DISTÚRBIOS PSÍQUICOS NA NEUROCISTICERCOSE
EM CRIANÇAS
ANTONIO B . LEFÈVRE*; A R O N J. D I A M E N T * * ; MARIA I . V A L E N T E * *
A neurocisticercose tem sido objeto de numerosos trabalhos por parte
de escola neurológica de São Paulo (Brasil). Aspectos clínicos (Brotto,
1947; Canelas, 1962), cirúrgicos (Forjaz e Martinez, 1961; Almeida e col.,
1966), formas menos comuns (Canelas e col., 1962 e 1963), aspectos
psi-quiátricos (Silveira e col., 1960), aspectos liquóricos (Spina-França, 1961 e
1962), aspectos eletroforáticos (Spina-França, 1960), aspectos
eletrencefalo-gráficos (Longo e col., 1959) e aspectos terapêuticos (Caetano Silva Jr.,
1951) foram estudados de tal maneira, que hoje já se acumulou grande
experiência nos diversos setores em que pode ser estudada esta
neuro-parasitose.
A análise da casustica de neurocisticercose do Departamento de
Neuro-logia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, revela
ele-vada incidência na primeira década, demonstrando que as crianças também
pagam elevado tributo ao subdesenvolvimento, conforme sentencia Canelas
(1962) ao verificar que 19,6% (54 casos) dos pacientes estudados neste
De-partamento tinham menos de 10 anos de idade. O presente trabalho visa a
apresentar as observações clínicas de 6 crianças, do sexo feminino, com 6
a 9 anos de idade, selecionadas do referido grupo de 54 casos observados
na primeira década. Estas crianças apresentavam sérios distúrbios na
es-fera psíquica, com características especiais, uma vez que seu quadro mental
era diverso daquele freqüentemente observado nesta parasitose, ou seja,
uma decadência mental global.
C A S U Í S T I C A
CASO 1 — V . C. P., 8 anos de idade, sexo feminino, b r a n c a , procedente de A r a -g u a r i , M i n a s Gerais, i n t e r n a d a em 6-9-1968 ( R . G . 527.806). E m setembro de 1957 a paciente começou a a p r e s e n t a r cefaléias e convulsões a d v e r s i v a s no hemicorpo direito. A s crises f o r a m se t o r n a n d o p r o g r e s s i v a m e n t e mais freqüentes e sua loca-lização v a r i a d a : e r a m clónicas, atingindo o r a o hemicorpo direito, o r a o esquerdo, ou então a m b o s os lados; concomitantemente, passou a ter deficit de visão
assi-T r a b a l h o a p r e s e n t a d o a o V C o n g r e s s o L a t i n o a m e r i c a n o d e P s i q u i a t r i a ( B o g o t á , Colombia, 24 a 30 N o v e m b r o 1 9 6 8 ) .
métrico e, a o ser internada, a p r e s e n t a v a a m a u r o s e em O D . Antecedentes — N a d a d i g n o de nota; sem teníase pessoal ou f a m i l i a r . Exame clíniconeurológico — N e -n h u m disturbio ou si-ntoma -neurológico. O e x a m e oftalmoscópico mostrou á r e a e s b r a n q u i ç a d a no setor nasal superior d a retina direita, sugerindo a presença de cisticerco i n t r a - o c u l a r ; no olho esquerdo h a v i a p a p i l e d e m a de 2 dioptrías. Exames subsidiários — Radiografias ão crânio: sinais de hipertensão i n t r a c r a n i a n a ( H . I . C . ) ; ausência de calcificações. Eletrencefalograma: a n o r m a l i d a d e difusa contínua, por ondas 2,5 a 4 c/s ( d e l t a ) , de a m p l i t u d e e l e v a d a , predominando à esquerda, prin-cipalmente n a r e g i ã o frontal, onde t a m b é m se e v i d e n c i a r a m ondas "sharp" inter-c a l a d a s inter-com ondas lentas. Reação de Weinberg no sangue: n e g a t i v a . Exames do liqüido céfalorraqueano ( L . C . R . ) — E m 21-8-1968: P u n ç ã o sub-occipital; liqüido
límpido e incolor; 53 células por m m3
(80% linfócitos, 10% monócitos, 5% neutrófilos, 5% eosinófilos); 74 mg% de proteínas totais; reações de P a n d y e N o n n e -A p e l t fortemente positivas; r e a ç ã o do b e n j o i m coloidal: 12222.22221.00000.0; r e a ç ã o de T a k a t a - A r a fortemente positiva, tipo floculante; reações de W a s s e r m a n n e de Steinfeld negativas; r e a ç ã o de W e i n b e r g fortemente positiva com 1,0 ml. D u r a n t e o período em que a paciente esteve internada f o r a m feitos 5 outros exames de L . C . R . , com resultados praticamente idênticos.
