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Surto epidêmico de gastrenterite, com identificação do provável alimento veiculador da infecção.

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SURTO EPIDÊMICO DE GASTRENTERITE, COM IDENTIFICAÇÃO DO

PROVÁVEL ALIMENTO VEICULADOR DA INFECÇÃO *

Anastácio F. Morgado * *

Descreve-se um surto epidêm ico de gastrenterite entre pessoas adultas, com um to ta l de 5 2 casos, todos iniciando-se até 2 4 horas após terem ingerido um alim ento provavelmente conta­ minado. Clinicam ente, a doença caracterizou-se po r dor abdom inal em cólicas, urgência para evacuar, e missão de fezes diarreicas, febre e adinamia, que persistiram po r um a tres dias. Todos os casos foram benignos, sem uma só complicação e nenhum tem necessidade de tratam ento hospitalar. Foram feitos exames bacteriológicos das fezes de alguns casos, mas não se isolou qualquer germe; esses casos, porém , já estavam em convalescença ou em uso de antibióticos.

Todos os casos tinham em com um o fato de terem alm oçado ou feito lanche em um mesmo restaurante. Comparou-se, então, 109 pessoas que haviam alm oçado, e 7 0 que haviam feito lanche, com 107 pessoas, do mesmo am biente dos comensais, que não alm oçaram nem lancharam. A associa­ ção com fato de alm oçar ou lanchar no restaurante fo i inequívoca. Ademais, em um núm ero de pes­ soas bem m aior do que os comensais, bebendo da mesma água, não surgiu um só caso de gastroen-terite.

As 109 pessoas que alm oçaram responderam quais os alim entos q ue haviam ingerido, o que pe rm itiu identificar a carne assada, servida no alm oço, como sendo o veiculo provável da infecção. Infelizm ente, não se conseguiu restos dessa carne assada para que se pudesse tentar isolar germes.

A mediana do perío do de incubação fo i 10 ,4 horas e os períodos de incubação m áxim o e m ín im o foram de 2 4 e 0 ,5 horas, respectivamente; a distribuição cronológica dos casos lembra m uito o p e rfil dos surtos epidêmicos de toxi-infecção alim entar produzidos pelo C lo s trid iu m pe rfrigens.

Na manhã do dia 21.08.1979 vários alunos e funcionários da F IO C R U Z queixaram de terem sido vítim as de uma doença cujo quadro c lín ico era o da gastrenterite. A m aioria dessas pessoas não vacilou em a trib u ir a causa da doença ao alm oço do dia anterior (20.08.1979, uma segunda-feira), preparado em um restaurante localizado na Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), na própria F IO C R U Z . 0 responsável pelo referido restaurante, porém , enfatisou a "excelente higiene" do seu serviço, e alegou que no dia anterior (20.08.1979) a água de uso do restaurante teria saído turva das próprias to r ­ neiras. E para reassegurar a ausência de im ­ purezas no alm oço incrim inado, cerca de dez funçionários do restaurante foram exibidos pelo locatário, os quais teriam alm oçado e nenhum deles teria ficado doente. Desta form a, se o surto

epidêm ico de gastrenterite viesse a ser associado ao restaurante, seria devido a água e não a alguma impureza porventura existente em um ou mais alim entos, ou a alguma contam inação pelo manuseio ou pelo processo de servir os alimentos.

Impunha-se, pois, uma investigação epide- m iológica, a fim de esclarecer a extensão do súrto epidêm ico, as características das pessoas afetadas e, principalm ente, determ inar o m odo de transmissão e a provável fo n te da infecção. Por não se ter isolado nenhum germe e, po rta n to , não se ter determ inado o agente etiológico, o alcance do trabalho fico u bastante com prom etido. A l­ gumas dificuldades encontradas, contudo, ju s ti­ ficam uma divulgação m aior, pois cada vez mais tem-se notícias de surtos epidêmicos de gastre- enterite relacionados a um alm oço, jantar, etc., mas só com uma associação em pírica, jamais

( * I Trabalho apresentado no X V I Cong. Soc. Bras. Med. Trop., N atal, 1980.

