1 Endereço:LaboratoiredePsychologieSociale,UniversitédeProvence, 29 Avenue R. Schuman, Aix-en-Provence Cédex 1, France 13621. E-mail:joule-rv@up.univ-aix.fr
PorumaPedagogiadoCompromisso
Robert-VicentJoule1 UniversitédeProvence
AngelaMariadeOliveiraAlmeida
UniversidadedeBrasília
RESUMO–Umadasquestõescentraisnocampodaeducaçãoé:comofazercomquealunosoufilhossecomportemcomo seusprofessoresoupaisdesejam?Éobjetivodesteartigoresponderaestaquestão,propondoumaabordagemeducativaque seapóianapsicologiadocompromisso.Ointeressedestaabordagem,chamadapedagogiadocompromisso,éduplo:(1)ela aumentaaschancesdeseobtersemimpore,sobretudo,(2)elafavoreceainteriorizaçãodevaloreseducativos,familiaresede cidadania.Estapedagogiatem,alémdisso,oméritodeestaremconsonânciacomapsicologiasocialexperimental.Algumas técnicasquepermitemaumentaraprobabilidadedeveralguémfazerlivrementeoqueseesperadelesãoevocadas:atécnica do“dar-o-primeiro-passo”(dar-o-primeiro-passocomdemandaexplicita;dar-o-primeiro-passocometiquetagem),atécnica do“tocar”eatécnicado“vocêélivrepara...”.Oartigoterminacomquatroprincípiosdeaçãosuscetíveisdeotimizaras práticaseducativas:oprincípiodaliberdade,oprincípiodoprimadodaação,oprincípiodanaturalizaçãoeoprincípioda desnaturalização.
Palavras-chave:compromisso;pedagogia;práticaseducativas.
ForaPedagogyofCommitment
ABSTRACT–Oneofthemainquestionsinthefieldofeducationis:howtogetstudentsorchildrentobehavethewaytheir parentsorteacherswish.Theaimofthepresentarticleistotrytoanswerthisquestion,proposinganeducativeapproach basedonthepsychologyofcommitment.Theinterestsofthisapproach,calledPedagogyofCommitmentare:(1)itincreases thechancesofobtainingwithoutimposing,and,specially,(2)itfavorstheinternalizationofeducative,familyandcitizenship values.Besidesthat,thispedagogyhasthemeritofbeinginlinewiththeexperimentalsocialpsychology.Sometechniques whichallowtoraisetheprobabilityofseeingsomeonefreelydowhatisexpectedfromthemareevoked:the“foot-in-the-door technique”(foot-in-the-doorwithexplicitdemand;foot-in-the-doorwithlabel);thetechniqueof“touch”andthetechniqueof “youarefreeto…”.Thearticleendswithfourprinciplesofaction,susceptibletooptimizetheeducativepractices:theprinciple offreedom,theprincipleofprimacyofaction,theprincipleofnaturalizationandtheprincipleofdenaturalization.
Keywords:commitment;pedagogy;educativepractices.
tambémnasvirtudesdeumaboaargumentação.Ninguém podenegarqueconvémdaraosfilhosouaosalunosboas razõesparasededicaremaosseusestudos.Mesmoquecada umsuponhaum“método”próprio–punições,recompensas e argumentações – eles representam, incontestavelmente, parapaiseprofessores,instrumentosimportantessobreos quaiselesseapóiamparaproduziremseusfilhosoualunos amotivaçãoparaosestudos.
Sabemos,noentanto,queessesinstrumentostêmseus limites,sobretudoseconsiderarmosasimportantestransfor-maçõespelasquaisasociedadetempassado.Biasoli-Alves (1997)eBiasoli-Alves,CaldanaeSilva(1997)têmeviden- ciadooquantoaspráticaseducativasdosadultostêmsidoob-jetodedúvidaseincertezas,emfunçãodasmudançassociais ocorridasnasúltimasdécadas,taiscomo:1)avalorizaçãoda famílianuclear;2)oincrementodosmeiosdecomunicação demassa,particularmenteoaparecimentodatelevisão;3)o aumentodaescolarizaçãonapopulação,sobretudoentreas mulheres;4)asmudançasnospapéisfemininosdecorrentes dastransformaçõesnasrelaçõesdegênero;5)oimpactodos conhecimentosproduzidospelapsicologiasobreaspráticas educativas parentais e pedagógicas. Grosso modo, estas Práticaseducativaspressupõemsempreaaçãodeuma
geraçãomaisvelhasobreumageraçãomaisnova,visando ensinarvalores,normas,desenvolvercomportamentosade-quados,imporlimites,enfim,levaraspessoasaseintegrarem deformaadequadaaoseumeiosocialecultural.Istoétão evidentequeumadasquestõescentraisnocampodaeduca-çãoéecontinuarásendo: comofazerfilhosoualunossecom-portaremcomoseuspaisouprofessoresjulgamcorreto?
alteraçõesatuaramsobreaspráticaseducativas,favorecendo apassagemdeummodeloautoritárioeassimétricoparaum modelomaisdemocráticoecentradonacriança.
Nesta direção, são bastante ilustrativos os resultados encontradosemumapesquisasobre“práticaseducativas”, desenvolvidadurantearealizaçãodoProjetoBem-Me-Quer (Almeida,1999),destinadoaoatendimentodecriançaseado-lescentesquesedesenvolviamemumcontextodeviolência familiareestruturalnoDistritoFederal/Brasil.Nestapesqui-sa,Almeida,RibeiroeCampos(1999)buscaramconhecer asrepresentaçõessociaisdaspráticaseducativasdemãesou responsáveisdecriançaseadolescentesdesfavorecidos,com idadesvariandoentre6e15anos,todosvivendoemsituação deriscopsicossocial.
