I nt r oduçã o
A pesquisa tem por objeto de estudo as relações entre o processo de
dem ocratização da escola pública, a im plantação do program a da Escola
Nova e a constituição da Educação Especial para os excepcionais em Minas
Gerais, na década de 1930 , como sistem a de ensino paralelo ao da
educação com um .
A delim itação espacial do estudo ao Estado de Minas Gerais se deve,
portanto, à própria história da constituição da Educação Especial no Estado,
o qual, na década de 1930, procurou m anter-se com o Estado Pioneiro de
I novações Pedagógicas, tendo na figura de Francisco Cam pos o personagem
que prom oveu um a grande m udança no sistem a educacional m ineiro,
baseada no program a da Escola Nova. Essa m udança viabilizou a
constituição da Educação Especial para os excepcionais1 de form a paralela à educação com um .
Outro elem ento que contribuiu para delim itarm os nosso estudo ao
Estado de MG, além desses elem entos aqui evidenciados, foram políticas
m ais atuais im plantadas no m esm o, m as que para nós estão relacionadas
às propostas desenvolvidas no período de 1930, anteriorm ente citado. É
assim que na década de 80 ocorreu o I Congresso Mineiro de Educação, que
tam bém se pautou em ideais dem ocráticos, buscando a renovação da
prática pedagógica e prom ovendo m udanças na Educação Especial, no
sentido de orientá- la para práticas integradoras.
Na atualidade, o Estado de Minas Gerais continua a ser um dos
Estados que busca a im plantação de políticas educacionais voltadas agora
para a I nclusão Escolar e para a ressignificação da Educação Especial com o
m odalidade de ensino na Educação Básica.
Em relação à delim itação tem poral deste estudo ao período da década
de 1930 , trata- se de um a escolha que se justifica, no nosso entendim ento,
pelo fato de que há um a necessidade de se com preender os motivos que
contribuíram para que a constituição da Educação Especial, no referido
período, se configurasse com o um sistem a paralelo, um a vez que a
proposta educacional da época baseava- se em princípios dem ocráticos.
Assim , partim os do pressuposto de que parece ter havido um a
contradição entre a proposta educacional da Escola Nova e o que se
im plem entava no sistem a de ensino.
Existe um a diversidade de interpretações sobre o significado teórico e
político do program a da Escola Nova no Brasil e no m undo. Este é visto ora
com o dem ocrático, ora com o reacionário, dificilm ente com o um program a
que apresenta contradições (DORE SOARES, 2003). Considerar, portanto,
os aspectos contraditórios da proposta da Escola Nova constitui um a
referência ainda pouco estudada na historiografia brasileira. Por isso, ela
poderá levar à com preensão dos m otivos que fizeram a Educação Especial,
na década de 1930 , se organizar com o um sistem a de ensino paralelo e ter
se tornado, posteriorm ente, sistem a excludente.
A defesa da dem ocratização da escola parece não ter significado a
elim inação de m edidas de seletividade social. Essa com preensão é
paralela, um a vez que ela é vista com o excludente. As políticas têm se
orientado na perspectiva da inclusão escolar e da conseqüente m udança no
conceito de Educação Especial, entendido, hoje, com o m odalidade de ensino
na educação básica. No entanto, no período de constituição da Educação
Especial, o sistem a de ensino paralelo era tido com o necessário para
atender às especificidades dos alunos. Esse sistem a, atualm ente, quando se
fala em inclusão escolar, nem sem pre é considerado necessário, o que
evidencia novas contradições.
Contudo, não tem os claro, por exem plo, questões com o: por que,
justam ente no m om ento de dem ocratização da escola pública m ineira, foi
identificado um grande núm ero de excepcionais, evidenciando a
necessidade de um a Educação Especial de form a paralela ao sistem a da
educação com um ? Haveria um a relação ent re a im plantação do program a
da Escola Nova no Estado, a partir das Reform as do Ensino, a organização
das classes hom ogêneas e a em ergência da educação dos excepcionais em
classes e escolas especiais?
A partir do que foi exposto, apresentam os com o questão central
deste estudo a seguinte discussão: por que a Educação Especial, destinada
aos excepcionais, em Minas Gerais, na década de 1930, se constituiu com o
sistem a de ensino paralelo ao da educação com um , no m om ento de
dem ocratização da escola pública e de im plantação do program a da Escola
Nova no Estado?
O objetivo geral desta pesquisa, portanto, consiste em analisar as
relações entre o processo de dem ocratização da escola pública, a
Especial para os excepcionais em Minas Gerais, na década de 1930 , como
sistem a de ensino paralelo ao da educação com um . Por essa análise,
pretendem os com preender por que a Educação Especial se estruturou de
form a paralela e contribuiu para a seleção dos alunos, baseando - se no
discurso das apt idões nat urais, justam ente no m om ento de dem ocratização
da escola pública e da im plantação do program a da Escola Nova no Estado
m ineiro. E, ainda, com preender os m otivos que fizeram a Educação
Especial, com o sistem a paralelo , contribuir para a exclusão dos alunos
excepcionais.
Para responder a esses objetivos, nossa investigação, do ponto de
vista m etodológico, foi feita por m eio de um a pesquisa bibliográfica,
dividida em duas etapas. Na prim eira, realizam os um a análise teórica, na
qual utilizam os os conceitos de hegem onia e t ransform ism o ou revolução
passiva, para com preenderm os a relação entre a dem ocratização da escola
pública, a im plantação do program a da Escola Nova e a questão da seleção
dos alunos baseada no discurso das apt idões nat urais.
Para essa análise teórica, fizem os um levantam ento bibliográfico
sobre o objeto da pesquisa através de consultas a bibliotecas e sites
acadêm icos; selecionam os livros, m onografias, dissertações, teses e artigos
que serviram de fundam entação para o nosso estudo.
Na segunda etapa, tendo por referência o estudo bibliográfico
realizado e os conceitos teóricos que fundam entaram esta pesquisa,
realizam os um a análise em pírica, prim eiram ente, da difusão do program a
da Escola Nova no Brasil e, posteriorm ente, da difusão desse program a em
hom ogêneas, que tinham com o proposta o agrupam ento das crianças de
acordo com o desenvolvim ento m ental das crianças e as apt idões nat urais,
e a constituição das classes e escolas especiais, as quais foram organizadas
para atender aos excepcionais, constituindo um a Educação Especial paralela
à educação com um . Utilizam os com o referência o trabalho desenvolvido na
Escola de Aperfeiçoam ento de Minas Gerais e no Laboratório de Psicologia
Experim ental sob a coordenação da psicóloga e educadora Helena Antipoff.
Para a pesquisa sobre as classes hom ogêneas e as classes e escolas
especiais, em Minas Gerais, visitam os o acervo Centro de Docum entação e
Pesquisa Helena Antipoff (CDPHA), selecionam os os textos e pesquisas
publicados na Revist a do Ensino de Belo Horizonte (órgão oficial da
I nspetoria Geral de I nstrução da Secretaria do I nterior do) que estavam
diretam ente relacionados ao nosso objeto de pesquisa. Pesquisam os
tam bém o periódico editado pela Sociedade Pestalozzi2 de Minas Gerais,
textos publicados nos Boletins do Cent ro de Docum ent ação e Pesquisa
Helena Ant ipoff - CDPHA e Coletâneas de textos de Helena Antipoff,
reeditados por Cam pos (2002).
Desenvolvem os nossa pesquisa em três capítulos. No prim eiro,
tratam os da possível relação entre a Educação Especial na década de 1930
e as políticas de I nclusão Escolar na atualidade. Apresentam os algum as
tendências da Educação Especial no Brasil, considerando o percurso
histórico seguido por ela, a partir dos anos trinta, m om ento de sua
constituição no sistem a educacional brasileiro, e tendo o Estado de Minas
Gerais com o enfoque do nosso estudo. Procuram os explicitar a problem ática
2 So c ie d a d e Pe sta lo zzi d e Mina s G e ra is, c ria d a e m 1932, p o r um g rup o d e mé d ic o s,
em torno da Educação Especial com o sistem a paralelo ao da educação
com um na década de 1930 e as atuais políticas de inclusão escolar que
procuram superar a estrutura desse sistem a, até então, paralelo e
excludente.