Evolução — A paciente ficou internada d u r a n t e 3 meses, d u r a n t e os quais foi medicada com anti-convulsivos e sulfamidas, tendo tido a l t a em 30-12-1958. Dez dias após foi reinternada p o r ter apresentado crises de a g i t a ç ã o psicomotora, cefaléias freqüentes e intensas e alucinações visuais caracterizadas por zoopsias. T r a -t a d a com an-ticonvulsivos, cor-ticos-teróides ( O m c i l o n ) , an-tiedema-tosos ( D i a m o x ) e s u l f a m i d a s ( G a n t r i s i n e S u l f a d i a z i n a ) , M e l h o r o u e teve alta em 11-2-1958, sem queixas, a p r e s e n t a n d o apenas a a m a u r o s e em O D . N ã o voltou p a r a controle de a m b u l a t ó r i o .
CASO 2 — V . L . M . , 7 anos de idade, sexo feminino, p a r d a , procedente de M a r í lia, São P a u l o , internada em 10101958 ( R . G . 516.943). E m maio de 1958 a p r e -sentou q u a d r o a g u d o caracterizado por tonturas, náuseas e, logo em seguida, deficit de visão em O E . N o terceiro dia teve convulsão com características não especifi-cadas. Desde agosto de 1958 passou a ter crises de a g i t a ç ã o psicomotora m a l caracterizadas, a c o m p a n h a d a s de alucinações visuais em q u e v i a animais e pessoas estranhas, o q u e a d e i x a v a a p a v o r a d a . A contactuação foi se reduzindo parcial e progressivamente; h o u v e t a m b é m r e d u ç ã o progressiva d a acuidade visual, m a i o r à esquerda, até a cegueira, em o u t u b r o de 1958. Antecedentes — N a d a digno de nota; sem teníase pessoal ou f a m i l i a r . Exame clínico-neurológico — A g i t a ç ã o psi-comotora com hipercinesias m a l caracterizadas; incoordenação estático-cinética; preensão r e f l e x a nas mãos; sucção reflexa, com v o r a c i d a d e ; edema discreto e b i l a -teral das papilas. Exames subsidiários — Radiografias do crânio: sinais de H . I . C . ; sem calcificações. Eletrencefalograma: a n o r m a l i d a d e difusa contínua, por ondas delta de a m p l i t u d e e l e v a d a (1,5 a 3 c / s ) . Reação de Weinberg no sangue: positiva. Exames de L.C.R. — O primeiro e x a m e (14-11-1958), em punção suboccipital foi hipertenso e levemente h e m o r r á g i c o , sem hipercitose e reações p a r a sífilis e cisti-cercose n e g a t i v a s . O segundo L . C . R . , realizado em 20-11-1968, em punção
subocci-pital, foi límpido e incolor; 21 células por m m3
(80% linfócitos, 15% monócitos, 3% neutrófilos, 2% eosinófilos); 60 mg% de proteínas totais; reações de P a n d y e N o n n e fortemente positivas; r e a ç ã o do b e n j o i m coloidal: 12222.12221.00000.0; r e a ção de T a k a t a A r a positiva, de tipo misto; reações de W a s s e r m a n n e Steinfeld n e g a -tivas; r e a ç ã o de W e i n b e r g fortemente positiva com 0,5 ml. D u r a n t e a internação realizou mais 8 exames de L . C . R . todos praticamente semelhantes ao segundo.