Tomou-se, neste estudo, a Teoria das Representações Sociais(Moscovici,1961)comoreferencialteóricodebase, aqualconcebeasrepresentaçõessociaiscomoformasdeco-nhecimentocotidiano,ouconhecimentodo“senso-comum”, caracterizadopelasseguintespropriedades:1)socialmente elaborado e partilhado; 2) tem uma orientação prática de organização,dedomíniodomeio(material,social,ideal)e
deorientaçãodascondutasedacomunicação;3)participa doestabelecimentodeumavisãoderealidadecomumaum dadoconjuntosocial(grupo,classe,etc)oucultural(Jodelet, 1991).
Considerou-se,nestapesquisa,queacessarasrepresen-tações sociais dos adultos acerca das práticas educativas permitiria,emcertamedida,umaaproximaçãodaspráticas educativasqueelasestariamorientandoejustificando.Os autoresrealizaramentrevistascom204adultos(mãesoures-ponsáveis),asquaisseestruturaramemtornodosseguintes eixos“educaçãodosfilhoshoje”,“motivosdepreocupação com a educação dos filhos”, “como proceder quando um filhofazalgumacoisaerrada”.Asrespostascoletadasforam agrupadasemumúnicotextoeanalisadascomauxíliodo
software Alceste (análise estatística sobre dados textuais, informandoaestruturadodiscursoproduzidopeloconjunto dossujeitos).
Osresultadosencontradosmostraramqueasconcepções dospaisacercadaspráticaseducativasseorganizavamem tornodedoisgrandeseixostemáticos.Oeixo“Comoeducar meusfilhos?”,quecongregouamaiorpartedodiscursodos pais(70%)ereferia-seexatamenteàsdificuldadesencontra-daspelospaisparaaeducaçãodosfilhos.UmSentimentode Impotênciaévivenciadopelospaisdiantedatarefadeeducar seusfilhos,osquaisencontram-seàmercêdeinúmerasinflu-ênciasexternasàfamília,taiscomoasamizades,asociedade eatelevisão.Asamizadeslevamosfilhosasecontraporem aospais,questionandoseusvaloreseatitudes.Alémdisso,se-riamosamigososresponsáveispelofatodosfilhospassarem maistemponaruadoqueemcasa,estudando.Asociedade, segundoospais,contribuiriaporsuavez,paraarebeldiados filhos,namedidaemquedifundeumamaiorliberalidadena educação,retirandograndepartedaautoridadedospaisna educaçãodeseusfilhos.Atelevisãotemumpapelimportante nestaliberalização,poiséatravésdelaquesedivulgamos direitosdacriançaeosvaloresquetornamosfilhosmais independenteserebeldes.Foisalientadaaausênciadopai,a qualjustificariaaincapacidadedasmãesemcolocarlimites nosfilhose,porconseqüência,adificuldadedeeducá-los.A
ausênciapaternaagrava-secomasdificuldadeseconômicas dafamília,deixandoasmãessemtercomopagarporserviços quepoderiamajudá-lanatarefadeeducarseusfilhos,como porexemplo,umaboaescola.
Diantedaimpotênciaressentidapelasmães,observa-sea tendênciaadiferenciarem,basicamente,trêspossibilidades deeducaçãodosfilhos.Deumlado,situam-seospaisque foramdenominados“tradicionais”,queconsideramqueos filhos“dehoje”têmliberdadeexcessivae,comisso,não ouvem os pais, não os obedecem e não os respeitam. Os paisqueseinseremnestacategoriatendemaevocaraedu-caçãode“antigamente”econsideramquehojeestádifícil educar, pois não sabem o que fazer. Há também os pais “modernos”,queconsideramquequandoeramcriançase jovensviviamemumcativeiroeque,nomomentoatual,os filhospossuemmaisdireitos,maisliberdadeeporissoos paisdevemadotarumanovapostura,baseadanodiálogo, naconfiança,estabelecendoentrepaisefilhosumarelação derespeito.Competeàfamíliafavorecerodesenvolvimento escolar,socialemoraldosfilhossendo,portanto,aprincipal responsávelporpossíveisproblemasqueosfilhosvenham aapresentar.Finalmente,foiidentificadoumterceirogrupo depaisdenominados“ambivalentes”,osquaisoscilamentre umaeducaçãorígidaeumaeducaçãomaisliberal.Conside-ramqueéimportantedarcarinhoeamoraosfilhos,conversar comeles,poisbaternãoadianta.Porém,quandoosfilhos nãosecomportamcomoospaismandaméprecisocorrigir, mesmoqueparaissosejaprecisousarcastigosfísicos,pois “édecedoquesedesentortaopepino”.
Aescolasurgiunodiscursodospaiscomosoluçãoparaa situaçãodeimpotênciaemqueseencontram.Diantedafalta dopai,dasdificuldadeseconômicas,daviolênciaurbana,do desemprego,doenvolvimentocomacriminalidade(roubos, furtos, uso e tráficos de drogas, prostituição), a educação escolarsurgecomoummeiodeseevitarqueosfilhosin-gressemnacriminalidade.