No segundo, tratam os da discussão sobre a dem ocratização da escola
pública e a questão das apt idões nat urais. Para tanto, exam inam os, tendo
com o referência teórica os conceitos de hegem onia, t ransform ism o ou
revolução passiva, a relação entre o processo de dem ocratização da escola
pública, verificado a partir do final do século XI X, a im plantação do
program a da Escola Nova e a questão da seleção dos alunos baseada no
discurso das apt idões nat urais.
No terceiro, analisam os, a partir da discussão teórica apresentada no
segundo capítulo, com o foi difundido o program a da Escola Nova no Brasil e
com o esse program a propiciou a constituição da Educação Especial em
Minas Gerais com o sistem a paralelo ao da educação com um .
Para tanto, novam ente, dividim os a discussão em duas partes: na
prim eira, tratam os do contexto brasileiro na década de 1930 e a difusão do
program a da Escola Nova no país. Na segunda, focalizam os a análise em
Minas Gerais. Nossa abordagem se inicia com a discussão da difusão do
program a da Escola Nova em Minas Gerais, a partir da Reform a Educacional
Francisco Cam pos, o desenvolvim ento m ental das crianças e as apt idões
nat urais. Em seguida, tratam os do Regulam ento do Ensino Prim ário , em
1927, e da organização das classes hom ogêneas. E por últim o, tratam os da
referência as pesquisas e o trabalho desenvolvido por Helena Antipoff nas
classes e escolas especiais.
Consideram os que a análise das relações entre o processo de
dem ocratização da escola pública, a im plantação do program a da Escola
Nova e a constituição da Educação Especial, na década de 1930, com o
sistem a paralelo, pode auxiliar a com preender a política de inclusão escolar
na atualidade. Se dem ocratizar a escola, na década de 1930 , não significou
a elim inação de m edidas de seleção, talvez, a defesa de um a “ Educação
para Todos” , na atualidade, m antenha m ecanism os de segregação pouco
Ca pít ulo I
O Surgim ent o da Educa çã o Especia l na déca da de
1 9 3 0 e as polít icas de I nclusão Escolar na at ualidade
Neste capítulo, apresentam os algum as tendências do percurso
histórico seguido pela Educação Especial no Brasil, tom ando com o ponto de
partida os anos trinta, m om ento de sua constituição no sistem a educacional
brasileiro, e o Estado de Minas Gerais com o enfoque do nosso estudo.
Nosso objetiv o é o de explicitar a problem ática em torno da Educação
Especial com o sistem a paralelo ao da educação com um na década de 1930
e as atuais políticas de inclusão escolar que procuram superar a estrutura
desse sistem a, até então, paralelo e excludente.
A Educação Especial constitui um a tem ática de grande relevância na
atualidade, um a vez que nas últim as décadas ocorreram diversas m udanças
nas propostas político- educacionais concernentes a esse tipo de educação,
alterando tam bém a sua organização, tanto em âm bito nacional quanto
internacional. Dentre as m odificações ocorridas, destacam os a inclusão
escolar3 que busca rom per com a estrutura dom inante até a década de
oitenta, quando a Educação Especial se organizava com o um sistem a de
3 Ad o ta mo s, ne ste tra b a lho , o c o nc e ito d e inc lusã o e sc o la r d e finid o p o r Me nic uc c i
ensino paralelo ao sistem a educacional comum4, porque essa organização
passou a ser entendida com o um a form a excludente de organização escolar.
Atualm ente, portanto, as políticas educacionais orientam -se na
perspectiva da inclusão escolar. Diante dessa tendência, diferentes projetos
políticos, objetivando atender a essa orientação, têm sido im plantados nas
escolas com uns de Educação Básica. No caso específico do Brasil, no
período de 2003 a 2006, foi elaborado o Program a Federal Educação
I nclusiva – Direit o à Diversidade, cujo objetivo foi o de garantir o acesso de
todas as crianças, dos jovens e dos adultos com necessidades educacionais
especiais ao sistem a com um de ensino, bem com o a sua perm anência nesse
sistem a. Além disso, o referido program a procurou dissem inar a política de
construção de sistem as educacionais inclusivos e apoiar o seu processo de
im plem entação nos m unicípios brasileiros.
Especificam ente em Minas Gerais, foi elaborado pela Secretaria de
Estado de Educação da Minas Gerais, em janeiro de 2002, o Program a de
Apoio à Educação para a Diversidade ( PAED), tendo em vista im plem entar a
proposta pedagógica de Educação I nclusiva nas Escolas Estaduais m ineiras,
visando prom over um a educação de qualidade e capaz de adaptar-se à
diversidade do seu alunado ao levar em conta as potencialidades individuais
do ser hum ano. Em 2005, o governo propôs dar continuidade à referida
proposta e im plem entou o Proj et o I ncluir com o obj et ivo organizar, no
Estado, um a rede de escolas públicas em condições de atender
adequadam ente aos alunos com deficiência e condutas típicas.
4 Ap e sa r d e a lg uns a uto re s, c o mo Ma rc he si (2004), utiliza re m o a d je tivo “ re g ular” e m
c o ntra p o siç ã o a o “ e sp e c ia l” a o se re fe rir à e d uc a ç ã o, a d o ta re i, d e a c o rd o c o m Lima
Na perspectiva de garantir o acesso de todas as crianças, dos jovens e
dos adultos com necessidades educacionais especiais ao sistem a com um de
ensino, a política de educação inclusiva que vem sendo im plem entada no
Brasil é considerada, segundo Menicucci (2004), um a verdadeira m udança
de paradigm a no que se refere à inserção dos alunos com necessidades
especiais nas escolas com uns. A m udança se refere principalm ente ao fato
de que as políticas atuais estão centradas na busca de um a sociedade m ais
justa e igualitária, am pliando as possibilidades de garantir os direitos de
todos os que nela vivem (MENI CUCCI , 2004; ROCHA, 2004).
Para tanto, a política de educação inclusiva propõe que o sistem a
escolar se adapte às particularidades de todos os alunos, reconfigurando a
organização e o funcionam ento dos serviços a eles destinados. Trata- se de
um a m udança de paradigm a cuja justificativa se baseia no fato de que,
historicam ente, foram negadas as oportunidades de um a vivência social,
cultural e educacional plena para um núm ero significativo de crianças,
jovens e adultos pertencentes a grupos sócio -econôm icos e culturais
m arginalizados. Dentre esses grupos, se encontram as pessoas com
deficiência, que lutaram , e ainda lutam , para conquistar seus direitos com o
cidadãos.
Esse m ovim ento de luta social pela conquista de direitos abrange todo
o m undo e, no caso específico de conquista de direitos educacionais, um
dos m arcos legais foi o lançam ento do Program a de Ação Mundial para
Pessoas Deficient es, em 1985, pela Assem bléia Geral das Nações Unidas
( ONU) . Posteriorm ente, em 1990, realizou-se a Conferência Mundial de
Declaração de Salam anca, docum ento que garante os direitos educacionais
para as pessoas com necessidades especiais e que resultou da Conferência
Mundial sobre Necessidades Educat ivas Especiais, realizada em Salam anca,
pelo governo da Espanha e pela UNESCO.
A partir do m om ento em que a escola inclusiva foi defendida na
Declaração de Salam anca, o Brasil adotou- a com o diretriz para sua política
educacional e assum iu o com prom isso de desenvolver program as visando à
inclusão de todos os alunos no sistem a com um de educação básica.
As novas políticas para a inclusão escolar modificaram , portanto, o
sentido da Educação Especial no país. I sso pode ser percebido na nova
conceituação de Educação Especial e nas novas características que lhe
foram atribuídas, a partir da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDBN, 1996 – Capítulo V):
“entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais” (artigo 58) e “os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades” (artigo 59 – inciso I).
Outro aspecto m uito positivo para a Educação Especial, verificado a
partir de 2001, foi o de converte- la num a m odalidade de ensino da
Educação Básica, deixando de ser um sistem a paralelo ao sistem a
educacional com um (Parecer 17/ 2001; Resolução 02/ 2001 - Câm ara de
Em deco rrência dessas m udanças, os Estados brasileiros foram
solicitados a adaptar seus sistem as de educação à legislação do país sobre a
organização da Educação Especial, na perspectiva da educação inclusiva.
