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Saúde, ambiente e desenvolvimento econômico na Amazônia .

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Academic year: 2017

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Saúde, ambiente e desenvolvimento

econômico na Amazônia

Health, environm ent, and econom ic

developm ent in the Am azon

1 Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana, Cesteh/Ensp/Fiocruz. Av. Leopoldo Bulhões 1480, Manguinhos, 21041-210, Rio de Janeiro RJ. vicentin@ensp.fiocruz.br Genésio Vicentin 1 Carlos Gomes Minayo 1

Abstract T his article analyzes the transfor-m at ion of t h e epid etransfor-m iological profile in an Am azonian population group consisting of workers recruited by the m ining com pany Mineração Rio do N orte S.A. (MRN ) in Porto T rom betas in the m unicipality of Orixim -iná, Pará State, Brazil. Determ ination of the health/disease process developed according to particular conditions of social reproduction in the m ining project, quite different from those of the population groups associated with the region’s traditional socioeconom ic develop-m ent. T he categories develop-m ost directly involved were the social organization of space and so-cial policy vis-à-vis MRN, the Porto Trombetas population and the country, and the other pop-ulation categories.

Key wo rds Epidem iological patterns, Envi-ronm ent, Developm ent

Resu m o Analisa-se o processo de transfor-m ação do padrão epidetransfor-m iológico de utransfor-m a po-pulação am azônica constituída para traba-lhar no desenvolvimento da Mineração Rio do N orte S.A. (MRN ), no m unicípio de Orixim i-ná (PA), na localidade de Porto Trom betas. A determinação do processo saúdoença se de-senvolveu segundo as condições particulares de reprodução social do empreendimento, bastan-te distintas em relação às das populações vin-culadas ao desenvolvim ento socioeconôm ico tradicional da região. As categorias particula-res m ais diretam ente envolvidas foram a or-ganização social do espaço e a política social: da MRN , para a população de Porto Trom be-tas e do país, para as dem ais categorias da po-pulação.

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Introdução

As décadas de 1970 e 1980 form am um perído em que foi especialm ente expressiva a m o-vimentação e a expansão da população da Ama-zôn ia. Um a das form as de susten tação dessa m obilização social foi a im plan tação de gran-des projetos de gran-desenvolvimento; em contraste com a década seguin te, quan do esta form a de ação econ ôm ica se torn ou praticam en te n u la naquela região.

A ou tra form a de m obilidade social tam -bém foi determ inada por ação econôm ica, to-davia com características muito distintas e sem se interrom per ao longo da década de 1990. Con stitu iu -se de m ovim en tos de popu lações vin das prin cipalm en te das regiões Sul e Leste que, deslocadas do sistem a produtivo agrário pela sua m ecanização e m odernização, busca-vam novas terras para se instalar resultando na expansão da fronteira agrícola. Outro expressi-vo con tin gen te era com posto por m assas de populações sem recursos que acorriam aos ga-rim pos em busca de m etais e m inerais precio-sos. Em outras palavras, pode-se dizer que a ocupação da Am azônia naquelas duas décadas desen volveu-se em duas verten tes distin tas, am bas voltadas para a exploração de suas po-tencialidades econômicas. Mas, ainda que am-bas tenham em sua origem a mesma força pro-pulsora – o m odelo socioeconôm ico produzi-do pelo m ovim ento de expansão da econom ia capitalista in tern acion al (em estreita ligação com segmentos internos do país) –, seus efeitos sociais foram diferenciados.

A prim eira daqu elas verten tes da m obili-dade social dizia respeito, naquela conjuntura, a popu lações hu m an as relacion adas aos pro-cessos de exploração econôm ica da Am azônia promovidos pelos segmentos de ponta da eco-nom ia capitalista internacional. Tal foi o caso de m in eradoras de bauxita, ferro, cassiterita etc.; da construção de hidrelétricas como as de Tucuruí e Samuel, estreitamente vinculadas ao fornecimento de energia para os processos mi-neradores e industriais do alumínio e ferro; e a instalação das próprias indústrias de transfor-mação como a Albrás, Alunorte, o Projeto Jari (produtor de celulose) etc. (Brasil, 1964, 1968 e 1974; Sodré, 1980; Ibase, 1983; Marques, 1983; Lastres, 1988).

A segunda vertente, por seu turno, corres-pon dia à m obilização de populações vin cula-das a desdobram en tos in tern os da econ om ia, parecen do desen volver-se em processos

soci-ais e epidemiológicos paralelos, independentes quanto à outra vertente (Marques, 1985 e 1986; Possas, 1989). Esta aparente dicotom ia do de-sen volvim en to socioecon ôm ico n a Am azôn ia tam bém pode ser iden tificada em ou tras re-giões do Brasil, sen do m otivo de debates em que se fala freqüen tem en te n a existên cia de múltiplos “Brasis” (Minayo, 1995). Sua expres-são n o terren o da saúde revela-se com o m ul-t iplicidade do perfil epidem iológico (Possas, 1989).

Tais diferenças, e o fato de no final da dé-cada de 1980 ter se esgotado a verten te dos gran des projetos de desen volvim en to (Sodré, 1980; Ibase, 1983; Cardoso de Mello, 1984; Souza, 1995), fazem das décadas de 1970 e 1980 um período particularm ente favorável aos es-tu dos sobre as características assu m idas pelo processo epidem iológico face ao desen volvi-m ento daqu eles distin tos volvi-m odelos de forvolvi-m a-ções sociais.

O estudo que propiciou esta publicação foi realizado sobre o desenvolvim ento epidem io-lógico da popu lação de u m a cidade in stalada no interior da Amazônia por um projeto de de-senvolvimento denominado Mineração Rio do Norte S/A, localizado n o m un icípio de Orixi-miná (PA), à margem direita do rio Trombetas, afluente da calha Norte do rio Amazonas. Nes-se m unicípio, na localidade de Porto Trombe-tas (situ ada a 80km da sede m u n icipal, 210 quilômetros à jusante de Santarém, principal e m aior cidade daquela região), foi con struída um a cidade m oderna e dotada de infra-estru-tu ra com o serviços de saú de, in clu in do u m m oderno e bem equipado hospital; rede de á-gua e esgotos; escola; serviços destinados ao la-zer: ginásio de esportes, clube social e clube de cam po, cinem a etc.; superm ercado abastecido em moldes dos de grandes centros urbanos; ae-roporto equipado para receber jatos de grande porte etc. Seu sistema de saúde, além dos servi-ços locais, se valia de serviservi-ços conveniados em Belém ; Rio de Jan eiro, e São Paulo, com ple-mentando as necessidades de atenção de maior com plexidade.

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a população do en torn o cresceu m ais, quase dobrando até em 1988 (Tabela 1), apesar dos es-forços da MRN em conter sua expansão.

Em con traste com as con dições existen tes na localidade de Porto Trombetas, na sede mu-nicipal com cerca de 30 mil habitantes, a maio-ria da população não era atendida por redes de água e esgoto, seus serviços de saúde eram: uma Unidade Mista, pertencente à FSESP (anteces-sora da Funasa), dotada de 30 leitos e de labo-ratório para as rotin as de san gue e urin a, m as sem con tar com aparelho de Raios X, e outro serviço, tipo Centro de Saúde, com funciona-m en to assistefunciona-m ático cofunciona-m o un idade avan çada da Universidade Federal Fluminense, para trei-namento de seus alunos. O estudo das transfor-m ações no padrão epidetransfor-m iológico da popula-ção de Porto Trom betas representa a vertente do m odelo de desen volvim en to socioecon ô-m ico ligada aos interesses de ponta do ô-modelo socioeconôm ico que continua em vigência no país e, tam bém , ainda predom inante no nível internacional. Mas, ao referenciá-la ao desen-volvimento epidemiológico da população da se-de municipal e outros padrões nacionais, expõe a outra vertente de um a realidade social e epi-demiológica díspar. Cada uma delas, que se su-põe representar duas vertentes com plem enta-res do processo de desenvolvimento implemen-tado pelo m odelo socioeconôm ico vigente no país, tem suas principais características socioe-conômicas operando como os determinantes de seus respectivos padrões epidemiológicos.

