menos equivalente aos do outro. Se não, haja vista a natureza de soma zero do conflito e a recusa de ambos os movimentos nacionais para contemplar uma solução de assimilação do mais fraco, a guerra entre eles desde há muito já teria terminado pela expulsão ou extermínio do vencido. Um tal resultado, até hoje promovido por certos extremistas de ambos os lados, permanece possível, mas representaria um fim moralmente inaceitável.

2. A continuação infinita do status quo, que se baseia na manutenção permanente dos palestinos em posição de minoria não reconhecida, opção preferida da direita israelense, é igualmente inaceitável pela moralidade universal. No entanto, muitas das políticas de Israel desde 1967 evocam a suspeita de que é esta “solução” que as inspira. A divisão da população combinada de Israel mais os territórios palestinos em dois grupos étnicos ou religiosos, com direitos diferenciados, mantidas social e geograficamente segregadas, sendo a nação mais fraca submetida à supremacia militar da mais forte, aponta no fim do caminho para um tipo de apartheid. Esse pesadelo é rejeitado por grande parte da população israelense e por todos os palestinos, que resistem a isto com todos os meios à sua disposição. Portanto, não representa uma possibilidade viável no longo prazo.

3. Um Estado binacional compartilhado por israelenses e palestinos com ambas as nações gozando de direitos iguais constitui uma utopia que em decorrência dos traumas causados pelo conflito, o ódio e os preconceitos mútuos, além de suas diferenças linguísticas, culturais, religiosas, e econômicas, é pouco provável de se realizar num futuro previsível – mesmo deixando em aberto a questão do eventual direito de retorno dos refugiados palestinos (rejeitado pela quase unanimidade dos judeus israelenses) e a Lei do Retorno em vigor para judeus (rejeitada pela quase unanimidade dos árabes palestinos). Nas condições atuais, o estabelecimento de tal Estado apenas reacenderia o conflito em novas condições, provavelmente não menos violentas e perigosas do que as atuais. Atraente na teoria, a solução binacional pressupõe uma revolução psicológica em ambos os povos, impensável agora.

4. Solução biestadual: se compartilhar o território cobiçado por ambos estiver fora de questão, a única outra solução consensual possível consiste em partilhá-lo. Esta é, obviamente, a solução de dois Estados convivendo um ao lado do outro, votada pela Assembleia Geral da ONU em 1947, aceita (ao menos pró-forma) pelas lideranças israelense e palestina e abraçada pela esmagadora maioria dos Estados. Em Israel e Palestina, tal solução é rejeitada pelas alas extremistas de ambas as comunidades, que insistem no controle total do território inteiro por uma nação às custas da outra, e que não hesitam em usar violência para obstruir a divisão territorial – que inevitavelmente implicaria para Israel um território muito diminuído, e para os palestinos, um Estado constituído de apenas uma parte do território reivindicado, e para ambos, o fim do sonho de mais tarde reconquistar o resto do território.

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Ambos os lados suspeitam que o outro tenta evitar a retomada das negociações exatamente porque elas já estavam tão avançadas que se pode “temer” que um acordo seja possível! Para Israel, isto incluiria uma retirada israelense substancial da Cisjordânia, o desmantelamento da maioria de seus assentamentos e alguma partilha de Jerusalém. Todos estes elementos vão contra a visão da direita sionista. Muitos críticos já observaram que as políticas do governo Netanyahu (incentivos contínuos ao processo colonizador e, mais recentemente, a insistência no reconhecimento árabe de Israel como Estado judaico) são calculadas para tornar inviável a negociação. Assim a demanda israelense do reconhecimento é um ponto ideológico

praticamente impossível de aceitar, pois significaria a aceitação de que a minoria árabe em

Israel de jure não possui legitimidade. (THE ISRAEL DEMOCRACY INSTITUTE, 2014a).19 Ao mesmo tempo, a incessante expansão dos assentamentos diminui cada vez mais o terreno disponível para um Estado palestino. Em outras palavras, a viabilidade prática da solução de dois Estados se restringe cada ano mais. E esta realidade, por sua vez, diminui sua aceitação e legitimidade para as populações, restringindo-se o espaço politico para a solução de dois Estados: para os palestinos, porque não mais creem que tal solução lhes outorgaria um Estado viável e autenticamente independente e se sentem impotentes para frear o bulldozer israelense; e para os israelenses, porque se sentem tão fortes que imaginam não mais precisar fazer concessões nem mesmo mínimas para alcançar a paz.