1 * * 1 Prof. Assistente do D eptP Epidem iologia e Métodos Quantitativos em Saúde da Escola Nacional de Saúde Pú­ blica — F IO C R U Z . Caixa Postal 8 0 1 6 , R io de Janeiro.

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especificando o alim ento veiculador. Na presente investigação fo i possível, segundo evidências epidemiológicas, id e n tificar esse alim ento.

M A T E R IA L E MÉTODOS

A investigação epidem iológica efetuada obedeceu às recomendações clássicas para inves­ tigação de surtos epidêm icos; uma boa descrição desse m étodo encontrase em PRICE (1965).

O seguinte c rité rio fo i adotado para que fosse considerado um caso de gastrenterite: qualquer aluno ou funcionário da F IO C R U Z que tivesse tid o dor abdom inal em cólicas, urgência para evacuar e evacuações com fezes diarréicas, nos dias 2Ü e 2 1 .U8.1 9 /9 . tm b o ra várias pessoas tivessem, tam bém , hiperterm ia de até 3 9 °C , calafrios, náuseas e vôm itos, esses sinais não foram considerados necessários para a definição de caso de gastrenterite.

Elaborou-se uma ficha, de quesitos pertinentes a sinais e sintomas de gastrenterite, tip o de refeição (almoço ou lanche) e alim entos ingeri­ dos. Entrevistou-se, nos dias 22, 23 e 24.08.1979, o m aior núm ero possível de alunos e funcionários que almoçaram no restaurante (grupo A)

Entrevistou-se, tam bém , um núm ero de alunos e funcionários, os quais não haviam almoçado nem fe ito lanche no referido restaurante (grupo B). O grupo B fo i selecionado m ediante um só c rité rio : pertencer ao curso ou à seção de traba­ lho de uma das pessoas que havia alm oçado no restaurante. Esperava-se que fosse entrevistada, para cada pessoa que havia alm oçado, uma pes­ soa que não houvesse alm oçado nem fe ito lanche no restaurante. Mas o grupo B fico u com duas pessoas a menos que o grupo que alm oçou; claro que poderia entrevistar mais duas pessoas, dada a grande disponibilidade de alunos e funcionários que não almoçaram no restaurante em questão. Este expediente, contudo, violaria algo m u ito im portante: o tem po mediado entre o surto epidêm ico e a data da entrevista. A experi­ ência dem onstra que quanto mais longe é este afastamento, mais imprecisas são as inform ações, devido à perda do interesse pelo incidente e à pouca lembrança das pessoas. A diferença de duas pessoas, no caso, não altera em nada os resultados.

O objetivo de se investigar o grupo B fo i verificar se havia alguma diferença, no que diz respeito à gastrenterite, entre ele e o grupo de pessoas que havia almoçado. Embora não se tenha pareado por sexo, idade, etc, o fa to de participar do mesmo tip o de atividade (um

mesmo curso ou seção de trabalho) levou-nos a postular que não havia uma diferença signi­ ficativa entre os dois grupos. Reconhecemos que o grupo B não é um grupo controle, no sentido dos estudos com parativos da epidem iologia; adm itim os porém , que seja um grupo de " c o n tro ­ le ecológico". Sem este grupo não teríam os garantia de que o surto epidêm ico fora, de fa to , devido ao alm oço. O procedim ento de entre- vistar-se pessoalmente o grupo B, fo i considerado im portante para dar consistência à associação.

Estipulou-se que as entrevistas fossem efetuadas até qua tro dias após (até o dia 24.08.1979) o alm oço do dia 20.08.79. Cerca de 60,0% das entrevistas foram efetuadas pelos alunos do Curso Básico de Saúde Pública da ENSP. A eclosão do surto epidêm ico coincidiu com o ensino da disciplina de epidem iologia do referido curso básico, situação que fo i consi­ derada uma boa oportunidade de exem plificação de estudo de surtos epidêm icos. Explicou-se o m étodo aos alunos e seguiu-se uma pré-testagem da ficha de investigação, cada aluno entrevis­ tando um seu colega. As fichas com falhas no preenchim ento foram corrigidas por uma segunda entrevista, conduzida pelo aluno ou pelo supervi­ sor da investigação (A .F .M .). Este supervisor efetuou quase 40,0% do to ta l das entrevistas, apurou e analisou os dados, cujos resultado's ficaram bem conhecidos pelos aluno? do já mencionado curso de Saúde Pública.