Assim , apon ta-se para a possibilidade de este estudo contribuir para o debate sanitário, especialmente quanto aos determinantes gerais e particulares socioecon ôm icos e am bien tais,

da saúde coletiva e saúde pública no país. Pois, com o se afirm ou, os determ inantes das trans-form ações havidas n o processo saúde doen ça continuam se subm etendo à m esm a lógica do capital internacional.

História sucinta do desenvolvimento do empreendimento e do município de Oriximiná

O s p r im eir os m ap eam en tos d e bau xita ( m i-n ério do alu m íi-n io) i-n a Am azôi-n ia se deram a partir da descoberta das reservas de Trombetas, localizadas n o Pará pela em presa can aden se Alcan , n o an o de 1967. Mas, foi m edian te os estu dos da empresa estatal brasileira Rio Doce Geologia e Min eração S/A (Docegeo), qu e as reservas do país passaram para 4,4 bilhões de ton eladas, em 1983 ( San tos, 1986) . Iden tifi-cadas, foram in corporadas com o patrim ôn io por: em presas estatais n acion ais 1,8 bilhões, empresas privadas nacionais 0,8 bilhões e, em-presas privadas estran geiras 1,8 bilhões (Ma-chado, 1985).

A ten dên cia ao esgotam en to desse m in é-r io n os países capitalistas cen trais e as desco-bertas das reservas em países periféricos, prin-cipalmente Brasil e Austrália, transferiram o fo-co do in teresse de exploração da bauxita para estes países. Esse movimento foi assimilado pe-los monopólios da exploração mineral como a tran sferên cia de algu m as etapas da produ ção para os países on de se localizaram as reservas (Marques, 1983; Ibase, 1983).

Ao Brasil, on de já se dom in avam todas as etapas de produção do alumínio desde a

déca-Tabela 1

Evolução da população de Porto Trombetas, segundo as categorias de vínculo com a MRN, no período 1980-1988.

Ano Segurados Segurados Dependentes Dependentes Moradores Total MRN contratados MRN contratados entorno

1980 1.441 566 3.098 226 371 5.702

1981 1.504 566 3.234 226 444 5.974

1982 1.489 239 3.201 226 515 5.670

1983 1.313 295 2.823 226 588 5.245

1984 1.392 1.000 2.993 226 661 6.272

1985 1.472 1.183 3.165 320 732 6.872

1986 1.386 1.206 2.980 390 627 6.589

1988 1.450 1.669 3.117 406 683 7.325

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da de 1950, in teressava a captação de capital para a im plem en tação de todas as etapas (da produção e da transformação) já que a capaci-dade in stalada era in ferior à n ecessária para a auto-suficiên cia n a dem an da por este m etal (Machado, 1985). Desta forma, a partir da polí-tica govern am en tal expressa n os su cessivos planos de desenvolvimento (Brasil, 1964, 1968 e 1974), a auto-suficiência é proposta e busca-se obtê-la m edian te a com posição de capitais nacionais (principalm ente da estatal Cia. Vale do Rio Doce – CVRD) e estrangeiros.

No caso da MRN, a prin cipal parceria se desenvolveu com a Alcan, que detinha a maior parte das reservas de Porto Trom betas, após a CVRD. O governo brasileiro, que já participa-va com 20% do capital no desenvolvimento do projeto original, capitaneado pela Alcan, diante de sua paralisação em 1972 por aquela em -presa, ampliou sua participação e acelerou sua implementação. Tornou-se detentor de 49% do capital, com pondo um a joint ventureà qual se agregaram varias em presas m u ltin acion ais e nacionais. Sua im plantação foi concluída, en -trando em operação em 1979, m ediante a rea-lização do investimento de 390 milhões de dó-lares (Machado, 1985).

Marco teórico

Para o m odelo de análise proposto, é relevan-t e discutir a questão da defin ição das catego-rias gerais que presidem a form ação de distin-tas configurações do perfil epidem iológico de populações participantes de processos de pro-dução, também de características distintas. No caso estudado, tal processo se desenvolveu sob a lógica da divisão in tern acion al do trabalho, do m odo de produção capitalista, in tern acio-n alizado e hegem oacio-n izado a partir dos países capitalistas centrais.

Assim, a categoria analítica processo de pro-duçãoé assu m ida n este trabalho n o sen tido que Marx (1975) den om in ou de "processo de produção de m ercadorias", tom an do-o, portan to, den tro de um m odo de produção con -creto (...) quando unidade de processo de traba-lho e do processo de produzir mais-valia, (...) for-m a capitalista da produção de for-m ercadorias... (Marx, 1975); sendo a categoria que expressa o nível máximo de determinação.

Sua concretização se dá através de relações técnicas de trabalho ou processo de trabalho téc-nico, m as com o defin iram Lau rell & Noriega

(1989) trilhando cam inho inverso (...) em que pese o caráter técnico do processo de trabalho, a chave para entender como se constitui não resi-de na lógica tecnológica abstrata, m as na lógica concreta do processo de valorização, ou seja, na estratégia empregada pelo capital, num momen-to histórico específico, para extrair m ais-valia.

Portanto, numa sociedade determinada que constitui um processo de produção concreto, o resultado da relação entre os com ponentes da atividade produtiva e da reprodução da força de trabalho (m aterialização da relação produ-ção versuscon sum o) com põe um perfil de re-produção socialno qual se desenvolve um pro -cesso saúde-doença, expresso por determ inada m orbidade particular, que se m aterializa historicam en te n a im ersão do biopsiquism o hu -mano na esfera social (Laurell & Noriega, 1989): resultado objetivo, portanto, da relação do so-cial com o biológico. A unidade do desenvolvim en to desses, quan do referen ciada ao desen -volvim ento do processo saúde-doença, confi-gura um padrãoexpresso num perfil epidem io-lógico, ou perfil de saúde, como a expressão fe-nomenológica daquele processo. Dessa forma, a história do padrão epidem iológico de um a dada população é a própria história de sua re-produção social e de seus com ponentes essen-ciais de produção: o trabalho concreto e a repro-dução da força de trabalho.

Assim sendo, o estudo do padrão epidemio-lógico de u m a popu lação é, em u m determ i-n ado i-nível de abstração, a própria abordagem histórica da lógica e do modo pelo qual tal so-ciedade, ou parte dela, constitui e organiza a-queles dois com ponentes essenciais de sua re-produção social. Tal lógica e o modo como or-ganizam os elementos concretos da reprodução social, e através desta realizam a mediação en-tre o nível geral (político-econômico) e o nível particular, constituem efetivamente os compo-n ecompo-n tes im ediatos que determ icompo-n am o processo saúde-doen ça, n o caso particular estudado: a política sociale a organização social do espaço (Silva, 1985).

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den om iden am "reprodu ção social" em qu e se iden -cluem os com pon en tes de trabalho con creto (atividade produtiva) e de reprodução da força de trabalho.

Sen do o processo saú de-doen ça in trin se-camente associado ao modo como se desenvol-ve a relação produção versusconsumo, fazendo parte da m esm a, assum irá diferentes configu-rações (perfil epidem iológico) em processos particulares distintos. Quanto ao m odo de or-ganização do espaço, Silva (1985), relacionan-do-o ao processo saú de-doen ça afirm a: o ho-mem em sua atividade econômica organiza o espaço a sua volta de m aneira a m elhor desem -penhar essas atividades econôm icas. Desse pro-cesso de organização resulta um sistema de rela-ções que caracteriza o espaço. Este sistema de re-lações pode ou não ser adequado à ocorrência de determ inadas doenças; em sendo, existem graus de adequação.