Seassançõesouasrecompensassupõemumaumento na probabilidade de ver filhos ou alunos se comportarem de acordo com as expectativas dos adultos, elas têm um inconvenientemaior:aquelesqueaelasesubmetemoudela se beneficiam podem “esconder” o que são de fato, para explicarseuscomportamentos.Elesdispõemdeumarazão imediataparasecomportaremdeacordocomodesejodos adultos:evitarumapuniçãoouobterumarecompensa.Não nossurpreendeque,nestascondições,nãoconsigamosatingir a“motivaçãointrínseca”.Inúmeraspesquisasmostramque, defato,estudantesremuneradosparafazerumdeterminado trabalho são menos inclinados a continuar este trabalho quando concluem seu contrato, do que estudantes que fi-zeramomesmotrabalhosemseremremunerados(Deci& Ryan,1985).Umnúmeroaindamaiordepesquisasmostra queestudantesfortementerecompensadosparafazeruma tarefaachamestamesmatarefamenosinteressantequeos estudantesquearealizaramsemseremrecompensadosou sendomenosrecompensados(cf.,notadamente,ostrabalhos deFestinger,de1957,realizadosnocampodadissonância cognitiva).
usodaautoridade,quepuneourecompensaoscomportamen-tosdesejados,aargumentaçãoporsimesmanãofavorece necessariamenteaobtençãodoscomportamentosesperados. Pode-seestarperfeitamenteconvencidodosperigosdotabaco eatémesmodanecessidadedeparardefumarecontinuar fumando;deformasemelhante,umalunopodeestarperfei-tamenteconvencidodanecessidadederesolver,duranteo finaldesemana,osexercíciosdematemáticapassadospelo professor na última aula e, no entanto, passar seu tempo fazendooutrascoisas.Éincontávelonúmerodepesquisas quemostramadefasagemquepodeexistirentrenossasboas intençõesenossoscomportamentosefetivose,deformamais geral, entre atitudes e comportamentos (cf., notadamente, Channouf,Py&Somat,1996;Wicker,1969).
Psicologiadocompromissoesubmissãolivremente consentida
Felizmente,punições,recompensaseargumentaçõesnão sãoosúnicosmeiossuscetíveisdefavoreceramotivaçãodas pessoas. Existem outros, cuja eficácia foi cientificamente demonstrada.Estesmeiosrepousamsobreapsicologiado comprometimento(Joule,2001;Kiesler,1971).
Os trabalhos sobre a psicologia do comprometimento podemseragrupadosemumgrandeparadigmadebase:o paradigma da submissão livremente consentida (Joule & Beauvois,1998).Aspesquisasrealizadasnoâmbitodeste paradigmamostramquesepodeinfluenciaralguém–numa ououtradireção–emsuasconvicções,escolhasecompor-tamentos,semrecorreràargumentaçãoe,menosainda,às técnicasderecompensaoupunição.
Este paradigma da submissão livremente consentida (Joule,1999)podeserdefinido,noplanoprático,comoo estudo dos procedimentos de influência, permitindo levar alguém a fazer livremente o que se deseja que ele faça. Noplanoteórico,elepodeserdefinidocomooestudodos efeitos cognitivos e comportamentais engendrados pelos atos livremente assumidos. Este paradigma toma empres-tadoseuquadroteóricodaTeoriadoEngajamento(Joule, 2001; Kiesler, 1971). Nela, não são nossas idéias, nossas convicções ou nossas crenças que nos comprometem ou nos engajam, mas nossos atos enquanto tais. O processo decomprometimentodeve,portanto,serapreendidocomo umprocessopós-comportamentalenãocomoumprocesso pré-comportamental.
DevemosaKieslereSakamura(1966,p.349)aprimei-radefiniçãodecomprometimento:“comprometimentoéo laço que une o indivíduo a seus atos comportamentais”. Mas,estadefiniçãonãoéinteiramentesatisfatória,porque elanegligenciaocontextonoqualosatossãorealizados. Ora, é o contexto que, em função de suas características objetivas,comprometeounãooindivíduocomseusatose que, por conseqüência, favorece ou, ao contrário, impede oestabelecimentodeumaligaçãoentreoindivíduoeseus atos. As pesquisas, de fato, mostraram que jogando com váriosfatorescontextuaispodemosproduzirocomprome-timento.Atítulodeexemplo,umatorealizadonocontexto deliberdadecomprometemaisqueumatorealizadoemum contextoimpositivo;umatorealizadoemumcontextoque excluitodotipoderecompensacomprometemaisqueumato
realizadoemumcontextoderecompensa;umatorealizado em um contexto de ameaça compromete menos que um atorealizadoemumcontextoqueeliminequalquertipode ameaça;umatorealizadopublicamentecomprometemais queumatocujoanonimatoégarantido;umatooneroso(em tempo,emenergia,emdinheiro)comprometemaisqueum atoquenãooé,etc.
Osefeitosdocomprometimentoforamestudadossobreo planocognitivoesobreoplanocomportamental.Estesefeitos sãotãomaisfortesquantomaiorforocomprometimento. Elespodemserassimresumidos:
– no plano cognitivo: quando se trata de um ato não problemático(querdizer,umatocoerentecomnossas atitudes),espera-seumaconsolidaçãodasatitudes,uma maior resistência às agressões ideológicas, até mesmo umaexacerbaçãodaatitudeinicial;quandosetratadeum atoproblemático(istoé,deumatoque,aocontrário,é inconsistentecomnossasatitudes)ocorreumajustamento daatitudeaesteato(Beauvois&Joule,1996).