Tentou-se isolar germes, mas não se conse­ guiu m aterial adequado. Os restos alim entares do alm oço do dia 20.08.1979 eram fundam entais para os indispensáveis exames de laboratório (m i- crobiológico e to x ic o ló g ic o ), mas esse m aterial im prescindível não existia mais, ou não nos fo i disponível. Restos alim entares do dia 21.08.1979 foram entregues para exames. Os materiais (fezes) colhidos de casos de gastren­ te rite tam bém não foram adequados para p ro ­ vas m icrobiológicas, pois essas pessoas ou já estavam assintomáticas ou em convalescença, e haviam usado antibióticos.

Os dados foram apurados e analisados no Dept? de E pidem iologia e M étodos Q uantitativos em Saúde, da ENSP. Os testes estatísticos efetu­ ados encontram-se descritos em R E M IN G T O N e SCH O R K (1970) e S lE G E L (1956).

R ES U LTA D O S

A investigação epidem iológica revelou que do dia 20 para o dia 21.08.1979 ocorreram pelo menos 52 casos de gastrenterite, com intervalo de até 24 horas, entre o prim eiro e o ú ltim o caso.

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Impôs-se, porta n to , a hipótese de surto epidêm i­ co adquirido por infecção simultânea e em fonte única.

A alegada água turva, invocada pelo locatário do restaurante, com o sendo a fo n te da infecção, tornou-se m u ito pouco provável, por um c o n ju n ­ to de evidências. Dos 52 casos, 31 foram entre funcionários e alunos da ENSP, e 21 casos foram entre funcionários e alunos de algumas unidades do In s titu to Oswaldo Cruz (prédio central, Bio- Manguinhos, D epartam ento de V iro lo g ia , etc.). A rede de distrib u içã o de água da ENSP é inde­ pendente da rede que abastece essas unidades do In s titu to Oswaldo Cruz. Os 21 casos dessas u n i­ dades teriam , pois, de terem bebido da água da

ENSP, o que é pouco provável, pois em geral só almoçam e bebem um refrigerante engarrafado, ou então um copo de refresco, o qual é prepa­ rado com água da ENSP. Mas essa rem ota possi­ bilidade da água do refresco vir a explicar a su­ posta origem hídrica do surto epidêm ico fo i excluída quando se classificou os casos e não casos, entre as pessoas que alm oçaram , segundo cada alim ento ingerido. A evidência de m aior força, porém , contra essa alegação da origem h í­

drica, fo i o fa to de que o surto epidêmico fo i excluída quando se classificou os casos e não casos, entre as pessoas que almoçaram, segundo cada alim ento ingerido. A evidência de maior força, porém , contra essa alegação da origem h í­ drica, fo i o fato de que o surto epidêm ico restrin­ giu-se exclusivamente às pessoas que comeram no referido restaurante no dia 20.08.1979. Nessa época a ENSP estava com cerca de 190 fu n cio ­ nários e 138 alunos estavam matriculados nos seus diferentes cursos, o que soma 328 pessoas. As unidades do In s titu to Oswaldo Cruz contavam aproxim adam ente 1.200 pessoas, mas uma pequena proporção (in fe rio r a 5%) costumava almoçar no restaurante em causa. É óbvio que se a água da ENSP estivesse im plicada, esperava-se ter o co rrid o , pelo menos, um caso entre os 328 funcionários e alunos que não almoçaram nem lancharam nesse restaurante no dia 20.08.79.

Os dados obtidos m ediante entrevista com os comensais do dia 20.08.79 são mais inequívocos para evidenciar a associação entre o surto epidê­ m ico e o tip o de refeição fornecida no restau­ rante, com o se observa na Tabela I.

Verifica-se que a gastrenterite atingiu somente

Tabela I

N úm ero de casos e taxas de ataque de gastrenterite entre alunos e funcionários da F IO C R U Z segundo terem ou não almoçado e fe ito lanche

na cantina. Rio de Janeiro, 1979.