Dessas inter-relações, através das quais ca-pital e trabalh o bu scam a realização de seu s in teresses, resu ltam a organ ização do espaço social e a política social aten den do-os de for-mas determinadas, podendo daí resultar distin-tas caracterizações da relação produção versus consumo, para qualquer de seus componentes. Em bora isto possa ser determ in ado tan to n as relações intercapitalistas, como entre as das for-ças do capital e do trabalho, é principalm ente das condições desta últim a que se m olda a re-produção social.

Assim, compreendidas as formulações abs-tratas das categorias determinantes do proces-so saúde-doença, pode-se desenvolver os con-ceitos de política sociale de organização social do espaço avançadas, qu e aqu i são relacion a-dos a um processo de produção determ inado, particular, com o o da cidade da MRN (Porto Trom betas). Tal definição diz respeito ao aten-dimento de condições de vida (na relação pro-dução versusconsumo), nos planos da organi-zação do espaço e do acesso a ben s com patí-veis com o desenvolvim ento do processo saú-de-doença em bases diferenciadas e mais favo-ráveis, se comparadas aos parâmetros de outras populações da região Am azônica, sob o m odo de produção capitalista no período em foco. Is-to ocorre, não obstante se desenvolverem como com pon en tes com plem en tares e in terdepen -dentes dentro do m esm o m odelo socioeconô-mico vigente, portanto, em obediência ao mes-m o processo de determes-m inação, emes-m termes-m os ge-rais e históricos. Nos casos particulares, com o no de Porto Trombetas, constituía a estratégia

de produção e de realização de lucros maximi-zados de uma empresa de ponta do modelo so-cioeconômico; no das demais populações, obe-decendo ao processo tradicional de desenvolvi-mento da região.

As categorias epidem iológicas particulares para o estu do da MRN são apresen tadas adi-ante: a política social é representada principal-m en te pela forprincipal-m ação da população, por n ível salarial e estabilidade no em prego; a organiza -ção do espaço social e do entorno, pelas condi-ções de m oradia e san eam en to; con dicondi-ções de abastecimento, lazer e acesso à educação e cul-tu ra; in tegração social; aorganização do tra-balho técnico, que é represen tada pelo desen -volvim en to da qualificação do trabalho e re-presen tada pelas categorias: qualificação da mão-de-obra e prevenção de acidentes; a orga-nização dos serviços e política de saúde: repre -sentados pela integridade da assistência oferta-da, cobertura e acesso aos serviços (ín dice de utilização)e, o padrão de morbidade, represen-tado pelo con trole da malária (Índice Parasitá-rio Anual) e outras doenças infecciosas e para-sitárias, acidentes de trabalho, controle de do-enças crônico-degenerativas, processos mórbi-dos relacionamórbi-dos ao estresse e à baixa integra-ção social etc.

Caracterização dos determinantes no desenvolvimento do processo particular de saúde-doença na população de Porto Trombetas

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Trom betas, ju n tam en te com m igran tes pro-venientes da sede municipal e de outros muni-cípios da região.

Política social

Um período que se esten de de 1971 até 1979, com interrupção entre 1972 e 1977, foi caracterizado pelas obras de im plan tação do em -preen dim en to, e a população se desen volveu com as características que assum e nas grandes obras realizadas em lugares remotos: composta totalm en te de trabalhadores m igrados de ou-tras regiões, quase que exclusivamente do sexo m asculino e de faixas etárias econom icam en -t e ativas; varian do su a qu an tidade segu n do a fase e a am plitu de das obras realizadas. Apu -rou-se que n o prim eiro período seu n úm ero oscilou entre 400 e 1.000 trabalhadores, quan-do foi construíquan-do um acampamento e aberto o trajeto de im plantação da ferrovia, que ligaria o porto fluvial ao platô de Saracá, onde se en-contram as reservas de bauxita.

Entre 1977 e 1979, foram concluídos a fer-rovia, o porto, a in fra-estrutura da m in a, a á-rea in du strial, o aeroporto, a vila residen cial e os serviços urbanos básicos. Segundo Macha-do (1985), a população chegou a compor-se de 5.400 habitantes, no pico das obras, e era cons-t icons-t u íd a m ajor icons-t ar iam en cons-t e p or cons-t r abalh ad or es ligados às em presas de con stru ção civil, res-pon sáveis pelas obras, as qu ais devem ter re-crutado parte de sua classe operária na região. A popu lação ligada diretam en te à MRN ainda era pequena. Mas, a partir de 1979, com a implantação da infra-estrutura em Porto Trom -betas e a n ecessidade em ergen cial de in iciar a produ ção para o aten dim en to de exigên cias contratuais de fornecim ento de bauxita,

prin-cipalm en te in tern acion ais, con stituiu-se um a população inicial ligada à MRN, composta em grande parte pelos próprios trabalhadores das empresas de construção civil que haviam cons-truído o em preendim ento, sendo este um m e-can ism o in direto de absorção da popu lação origin ária da região. En tretan to, o in ício da operação ain da sem qu e estivesse totalm en te im plantada a vila residencial form ou um a po-pulação distorcida quan to à sua com posição etária e por sexo. Impossibilitados de levar seus fam iliares para o local, m u itos perm an eciam residin do em alojam en tos de solteiros, o que levava a um a elevada rotatividade da m ão-de-obra.

Portanto, a política da empresa para formar sua população trabalhadora e sua classe ope-r áope-ria ain da eope-ra em eope-rgen cial. Nos quatope-ro pope-ri- pri-meiros anos de operação, a MRN atuou em gim e de produção intensiva, buscando sua re-composição econômica e consolidação no mer-cado internacional. Mas, mesmo não aplicando um a política social am pla, algum as condições de vida em Porto Trom betas são bastan te fa-vo ráveis, sen do o n ível dos salários o atratifa-vo inicial principal se comparado com os padrões vigentes no país (Tabela 2).

Du ran te o cu rto período de 1979-1983, além do nível dos salários, a MRN am pliou os gastos e o núm ero de trabalhadores treinados, tendo investido 3,9 e 2,5 vezes mais em 1982 e 1983 do que em 1980. Assim , para recuperar seus investimentos e ampliar seus lucros preci-sava reduzir a rotatividade da m ão-de-obra e estabilizar a popu lação. À m edida qu e con s-truía e ofertava m ais m oradias tam bém subsi-diava custos com o o da alim entação e da hos-pedagem, cujo valor em conjunto era inferior a três dólares mensais, no caso dos alojamentos. Com o resultado, a rotatividade reduz-se

pro-Tabela 2

Distribuição proporcional e quantitativa das populações de trabalhadores da MRN, Pará e Brasil, por níveis de renda em salários mínimos, 1980.

População MRN Pará Brasil

Renda no % no % no %

> 1 sm 0 0 227.402 41,14 10.709.000 31,02

1-3 sm 578 33,40 215.826 39,04 14.763.000 42,76

4-10 sm 927 53,55 87.019 15,74 7.171.000 20,77

+ de 20 sm 52 3,00 7.013 1,27 607.000 1,76

Total 1.723 100,00 552.759 100,00 34.525.000 100,00

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gressivam ente, de 49,9% em 1980 para 14,6% em 1983, tendo contribuído também para esse resultado a crescente concentração de mão-de-obra da região, representando mais de 80% em 1983. O conjunto da população torna-se m ais estável e bem distribuído por idade e sexo. Na-quele an o, as proporções por sexo já eram de 48,8% de m ulheres e 51,2% de hom ens e, por faixa etária, apresen tava a seguin te distribui-ção: 0-5 anos=22,5%; 6-15 anos=22,4%; 16-50 an os= 52,8% e 50 an os e + = 2,3%. Portan to, com característica de população mais estável e bem distribuída por idade e sexo.