– noplanocomportamental:quersetratedeatosnãopro- blemáticos,quersetratedeatosproblemáticos,espera-seumaestabilizaçãodocomportamentoearealização denovoscomportamentosnamesmadireção(Joule& Beauvois,1998,2002).
RacionalizaçãoeInteriorização
Entre as inúmeras pesquisas ilustrando o processo de racionalização,aqueladeAronsoneCarlsmith(1963)aporta elementosimportantesaseremconsideradospelosadultos queexercemsuaspráticaseducativassobreasgeraçõesmais novas.Nestapesquisa,criançasdeumaescolamaternalsão, inicialmente,convidadasaclassificar,porordemdeprefe-rência, vários jogos. Uma vez efetuada esta classificação, umadultocolocatodososjogossobreochãoe,antesdese retirar,proíbeascriançasdebrincaremcomumdestesjogos. Ojogoproibidonãofoiescolhidoaleatoriamente:trata-se de um dos jogos preferidos das crianças. Nesta pesquisa, asproibiçõesvariaramentreumafracaameaça(“Sevocê brincarcomestebrinquedoeuficareichateado”)atéuma ameaçamuitomaisgrave(“Sevocêbrincarcomeleeuficarei muitobravo,voulevartodososbrinquedoscomigoenão voltareinuncamais”).Naausênciadoadulto,ascrianças, quebrincavamnasaladeespelho,foramobservadas.Quando desuavolta,oadultodeixaascriançasbrincaremcomtodos osjogos,semnenhumproibição.Depois,elepedeparaelas fazeremumanovaclassificação.Édesnecessáriodizerque ascriançasnãosemostrammaisobedientescomaameaça fortequecomaameaçafraca.
dojogoproibido.Emoutrostermos,apenasaameaçafraca conduziuaumdesinteressepelojogoproibido.Duascon-clusõesseimpõem:
1. Emumcontextoescolar,umaforteameaçanãoémais eficazqueumafracaameaçaquandosequerobterum determinadocomportamento.
2. Pode-sereduziraatraçãodeumobjetoatraenteatravés deumacurtaprivação,desdequeestaprivaçãotenhasido obtidaemumcontextodefracaameaça.
Mas,temmais!Aspesquisasqueseseguiramaesta(cf., notadamente,Freedman,1965)mostraramqueobrinquedo proibidotendiaaserabandonado,pelascriançasfracamente ameaçadas,váriosdiasmaistarde,quandoelenãoeramais objetodequalqueroutraproibição.Ocomportamentodas criançasfoiinterpretadonestaspesquisascomoumindicador dequeascriançasfracamenteameaçadas,contrariamenteàs outras,tinhaminteriorizadoodesejodoadulto.
Mas, em matéria de interiorização dos desejos dos adultos,apesquisadeLepper(1973)vaiaindamaislonge. Imagina-sequeascriançassaibamquenãoécertoenganar aspessoasequeosadultosresponsáveispelasuaeducação não desejam que enganem ninguém. Lepper observa, em umasituaçãoanálogaàquelaqueacabamosdedescrever,que ascriançasqueforamobjetodeumafracaameaçaparase conformaràsexigênciasdeumadulto(aquitambémdeixar debrincarcomumjogoqueelagostavamuito)enganaram menosqueasoutrasquandodeumtesterealizado,várias semanasmaistarde!Tudosepassacomoseascriançasfra-camenteameaçadas,resistindoàtentaçãodesedivertirem comobrinquedoproibido,tivessemaprendidoaresistira tentaçõesposteriores,particularmente,àqueladeenganar.
Conclui-se,porconseqüência,quesetemmaischancede conseguirqueascriançasseconformemàquiloqueseespera dela,recorrendo-seaumafracaameaça,mesmoquandonão lhespedimosmaisnada.
Os efeitos experimentais observados nos trabalhos de Freedman(1966)edeLepper(1973)foramteorizadosno quadro da Teoria da Dissonância Cognitiva de Festinger (1957), teoria que Kiesler (1971) considerou como uma teorialocaldaTeoriadoEngajamento(sobreestaquestão cf, notadamente, Joule & Beauvois, 1998). A Teoria da DissonânciaCognitivaé,paraKiesler,ateoriaadequadados efeitoscognitivosecomportamentaisdosatosinconsistentes comasatitudes.
Asestratégiasacimadescritasrepousamsobreaobten-çãodeumcomportamentodeprivação.Existemoutrasque, mesmoobedecendoàmesmalógica,nãoseassentamsobre aobtençãodeumcomportamentodeprivação.Aoinvésde proibir a alguém de fazer o que ele deseja (por exemplo, assistirTV),tenta-seobterumatoqueelenãoteriafeitopor elemesmo(porexemplo,arrumarseuquarto).Novamente, paranãocorreroriscodeperdertodasuaeficácia,trata-se deobtersemimpor.
Obtersemimpor
Técnicas que permitem obter sem impor não faltam. Levantamosumadezenadelas(Joule&Beauvois,2002). Entretanto, algumas parecem mais adaptadas que outras,
quandosetratadeabordaraspráticaseducativas.Selecio-namostrêsdentreelas:1)dar-o-primeiro-passo;2)tocar;3) vocêélivrepara.