Grupos Estudados

Pessoas

Entrevistadas Casos

N? N? %

A lm oçaram (1) 109 49 44,95

Lancharam (2) 70 3 4,28

Não almoçaram

Nem lancharam (3) 107 0 —

T O T A L 286 52 18,18

(1) X (2) e (1) X (3) = p < 0,001

os usuários do restaurante, principalm ente os que almoçaram. Um to ta l de 147 pessoas almoçaram no dia 20.08.79, das quais foram entrevistadas 109 (74,14% ). O fa to de não se ter entrevistado 38 das 147 pessoas que alm oçaram , não m odifica em nada as conclusêos. Supondo-se que nenhuma dessas 38 pessoas tenha a dquirido gastrenterite , a taxa de ataque entre os que almoçaram passariam a ser 33,33% , e as d ife re n ­ çassem relação aos que lancharam e aos que não

almoçaram nem lancharam, permanecem estatis­ ticam ente significativas.

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Fig. 1

47 casos de gastrenterite, distribuídos segundo o período de incubação, decorrido entre o alm oço e o in íc io dos sintomas.

Rio de Janeiro, 1979

Caso de g a s tro e n te rite

3

-■o o.

-1 L -8 9 1 0 1 1 1 2 1 3 1 4 1? 16 1 7 1 8 0 9 2 0 2 1 2 2 2 3 2 4

P e río d o de incub ação em ho as

Essa distribuição cronológica dos casos, suces­ sivamente representados por ordem crescente de início, é típ ic a de infecção simultânea em fo n te única. Supondo-se que o tem po decorrido entre o almoço e o início da doença seja um bom esti- mador do período de incubação da presente gastrenterite, concluiu-se que: 1) a mediana do período de incubação fo i de 10,4 horas; 2) os períodos de incubação m áxim o e m ín im o foram de 24,0 e 0,5 horas, respectivamente. Verifica-se

na figura 1 que cerca de 70% dos casos tiveram in ício entre tres e quinze horas após o alm oço, o que reforça m u ito a associação deste evento com o surto epidêm ico.

E qual fo i c provável alim ento veiculador da infecção? As 109 pessoas que almoçaram e que foram inquiridas sobre os alim entos que inge­ riram , tiveram suas respostas apuradas, cujo resultado está expresso na tabela II.

Tabela II

Taxas de ataque de gastrenterite entre os 109 alunos e funcionários que almoçaram, segundo terem ou não com ido cada um dos alim entos servido no alm oço. Rio de Janeiro 1979.

Taxas de Comeram o alim ento Não comeram o alim ento Ataque

Expostos Casos Taxa de ata­ que

Não ex­ postos Casos

Taxa de ata- p

que

A lim entos N ° N ° % N ° N? %

A rroz 103 46 44,66 6 3 — N.S.( * )

Feijão 96 43 44,79 13 5 38,46 N.S.

Carne assada 88 45 51,13 21 4 19,04 < 0,01

Salada de beterraba 75 36 48,00 34 13 38,23 N.S.

Salada de legumes 73 39 53,42 36 10 27,77 > 0 ,0 2 5

Refresco de groselha 43 21 48,83 66 28 42,42 N.S.

Batata frita 21 4 19,04 88 45 51,13

-Bife 21 4 19,04 88 45 51,13

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Observando-se as duas taxas de ataque, entre os que com eram e os que não comeram cada um dos alim entos servidos no alm oço, verificou-se que diferenças marcantes só ocorreram para dois alim entos: carne assada e salada de legumes. Para um e o u tro a diferença das taxas entre ex­ postos e não expostos (risco a trib u ív e l), fo i de 32,09 e 25,65% , respectivamente. Testes estatís­ ticos confirm aram essa análise inicial, pois encon­ tra-se diferença significativa somente para os dois alim entos mencionados. Em situações com o esta é indispensável verificar se uma das associações rião é uma associação coincidente. A m elhor form a para discrim inar um alim ento do o u tro é através da chamada "apuração cruzada", no m odelo da dupla entrada das tabelas de c o n tin ­ gência. As 109 pessoas que almoçaram, foram ,

então, classificadas da seguinte form a: os dois grupos constituídos dos que comeram e dos que não comeram ambos os alim entos; e dois outros grupos dos que comeram somente um dos dois alim entos. A seguir contou-se o número de casos em cada um dos quatro grupos e calculou-se a respectiva proporção dos que adoeceram. Estes resultados estão expressos na tabela III.