Entretanto, neste curto período, pode-se di-zer que apesar de já se haver con stituído um a população própria, sobre a qual fazia valer sua autoridade e disciplina, esta ainda conservava m u ito das características da popu lação an te-rior. Embora já apresentasse um padrão similar aos demais da região quanto às variáveis bioló-gicas (distribuição por sexo, faixa etária etc.), ainda não se havia constituído socialmente co-m o uco-m a população essencialco-m ente operária e in dustrial que, m esm o com plem en tada por outros trabalhadores, seria formada e discipli-nada segundo um a política própria da em pre-sa. Por essa razão, este se caracteriza como um período específico, denom inado de período de operação. Mas, tendo garantido sua consolida-ção nos mercados internacional e nacional, até o ano de 1983, doravante a MRN se propõe no-vas metas no plano econômico: “maximização dos lucros e aum en to da eficiên cia operacio-nal” (Nunes, 1984). A partir de então, com o a direção da empresa definiu, a proposta de ma-ximização dos seus lucros pede a implementa-ção de um a estratégia baseada no aum ento de sua eficiência operacional. Esta seria obtida pe-la m odern ização de seu processo técn ico de trabalho, agora possível contando em seus qua-dros com m ão-de-obra m ais qualificada, tor-nando cada vez mais essencial sustentar baixa a su a rotatividade; para tal era n ecessário con -quistar também sua adesão à estratégia da em-presa com n ovos in vestim en tos sociais e sem declinar daqueles já em vigência.

Tais con dições foram obtidas com m ú lti-plos investimentos, para a melhoria das condi-ções de vida e a oferta de serviços que aum en-tavam os atrativos para a permanência em Por-to Trom betas, tanPor-to para os trabalhadores co-mo para seus dependentes. Caracterizou-se en-tão um a fase aqui denom inada de m oderniza -ção da produ-ção, presumindo-se que sob as no-vas condições tenham ocorrido nono-vas

mudan-ças no padrão de m orbidade da m esm a form a que no curto período anterior.

O n úm ero de casas un ifam iliares destin a-das aos trabalhadores qu alificados passou de 223 para 454, em 1984, e a vila foi inteiramen-te urbanizada com jardinamento, arborização, complementação da pavimentação asfáltica, re-formulação da rede de esgotos e iluminação; o Colégio Pitágoras, de Belo Horizonte, foi con-tratado para assumir a escola local e ampliar o en sin o até o segu n do grau , in teiram en te gra-tuito aos funcionários e dependentes da MRN; construiu-se um clube social moderno ofertan-do várias modalidades de esportes e opções de lazer, com custo fam iliar m áxim o de dois por cento do salário e orientação multiprofissional; u m su perm ercado m odern o, n os m oldes dos localizados nos grandes centros urbanos, vende os alimentos básicos a preços subsidiados (cer-ca de 30% abaixo dos de Belém e São Paulo, se-gundo a empresa subsidiária do mesmo), rece-bendo verduras e legumes provenientes de São Paulo duas vezes por semana desde a conclusão da expan são do aeroporto e o in ício dos vôos regulares com grandes aeronaves.

No campo social, havia-se constituído uma população equilibrada, vista sob os ângulos das variáveis sociais e biológicas, e disposta em sua m aioria a perm an ecer por tem po prolon gado em Porto Trombetas, complementando as con-dições basais que caracterizam a nova fase, vis-ta sob ângulo do desenvolvimento social. Ape-n as as coApe-n dições relativas à política de saú de são desenvolvidas no seu campo específico.

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Estes investimentos, embora não sejam pro-priam en te de política social, tiveram reflexos sobre a mesma. Em primeiro lugar, por propi-ciar m aior estabilidade n o em prego e a pers-pectiva de perm an ecer de form a prolon gad a trabalhan do e residin do n o local; além de em cu rto prazo proporcion ar m elhoria salarial. Con form e in form ação da em presa e pela ob-servação da tabela 2, con stata-se qu e a MRN elevou m ais os salários m ais baixos e os m ais altos, em 1984. Tal orientação visava, provavelm ente, estabilizar os quadros técnicos recéprovavelm -formados pelo investimento direto da empresa, os quais presume-se que estivessem concentra-dos n as faixas salariais m elhor aten didas n os reajustes.

Organização do espaço social

Du ran te a im plan tação do em preen dim en to, a organização do espaço de moradia e das áreas de produção, a organização de seu próprio es-paço social era precária, obedecen do à lógica habitual dos acam pam entos transitórios loca-lizados em áreas remotas. Segundo informação de rem anescentes desse período, as condições de vida eram desfavoráveis e responderam por um a revolta ocorrida n o acam pam en to, con -trolada com o uso da força pela segurança lo-cal, m as sem m ortes (segun do a m esm a fon te de informação).

No período in icial den om in ado de opera -ção, o processo de organização do espaço obe-deceu a critérios estritos de operacionalização do trabalho e m an u ten ção de n íveis elevados de atividade da mão-de-obra. Exemplifica esta con dição o tratam en to dado à dren agem plu-vial, feita a céu aberto para evitar aglomeração de água e evitar a criação de mosquitos vetores de doenças, principalmente a malária, que pu-dessem comprometer grandes contingentes de trabalhadores e reduzir substan tivam en te a produção. A vila residencial contava com esgo-tamento sanitário e abastecimento de água des-de o início, mas a urbanização da vila somente foi con clu ída n o período de m odernização da produção, sim ultan eam en te com a am pliação das m oradias, a im plantação de nova infra-es-trutura de ensino, lazer e atenção à saúde. Al-gum as das m elhorias nas etapas de produção, como as de britagem e lavagem, reduziu o nível de poluição na vila. Os ruídos produzidos pela britagem e a poeira da bau xita britada foram reduzidos, m as não elim inados. Na área de

la-vra, a elevada m ecan ização do trabalho pode ter reduzido os riscos de acidentes fatais.

Organização do trabalho técnico

In icialm en te, para a sua im plan tação, o em -preen dim en to im portou sua classe operária e dem ais segm en tos de trabalhadores de outras regiões do país, para a realização de um proces-so de trabalho característico de u m a gran de obra de engenharia civil. Mas, as condições da conjuntura em que se constituiu o empreendi-mento determinaram a política de produção da empresa, exercida mediante processo de traba-lho tecnicamente avançado e exigindo a forma-ção de um a classe operária especialm ente for-m ada para as características geográficas e téc-nicas do empreendimento.

Desde o início da operação, mas particular-mente após 1984, na mina (como em qualquer outra etapa da produção), os equipamentos em uso para a lavra e o transporte até a transferên-cia para o trem são m áquin as m odern as, com tecn ologia avan çada qu e redu z os problem as ergonômicos e controles instalados em cabines que reduzem a exposição às poeiras e aos raios do sol.

A ferrovia é exclusiva para o transporte do m in ério e n ão se obteve in form ação sobre al-gu m aciden te com gravidade n essa etapa do processo de trabalho. A carga e a descarga do minério é inteiramente mecanizada, envolven-do m ão-de-obra qualificada e pouco num ero-sa, ocorrendo o m esm o nas etapas de arm aze-namento e embarque nos navios.

Organização dos serviços e política de saúde

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ser-viços de saúde cuja lógica era a da manutenção e reposição da força de trabalho.