Nesse contexto, Minas Gerais dest acou- se com o um dos Estados do
Brasil que rapidam ente tom ou posição no sentido de consolidar, do ponto
de vista legal, as m udanças que favoreciam as políticas públicas para a
Educação Especial (Parecer 424/ 2003; Resolução 451/ 2003 – Conselho
Estadual de Educação de Minas Gerais). Nesse sentido, com o afirm a Rocha
( 2004) , a m udança de paradigm a no que se refere à inserção dos alunos
com necessidades especiais nas escolas com uns prom oveu um a am pliação
do conceito de Educação Especial, a qual passou a ser entendida com o
(...) processo educacional definido em uma proposta pedagógica assegurando um conjunto de recursos e serviços educacionais especiais, organizados institucionalmente para apoiar, complementar, suplementar e em alguns casos substituir os serviços educacionais comuns, de modo a garantir a educação escolar e promover o desenvolvimento das potencialidades dos educandos que apresentam necessidades educacionais especiais, em todos os níveis, etapas e modalidades de educação. (ROCHA, 2004, p. 21).
Ao ser concebida de form a am pliada5 e ser considerada com o
m odalidade de ensino na Educação Básica, a Educação Especial passou a
ser o m eio através do qual os alunos com necessidades educacionais
especiais poderiam encontrar o apoio necessário para obter ingresso e
perm anência em seu percurso escolar. Nesse processo, o conceito de
necessidades educacionais especiais tam bém foi am pliado, porque deixou
5
de se referir, exclusivam ente, à deficiência e passou a com preender as
dificuldades acentuadas de aprendizagem ou lim itações no processo de
desenvolvim ento da pessoa, vinculadas ou não a causas orgânicas,
dificuldades de com unicação e sinalização, altas habilidades e superdotação.
A partir da am pliação do conceito de Educação Especial, esta deixou de
ser, com o m ostra Rocha (2004), um a com petência restrita das instituições
de Ensino Especial. Ao contrário, passou a ser considerada necessidade e
obrigação de todo e qualquer estabelecim ento de ensino e/ ou saúde, no
qual haja um educando com necessidades educacionais especiais
transitórias ou perm anentes.
Na atualidade, a m udança na organização da Educação Especial
representa a busca pela igualdade de oportunidades para todos
(dem ocratização da escola) e se liga à defesa da inclusão escolar no
sistem a com um de ensino. A igualdade de oportunidades por m eio da
inclusão na escola, entretanto, ainda não está consolidada. Com o m ostra
Lim a (2006), a m aioria das escolas em Minas Gerais, e m esm o no Brasil,
ainda está longe de se tornar inclusiva, pois a Educação Especial continua a
ser ofertada de m odo paralelo e excludente, em classes especiais ou escolas
especiais.
No entanto, a busca pela igualdade de oportunidades para todos no
sistem a de ensino não é um a questão que se apresenta som ente na
atualidade. Ela foi defendida no processo de dem ocratização da escola
pública desde a década de 1930 . Em bora naquela época não se tenha
falado em “inclusão”, as discussões que tiveram lugar sobre a educação
que hoje é lido e explicado com o “inclusão educacional”. Um dos program as
educacionais que vai nessa direção é o dos Pioneiros da Escola Nova no
Brasil. Seu objetivo era o de divulgar a necessidade de um a escola única,
pública, com um , obrigatória e gratuita, que quebrasse com o sistem a de
privilégios ainda existente no país (DORE SOARES, 1989).
Em bora fosse defendida a escola única e com um , a dem ocratização
da escola, contraditoriam ente, levou o sistem a educacional a introduzir
m edidas de seleção dos alunos nas escolas e a criarem a Educação Especial6
com o um sistem a paralelo. Essa questão, no entanto, tem sido pouco
investigada, pois apesar de m uitos autores (CARVALHO, 2001; MENI CUCCI ,
2004; ROCHA, 2004; SASSAKI , 1997) denunciarem o caráter excludente da
Educação Especial com o sistem a paralelo, suas produções acadêm icas não
tem evidenciado a contradição presente no m om ento da constituição desse
sistem a paralelo.
No que diz respeito à escola pública, Dore Soares (2000) destaca
que, com o processo de dem ocratização da m esm a, verificado a part ir do
final do século XI X, surgiram problem as relacionados à adaptação dos filhos
6 A p a rtir d e 1930, muito s e d uc a d o re s e nvo lvid o s c o m a e d uc a ç ã o d e d e fic ie nte s
e m pre g a ra m a e xp re ssã o e nsino e m e nd a tivo. C o m o exe mp lo d isso , d e sta c a mo s o
livro d e Arma nd o La c e rd a , d ire to r d o Instituto d o s Surd o s-Mud o s (ISM) d e 1930 a 1947:
A p e d a g o g ia e m e nd a tiva d o surd o -m ud o : c o nsid e ra ç õ e s g e ra is, Rio d e Ja ne iro ,
Pime nta d e Me llo , 1934 (a p ud So a re s, 1999). Aind a e m fins d e 1960 e p rinc íp io s d e 1970, o te rm o e m e nd a tivo fo i utiliza d o p a ra d e sig na r e sc o la s d e stina d a s a o s a luno s
d e fic ie nte s, c o mo p o r e xe mp lo , O Instituto d e Ed uc a ç ã o Eme nd a tiva d a Fa ze nd a d o Ro sá rio , e m 1964, instituiç ã o e sp e c ia liza d a , lo c a liza d a na zo na rura l d e Ib irité – MG ; e m C a ra ng o la , a Esc o la Esta d ua l d e Ensino Eme nd a tivo , e m 1967; e m Pa rá d e Mina s G e ra is, a Esc o la Munic ip a l d e Ed uc a ç ã o Eme nd a tiva Do uto r La g e , e m 1972. A e xp re ssã o e nsino e m e nd a tivo fo i usa d a e m 1974, no jo rna l O Esta d o d e Mina s. Em 1973
fo i c ria d o o C e ntro Na c io na l d e Ed uc a ç ã o Esp e c ia l - C ENESP (JANNUZZI, 2006, p . 69). O p ta mo s p o r utiliza r a e xp re ssã o Ed uc a ç ã o Esp e c ia l p a ra d e sig na r o a te nd ime nto e sp e c ia liza d o no p e río d o d e no sso e stud o . No e nta nto , nã o d e sc o nsid e ra m o s o se ntid o q ue o te rm o e nsino e m e nd a tivo tinha e q ue o rie nto u o tra b a lho e d uc a tivo na
é p o c a : “e m e nd a re (la tim), q ue sig nific a c o rrig ir fa lta , tira r d e fe ito ” (JANNUZZI, 2006, p .
da classe trabalhadora a um a escola “despreparada” para lidar com as
diferenças sócio - econôm icas e culturais das m assas populares. A escola
estava habituada a educar alunos das classes dom inantes que vinham bem
alim entados, com seus m ateriais escolares e com um a cultura específica
identificada com a da escola. Os problem as de “inadaptação” das crianças
m ais pobres à cultura escolar então existente foram interpretados pelos
prim eiros escolanovistas com o “ fadiga escolar, preguiça, retardam ento”
(DORE SOARES, 2000, p. 208).
De acordo com a autora, entre o final do século XI X e princípio do XX,
a fadiga escolar era definida pelos vários profissionais que estudavam o
assunto, tais com o m édicos, psicólogos e educadores, com o “(...) um
estado crônico ou patológico de cansaço que se m anifestava através de
perturbações da vista, congestão cerebral, dores de cabeça, hem orragias
nasais, nervosism o, fraqueza, etc.” (DORE SOARES, 2000, p. 208) .
Os prim eiros estudos realizados para resolver o problem a da fadiga
escolar tiveram com o base os conhecim entos oriundos da Medicina.
Posteriorm ente, percebeu- se que o m elhor rem édio para o problem a da
fadiga vinha da Psicologia. A fadiga escolar foi interpretada com o um a
conseqüência da pedagogia hum anista, vista com o coercitiva, e
estabelecendo - se, assim , um a relação entre fadiga e a inteligência. Os
resultados dos estudos realizados na Psicologia levaram os profissionais que
cuidavam do assunto a concluir, de form a científica, que “ os alunos m enos
inteligentes se fatigavam m ais do que os inteligentes” . (DORE SOARES,
Dentre os psicólogos que estudaram a fadiga escolar m erece
destaque o psicólogo francês Alfred Binet (1857–1911). Dore Soares (2000)
m ostra que Binet, a partir de suas pesquisas, concluiu que a fadiga escolar
resultava da pedagogia “ verbalista” e “ livresca” , dom inante na época. Com o
um a das possíveis soluções para o problem a, apresentou sua escala m étrica
de inteligência (os testes de quociente m ental). Quando a fadiga escolar
passou a ser associada à “falta de inteligência” para aprender, am pliou- se o
interesse pela questão dos “ anormais” .