Além dos resultados mencionados acima, apenas duas outras opções podem ser cogitadas:

5. uma combinação de binacionalismo e biestadismo, por exemplo, um modelo que englobaria, dentro de um Estado único mas federal, um sistema de cantões mononacionais com algum grau de autodeterminação; ou

6. uma recolonização do território inteiro ou parcial (opção muito distante, mas às vezes defendida pelo lado mais fraco sob o eufemismo de “internacionalização”); equivaleria ao botão reset para o conflito.

É característico do conflito israelo-palestino que ambos os antagonistas fiquem num clinch. Cada um é fraco demais para definitivamente acabar com o outro. E cada um é também o único que

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Posfácio, setembro de 2014: a guerra em Gaza como premonição da crise de Israel

A recente guerra em Gaza fornece uma série de dados que parecem reforçar as tendências que nós esboçamos ao longo desse texto. Esse novo confronto entre Israel e o Hamas (estabelecido na Faixa de Gaza), a operação “Margem Protetiva” (Tzuk Eitan), entre 8 de julho e 26 de agosto

2014, matou 74 israelenses e 2100 palestinos, deixando em seu rastro também 10.000 de feridos e Gaza em ruínas. É interessante lembrar a reticência inicial tanto do governo israelense quanto do Hamas em se engajar numa grande operação militar. A guerra começou quase contra a vontade dos líderes antagonistas que nela foram empurrados por atos de extremistas terroristas de ambos os

lados. Em última instância, foi o fracasso dos representantes políticos das duas nações, o governo de Netanyahu e a AP de Abbas, de encontrar suficiente terreno comum nas negociações de paz que permitiu a repentina degradação. Israel se retirara da Faixa de Gaza em 2005, mas do ponto de vista palestino a ocupação nunca cessara – aliás, para o Hamas a própria existência de Israel é o que constitui a ocupação.

O nível de destruição desta nova “rodada” superou a dos confrontos Israel-Hamas anteriores, no entanto, qualitativamente, o caráter dessa terceira guerra não diferiu muito. Israel novamente se viu provocado por um adversário militarmente muito inferior, mas politicamente no mínimo seu par. Novamente o Estado judaico enfrentou o dilema em que, para restabelecer uma semelhança de dissuasão, teve que usar um overkill maciço que – ainda que disfarçado por tentativas de minimizar o "prejuízo colateral" humano – inevitavelmente joga a favor de seu inimigo. É esta lógica, mais do que qualquer ideologia de respeito à vida c.q. de glorificação da morte, que explica a discrepância numérica das vítimas. Na discussão sobre a “desproporção” na resposta israelense, não podemos esquecer que existe uma relação inversa entre proporcionalidade da reação e efeito dissuasivo. Ambos os lados são cientes das regras deste jogo amargo e tentam usá-las em sua vantagem. Novamente, também a guerra terminou – não obstante os clamores de vitória por ambas as lideranças – numa restauração do status quo de antes.

Embora se possa entender a racional tática, a decisão israelense de reagir aos foguetes palestinos é errônea em termos estratégicos, pois aprofunda um círculo vicioso negativo para o Estado judeu. Mesmo “vitoriosa”, cada nova guerra só piora a situação política de Israel e acelera o impacto das cinco crises estruturais: demográfica, estratégica, regional, internacional e intrajudaica. Podemos sucintamente apontar como esta guerra influenciou cada um dos dilemas propostos no ensaio.

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