Durante a fase de operação, a MRN não al-terou na essência a organização dos serviços e sua política de saúde. Esta, entretanto, incluin-do a oferta de serviços resolutivos, n a fase de m odernização da produção, represen tava im -portante com ponente da política de produção e da política social da MRN. Operava com o in stru m en to eficien te para m an ter a efetivi-d aefetivi-de efetivi-da m ão-efetivi-de-obra, ao m esm o tem po que representava um forte atrativo para a vinda e a perm an ên cia de trabalhadores e seus fam ilia-res em Porto Trombetas. Desta forma, em 1985 foi inaugurado um amplo e moderno hospital, peça prin cipal e cen tro do sistem a de saúde mon tado. Tam bém foram criadas a vigilância san itária e a vigilância epidem iológica e cons-truído um ambulatório fora dos limites da vila residencial, próximo ao porto, tendo por fina-lidade ofertar serviços aos habitan tes das co-m un idades do en torn o e reduzir sua pressão sobre o ambulatório e os demais serviços con-tidos no hospital. Neste am bulatório se insta-lou a vigilância epidemiológica, que respondia pelo con ju n to das m edidas de saú de pú blica que tradicion alm en te realiza. A vigilân cia sa-n itária assu m iu as atividades asa-n teriorm esa-n te desenvolvidas pela Sucam e as demais ações de controle de vetores; incorporou as ações de vi-gilância relacionadas com os alimentos, a água, os esgotos e a fiscalização da m an u ten ção da vila (muito importante para evitar a invasão de animais potencialmente perigosos, como feras e ofídios, e reduzir as populações de vetores de doen ças, especialm en te os da m alária e leish-maniose). Em caráter complementar, contava-se com um sistema de tratamento externo, em Belém, São Paulo e Rio de Janeiro, para o enca-minhamento de doentes cuja morbidade assim o exigisse para seu tratamento.

Padrão epidemiológico

Du ran te o período de im plan tação, o desen -volvim ento do padrão epidem iológico deu-se pela lógica de um processo de trabalho transi-tório, determinado segundo relações precárias de organização do espaço, do trabalho técnico, de respeito às normas de segurança e de provi-são de recursos para a atenção à saúde. Confir-m ando tal avaliação, as inforConfir-m ações de traba-lhado res rem an escen tes daquele período dão conta de um padrão caracterizado pela

morbi-dade proveniente do processo de trabalho co-m o a leishm an iose tegu m en tar, associada ao desm atamento, atingindo os trabalhadores des-sa frente de trabalho e os acidentes de trabalho típicos das grandes obras (Ryan, 1986). O isolam en to e a falta de in tegração social respon -diam pelo elevado con sum o de bebida alcoólica, resultando em freqüentes atos de violên -cia, com m ortes provocadas prin cipalm en te por ferimentos por arma branca. Complemen-tando este padrão, eram freqüentes as doenças de tran sm issão sexu al, veicu ladas prin cipal-m ente pela prática sexual cocipal-m prostitutas. No bordel que se instalou nas imediações do acam-pam en to, segun do in form ações de rem an es-centes, também eram freqüentes os atos de vio-lência e m orte. As doenças m ais freqüentes li-gadas à organização do espaço foram a malária e as doen ças in fecciosas gastrin testin ais, estas relacionadas à má qualidade da água consumi-da, que som ente veio a receber tratam ento ao final deste período.

Este prim eiro padrão epidem iológico de-senvolvido na população de Porto Trombetas, qu e foi determ in ado de m odo particu lar pe-la estratégia do em preendim ento, teve em sua d eterm in ação con ju n tu ral as m esm as con dções do m odelo socioeconôm ico que determ i-nariam , nas novas conjunturasparticulares do empreendimento, as transformações epidemio-lógicas das etapas segu in tes do em preen di-mento.

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s-m issão; o con trole sobre a en trada dos n ovos m oradores, realizando o diagnóstico e tratan-do previam ente os indivíduos tratan-doentes de m a-lária, antes de liberá-los para circulação. Estas duas linhas de m edidas preventivas de caráter médico e epidemiológico transformaram a vila residencial de Porto Trombetas numa ilha pro-tegida contra a transmissão da doença, princi-palm en te após 1985, n ão se registran do m ais casos autóctones na vila (Tabela 3).

A freqüência de casos anuais e o IPA (Índi-ce Parasitário An ual) registrados n as popula-ções da MRN e das em presas con tratadas; em contraste com a verificada nos ribeirinhos (R), moradores das comunidades próximas, onde se registrou sempre número elevado de casos, no período de 1980-1988. O IPA registrado na po-pulação da MRN, comparado ano a ano com o dos ribeirinhos, situa-se sem pre acim a de oito vezes m ais elevado para esta últim a.

Tal diferença traduz riscos distintos de ex-posição aos vetores e plasmódios causadores da m alária, m as expressa tam bém o tipo de rela-ção que cada grupo da popularela-ção mantém com a em presa. Os vinculados diretam ente à MRN e os das con tratadas recebem a proteção do ambiente organizado. A vila da MRN é situada em local elevado e conta com sistem as de dre-n agem dre-n atural e im pladre-n tado, operadre-n do a céu aberto para favorecer sua lim peza e im pedir acúm ulo de água que pudesse proporcion ar ambientes favoráveis à proliferação de anofeli-nos. Tais sistem as, junto com a busca ativa de am ostras de san gu e dos n ovos m oradores n a chegada ao local, com plem en tam n o in terior da vila e áreas de trabalho as condições que

di-ficu ltam a tran sm issão da m alária (Vargas & Savelli, 1949). No interior da vila, chegou-se à ausên cia de tran sm issão, a partir de 1985, re-gistrando-se apenas casos im portados.

No caso da população ribeirinha, que vive em am bien te m odificado in adequ adam en te pela ação hum ana, a transm issão da m alária é também favorecida pela movimentação huma-na referindo-se, neste caso, à expansão descon-trolada da população e à movimentação huma-n a tem porária, sistem ática ou assistem ática, caso dos catadores de castanha e garim peiros, que saem e retornam à região, sem contar com ações efetivas de vigilância epidemiológica, co-m o a busca ativa de casos realizada pela MRN (Sawyer & Silva, 1982). Um a epidem ia da do-en ça ocorrida em Porto Trom betas, em 1989, atingindo quase exclusivamente os ribeirinhos, reforça os aspectos con siderados. O con trole dos determ in an tes, feito pela MRN n a vila e n os locais de trabalho, foi capaz de im pedir a circulação dos parasitos, mesmo na vigência de epidem ia, ocorrida en tre m arço e outubro de 1989. No interior da vila apenas um caso foi re-gistrado, atingindo um funcionário de empresa con tratada, en quan to se registraram 50 casos autóctones na população de ribeirinhos, com o IPA atingindo 7%.

Para se explicar essa epidemia, tomando-se inicialmente as características ambientais, con-dicion aram a popu lação ribeirin ha a elevada vulnerabilidade. Seu inicio ocorreu durante pe-ríodo de gran de en chen te n o rio Trom betas, quando houve intensa proliferação de anofeli-nos nas áreas de invasão das águas. Os ribeiri-nhos, residindo nas barrancas do rio e dos

la-Tabela 3

Incidência de malária e IPA registrados na população de Porto de Trombetas/PA, segundo as categorias MRN, contratadas e ribeirinhos, 1980-1988.