Assim , no final do século XI X, foram realizados diversos estudos
sobre a “ anormalidade infantil” . Vários m édicos, psicólogos e pedagogos se
dedicaram a esse tem a e, dentre eles, além de Alfred Binet, m erece
destaque os trabalhos do psicólogo suíço Édouard Claparède (1873–1940) e
no início do século XX, são destacados os estudos da m édica it aliana Maria
Montessori (1870 –1952), e do m édico belga Ovide Décroly (1871–1932)
(DORE SOARES, 2000).
Portanto, historicam ente é possível perceber a grande ênfase dada à
Medicina e à Psicologia quando se focaliza o am plo m ovim ento de expansão
da escola elem entar na Europa, a partir do final do século XI X, e a
em ergência dos problem as relacionados às dificuldades das crianças em
acom panhar o ensino. Essa ênfase, tam bém , deu lugar ao surgim ento de
teorias que procuraram apresentar explicações científicas para os problem as
sociais da época, com o “a anorm alidade infantil, fadiga intelectual, higiene,
eugenism o e crim inalidade”. (DORE & PAI VA, 2005) .
À ênfase dada à Psicologia som a- se ainda o fato de que, entre o final
sua ciência”, distinguindo- a da Medicina e da Filosofia. Tal construção
baseou- se na busca de certa autonom ia da Psicologia, que enfocou,
sobretudo, a questão dos “anorm ais” nas escolas. Para o estudo dessa
questão, os psicó logos enfatizaram o uso de instrum entos de m edição,
com o testes, para conferir um grau de cientificidade à nova ciência que
em ergia.
A esse respeito, Goulart (2004) m ostra que, quando o pensam ento
quantitativo passou a constituir um a das características essenciais da
Psicologia, o resultado foi a construção da Psicom etria e dos laboratórios de
Psicologia Experim ental7. A busca pela adequação da Psicologia ao m odelo
das ciências naturais inspirou o “uso do controle na ciência do
com portam ento hum ano e sugeriu o interesse pelas leis universais,
aplicáveis a todos os sujeitos que experim entavam um fenôm eno
psicológico” (p. 16). Nesse sentido, a autora afirm a que foi nos laboratórios,
em que a lei universal era buscada, que em ergiu o interesse pelo
diferenciável. Segundo Goulart (2004 , p.16),
(...) enquanto a Psicologia Experimental tentava descobrir os padrões universais de realização (as uniformidades) e considerava as diferenças de resultados como “erros” do instrumento ou da situação, a função básica da Psicometria consistia na avaliação das diferenças entre os indivíduos ou entre as reações de um mesmo indivíduo em momentos diversos.
7 De a c o rd o c o m G o ula rt, (2004) a o rig e m d a Psic o lo g ia Exp e rime nta l e stá lig a d a à
Os testes, portanto, constituíram os principais instrum entos da
Psicom etria. O seu am plo desenvolvim ento, segundo Goulart (2004), esteve
associado, em todo o m undo, a algum as exigências que em ergiram no início
do século XX.
A prim eira delas foi a de identificar os “m arginais” do sistem a. Para
isso, foram realizados testes psicológicos para caracterizar a norm alidade e,
assim , identificar, em relação à inteligência, quem era “anorm al”; em
relação à saúde m ental quem era “doente” e em relação ao rendim ento
escolar quem era “ im produtivo” .
A segunda exigência é associada pela referida autora ao contexto da I
Guerra Mundial, quando as preocupações governam entais se voltaram para
identificar estratégias para um m elhor aproveitam ento e seleção dos
hom ens convocados pelas forças arm adas.
Por últim o, com a revolução industrial e a divisão do trabalho nas
indústrias, surgiram ocupações m anuais e atividades burocráticas que eram
destinadas aos m enos dotados, ou seja, aos que apresentavam resultados
m ais baixos nos testes de apt idões, enquanto os postos de direção e as
funções intelectuais eram ocupadas pelos m ais dotados, ou sej a, pelos que
apresentavam resultados m ais elevados nos testes de apt idões.
A orientação e seleção de pessoas para a prática do Serviço Militar
durante a guerra ou para o serviço nas indústrias obedeceram a raciocínio
sem elhante ao daquela exigência voltada à identificação dos “ norm ais” :
localizar o lugar a ser ocupado por um indivíduo na organização social em
função dos resultados de seu desem penho nos testes de apt idões.
Goulart m ostra ainda que o elem ento im pulsionador do
desenvolvim ento dos testes na Europa foi a busca de um “ padrão de
norm alidade” . Em relação a isso, ela destaca os trabalhos do psicólogo
Alfred Binet, já m encionado anteriorm ente, que resultaram na construção
da escala m étrica de inteligência e nos conhecidos “ testes de QI” ,
largam ente aplicados nas escolas para selecionar as crianças, supostam ente
com níveis diferenciados de inteligência, em classes hom ogêneas.
Tais classes tinham com o obj etivo resolver os problem as de
“inadaptação” de m uitas crianças, surgidos a partir da dem ocratização da
escola. Foi daí que surgiram propostas para reorganizar a escola,
diferenciando- a conform e aptidões individuais e níveis de inteligência dos
alunos detectados na aplicação de testes psicológicos. Som ando- se a outras
iniciativas surgidas na época, a proposta de Binet contribuiu para configurar
o program a da Escola Nova que foi am plam ente difundido na Europa e no
Brasil.
Em relação ao program a da Escola Nova no Brasil, pretendem os
analisar a difusão desse program a no país, considerando o contexto
sócio-econôm ico brasileiro no final da década de 1920 e início da década de 1930
(período em que se iniciou sua im plem entação) . Nosso obj etivo é o de
com preender com o esse program a propiciou a constituição da Educação
Especial, em Minas Gerais, de form a paralela ao sistem a regular de ensino.
As idéias da Escola Nova vinham sendo im plem entadas no Brasil
desde a década de 1920. Mas, no início da década de 1930, registraram -se
os prim eiros confrontos entre os defensores da Escola Nova e os que lhe
de um m odelo de escola que se opunha ao ideário da Escola Nova. Os
intelectuais liberais que sustentaram a defesa da escola pública e gratuita,
conhecidos com o os Pioneiros da Escola Nova, apresentaram suas
concepções pedagógicas num m anifesto em defesa da reconstrução
educacional do país, em 1932, conhecido com o Manifest o dos Pioneiros da
Educação Nova.
A tentativa de elaborar um a nova orientação para a política escolar
do país aconteceu no m om ento em que o m odelo de acum ulação capitalista
se encam inhava para o industrialism o, o que levou ao aum ento da
urbanização. A defesa da escola laica, gratuita e gerida pelo Estado atendia,
desse m odo, aos interesses da burguesia industrial brasileira.
Cam pos (1980 , p.10) m ostra que a divisão do trabalho, na etapa
nascente do capitalism o industrial brasileiro, exigiu o deslocam ento de
inúm eras pessoas do cam po para a cidade. A vida na cidade e o próprio
trabalho na m anufatura e na indústria apresentaram a essas pessoas um a
com plexidade m aior do que aquela vivida no m eio rural, com plexidade que
resultou da “necessidade de m anipular um núm ero grande de valores
sim bólicos cujo aprendizado é feito predom inantem ente no m eio escolar”.