C A S O 3 — B . S., 6 anos de idade, sexo feminino, b r a n c a , procedente de M a r t i -nópolis, S ã o P a u l o , i n t e r n a d a em 6-11-1958 ( R . G . 517.738). P a s s a v a b e m até m a i o de 1958 quando, após "uma gripe", começou a e m a g r e c e r e a a p r e s e n t a r soñolen-cia e sensação de f r a q u e z a g e r a l ; essa sintomatologia d u r o u 3 meses, seguindo-se 10 dias de a c a l m i a . A seguir, a criança passou a ter diminuição d a a c u i d a d e v i s u a l e períodos de a g i t a ç ã o , intercalados com períodos de soñolencia. A l g u m t e m p o antes d a i n t e r n a ç ã o passou a ter alucinações visuais em que v i a b o r b o l e t a s e outros a n i m a i s ( n ã o refere q u a i s ) ; o início destas alucinações coincidiu mais ou menos, com a diminuição d a visão. Antecedentes — N a d a d i g n o de nota; sem te-níase pessoal ou f a m i l i a r . Exame clínico-neurológico — Q u a d r o de a g i t a ç ã o psicomotora. O e x a m e oftalmoscópico mostrou a t r o f i a pósedema das papilas, b i l a t e -r a l m e n t e . Exames subsidiá-rios — Radiog-rafias do c-rânio: sinais de H . I . C . ; sem calcificações. Eletrence)'alograma: n o r m a l , d u r a n t e o sono Exame parasitológico das fezes: ovos de Taenia sp. Reação de Weinberg no sangue: n ã o efetuada. Exames de L.C.R. — E m 10-11-1958: P u n ç ã o suboccipital; liqüido límpido e
in-color; 15 células por m m3
(85% linfócitos, 10% monócitos, 2% neutrófilos, 3% eosinófilos); 30 mg% de proteínas totais; 56 mg% de glicose; 680 m g % de clore-tos; r e a ç ã o de T a k a t a - A r a fortemente positiva, de tipo fluoculante; r e a ç ã o do benj o i m coloidal: 22222.22210.00000.0; r e a ç ã o de W a s s e r m a n n n e g a t i v a ; r e a ç ã o de W e i n -b e r g fortemente positiva com 1,0 ml. R e a l i z o u mais dois e x a m e s de L . C . R . que d e r a m resultados semelhantes. O último L . C . R . , realizado e m 2-2-1959, mostrou-se n o r m a l q u a n t o à citología e proteínas, m a s a r e a ç ã o de W e i n b e r g a i n d a e r a positiva. Evolução — T r a t a d a com s u l f a m i d a s ( G a n t r i z i n , L e n t o s u l f i n a , S u l f a d i a z i n a ) e corticosteróides ( O m c i l o n ) melhorou do q u a d r o de a g i t a ç ã o e soñolencia e, a o ter a l t a em 7-2-1959, a p r e s e n t a v a apenas a m a u r o s e bilateral.
CASO 4 — J. M . , 9 anos de idade, sexo feminino, b r a n c a , procedente de Conchas, São P a u l o , internada e m 4-4-1959 ( R . G . 552.086). P a s s a v a b e m até o u t u b r o de 1958, q u a n d o passou a ter cefaléia e vômitos q u e c o n t i n u a r a m a se repetir em crises, com freqüência e intensidade v a r i á v e i s ; q u a n d o muito intensas, e r a m segui-das de crise G r a n d e M a l , g e r a l m e n t e de c u r t a d u r a ç ã o . E m f e v e r e i r o 1959, passou a ter deficit progressivo de visão e, às vezes, sensação de escurecimento das vis-tas, a c o m p a n h a d a de alucinações visuais constituídas por zoopsias, que desenca-d e a v a m v e r desenca-d a desenca-d e i r a s crises desenca-de a g i t a ç ã o psicomotora. Antecedesenca-dentes — N a desenca-d a desenca-digno de nota; sem teníase pessoal ou f a m i l i r . Exme clínico-neurológico — O e x a m e neurológico foi n o r m a l , mas, o e x a m e oftalmoscópico m o s t r a v a a t r o f i a b i l a t e r a l de papila, pós-edema. Exames subsidiários — R a d i o g r a f i a s de crânio: sinais de H . I . C . ; sem calcificações. Eletrence)'alograma: t r a ç a d o a n o r m a l m e n t e lento p a r a a idade: ondas 4-5 c/s, difusas. Reação de Weinberg no sangue: positiva. Exames de L C R — E m 2-5-1959: P u n ç ã o suboccipital; liqüido límpido e incolor; 16 cé-l u cé-l a s por m m3
(57% linfócitos, 14% monócitos, 4% neutrófilos, 25% eosinófilos); 40 mg% de proteínas totais; reações de P a n d y e N o n n e - A p e l t fortemente positivas; r e a ç ã o de T a k a t a A r a positiva, de tipo floculante; r e a ç ã o de W a s s e r m a n n n e g a -tiva; r e a ç ã o de W e i n b e r g fortemente positiva com 0,5 ml. Realizou, d u r a n t e a in-ternação, mais 2 e x a m e s de L . C . R . , cujos resultados f o r a m praticamente idênticos ao primeiro.