A hipótese subjacente à classificação da tabela III é a seguinte: postula-se que o agente etioló- gico seja específico e que ele seja veiculado por apenas um alim ento. Desta form a, o provável alim ento veiculador da infecção será aquele em que a diferença da frequência de casos no grupo de pessoas que ingeriu ambos os alimentos, não fo r estatisticam ente significativa da frequên­ cia de casos no grupo que ingeriu somente o

Tabela III

Taxas de ataque de gastrenterite da com binação de comer ou não da carne assada e da salada de legumes. R io de Janeiro, 1979.

C A R N E A S S A D A

Comeu Não comeu

Casos

N °

Casos

M °

N? % N? %

-o

m c Comeu

■o § 72 39 54,2 ( * ) 1 0

-g> Não comeu

CO — 16 6 37,5 ( * ) 20 4 20,0

( * ) z = 1,4087 . . . p > 0,05

a lim ento incrim inado. Com os dados da tabela II verifica-se que a salada de legumes fico u excluída; a carne assada fo i o veículo da infec­ ção. Embora a proporção de casos (54,2%) do grupo que comeu os dois alim entos seja m aior que a proporção de casos (37,5%) do grupo que, entre os dois alim entos, só comeu carne assada, essa diferença não fo i estatisticam ente sig n ifi­ cativa. Mas a carne assada, sozinha, não explica todos os casos. Pela tabela III, verificam os que 45 casos comeram carne assada; mas quatro casos que com pletam o to ta l de 49 casos que alm o­ çaram, não comeram nem carne assada nem salada de legumes.

A explicação mais plausível para esses quatro casos que não comeram carne assada advem da seguinte observação. Em uma inspeção que efe­ tuam os na cozinha do referido restaurante, observamos, entre outras coisas, que as fatias de carne assada eram cortadas sobre a "mesa de

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inativar algum germe ou exotoxina porventura existente.

E como foram transm itidos os tres casos de gastrenterite entre as 70 pessoas que apenas lan­ charam no referido restaurante? Esses lanches, em geral, constavam de sanduiches de alguns tipos (carnes, queijo, ovos, etc.) e um " líq u id o " (refrigerante, refresco, leite, m ilk-shaque, etc.). Seria coincidência demais, mas o fa to é que os sanduiches das três pessoas que adoeceram foram de carne assada.

DISCUSSÃO

A questão mais im portante é a relacionada ao possivel agente etiológico, pois com evidências puramente clínicas e epidem iológicas achamos que se trata de infecção bacteriana. Se fôssemos im por um elevado rigor m icrobiológico, tal qual o de isolar o mesmo agente etiológico do alim en­ to suspeito e tam bém das pessoas doentes (das fezes ou sangue), seria uma raridade afirm ar que este ou aquele surto epidêm ico fo i tra n sm itid o por alim ento. Claro que é m u ito im portante isolar o germe a p a rtir do alim ento suspeito. M uitos expedientes, contudo, impedem que se chegue a essa prova m aterial. A utores dos mais categorizados, porém , aceitam que critérios puramente epidem iológicos, com o os expostos no presente trabalho sejam suficientes para carac­ terizar um surto epidem iológieo tra n sm itid o por alimentos. H O R W ITZ e G A N G A R O S A (1976) são m u ito claros: "U m surto epidêm ico o rig i­ nado de alim ento é d e fin ido com o um incidente em que duas ou mais pessoas apresentam doenças similar após ingerirem em com um um alim ento, o qua-l os dados epidem iológicos im plicam com o a fonte da doença". A adoção deste c rité rio em Saúde Pública é um pouco tem erária, por aceitar o não isolamento de germes do alim ento in c rim i­ nado; mas quando não se consegue amostra do material suspeito e o surto epidêm ico é público e notório, com o é o caso do aqui descrito, achamos que o crité rio puram ente epidem iológieo seja suficiente para afirm ar a associação causai.