As classes populares que até então eram excluídas do acesso à escola, por
via da seleção econôm ica, passaram a dem andar o direito ao ensino com o
form a de ascensão social. Ao m esm o tem po, para as próprias classes
dirigentes, tornou- se interessante a escolarização das m assas, na m edida
em que o processo de industrialização e de urbanização crescente do país
exigia da população “requisitos m ínim os de conhecim entos transm itidos
A autora afirm a que, com a expansão das escolas públicas brasileiras,
novas questões foram trazidas para os profissionais da educação, pois já
não se tratava m ais de oferecer um ensino erudito, próprio à form ação de
elites dom inantes do país, m as tam bém de um ensino voltado para a
form ação dos filhos das classes populares. A abertura da escola para os
filhos da classe trabalhadora e das pessoas que m igravam do cam po para a
cidade, vindos de um a cultura diversa da cultura dom inante e, portanto, em
contradição com a cultura escolar, gerou problem as em torno de com o lidar
com o novo contingent e de alunos. Foi assim que os Pioneiros da Educação
Nova, com o apoio dos políticos liberais, intensificaram sua luta em favor da
dem ocratização do ensino público e buscaram na Medicina8 e na Psicologia o
apoio científico de que precisavam para lidar com os problem as de
“inadaptação” dos alunos das classes trabalhadoras à escola, inserindo as
duas ciências na cultura escolar da época.
Em relação à Medicina, Jannuzzi (2006) m ostra que os m édicos
tiveram grande influência tanto na educação dos alunos considerados
“ norm ais” quanto na dos considerados “anorm ais” . Além disso, afirm a que a
questão da higiene repercutiu na form ação dos professores. O interesse
dos profissionais da área m édica pelos alunos “ anorm ais” , segundo a
8 Ja nnuzzi (2006) a b o rd a a s p ro p o sta s d e a tua ç ã o d o s mé d ic o s e d o s p sic ó lo g o s na
aut ora, relacionava- se ao entendim ento dos m édicos de que, ao não serem
educados, os “ anorm ais” poderiam vir a se tornar delinqüentes e não
atender às exigências do m undo do trabalho, o que não ocorreria, por
exem plo, com os ditos norm ais. Tal fato pode ser observado na leitura do
texto intit ulado Trat am ent o m édico- pedagógico das crianças anorm ais e
ret ardadas e o concurso de dent ist a escolar, escrito por Edgard Duque, e
que foi publicado na Revist a de Educação, em 1927, no qual se afirm a que
O ensino dos anormais é sempre mais urgente que o dos normais. Uma criança normal que seja analfabeta pode amanhã ser um excelente trabalhador manual. Uma criança anormal ineducada será fatalmente no dia de amanhã um vagabundo arrastado por delinqüentes, ou uma prostituta, ou um criminoso (DUQUE apud
JANNUZZI, 2006, p.97).
Os m édicos e dem ais profissionais da área da saúde influenciaram
tanto a educação dos “ anormais” que chegaram a considerar a escola com o
o estabelecim ento destinado ao tratam ento m édico- pedagógico (JANNUZZI
2006) . Nesse sentido, o m édico tinha com o seu auxiliar o pedagogo. Com o
exemplo da colaboração entre m édico e pedagogo, Jannuzzi se refere à
escola para crianças “ anorm ais” , criada a partir da am pliação do Hospício do
Juquery na cidade de São Paulo, e o trabalho do professor Norberto Souza
Pinto9.
A autora m ostra que, em alguns Estados, com o o de São Paulo, os
m édicos foram encarregados da organização de classes para “ débeis
m entais” , através do Serviço de Higiene Escolar e Educação Sanit ária. Eram
tam bém encarregados tanto da seleção de crianças com distúrbios m entais
9 Ja nnuzzi (2006) mo stra q ue a re fe rid a e sc o la p a ra a no rm a is, a ne xa d a a o Ho sp íc io d o
nas escolas, quanto da apresentação de soluções para todas as questões
que consideravam se inserir no âm bito da “anorm alidade”1 0. Já no Distrito
Federal, a seleção das crianças “ anormais” foi feita em 1934, pelo Serviço
de Higiene Ment al1 1. Em Recife, o doutor Ulysses Pernam bucano fundou
um a escola para “ anorm ais” em 1925 e form ou, posteriorm ente, um a
equipe interdisciplinar para cuidar desse ram o.
Jannuzzi (2006) destaca ainda que os m édicos foram os profissionais
convocados a integrar a Com issão de Higiene Ment al e Educação dos
Anorm ais na Sociedade de Educação, um a associação paulista, fundada em
1928, que visava a congregar os interessados no problem a dos “ anorm ais” .
As relações entre a educação e a higiene m ental com eçam com um
m ovim ento para criar um Com it ê Nacional de Higiene Ment al, em 1909,
organizando os m édicos em torno do tem a. Posteriorm ente, em 1923, foi
fundada a Liga Brasileira de Higiene Ment al1 2, cujo prim eiro dirigente foi
Gustavo Riedel e teve em seus quadros os m ais em inentes psiquiatras e
intelectuais da época (ANTUNES, 2005). Dois anos m ais tarde, foi realizada
a Reform a João Luís Alves, em 1925, que criou o Curso Especial de Higiene
e Saúde Pública, anexo à Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. A
1 0 De a c o rd o c o m Ja nnuzzi (2006), a a tua ç ã o d o s mé d ic o s e sta va p re vista no C ó d ig o
d e Ed uc a ç ã o d o Esta d o d e Sã o Pa ulo . A re fe rê nc ia a e ste c ó d ig o é e nc o ntra d a na
Re vista d e Ed uc a ç ã o, vo l. II, jun. 1933.
11 O Se rviç o d e Hig ie ne Me nta l fo i o rg a niza d o p o r Anísio Te ixe ira , na é p o c a e m q ue
a d ministro u o De p a rta me nto d e Ed uc a ç ã o d o Rio d e Ja ne iro.
1 2 De a c o rd o c o m Antune s (2005), a Lig a re c o nhe c ia a Psic o lo g ia c o mo c iê nc ia a fim à
influência desse curso junto às escolas tom ou corpo a partir da organização
da Seção de Ort ofrenia e Higiene Ment al no I nst it ut o de Pesquisas
Educacionais, em 1933, por Anísio Teixeira. Essa Seção, de acordo com
Jannuzzi (2006), foi fruto da Reform a do Ensin o Municipal no Distrito
Federal, realizada em 1928. Em janeiro de 1934, foram instaladas Clínicas
de Higiene Ment al nas escolas experim entais articuladas à atividade
pedagógica. Peixoto (2000, p. 96) m ostra que a eugenia ou a “pureza
racial” foi perseguida pela grande m aioria dos países, em m eados da década
de 1930, com o resultado da influência das pregações nazistas na Alem anha.
Em países de população m iscigenada com o o Brasil, houve a preocupação
do governo em depurar a raça. A eugenia orientou um a prática social
voltada para a “ preservação da raça e da pátria” tendo por objetivo “ a
robustez infantil e a depuração da raça, pelo desenvolvim ento de um a
infância laboriosa, ativa (no sentido de trabalhadora), disciplinada, higiênica
e obediente” . Quanto à higiene, o obj etivo desta foi o de oferecer aos
alunos um a noção das condições da vida hum ana m ostrando - lhes o que era
nocivo à saúde afim de que eles pudessem saber evitar as m oléstias e
adquirirem m aior resistência física.
Em relação à influência dos m édicos na educação das crianças
“ anorm ais”, o doutor Arthur Ram os em preendeu um a pesquisa, de 1934 a
1939, com duas m il crianças que tinham sido encam inhadas pelos
professores e diretores dessas escolas experim entais, consideradas “ débeis
m entais” , ou seja, “anorm ais”, porque eram incapazes de seguir a classe
utilizou um m étodo que cham ou de “m étodo clínico1 3”. Sua conclusão foi a
de que apenas dez por cento das crianças eram realm ente “anorm ais” e,
portanto, precisavam de classes especiais. As outras crianças, em bora
apresentassem dificuldades na escola, não eram , de fato, “ anorm ais” . Seus
com portam entos de “ anorm alidade” se deviam ao m eio (causas fam iliares,
alcoolism o, abandono, m aus tratos etc.) , e, assim , elas não necessitariam
de estudar em escolas separadas do ensino com um , ainda que requeressem
um a atenção m ais cuidadosa de seus professores (JANNUZZI , 2006).
Jannuzzi assinala que alguns m édicos, com o o Dr. Arthur Ram os,
tinham certa tranqüilidade para elaborar seu diagnóstico e sua prescrição
pedagógica quanto à separação ou não das crianças em classes especiais, o
que se baseava em critérios clínicos. Para outros m édicos, porém , essa
tranqüilidade em elaborar o diagnóstico não se m anifestou e os m esm os
precisaram buscar o auxílio de especialistas, os aplicadores de testes, os
quais eram , em sua m aioria, psicólogos.