Categorias MRN Contratadas Ribeirinhos

Ano Casos IPA Casos IPA Casos IPA

1980 17 0,38 7 0,88 17 4,58

1981 37 0,78 62 7,82 44 9,90

1982 11 0,23 4 0,86 83 16,11

1983 8 0,19 1 0,90 24 4,09

1984 10 0,22 13 1,06 12 1,81

1985 5 0,10 5 0,33 16 2,18

1986 6 0,13 13 0,81 11 1,75

1987 3 0,07 8 0,59 7 1,07

1988 6 0,13 12 0,57 17 2,48

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gos, freqüentemente em locais assemelhados a enseadas que favorecem o aportamento de suas embarcações, situavam-se precisamente em lo-cais favoráveis à constituição dos criadouros de vetores. Mas, não obstante a enchente, destaca-se o destaca-seu papel relativo e aponta-destaca-se a importân-cia da migração, considerando-se a ocorrênimportân-cia de casos até o mês de outubro, já em pleno pe-ríodo de baixa do rio. A movimentação social, excluída a vin culada à própria MRN, sobre a qual a empresa exerce elevado grau de contro-le, cresceu ao lon go da década de 1980 n a re-gião de Porto Trombetas e ao longo do rio ho-mônimo. Tal migração é principalmente ligada aos garim pos e catadores de castan ha, em re-giões à m on tan te de Porto Trombetas, prova-velmente envolvendo elementos da própria po-pulação ribeirin ha que retorn aram duran te o período das chuvas, e pode ter sido a responsá-vel pela chegada de in divídu os in fectados ou doentes, instalando-se a transmissão em níveis epidêm icos n aquela população. Con stata-se, portan to, que a m ovim en tação social, com o discute Marques (1985), tam bém exerce im -portante papel na transm issão da m alária.

Assim , fica paten te que a MRN adotou as du as m edidas epidem iológicas m ais relevan -tes para o controle da doença, sendo inconteste o caráter científico de sua política de controle da doença. Além disso, é evidente que a redu-ção da rotatividade da mão-de-obra, caracteri-zada por um a rotatividade de 20% para a ppulação da MRN duran te toda a fase de m o-dern ização da produção, foi im portan te para que resultassem eficazes as medidas de contro-le da m alária postas em prática. Presu m e-se que as condições da organização do espaço e da política de saúde da MRN con tribuíram tam -bém para redu zir os riscos de tran sm issão de outras doenças que envolvem vetores como cu-licíneos e flebotomíneos; por exemplo, arbovi-roses e leishm an ioses (Sabroza, 1981; Ryan , 1986; Lainson et al., 1986). Das primeiras, não se tem registro de casos e, das segundas, ao la-do de se m ostrarem m ais freqüentes na popu-lação ribeirinha, os anos em que ocorrem com m ais freqüência indicam um a associação com a atividade profissional. Entre os segurados da MRN e das em presas contratadas agrava, com regu laridade, u m pequ en o n ú m ero de traba-lhadores, tomando as características de doença profission al, em relação com as atividades de desm atam en to das fren tes de lavra e às pró-prias atividades a ela pertinentes, como os ope-radores de m áquinas que atuam no

desflores-tam ento, destoca, descapeam en to do m in ério etc. En tre os trabalhadores das em presas con -tratadas, com os maiores números de casos nos anos 1985-1987, estes podem ser associados às atividades de desm atam ento destinadas à am -pliação do aeroporto e à transferência da plan-ta de lavagem da bauxiplan-ta para a mina; os casos novos declinam já em 1988, coincidindo com a conclusão desta obra.

Já os casos registrados na população ribei-rin ha provavelm en te associam -se às suas ati-vidades principais, que envolvem a entrada na floresta: a coleta de castanhas, a caça e o garim-po. Não se pode descartar, todavia, a transmis-são n o espaço peridom iciliar, on de praticam plantio sazonal, passando por roçada e queima de vegetação para seu preparo Além disso, as m oradias podem estar sem im ergu lhadas em floresta secundária, além de albergarem, em es-treito convívio com a população humana, cria-ções de galin has e porcos, favorecen do a pre-sença de flebotomíneos.

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A tuberculose, segundo Ruffino Neto & Pe-reira (1981), tem seu desenvolvim ento epide-m iológico relacionado às condições sociais de vida, especialm en te às de alim en tação/n u tri-ção e às do espaço in tern o de m oradia (con -cen t r ação in tradom iciliar), (Vi-cen tin , 2002). São m uito distintas as condições daqueles de-terminantes em Porto Trombetas, entre os mo-radores da vila e os ribeirin hos, poden do ex-plicar a gran de disparidade das taxas m édias de incidência: na população da MRN foram de 5,5 e 72,1 por 100 m il habitan tes, respectiva-mente no primeiro e segundo períodos, quan-do n a população ribeirin ha atin giram 364,9 e 297,9 n os m esm os períodos. A distribu ição dos casos d e h an sen íase segu e p ad r ão sem e-lhante.

O com portam ento dissociado da evolução do con trole da m orbidade por doen ças in fec-ciosas e parasitárias revela tam bém o processo de priorização da MRN, sob o qual as ações sa-nitárias foram definidas. Vê-se a m aior priori-dade revelando-se justamente para o campo da-quelas doenças que mais poderiam comprome-ter o processo produtivo e de realização dos in-teresses econôm icos da em presa, caso especial da malária, que, em fase epidêmica, atingiria ra-pidam en te gran de n úm ero de in divíduos em idade produtiva, especialmente entre os traba-lhadores.

A com bin ação do sucesso n o con trole da m alária e outras doen ças in fecciosas com o as transmitidas por vetores, de veiculação hídrica e de transmissão sexual, com o comportamen-to epidêm ico de doen ças com o o saram po e a coqueluche, caracterizan do cobertura vacin al m u ito baixa m esm o n a popu lação vin cu lada diretam en te à MRN, m ostra a dicotom ia do m odelo im plem en tado para a saú de pú blica em Porto Trom betas. Sua capacidade de atuar decisivam ente sobre o processo saúde-doença aparece condicionada ainda pela estratégia da em presa, n a form a com o estava defin ida n a etapa inicial da operação do empreendimento, qu an do apen as as qu estões san itár ias m ais su scetíveis de produzir situações epidem ioló-gicas im pactantes sobre o processo produtivo eram objeto de aten ção. Depois, com a pers-pectiva de modernização da produção, a políti-ca de saúde da empresa parece ter-se aberto pa-ra algum as novas alternativas.

A dicotomia que aparece no campo das do-en ças in fecciosas e parasitárias vai se revelar ainda mais evidente quando se analisa o mode-lo com base em dados da m orbidade

crônico-degenerativa e daquela que deriva diretamente do processo de trabalho.

Quan do se buscam os dados referen tes ao desen volvim en to de patologias crôn icas, cu -mulativas, face à exposição prolongada a riscos presentes na rotina do trabalho, verifica-se que foi muito baixa a freqüência de diagnóstico de doen ças osteom u scu lares crôn icas, pn eu m o-conioses, doenças cutâneas, alteração da acui-dade auditiva etc. Entretanto, os elementos que represen tam risco para seu desen volvim en to estão presentes: no trabalho mecânico, a poeira inorgânica, forte exposição aos raios solares e os ruídos con tín uos, repetitivos e de forte in -ten sidade em itidos n a área in du strial pelos equipam entos de geração de energia elétrica e britagem. Essa condição pode significar tanto a baixa freqü ên cia com o a falta de diagn óstico destes agravos, por n ão se con tar com profis-sionais voltados para tal. Neste último caso, se caracterizaria m ais um a distorção do m odelo, con tribuin do para a dicotom ia do com porta-mento do padrão epidemiológico.

Ainda com o contribuição para a caracteri-zação desta dicotom ia, tom a-se com o in dica-dores a freqüência de consultas com diagnósti-co de doença cardiovascular, o número de diagnósti- con-sultas/habitante/ano e o consum o de m edica-mentos (fornecidos gratuitamente pela MRN), cu ja ten dên cia foi de gran de crescim en to ao longo de todo o período, para todas as catego-rias da população de Porto Trombetas. No caso do consum o de consultas e de m edicam entos, chegando a níveis de distorção.

Na busca da explicação para este processo, além dos determinantes habituais do compor-tam en to daqu ela m orbidade e do com porta-m en to da popu lação eporta-m relação aos serviços de saú de, atu am de form a m u ito relevan te o isolam ento geográfico e a baixa integração so-cial da popu lação, com o fatores estressores (Leal, 1981).

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eca-nismo de iatrogenia que pode ser associado ao estresse.