Atécnicadodar-o-primeiro-passo
Devemos esta técnica a dois pesquisadores america-nos (Freedman & Fraser, 1966). Seu princípio é bastante simples:obterumpoucoantesdepedirmuito.Emumade suaspesquisasestesautorespediramàsdonasdecasaque respondessem, por telefone, algumas questões sobre seus hábitosdeconsumo.Tratava-se,exatamente,dedar-o-pri-meiro-passo,obtendo-seumprimeiroatopoucooneroso(ato preparatório)antesdesolicitarumsegundoatobemmais difícildeseobter(comportamentoesperado).Algunsdias maistarde,foisolicitadoàsdonasdecasaquerecebessem emsuascasas,duranteduashoras,umaequipedecincoou seishomensqueestavamrealizandoumapesquisasobreo consumodasdonasdecasaequelhesdessemaliberdade deabrirsuasgavetasearmários.
FreedmaneFraser(1996)constataramqueachancedas donas de casa aceitarem tal pedido era duas vezes maior quando procediam assim, isto é, recorrendo à técnica do dar-o-primeiro-passo(53%contra22%).Nadadiferenciava ossujeitosdogrupocontroledossujeitosdogrupodar-o-primeiro-passoalémdofatodeteremsidolevadosarealizar umprimeirocomportamentotãobanalquantoparticiparde umaenquêteportelefone.Assim,seossujeitosdacondição dar-o-primeiro-passosemostrammaisdispostosaconcordar comumpedidomaisoneroso,nãoéporquesuapersonalida-de,suasconvicçõesouseusvaloresoslevamnaturalmentea fazê-lo,massim,porqueelesforampreviamenteconduzidos aaceitarumaprimeirasolicitaçãomenosonerosa.
Odar-o-primeiro-passocomdemandaimplícita
Napesquisaqueacabadeserevocada,ocomportamento que se espera foi objeto de uma demanda explicita: “Você aceitariarecebernossaequipedepesquisadores?”,oquenão éocasoemoutrassituações,nasquaisnoscontentamosem criarascondiçõessuscetíveisparaincitaraspessoasafazerem espontaneamenteoquedesejamosvê-lasfazer,sem,contudo, lhessolicitarnada:ajudarumapessoaidosaaatravessararua; carregaramaladealguém;avisaralguémqueacaboudetele-fonarqueelaesqueceusuacartanotelefonepúblico,etc.
que80%daspessoastendopreviamentetomadocontadas comprasdoprimeiroexperimentadoralertavamosegundo queelehaviaperdidoumpacote,enquantoapenas35%das pessoasdogrupocontroleofizeram(nogrupocontroleos sujeitosnãoforamsolicitadosatomarcontadascomprasdo primeiroexperimentador).
Pode-se, portanto, utilizando a técnica do dar-o-pri-meiro-passo fazer emergir espontaneamente nas pessoas comportamentospró-sociais.Avantagemdeserecorrera estatécnica,aoinvésdeseapoiarnaautoridadedealguém quepuneourecompensa,oumesmonaargumentação,éque elapermiteobterocomportamentoquebuscamos(nocaso destapesquisa,levarosujeitoaavisaralguémdaperdade umpacote)emcondiçõestaisqueosujeitoquesecomporta destaformatemapenasasimesmoparaexplicarasrazões deseusatos:“aviseialguémquetinhaperdidoumadesuas comprasporquegostodeajudaraspessoasesouassimpor causadaminhapersonalidade,demeusvalorespessoais...”
Outraspesquisasmostramtambémointeressedeajudar crianças e mesmo adultos a se apropriarem de traços de personalidadeedevaloresdesejadosrecorrendoàtécnica daetiquetagem.
Odar-o-primeiro-passocometiquetagem
Uma pesquisa realizada por Joule (2001), no sul da França, desenvolve-se em uma feira de rua. Um primeiro experimentador,fazendo-sepassarporumturista,comum mapadacidadenamão,solicitaaalguémqueestáfazendo compras,paraajudá-loaencontrarumendereço.Umavez obtida a informação solicitada, o experimentador passa à segundaetapadapesquisa,qualseja,ajudarseuinterlocutora estabelecerumarelaçãoentreoqueeleacabadefazercomo queeleé,efetuandoumaetiquetagem:“Tiveasortedeencon-traralguémlegalcomovocêparameajudar”.Estaformade procedercorrespondeaoquedenominamosdar-o-primeiro-passo-com-etiquetagem.Trata-sedeumdar-o-primeiro-passo porque a técnica utilizada passa pela obtenção de um ato preparatório(ajudaralguémasesituarnomapadacidade). Mas, este dar-o-primeiro-passo associado à etiquetagem potencializaseuefeito,porqueoexperimentadorfavorece atribuiçõesinternasdesejáveis,recorrendoàscaracterísticas daprópriapessoa,ouseja,uma“pessoadebem”.
Masretornemosàfeira.Nomeiodaconfusão,umsegun-doexperimentadorcolocanasmãosdecertaspessoasque estãofazendocomprasumanotadedinheiroediz:“Tome,eu achoquevocêesqueceuseutroco”.Aprobabilidadequeum moradordeAix-en-Provencerecusasseodinheiroquenão lhepertenciafoioitovezesmaiornacondiçãoexperimental cometiquetagem(68%)quenacondiçãocontrole(8%),na qualosegundoexperimentadorfoioúnicoaintervir;esig-nificativamentemaisfortequenacondiçãoexperimentalsem etiquetagem(40%),naqualoprimeiroexperimentadorse contentavaemagradecercalorosamenteseuinterlocutorpela ajudaprestada.Portanto,érelativamentesimplesotimizaro dar-o-primeiro-passo,recorrendoaumaetiquetagembemes-colhida,istoé,acentuandotraçosouvalorescorrespondentes aocomportamentoquesebuscadesenvolver.