Em relação à Psicologia, a partir da luta pelo ensino público, houve o
fortalecim ento do cham ado “m ovim ento dos testes” , no âm bito de vários
Estados do país, notadam ente em São Paulo, Pernam buco, Rio de Janeiro e
Minas Gerais (MONARCHA, 2001) 1 4.
1 3 O Mé to d o C línic o re unia a o b se rva ç ã o inc id e nta l, fra g me nto s b io g rá fic o s,
o b se rva ç ã o siste má tic a , q ue stio ná rio , histó ria d e c a so s, te ste s e me d id a s, e xp e rime nta ç ã o e tc ., o u se ja , a ma io r so ma d e p ro c e sso s d e inve stig a ç ã o d a p e rso na lid a d e , utiliza nd o d e to d o s o s d a d o s d e o b se rva ç ã o d a c ria nç a , fo rne c id o s p e lo p ro fe sso r d e c la sse , p e lo s p a is e tc ., tud o isso d e vid a me nte c o ntro la d o p e lo p e sso a l té c nic o d o Se rviç o . (Ra mo s a p ud A. LIMA, 2006, p . 9).
1 4 O p ro fe sso r C a rlo s Mo na rc ha , d a Fa c uld a d e d e Filo so fia e C iê nc ia s d a Unive rsid a d e
Esta d ua l Pa ulista , é a uto r d a mo no g ra fia g a nha d o ra d o “ Prê mio Lo ure nç o Filho ” , c o nfe rid o p e la Ac a d e mia Bra sile ira d e Ed uc a ç ã o , intitula d a Lo ure nç o Filho e a o rg a niza ç ã o d a p sic o lo g ia a p lic a d a à e d uc a ç ã o (Sã o Pa ulo , 1922-1933)à q ua l fa ç o
O “ m ovim ento dos testes” na escola, segundo Monarcha (2001, p.
15), “ visava ao aperfeiçoam ento das técnicas de diagnose e predição
m ediante utilização de provas breves e objetivas na form a de questionários
passíveis de aplicação em larga escala”. Assim , os testes perm itiam a
form ação de classes hom ogêneas, classes especiais de “ ret ardados” e de
“ bem - dotados” de inteligência.
A Psicologia passou a ter m aior influência na educação a partir da
intensificação das lutas pelo ensino público. Foi quando surgiram as
Reform as Educacionais Estaduais (início do século XX), porque não havia
ainda um sistem a nacional organizado de educação pública. As reformas
seguiram fundam entalm ente os princípios da Escola Nova e estabeleceram
as bases das Escolas de Aperfeiçoam ento e dos Laboratórios de Psicologia
Experim ental, tendo a Psicologia com o apoio para a prática pedagógica,
visando, de algum a form a, a tornar a prática pedagógica m ais "racional" e
m ais "experim ental", portanto, m ais "científica".
Nesse quadro, os testes de inteligência ganhavam im portância e
eram vistos com o instrum ento científico que perm itiria não só diagnosticar,
m as tam bém prever e, portanto, controlar o com portam ento dos alunos nas
escolas. Foi nesse período, assinala Jannuzzi (2006), que a preocupação
com os aspectos intelectivos dos alunos teve os testes de inteligência com o
m eio de organizar as classes hom ogêneas. Lourenço Filho, em 19 28-1929,
desenvolveu as prim eiras provas dos “testes ABC” na Escola de
Lourenço Filho tam bém liderou o Laboratório de Psicologia do Estado
de São Paulo1 5 desem penhou um papel relevante em relação à educação do
diferent e. Do seu ponto de vista, segundo Monarcha (2001), a m edida
psicológica da inteligência devia ser efetuada rapidam ente e em condições
sim ples, por m eio de testes que perm itissem verificar o valor individual,
para a posterior classificação dos alunos em classes hom ogêneas. Lourenço
Filho orientava- se, principalm ente, pelos estudos produzidos por Édouard
Claparède, Alfred Binet, Theodore Sim on, Henri Piéron e outros psicólogos
envolvidos diretam ente ou não com o I nstituto Jean–Jacques Rousseau,
sediado em Genebra, dirigido por Claparède.
Em sua atuação com o chefe do laboratório paulista, com o salienta
Monarcha (2001), Lourenço Filho form ou um a equipe de colaboradores ativa
e coesa. Sua atividade experim ental foi im pulsionada tanto pelo
“m ovim ento dos testes”, quanto pela presença ativa no Brasil de psicólogos
de renom e, envolvidos com a difusão da Psicologia.
Na atm osfera cultural paulista, foi Henri Piéron, afirm a Monarcha
(2001), quem conferiu m aior visibilidade à Psicologia, m ediante entrevistas
concedidas aos jornais e a realização de conferências e trabalhos práticos
na Escola Norm al de São Paulo e Liceu de Artes e Ofícios (1925 -1927).
Assim , o “ m ovim ento dos testes” contou com a presença ativa de psicólogos
de renom e. As experiências realizadas em laboratórios deram legitim idade
científica à Psicologia perante a opinião pública e as autoridades
adm inistrativas, tornando-a um dos principais tem as do discurso oficial.
15 O La b o ra tó rio d e Psic o lo g ia d o Esta d o d e Sã o Pa ulo surg iu e m 1909. No e nta nto , fo i
Lourenço Filho e seus colaboradores desenvolveram estudos
experim entais, cuj os resultados foram divulgados nas seções de
com unicações da Sociedade de Educação de São Paulo com a finalidade de
“ ... sensibilizar o m agistério, as autoridades adm inistrativas e a opinião
pública sobre as vantagens da aplicação da psicologia objetiva na
problem ática escolar” ( MONARCHA, 2001, p.28). Esse é um dos aspectos
que evidencia a presença do “ espírito científico” na Educação. Em relação a
esta últim a, Lourenço Filho tornou- se um a das principais expressões das
idéias, em ascensão, do program a da Escola Nova, tendo com o referência,
principalm ente, Dewey, Montessori e Décroly.
Minas Gerais, por sua vez, foi um Estado brasileiro considerado
historicam ente pioneiro de inovações pedagógicas. Segundo Prates (1990 ),
Francisco Cam pos, Secret ário do I nt erior durant e o governo de Antônio
Carlos (1926 -1932), pretendeu fazer da educação prim ária em Minas Gerais
o seu m ais im portante instrum ento de form ação e socialização das futuras
gerações, no sentido de torná- las “elem entos urbanos, ordeiros, racionais e
produtivos” (p.70) .
O m ovim ento da escola renovada, do qual Francisco Cam pos era um
destacado expoente, voltava- se para o questionam ento da cham ada escola
“tradicional” e propunha com o base de estudo a Psicologia e Biologia, um a
nova form a de conhecer e tratar a criança, nas técnicas e m étodos de
ensino. Essa foi a perspectiva que guiou Francisco Cam pos na condução da
Reform a do Ensino Prim ário no Estado de Minas Gerais, realizada de form a
autoritária (Decreto nº . 7970 de 15 de outubro de 1927) . Suas ações foram
do Program a do Ensino Prim ário e criação de um Curso Norm al Pós- Médio,
ao qual foi dado o nom e de Escola de Aperfeiçoam ento (PRATES, 1990 ).
Ainda que im plem entada autoritariam ente, a Reform a do Ensino
Prim ário teve grande abrangência. Ela representou um a tentativa de
considerar o educando do ponto de vista físico, m oral e intelectual
(JANNUZZI 2006). Além disso, acrescenta Jannuzzi, a Reform a procurou
cuidar da escola com o local de instrução intelectual, assegurada por um a
m etodologia eficiente, e tam bém previu organizações extra- escolares,
serviços m édicos e odontológicos, organizações cívicas, etc., bem com o a
inclusão do especialista m édico, da enferm eira e do dentista dentro da
escola. A autora m ostra que essa abrangência do decreto levou a um a
concepção am pla de escola porque:
...a própria concepção ampla de escola poderia ter sido um meio de assegurar estabilidade e paz sociais, já que atingia os pais e a comunidade por meio de palestras, associações cívicas, clubes etc., divulgando assim o modo de pensar que se procurava veicular na escola. Assim, esta escola, que vai ser expandida principalmente no meio urbano, vai tentar alcançar todos os setores, ou pelo menos era essa sua intenção (p. 112).