A iden tificação de con dições geradoras de stress em Porto Trom betas exigiu, m ais que qualquer outro problem a, a com preensão dos mecanismos sociais envolvidos com o processo de con stituição de um a população m ais per-manente em Porto Trombetas e de sua relação com a em presa, fun dam en talm en te presen te em todas as relações da vida hum an a, n aque-la localidade. As profundas transformações nas condições de vida, pelas quais passavam a gran-de m aioria das pessoas que iam habitar a vila da MRN são a base do desenvolvimento do es-tresse. As m ais relevantes são aquelas relativas às populações cuja obtenção dos m eios de so-brevivência passaram das atividades extrativas, ligadas ao processo produtivo tradicional (pes-ca, agricultura, caça), para a depen dên cia das atividades regulares, sistem áticas, n orm aliza-das e supervisionaaliza-das do sistema produtivo da MRN, vinculando sua subsistência ao salário e aos demais direitos sociais. Em outras palavras, su bstitu ir os padrões com portam en tais, m o-rais, éticos e socioecon ôm icos da vida sob a econ om ia extrativista tradicion al, pela tran s-form ação abrupta e in apelável em classe ope-rária industrial, regida sob a ótica e os padrões da em presa. A existên cia de n orm as rígidas com portam entais, definidas pela MRN e apli-cadas até no espaço do lazer, pode ser apontada com o um exem plo do processo gerador de es-tresse; tendo sido identificado pela em presa e modificado a partir de 1986, desvinculando as estruturas de lazer do con trole direto da em -presa, bem com o as norm as com portam entais definidas para esse espaço. Mas, apesar destes desdobramentos de liberação no terreno da vi-da extraprofissional, o estresse estava presente de forma permanente no processo transforma-dor daqueles grupamentos humanos. Tratava-se de u m a tran sform ação de clasTratava-se em cu rto prazo, que historicamente leva décadas para se

desenvolver em sua plenitude, pois além de se dar no terreno socioeconômico, também se es-tende ao cultural e ao psíquico e em ocional.

Para aqueles provenientes de outras regiões do país, o prin cipal com pon en te n a determ i-n ação do estresse eram as coi-n dições de isola-m ento geográfico e de heterogeneidade cultu-ral da população constituída, com baixa inte-gração social que foi sen do superada, in icial-mente no trabalho, sob o comando do proces-so técnico de produção.

No plan o dos agravos agudos decorren tes d o t r abalh o, p r ed om in avam as lesões t r au -m áticas produzidas por contatos físicos entre o trabalhador e objetos físicos (CESTH /ENSP/ Fiocruz, s/d). Mas, no processo de trabalho da MRN estão presen tes tam bém ou tros riscos potenciais na geração de agravos físico-quími-cos: ergon ôm icos, elétricos, calor; vibrações, ruídos, radiações ionizantes; ou biológicos: aci-dentes ofídicos e a transmissão de doenças por vetores e, finalm ente, os psicológicos. Quanto aos ín dices forn ecidos pelo docum en to MRN (1988), para a ocorrên cia de aciden tes de tra-balho, foram fran cam en te declin an tes: 22,1; 20,3; 10,1; 6.5; 7.2; 0.93, respectivamente, entre 1983-1988. Mas, os dados da tabela 4 mostram gran de variação n os valores dos registros de aciden tes de trabalho em todas as categorias em que foram classificados, dificultando a ca-racterização de qualquer tendência; parecendo evidenciar-se apenas coeficientes bem mais ele-vados entre 1984 e 1988, período de muitas o-bras em Porto Trombetas. Neste caso, o incre-mento estaria associado à elevação do número de trabalhadores de em presas contratadas, ex-plicação também dada pelo setor de segurança do trabalho da MRN.

Tabela 4

Coeficiente de incidência de acidentes de trabalho, por mil expostos, por ano, Porto Trombetas, 1981-1988.

ano 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988

sem afastamento 127 66 53 58 61 106 51 11

até 15 dias 56 77 64 87 194 164 123 122

+ de 15 dias 22 6 6 7 22 14 31 16

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Padrão dos serviços e programas

Ao m esm o tem po em qu e adotou program as avançados no controle de determinadas doen-ças infecciosas e parasitárias e investiu na mo-dernização da produção, no treinamento e em política ostensiva de combate aos acidentes de trabalho, m edian te m edidas edu cativas e es-t im ulo perm an en es-te ao uso dos equipam en es-tos de proteção individual (EPI), nas demais áreas de desenvolvimento do processo saúde-doença sua política foi con servadora, cen tran do sua ação n a atividade cu rativa. Com preen deu a modernização na área apenas como a melhoria e a am pliação dos recursos para diagnóstico e tratam en to. En quan to em seu hospital provi-sório operava com ín dices de dois leitos e 1,8 médicos por 1.000 habitantes, passa, com o no-vo, a ofertar 35 leitos, proporcion an do taxa média de 5,2 leitos/1.000 habitantes, quase tri-plicando a oferta anterior.

In for m ações ver bais afir m ar am o in ves-t im en ves-to de dois m ilh ões de dólares n o n ovo hospital, in dican do ser ali o cen tro din âm ico da sua política de saúde. A idéia de que a cons-trução do novo hospital teria sido ditada pela operação em n íveis críticos da estrutura provisória n ão parece correspon der in teiram en -te à realidade, em bora seja certo que a am pla equ ipe m édica e os recu rsos in stalados em Porto Trombetas, que incluíam modernos cen-tros cirúrgicos, aparelho de raios X e centro de tratam en to in ten sivo eram im portan tes para gerar segurança nos profissionais e seus fam i-liares e con tribu ir para su a perm an ên cia n o local.

Assim , verifica-se que foi um a orien tação da política de produção, traduzin do-se com o de saúde. Mas, apesar do aspecto da segurança e da popu lação m ostrar-se satisfatoriam en te atendida pelos equipamentos urbanos destina-dos à moradia, ao abastecimento, ao lazer, à co-municação, aos refeitórios e ao supermercado, quanto aos serviços de saúde e sua atuação, res-pon deu com in satisfação, especialm en te com os de assistência médica, fato reconhecido que preocupava a empresa.

O uso dos serviços apresentou-se deforma-do e acarretou a elevação deforma-dos custos operacio-nais, com freqüência de internações muito elevada, alto con sum o de exam es e m edicam en -tos nos prim eiros anos. Estes indicadores pas-saram a fran cam en te declin an tes a partir de 1986, porém sob o efeito de m ecan ism os res-tritivos determ in ados pela em presa, geran do

ociosidade de leitos e, certam ente, fortalecen -do a insatisfação.

Assim, a MRN não conseguiu extrair todos os resultados que esperava obter. Pressionada pela demanda, a MRN procurou atendê-la sem an alisá-la adequadam en te, n ão iden tifican do as suas verdadeiras aspirações, gerando respos-tas in adequ adas qu e m an tiveram viva a in sa-tisfação, traduzin do-se em n ovas dem an das. Para sua orientação e verificação do resultado de suas m edidas, a em presa realizou levan ta-mento de opinião pública que, pela sua genera-lidade e m á definição dos objetivos, só conse-guiu confirmar a insatisfação verificada na par-cela da população ouvida.

Fora do cam po das doen ças in fecciosas e parasitárias, a odontologia foi o setor no qual se implantou a orientação mais adequada, pro-curando integrar-se toda ação de saúde num a perspectiva de in terferir sobre algum as variá-veis geradoras das más condições da saúde oral. Embora tenha sido onde se contou com menos recu rsos hu m an os especializados, m an teve a cobertura para a população da MRN, propi-cian do ain da seu direcion am en to n o sen tido de atuar sobre a população escolar, de m odo profilático, num programa que favoreceu todos os segmentos da população, inclusive do entorn o, obteentorn do exceleentorn tes resultados entorn o desem -penho do índice de CPOD.