Em uma outra pesquisa (Beauvois, 2001) mostra que utilizandoamesmatécnicasepodetornarascriançasmais
corajosas. Esta pesquisa é ainda mais interessante já que concerneasocializaçãodecrianças.Elamostracomoalunos de aproximadamente 10 anos podem adquirir valores que devemsatisfazerseuscomportamentos.Alunosda5asérie
doensinofundamentalforam,naprimeirafasedapesquisa, convidadosatomarumasopapoucoapetitosa.Elespodiam, obviamente,recusar,masconsiderandoainstituiçãoescolar emqueestavam,poucosrecusaram.Apósteremaceitadoo convite,algumascriançasforamobjetodeumaetiquetagem pelo pesquisador: “Estou vendo que você é uma criança corajosa”.Umasemanamaistarde,opesquisadorretornou, com o pretexto de estar precisando de voluntários para testarnovasagulhasquesepressupõedoermenos,masque erapreciso,porprecaução,testá-las,antesdeusá-laspara vacinarascrianças.Aosvoluntários,opesquisadormostrou afotodequatroagulhasmaisoumenosgrossaseosdeixou escolherumadelas.Ascriançasqueforamobjetodaetique-tagem,quandodaprimeirafasedapesquisa,apresentaram-se emmaiornúmerocomovoluntáriasdoqueasoutras;elas foram,igualmente,emnúmeromaioraescolherasagulhas maisgrossas!
A etiquetagem aqui utilizada, que atribui um traço de personalidade socialmente desejado (a coragem), mostra-se,portanto,particularmenteeficaz,jáqueelaconduzuma criança a se mostrar corajosa ao ponto de aceitar sofrer, váriosdiasdepois,paraqueoutrascriançassoframmenos. Os resultados obtidos aqui completam, portanto, aqueles queforamobtidosnaspesquisasnasquaisascriançassão confrontadasaumjogoproibido.Elesmostram,maisuma vez, como as crianças acabam fazendo por elas mesmas aquiloqueosadultosqueremqueelasfaçame,destaforma, ainternalizarasexigênciassociaisdefinidasnoâmbitode umasociedadecidadã.
Nasduaspesquisasutilizandoatécnicadodar-o-primei-ro-passoqueacabamdeserapresentadaséoatopreparatório (ajudaralguémaencontrarumendereço;aceitartomaruma sopapoucoapetitosa)que,dealgumaforma,forneceopre-textoparaaetiquetagem(“Tiveasortedeencontraralguém legalcomovocêparameajudar”;“Estouvendoquevocêé umacriançacorajosa”).Mas,aetiquetagemconservauma boa parte de sua eficácia, mesmo quando a utilizamos na ausênciadeumatopreparatório.
Miller,BrickmaneBolen(1975)conseguiram,defato, fazercomquealunosde8a11anosnãomaisjogassempapel debalanochão,recorrendoaumasimplesetiquetagemao finaldeumaaulasobreordemelimpeza.Duasformasde procederforamtestadas.Emumcaso,oadultolembrava, aotérminodeumaaula,queerapreciso,evidentemente,ser limpoeordeiroe,esforçava-separapersuadirascriançaspara seadequaremaestaexigência(condiçãodepersuasão).Em umaoutra,elesecontentavacomumaetiquetagemdotipo: “Euosconheçobem,euseiquevocêssãocriançaslimpase ordeiras”.Umpoucomaistarde,ascriançastinhamaopor-tunidadedecomerbalas.Contandoonúmerodepapéisde baladeixadosnochão,ospesquisadorespuderamverificar queatécnicadeetiquetagemera,comoelestinhamestimado, maiseficazqueapersuasão.
Asetiquetagensutilizadasforam,destavez,dotipo:“Capazes comovocêssão...”e“Motivadoscomovocêsestão...”.
Atécnicadotocar
Aspesquisassobreotocarnãosãorecentes.Ospesquisa-doresseinteressamseriamentepelosefeitosdotocardesde meadosdosanos1970.EmumadaspesquisasdeKleinke (1973),aspessoasqueentravamemumacabinatelefônica tinhamaagradávelsurpresadeencontraralgumasmoedas. Evidentemente,comoqualquerumofaria,elasutilizavam asmoedasparatelefonarouascolocavamnobolsoquando iam embora. Um pouco mais adiante, um desconhecido as interceptavam: “Você não encontrou algumas moedas nacabinetelefônica?”Odesconhecidoera,certamente,o experimentador. Uma vez sobre duas, o experimentador não se satisfazia com esta solicitação meramente verbal. Eletocava,alémdisso,obraçodoseuinterlocutordurante um ou dois segundos. Este contacto físico permitiu au-mentarsignificativamenteataxaderestituiçãodasmoedas esquecidas(93%contra63%naausênciadetalcontacto). Aeficáciadatécnicadotocarfoidemonstradaemsituações muitodiferenteseusandocomportamentosmuitovariados. AUniversidadedeMiamimantémuminstitutodepesquisa destinadoexclusivamenteaodesenvolvimentodepesquisas queutilizamestatécnica.