Quanto à Escola de Aperfeiçoam ento, esta procurou concretizar a
preocupação do governo do Estado de Minas Gerais com a form ação
técnica, especializada de professores, com o form a de garantir o êxito das
m odernizações propostas para o ensino prim ário.
Ao abrir a referida Escola, Francisco Cam pos trouxe da Europa um
grupo de psicólogos- professores, em m arço de 1929. Dentre eles, se
encontrava o colaborador direto de Binet na elaboração da escala m étrica
de inteligência, Theodore Sim on, professor da Universidade de Paris e
e Artus Perrelet, do I nstituto Jean–Jacques Rousseau; Jeanne Louise Milde,
professora da Academ ia de Belas Artes de Bruxelas. Meses depois, em
agosto, para substituir Leon Walter, Francisco Cam pos trouxe a russa
Helena Antipoff, colaboradora de Claparède, tam bém do I nstituto Jean–
Jacques Rousseau, para dirigir o Laboratório de Psicologia da escola de
aperfeiçoam ento, onde tam bém lecionou (JANNUZZI , 2006, p. 113).
O trabalho desenvolvido por Helena Antipoff está diretam ente
relacionado ao objeto de estudo desta pesquisa, visto que a referida
psicóloga e educadora russa foi convidada a atuar em Minas Gerais para
fazer cum prir os objetivos que nortearam a Reform a do Ensino Prim ário no
Estado. No cum prim ento de suas atividades, Helena Antipoff propôs um a
m etodologia para a educação da criança excepcional1 6, um a vez que a referida Reform a propunha que, a partir do estudo de cada criança
(inspirado nos princípios da Esco la Nova), fossem criadas classes
hom ogêneas, incluindo classes especiais para aquelas que apresentassem
um “ retardam ento ” , ou seja, um a “anorm alidade” em relação às dem ais.
Cam pos (1980) m ostra que o trabalho de Helena Antipoff em Belo
Horizonte pode ser estudado a partir de duas vertentes. De um lado, já
m encionada anteriorm ente, com o professora da Escola de Aperfeiçoam ento
e organizadora do Laboratório de Psicologia e do Museu da Criança, onde
seu trabalho consistiu na form ação de pessoal capacitado para atuar de
1 6 Ne ste e stud o , q ua nd o me re fe rir à Ed uc a ç ã o Esp e c ia l e m Mina s G e ra is na d é c a d a
d e trinta , utiliza re i o te rmo “ a luno s e xc e p c io na is”, q ue fo i intro d uzid o no Bra sil p e la
e d uc a d o ra e p sic ó lo g a He le na Antip o ff, ne sta é p o c a , a p a rtir d o se u tra b a lho d e se nvo lvid o na Esc o la d e Ap e rfe iç o a me nto e no la b o ra tó rio d e Psic o lo g ia Exp e rime nta l no Esta d o . O te rmo fo i utiliza d o no lug a r d e “ re ta rd a d o ”p a ra se re fe rir à s c ria nç a s c ujo s re sulta d o s no s te ste s a fa sta va m -se d a zo na d e no rma lid a d e , o u se ja , o s “ a no rma is”, o q ue se justific a va , se g und o e la , p o r e vita r a e stig ma tiza ç ã o , e ta mb é m
acordo com os princípios da Escola Nova e na pesquisa das características
psicológicas das crianças locais. De outro, guiada pelo seu interesse pela
questão dos excepcionais, dedicou- se a um a série de atividades em caráter
privado, com o a criação da Sociedade Pestalozzi de Minas Gerais1 7 e da
Escola para Excepcionais da Fazenda do Rosário, entidades que se
caracterizaram pela preocupação com a educação dos “ sub- dot ados”, com a
educação rural e com o problem a dos m enores abandonados.
Analisando o t rabalho desenvolvido por Helena Antipoff, Jannuzzi
( 1992) considera que era perceptível a sua dificuldade em fazer um a
conceituação precisa das crianças que chegavam à escola com um e que se
diferenciavam da m aioria porque não conseguiam acom panhar as classes
com uns. Segundo a autora, Antipoff constatou que essas crianças
(...) mesclavam dificuldades de aprendizagem com comportamentos, às vezes, agressivos ou altamente irrequietos, e/ou apáticos, e/ou neuroses não muito pronunciadas e etc. Seria toda uma gama de crianças que se situavam entre as aceitas como normais, porque dentro das expectativas escolares, pois de uma
forma ou de outra, às vezes mais, às vezes menos, se coadunavam com as normas da escola; e aquelas que não chegavam até ela, porque mesmo sem diagnóstico médico ou psicológico, isto é, sem a sanção do especialista, já eram afastadas pelo senso comum familiar, aprendido no cotidiano de uma sociedade que as rejeitava (JANNUZZI, 1992, p. 81).
A im precisão do diagnóstico de Antipoff e a sua proposição de
introduzir um a m etodologia para a educação da criança excepcional
m ostraram que a inadaptação da criança aos parâm etros da escola poderia
ser de origem orgânica ( “ faculdades inatas” ) e/ ou social ( “ faculdades
adquiridas”).
1 7 A So c ie d a d e Pe sta lo zzi fo i a p rime ira a sso c ia ç ã o c ria d a e m Be lo Ho rizo nte - MG , no
a no d e 1932, p a ra c uid a r d a e d uc a ç ã o d o e xc e p c io na l. Em 1935, fo i fund a d o o
Assim , nos anos de 1930, a Reform a educacional im plem entada por
Francisco Cam pos no Estado de Minas Gerais viabilizou o m ovim ento de
constituição da Educação Especial destinada aos alunos excepcionais, no
sistem a público de ensino do Estado, de form a paralela ao da educação
com um .
Na década de 1930, portanto, a Educação Especial orientou- se na
perspectiva de um a estrutura escolar adm inistrativa e m etodologicam ente
diferenciada (JANNUZZI , 2006). A proposta educacional então defendida se
baseava no pressuposto de que o aluno era “ anorm al” por causas
fundam entalm ente orgânicas, que se produziam no início de seu
desenvolvim ento e cuja m odificação posterior era difícil. Portanto, era
necessário um diagnóstico preciso da condição intelectiva do aluno
( MARCHESI , 2004) . Por isso, generaliz aram- se os testes de inteligência,
cuj o obj etivo principal foi o de situar os alunos em um determ inado nível de
“ norm alidade” e/ ou de “anorm alidade”, além de diagnosticar em qual deles
situava- se o aluno, possibilitando saber em que escola ou classe escolar
deveria estudar.
Ainda naquele período foi difundida a idéia de que era necessário
escolarizar os alunos em classes hom ogêneas1 8
, de acordo com os níveis de
inteligência. As classes hom ogêneas eram entendidas com o facilitadoras do
ensino e da aprendizagem . A perspectiva de que elas poderiam ser a
m elhor alternativa para os alunos “ anorm ais” , porque ofereciam um ensino
diferente, com professores especializados e recursos específicos, favoreceu
1 8 As c la sse s ho mo g ê ne a s re p re se nta va m o a g rup a me nto d a s c ria nç a s, se g und o o
a organização da Educação Especial em um sistem a de ensino paralelo ao
da educação com um .
A partir do que foi exposto, levantam os algum as questões que
requerem um a reflexão conceitual: com o com preender o processo de
dem ocratização da escola neste contexto? Com o estabelecer relações entre
o processo de dem ocratização da escola pública, verificado a partir do final
do século XI X, a im plantação do program a da Escola Nova e a questão da
seleção dos alunos baseada no discurso das apt idões nat urais? Com o
com preender a questão dos “anorm ais” na escola? Esses são problem as
Ca pít u lo I I
A Dem ocra t iza çã o da Escola Pública e
a Quest ã o da s
Apt idõe s N a t ur a is
Vim os no prim eiro capítulo que, nos anos de 1930, a organização da
Educação Especial no sistem a público de ensino dos Estados brasileiros e,
especificam ente em Minas Gerais, esteve relacionada ao processo de
expansão e dem ocratização da escola pública no país e à difusão do
program a da Escola Nova.