Os dados da clínica e epidem iologia dos 52 casos de gastrenterite perm item fazer alguma especulação em to rn o do provável agente e tio ló ­ gico. Em síntese, todos os casos foram benignos, sem uma só com plicação e nenhum caso que tenha tid o necessidade de tratam ento hospitalar; em quase todos os casos os sinais e sintoma:» duraram a três dias. Os pacientes foram todos adultos, do sexo m asculino e fe m in in o . Os p e río ­ dos de incubação variaram de 0,5 a 24 horas, com uma mediana de 10,4 horas. Em vista de ter cinco casos com períodos de incubação variaram

de 0,5 a 24 horas, com uma mediana de 10,4 horas. Em vista de ter cinco os»s com períodos de incubação in fe rio r a tres horas, torna-se m u ito provável que tais pessoas tenham ingerido a to x i­ na já pronta; a rigor estes casos representam in­ toxicação e não infecção. Os dois agentes e tiló ­ gicos mais comuns deste tip o de surto epidêm ico são o Staphylococcus aureus e as Salmonella spp. O prim eiro produz uma potente exotoxina, mas o período de incubação dos surtos epidê­ micos provocados pelo genero Salm onella em geral tem um período de incubação de 12 a 24 horas. A distribuição cronológica (Fig. 1) do surto epidêm ico aqui descrito, os períodos de incubação, a clínica apresentada pelos pacientes, ajustam-se mais aos surtos epidêm icos provoca­ dos pelo C lostridium perfringens. Frequente­ mente este anaeróbio, tam bém p ro d u to r de exo­ to xin a , é o responsável por surtos epidêm icos vei­ culados por carnes. Na revisão de H O R W IT Z e G A N G A R O S A (1976) de surtos epidêm icos transm itidos por carnes de aves, ele fo i um agente etiológico tão freqüente quanto o S taphylo­

coccus aureus, só precedidos pelas Salmonella

spp. A p a rtir da prim eira com unicação de quatro surtos epidêm icos devidos ao C lostridium p e rfrin ­ gens, feita por M cC LU N G (1945), cada vez mais esse germe tem sido isolado de carnes tidas com o sendo a fo n te de surtos epidêm icos de gastren­ terite.

A inda no d o m ín io da especulação poder-se-ia a trib u ir o surto epidêm ico a uma dupla etiologia:

Staphylococcus aureus e Salm onella sp. ou Clos­ trid iu m perfringes e Salmonella sp etc. Embora infecções concom itantes sejam algo até exótico no conhecim ento das doenças infecciosas, o fato é que elas existem , pelo menos em surtos epidê­ micos de gastrenterite. PETERSO N, A N D E R - SON e D ETE LS (1966) descrevem três surtos epidêm icos, irrom pidos um após o o u tro e a

p a rtir da mesma fo n te de infecção (carne de peru), com dupla infecção: C lostridium p e rfrin ­ gens e Salmonella typ h im u riu m . JU E N K E R

(1957) cita vários autores que descreveram surtos epidêm icos de gastrenterite por dois ou mais tipos de Salmonella spp.

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Janeiro- Dezem br o, 1982 Rev. Soc. Br as. Med ■ 'trop. 59

ção de um sistema de vigilância epidem iológica, laboratórios de Saúde Pública e de controle de alimentos.

R EFER ÊN C IAS B IB L IO G R Á F IC A S

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A G R A D E C IM E N T O S

Aos alunos do C u rjo Básico de Saúde, da ENSP, do ano de 1979, pela colaboração presta­ da no in ício da investigação. Aos colegas Paulo Chagastelles Sabroza, Marina Wagner Osanai e Carlos H iro y u k i Osanai, pelas sugestões m etodo­ lógicas; ao colega T akum i Iguchi pela análise estatística; à colega Maria Diana Lacerda pelos exames bacteriológicos e a Senhora Maria Eugenia Rocha Valente pela datilografia.

S U M M A R Y

This papes reports an outbreak o f gastro-ente- ritis th a t occurred in 52 cases after a meai in a lo­ cal restaurant. The clinicai picture was characte- rised by sudden onset o f diarrhea, cramps, nausea and fever (37.5 — 3 9 °C ). A li cases were m ild w ith in general a oneday duration.

A n epidem iological investigation was carried o u t based on attack rates th a t revealed roost boef as the source o f the infection.

Referências

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