Na área médica, centenas de investigações atestam o interessedesetocaraqueleseaquelasquesedesejaalteraro comportamento.Assim,ospensionistastocadosalimentam-semelhorqueosquenãoosão,osdoentesquesãotocados respeitammelhorasprescriçõesmédicasqueosoutros.Ainda, pessoashospitalizadasdenotammenosestresseantesdeuma intervençãocirúrgicaseelasforemtocadasantesporumaen- fermeira.InicialmenteevidenciadonosEstadosUnidos,mar-cadoporumaculturado“non-contact”,ofenômenodotocar conservatodasuaeficácianaFrança,aindaquenãoseja,entre ospaíseslatinos,opaísondeaspessoasmaissetocam.
Guéguen (2002a), um pesquisador francês, constatou, porexemplo,queachancedeseobterdeumapessoauma moedatocando-lheoantebraço,aomesmotempoemquelhe éfeitoopedido,éduasvezesmaior.Emumaoutrapesquisa, Guéguen(2002b)pôdeobservarqueomesmocontactofísico permitiaaumprofessorpraticamentetriplicaraprobabilidade deseusalunosiremvoluntariamenteaoquadro-negropara corrigirumexercício.Estaúltimapesquisaseinscrevena tradiçãodasinvestigaçõesamericanasquemostramqueum professorpodemelhorarodesempenhoescolardeseusalunos tocandooseubraço(Steward&Lupfer,1987).
Atécnica“vocêssãolivres...”
Os pesquisadores que trabalham sobre o processo de racionalização sabem o interesse que há em obter sem impor.Lembremo-nosdaspesquisasrealizadasnasituação do “brinquedo proibido”: quando a proibição é fraca, as criançasracionalizamoseucomportamentodesubmissão, desinteressando-sepelobrinquedoproibido;contudo,quando aproibiçãoéforteelasnãoofazem.
Sabe-se, desde os trabalhos de Guéguen e Pascual (Guéguen & Pascual, 2000; Guéguen, Pascual & Dagot,
2004), que se referindo explicitamente ao sentimento de liberdade,pode-selevaraspessoasafazeremoqueelasnão fariamporelasmesmas.Graçasàtécnica“vocêssãolivres...” estespesquisadoresconseguiram,porexemplo,multiplicar porquasecincoapossibilidadedereceberemdinheirode umdesconhecido(47%contra10%nacondiçãocontrole). Atécnicaé,noentanto,muitosimples.Apósterformulado opedido,utiliza-seumafórmulacomo:“Mas,vocêélivre paraaceitarourecusar...”.Éprecisamenteestefórmulaque GuéguenePascualutilizaramaofinaldeumasolicitação banal:“Desculpa-me,seráquevocêpoderiamearrumarum dinheiroparaeupegaroônibus?”Essaspessoassemostraram maisgenerosas,dandodinheiroaproximadamentenovalor deumapassagemdeônibus,duasvezesmaisdoqueaque-laspessoasqueforamsolicitadassemquefosseutilizadaa técnicado“masvocêssãolivres...”.
Outraspesquisas,realizadaspelosmesmospesquisadores (Guéguen,LeGouvello,Pascual,Morineau&Jacob,2000), mostraram que, apoiando-se sobre esta técnica, pode-se aumentaraprobabilidadedosinternautasvisitaremumsite web.Nadadecomplicado.Ésuficientesubstituiro“clique aqui”por“vocêélivreparaclicaraqui”.
Porumapedagogiadocompromisso:algunsprincípios deação
Tomadoscomoumtodo,ostrabalhossobreocompro-missoesobreastécnicasdesubmissãolivrementeconsentida conduzemacertosprincípiosdeaçãoque,sebemutilizados, podempermitirotimizarnossaspráticaseducativas.
Oprincípiodeliberdade
Esteprincípioconsiste,semprequepossível,deoutorgar aosalunosopoderdedecisãolivreeresponsável:“Vocês decidem...vocêssãolivresparafazercomolhesparecerme-lhor...”.Orecursoaesteprincípioapresentaduasvantagens. Elefavorecearacionalizaçãodocomportamentoesperadoe, transversalmente,aapropriaçãoeainternalizaçãodevalores requeridospelonossofuncionamentosocial.Mas,contraria-mentedoquesepodepensar,elenãoreduzaspossibilidades devermososalunosfazeremoqueesperamosquefaçam. Pode-semesmoaumentarsensivelmenteestapossibilidade (cf.atécnica“vocêssãolivres...”).Esteprimeiroprincípio devenoslevarainstaurarespaçosdeliberdade,sempreque forcompatívelcomosimperativoseoslimitesdasinstitui-ções escolares (trabalhos facultativos, escolhas do livro a resumir,escolhasdasmodalidadesdetrabalho,etc.).Temos tudoaganharenadaaperder.
Oprincípiodoprimadodaação
outros (cf. técnica dar-o-primeiro-passo). É por esta razão queosqualificamos“deatospreparatórios”.Recentemente, no âmbito de um programa europeu de pesquisas, visando promoveraeco-cidadania(Joule&Bernard,2005),alunosde 1ae2asériesdoensinofundamentalforamlevados,apartir
deumpedidodo(a)professor(a),acolocarem“livremente” umadesivonaportadageladeiradesuascasas,noqualera feitaumachamadasobreummelhorcontroledaenergia,bem comoafazerem“livremente”umregistrodeobservaçãoso-breoshábitosfamiliaresquepoderiamseralteradossemque causassemqualquerconstrangimentoparaosmembrosdesua família(atospreparatórios),comoporexemplo,desligaratele-visãoantesdedeitar2.Posteriormente,elesforamconvidados
asecomprometeremporescritoarealizarumdeterminado comportamentoeco-cidadão(comportamentoesperado).Por exemplo,tomarumaduchaaoinvésdeumbanhodebanheira, compromissofirmadoporquase100%dosalunos.