Neste segundo capítulo , o nosso objetivo é o de exam inar a relação
entre o processo de dem ocratização da escola pública, verificado a partir do
final do século XI X, a im plantação do program a da Escola Nova e a questão
da seleção1 9 dos alunos, baseada no discurso das
apt idões nat urais.
Pretendem os, ao exam inar essa relação, responder à seguinte questão: por
que ocorreu a seleção dos alunos baseada no discurso das apt idões nat urais
1 9 Po r to d a a p a rte , no fina l d o sé c ulo XIX, o b je tiva nd o c ria r uma so c ie d a d e ma is justa ,
justam ente no m om ento de dem ocratização e de defesa de um a escola
única e com um ?
Para tanto, desenvolvem os um a abordagem teórica em quatro
partes: na prim eira, abordam os a discussão em torno do Estado, a
sociedade civil e o conceito de hegem onia, com o objetivo de explicitar as
transform ações na relação entre o Estado m oderno e a sociedade civil,
ocorridas a partir de m eados do século XI X. Na segunda, tratam os do
debate sobre a relevância da escola pública, num a sociedade dividida em
classes, tendo em vista m ostrar que é na escola que acontece o confronto
entre projetos sociais e políticos distintos e, desse m odo, ela constitui um
espaço de disputas pela hegem onia. Já na terceira parte, discutim os a
dem ocratização da escola pública e o program a da Escola Nova, a partir do
conceito de t ransform ism o, o qual nos possibilita com preender as
contradições de um processo sim ultâneo de “ renovação ” e m anutenção do
“ tradicional” . Finalm ente, na quarta parte, tendo com o referência os
conceitos de hegem onia e t ransform ism o, tratam os da questão da seleção
dos alunos e das apt idões nat urais e de sua relação com o program a da
2 . 1 .
O Est ado, A Socie da de Civil e a H egem onia
Para exam inarm os a relação entre o processo de dem ocratização da
escola pública, a im plem entação do program a da Escola Nova e a questão
da seleção dos alunos, baseada no discurso das apt idões nat urais, torna-se
necessário com preender o significado e o papel que a escola desem penha
no Estado capitalista. Com esse obj etivo , procuram os nas reflexões de
Antonio Gram sci (1891- 1937) elem entos teóricos para nosso estudo. A
análise do autor sobre a educação e a escola foi bastante divulgada no
Brasil a partir da década de oitenta, quando foi intensificado no país o
debate sobre a dem ocratização da escola. Ent ão, as idéias de Gram sci
adquiriram grande im portância, cham ando a atenção dos educadores de
esquerda, que passaram a adotá- las com o referência para a discussão dos
elem entos que poderiam fundam entar um a visão socialista da educação.
Consideram os, portanto, que as reflexões teóricas de Gram sci sobre a
escola são as que m ais nos ajudam a responder à questão proposta no
início deste capítulo , ist o é, por que ocorreu a seleção dos alunos baseada
no discurso das apt idões nat urais justam ente no m om ento de
dem ocratização e de defesa de um a escola única e com um ?
Escolhem os o pensam ento de Gram sci com o referencial teórico
devido à atualidade de suas reflexões2 0. No entanto, para com preenderm os
2 0 A e sse re sp e ito , é sig nific a tiva a a firma ç ã o d e C a rlo s Ne lso n C o utinho (1997)
a concepção gram sciana, torna-se necessário acom panhar o seu percurso
teórico na análise do Estado. Essa necessidade deve- se ao fato de que,
segundo Magrone (2006), as abordagens que recorreram à m atriz de
interpretação gram sciana para com preender as práticas educacionais,
m uitas vezes, acabaram por se restringir aos escritos dele sobre a escola. E
isso fez com que Gram sci fosse lido pelos educadores brasileiros sem um a
discussão política, sendo entendido com o “um pedagogo, em penhado em
deslindar possibilidades para integrar form ação geral e form ação para o
trabalho, nos lim ites do chão da escola” (MAGRONE, 2006, p.354).
Para não levar as contribuições teóricas de Gram sci ao reducionism o
que tem predom inando na educação brasileira, seguirem os, por sugestão de
Dore Soares, a trajetória lógica e histórica seguida pelo pensador italiano ao
exam inar a relação entre estrutura e superestrutura, sociedade política e
sociedade civil.
Gram sci tinha com o propósito apreender a realidade econôm ica,
social e política da sua época, a fim de form ular, de m odo apropriado, um a
estratégia de luta para a classe trabalhadora. Nesse sentido, ele realizou
um estudo profundo do m arxism o, procurando renovar a sua capacidade de
interpretar as questões sociais.
Ao analisar as teorias políticas de sua época, Gram sci se defrontou
com a que ficou conhecida com o econom icism o2 1, que atravessava quase
todo pensam ento m arxista, e m ostrou que ele m anifestava um dualism o
filosófico entre “ o pensam ento e o ser, a consciência e a existência, entre o
21
suj eito e o obj eto” ( DORE SOARES, 2000, p. 36) . Tal dualism o expressava,
em outras palavras, a abordagem m ecanicista, isto é, não dialética entre
econom ia e política. Para criticar esse dualism o, Gram sci tom a com o
referência as idéias de dois intelectuais que tiveram m uita im portância em
sua época. De um lado, o liberal Benedetto Croce, com o expressão do
idealism o. De outro, o socialista Nicolau Bukharin, cujas idéias se
aproxim avam do econom icism o.
Na posição de Croce, Gram sci critica a hipervalorização das idéias e
da cultura em detrim ento das transform ações estruturais, econôm icas. Na
posição de Bukharin, m ostra ocorrer o contrário. A econom ia é elevada a
categoria determ inante do processo histórico, em detrim ento da cultura. O
fato de não se conseguir superar esse dualism o na análise da realidade era
o que levava, de um lado, a posições de caráter idealista (superestrutura)
e, de outro, de caráter objetivista (estrutura). Para superar essas posições
dualistas, Gram sci procurou recuperar do m arxism o um a análise dialética
da relação entre estrutura e superestrutura:
Instigado pelo esquematismo das proposições acerca da relação entre estrutura e superestrutura – principalmente para responder à critica dos intelectuais neo-idealistas – Gramsci procura superá-lo, através de uma releitura das obras de Marx, nas quais o problema é examinado de forma dialética. A partir daí, ele analisa a identidade e distinção entre conceito e real, redimensionando a relação entre estrutura e superestrutura, entre sociedade política e sociedade civil. Demonstrando que o “marxismo” economicista e o neo-idealismo se mantinham presos a uma ótica dualista do vínculo entre economia e política, o autor elabora novos conceitos para ex pressar a relação dialética entre estrutura e superestrutura (DORE SOARES, 2000, p. 37).
Criticando as duas abordagens unilaterais, Gram sci m ostrou que não
capaz de apreender a relação dialética entre essas duas esferas seria o de
bloco histórico: um a relação contraditória e discordante entre estrutura e
superestrutura. Ao afirm ar que a estrutura e superestrutura form am um
bloco histórico, Gram sci m ostra que o conjunto com plexo das
superestruturas é o reflexo do conjunto das relações sociais de produção,
ou sej a, da estrutura.
Segundo Magrone (2006, p. 361), a noção de bloco histórico pode ser
definida com o “sendo um a situação histórica global, na qual um a classe
fundam ental, dom inando um a estrutura social particular, desenvolve
progressivam ente um a superestrutura” .
Ainda em relação ao conceito de bloco histórico, Dore Soares (2000)
m ostra que ele nos possibilita distinguir m etodologicam ente a estrutura da
superestrutura, porque, para apreender a realidade, que é o m ovim ento
histórico e dialético das relações entre estrutura e superestrutura, é preciso
form ular conceitos. No entanto, com o o próprio Gram sci ressaltou, o
conceito é um a dim ensão da consciência, é um a questão m etodológica. E o
problem a da relação entre estrutura e superestrutura, que é um a dinâm ica
contraditória entre existência e consciência, não pode ser resolvido apenas
do ponto de vista m etodológico, isto é, no âm bito da consciência. Os
vínculos discordantes e contraditórios entre consciência e existência só
poderiam ter um a solução histórica, ou seja, é no m ovim ento da história
que existência e consciência se unificam , estrutura e superestrutura se
tornam identificadas na história, no m ovim ento que funde ação e idéia,