Portan to, em bora a MRN ten ha in corpo-rado algun s com pon en tes im portan tes de um sistem a de saú de pú blica com o a vigilân cia epidemiológica e a sanitária e tenha assimilado a orien tação preven tiva da odon tologia san i-tária, nos demais campos sua política sanitária era con servadora. Foram aqueles elem en tos avan çados da política san itária, jun tam en te com a organização social do espaço e a política social, que responderam com o determ inantes do desenvolvimento epidemiológico particular da população da vila residencial de Porto Trom-betas, em especial a ligada diretamente à MRN, que desenvolveu padrão epidem iológico dife-renciado em relação às populações humanas da Amazônia ligadas ao campo tradicional de sua econom ia.

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tor-nou-se muito elevada, da ordem de nove/habi-tan te/an o, e o n úm ero de in tern ações corres-pon dia à aproxim adam en te 23% da popula-ção/ano, em 1985, declinando nos anos seguin-tes devido às m edidas restritivas da em presa. Tal condição, onerosa e pouco produtiva, gera-va tam bém processos iatrogên icos (con sum o crescente de medicamentos) e insatisfação por parte da população.

D iscussão

A MRN, na busca da realização de seu interes-se últim o, incluiu em sua estratégia de produ-ção o desen volvim en to de elevados n íveis de eficiência e produtividade, alcançados median-te um processo técnico de trabalho avançado. Para tal, necessitava de mão-de-obra qualifica-da, eficiente, estável e adaptada, levando a em-presa a definir algumas políticas avançadas no cam po social e de organ ização do espaço. Tal política, envolvendo um processo concreto de produção e um a correspon den te organ ização da vida social, próprias da em presa e de Porto Trombetas, determinou as condições particula-res do processo saúde-doença da população a ela relacionada diretamente.

A determinação se deu por mediação, prin-cipalm ente da política social e do m odo com o a empresa organizou o espaço social, da produ-ção propriamente dita, e da reproduprodu-ção da for-ça de trabalho. Em outras palavras, tal política en con trou sua m aterialização em term os de condições de vida, nas concretas condições am-bien tais; de m oradia; de san eam en to; de ali-mentação; de nutrição; de emprego; dos bene-fícios e da integração social e de trabalho.

Para explicar tal desenvolvim ento particu-lar, em processo simultâneo com as caracterís-ticas bastante diferenciadas do processo saúde-doença em populações ligadas à economia tra-dicional da região, retoma-se o conceito de di-visão internacional do trabalho. Esta opera co-m o categoria geral n ecessária à coco-m preen são da determ inação de padrões socioeconôm icos distintos que, por sua vez, determ inam os pa-drões epidemiológicos particulares de popula-ções vin cu ladas a determ in ados processos de produção. Corroborando este raciocínio, Cou-tinho & Beluzzo (1984), referindo-se à consti-tuição em economias periféricas de um depar-tamento de bens de produção e seus principais setores (com o é o caso da indústria do alum í-n io), coí-n sideram que seu desenvolvim ento na

periferia está estreitam ente vinculado às form as avançadas de divisão técnica do trabalho, dentro do sistema de grandes empresas internacionais. É importante registrar, no caso do Brasil naquela conjuntura, que o Estado cumpriu papel estra-tégico na aglutinação de capitais internos (mui-tas vezes assum indo o papel de agente produ-tor) para associação com capitais externos em busca da implantação da produção de insumos básicos e ben s de capital, em geral valen do-se de processo avançado de trabalho. Mas, a pre-sen ça do Estado m edian te a participação de empresas estatais, que naquela conjuntura po-de garantir a preservação po-de interesses econô-micos estratégicos do país, garantia a sustenta-ção de in teresses sociais em n ível satisfatório apen as para as popu lações vin cu ladas direta-mente ao processo produtivo, no caso a ligada diretam en te à MRN. Não se registrava a ação do estado para estender os benefícios do desen-volvimento gerados por tais empreendimentos à população regional.

Nos casos particulares, a relação de determ in ação do processo saúdedoen ça se desen -volve com suas características próprias. A organização do espaço é um com ponente essen -cial qu e Silva (1985), relacion an do-a ao pro-cesso saú de-doen ça, afirm a: o hom em em sua atividade econôm ica, organiza o espaço a sua volta de m aneira a m elhor desem penhar essas atividades econômicas. Desse processo de organi-zação resulta um sistem a de relações que carac-teriza o espaço. Este sistem a de relações pode ou não ser adequado à ocorrência de determ inadas doenças; em sendo, existem graus de adequação. A observação a se acrescentar é a de que, em si-tuações com o a de Porto Trom betas, o m odo de organização do espaço é fundamentalmente voltado para a realização da atividade e dos in-teresses econ ôm icos. Com plem en tan do a de-term inação particular do padrão epidem ioló-gico que se lhe decorre, atua a política social, incluindo a sua componente particular, a polí-tica de saúde.

Conclusões

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Seguindo a lógica de operar com processo de trabalho técnico avançado, a MRN implan-tou sua equivalen te in fra-estrutura econ ôm i-ca e social, apresentando um desenvolvimento socioecon ôm ico distin to e pouco in tegrado à região. Tin ha com o elem en to de in tegração, apen as su a política de in corporação da m ão-de-obra region al para algum as fun ções técn i-cas, o qu e tam bém aten dia su a estratégia n o sen tido de fixar sua população. Assim , a base m aterial dos processos sociais diferen ciados, en tre as popu lações vin cu ladas à MRN ou ao sistem a produ tivo tradicion al, estava estabe-lecida.

A lógica e o m odo com o se con cretizaram compôs universos particulares de condições de vida, de moradia e de ambiente de trabalho, de saneam ento, de lazer, de integração social, de acesso a bens de consumo essenciais, de direitos sociais e de cobertura de serviços e program as de saúde. Todos esses compuseram as respectivas organização espacial e política social. Am -bas constituíram um padrão de reprodução so-cial, correspondendo ao de reprodução da for-ça de trabalho pretendido pela MRN, o qual in-cluía a própria formação de uma classe operá-ria em Porto Trombetas. No bojo desse proces-so proces-social se desenvolveram transform ações do processo saúde-doença.

A im plantação do em preendim ento deter-m inou a lógica da distribuição dos serviços de saúde no município de Oriximiná, mas não fo-ram os serviços de saú de os prin cipais deter-m inantes do padrão epidedeter-miológico das

popu-lações en volvidas. O padrão epidem iológico nas populações de Porto Trombetas e Oriximi-ná se desenvolveu de forma dissociada, segun-do o padrão de reprodução social da MRN e o tradicional da região.

A análise da morbidade confirmou os pres-supostos que no processo saúde-doença da po-pulação de Porto Trombetas ocorreram trans-formações no desenvolvimento de componen-tes da morbidade habitual da região, sendo es-pecialmente mais marcado na parcela vincula-da diretamente à MRN. O caso vincula-da malária foi o exemplo mais marcante.

A política de saúde da MRN, en tretan to, apesar da assim ilação da vigilância epidem io-lógica e sanitária e de programas avançados co-m o os de con trole da co-m alária, da saúde oral e da modernização dos seus serviços, não conse-gu iu su perar certas lim itações im postas pela su a p er sp ect iva p r ed om in an t em en t e assis-ten cial.

A ausên cia de ações program áticas, com equipes multiprofissionais, para as áreas da saú-de da mulher e da criança e para o controle saú-de doen ças crôn icas dos adultos, exem plifica as principais limitações da política de saúde, sen-do tam bém respon sável pela in satisfação da população nesse campo. O agente estressor essencial em Porto Trombetas provinha da con -dição de transformação de uma população, até então ligada ao processo econôm ico tradicio-nal, em classe operária.

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Artigo apresentado em 20/4/2003 Aprovado em 15/8/2003

Referências

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