Oprincípiodanaturalização
Esteprincípioconsisteemajudaroalunoaestabelecer umarelaçãoentreoqueeleé(suapersonalidade,seusgostos, suasaptidões)eoqueelefez,quandooqueelefezcorres- pondeasnossasexpectativas,afimdefavorecera“naturali- zação”dotraçosocialmentedesejável.Seoalunose“com-portoubem”emtaloutalcircunstância;se,porexemplo, eleconseguiuresolverumexercíciodifícildematemática, utilizar-se-áfrasestaiscomo:“istonãomesurpreende,você éumbomaluno”,“vejoquetemjeitoparaamatemática”. Enfim,frasesquepossamfavoreceroestabelecimento,pelo oaluno,deumarelaçãoentreoqueeleéeoqueelefaz,no caso,seudesempenhoescolar(cf.técnicadodar-o-primei-ro-passocometiquetagem).Mas,éprecisoestaratentopara nãonaturalizarcomportamentosquenãocorrespondemàs nossasexpectativas,comfrasesqueaindaseouvemuito,tais como“vocêéburro”ouainda“vocêéumzeroàesquerda” cujosefeitossabemosserempsicologicamentedevastadores eaSociologiajánosmostrouolugarquelheséreservado nareproduçãosocial3.
Oprincípiodedesnaturalização
Deformainversaaoprecedente,esteprincípioconsiste emfazer–sejamosprofessores,sejamospais–comqueo alunoouofilhonãoestabeleçaumarelaçãoentreoqueele éeoqueelefez,quandooqueelefeznãocorrespondeàs nossasexpectativas.Trata-se,destavez,deprocederauma “desnaturalização”dotraçosocialmenteindesejável.
Quandooseucomportamentoescolardeixaadesejar, porexemplo,quandosuaprovadematemáticaémedíocre, antesmesmoqueoalunodiga“Erreitudoporquenãotenho cabeça para matemática”, diríamos, idealmente: “Ouça, a
nota2,5significaqueatuaprovanãoéboa,2,5nãosignifica quevocênãoébomemmatemática.Pessoalmente,estou mesmoconvencidodocontrário...”.Recorreraoprincípiode desnaturalizaçãopermite,porconseguinte,queoalunonão considerequefazpartedasua“natureza”fracassaremtalou talmatéria.Àsvezes,ésuficientepoucacoisaparadaraum alunoemdificuldadeogostopelotrabalhoescolar.
A esse respeito, as pesquisas sobre o “compromisso” convidam-nosairmaisadiante,obtendoumclimadecon-fiançaelevandooalunoasecomprometerimediatamente e,evidentemente,livremente(cf.oprincípiodeliberdade), a fazer uma coisa precisa (cf. o princípio do primado da ação),porexemplo:rever,naquelanoitemesma,atabuada demultiplicação,emcasa.“Hugo,gostariaquedissesseo quepretendefazerparasesairbemnaprova,dapróxima vez...”.Estaformadeseestabelecerumarelaçãodetroca temporvantagemresponsabilizaroaluno,deixando-odefinir porelemesmoostermosdeumcontratodetrabalho.Seele nãoconseguirpropornada,poderemossemprelhesugerir algumacoisa.“Seráquevocêestariadeacordo,destanoite, emcasa...Evidentemente,évocêquemdevedecidir”.
Conclusão
Trata-se aqui dos principais princípios sobre os quais seapóiaapedagogiadocompromisso(Joule,2005).Esta pedagogianadamaisédoqueumapedagogiadaaçãoeda responsabilização.Umapedagogiadaação,porquetudoé feitoparacolocarosalunosemmovimento,paratorná-los “atores”enãosomente“ativos”;paraconduzi-losatomarem decisõesemesmocompromissosnosentidoexatodotermo. Umapedagogiadaresponsabilização,namedidaemqueestas decisõeseestescompromissossãoobtidosemcondiçõestais queosalunosnecessariamentesereconheçameseidentifi-quemcomelas–elessãolevadosaexplicaroquefizeram apartirdoqueelessão–e,passamaseperceberemease conceberemcomoalunosresponsáveis.
Estesprincípiostêmoméritodeseremsustentadospelos conhecimentos acumulados no bojo da psicologia social experimental. No plano prático, permitiram-nos reduzir o absentismoescolar;aumentaraprobabilidadequealunosdo 3º
anodoensinomédiofizessemosprocedimentosnecessá-riosàcontinuidadedesuacarreiraescolarouprofissional; promoveraeco-cidadaniaemescolasprimárias;aumentar aprobabilidadequeosestudantesfizessemtrabalhosfacul-tativos;duplicaraprobabilidadequealunosemdificuldade encontrassem um emprego na conclusão de seus estudos (paraumasíntesecf.Joule&Beauvois,1998).
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2 “Seráquevocêsestariamdeacordo?Evidentementecadaumélivre paraaceitarourecusar…”;“Quemquercolocarumadesivonageladeira desuacasa?”ou“Quemquerfazerumaobservaçãoemsuacasas?” 3 Diantedeaptidõesidênticas,tem-semaischancedesertratadocomo
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Recebidoem25.08.2005 Primeiradecisãoeditorialem24.11.2005 Versãofinalem08.02.2006