Evolução — T r a t a d a inicialmente com s u l f a m i d a de a ç ã o lenta, corticóide e anticonvulsivos; depois, com S u l f a d i a z i n a e anticonvulsivos; teve a l t a em 8-6-1959 sem sintomas, a n ã o ser a a m a u r o s e , a p e s a r do L . C . R . ter continuado a n o r m a l por l o n g o tempo.
alucinacões visuais e r a m c a r a c t e r i z a d a s por visão de pessoas e animais que a assus-t a v a m ; freqüenassus-temenassus-te a pacienassus-te f u g i a p r o c u r a n d o e s c a p a r a assus-tais visões; essas alucinacões c o n t i n u a r a m se repetindo mesmo q u a n d o a paciente j á e s t a v a comple-tamente a m a u r ó t i c a . A p a r t i r de fevereiro de 1948 a criança foi entrando em torpor; a p a r t i r de a b r i l de 1948 passou a ter cefaléias. Antecedentes: N a d a d i g n o de n o t a : sem antecedentes pessoais ou f a m i l i a r e s de teníase. Exame clínico-neuro-lógico — a m a u r o s e ; deficit de contactuação; carência de iniciativa muito acen-t u a d a ; disfasia misacen-ta; sem p a r a l i s i a s nem assimeacen-trias. O e x a m e ofacen-talmoscópico mostrou atrofia de p a p i l a pós-edema, bilateral mente. Exames subsidiários — Ra-diografias do crânio: sinais de H . I . C . ; sem calcificações. Exame de L.C.R. — E m 11-8-1948: P u n ç ã o suboccipital; l i q ü i d o límpido e incolor; 61,3 células por m ma
(68% linfócitos, 8% monócitos, 2% neutrófilos, 22% eosinófilos); 50 mg% de p r o -teínas totais; 700 m g % de cloretos; 49 m g % de glicose; reações de P a n d y e N o n n e A p e l t fortemente positivas; r e a ç ã o de T a k a t a A r a positiva, de tipo f l o c u l a n -te; r e a ç ã o do b e n j o i m coloidal: 22222.22222.21000.0; reações de W a s s e r m a n n e Steinfeld n e g a t i v a s ; r e a ç ã o d e W e i n b e r g fortemente positiva com 1,0 ml. Pneumo-ventriculografia: discreta d i l a t a ç ã o simétrica do sistema v e n t r i c u l a r .
Evolução — T r a t a d a com s u l f a m i d a ( A l b u c i d ) e Penicilina, m e l h o r o u p r o g r e s -sivamente: em 7-11-1948 teve a l t a com r e c u p e r a ç ã o psíquica, persistindo, porém, a a m a u r o s e .
CASO 6 — B . A . B . S., 8 anos de idade, sexo feminino, b r a n c a , procedente d e A r u j á , São P a u l o , i n t e r n a d a em 27-4-1967 pela primeira vez e em 27-3-1968, pela s e g u n d a vez ( R . G . 836.621). P a s s a v a b e m até fevereiro de 1967, q u a n d o apresentou crise c o n v u l s i v a clónica n a hemicorpo direito, q u e d u r o u mais ou menos u m a hora, sem seqüelas aparentes imediatas; crise semelhante ocorreu 1 mês após. D e s d e então passou a ter alucinacões visuais que d u r a v a m 5 a 10 minutos e o c o r r i a m 5 a 6 vezes ao dia, em v i g í l i a ou d u r a n t e o sono; nessas crises v i a a n i -mais, ou os vizinhos a t i r a n d o pedras e animais contra o telhado de sua casa; estas alucinacões d e i x a v a m a paciente a g i t a d a e a m e d r o n t a d a e então, ela corria p a r a os f a m i l i a r e s à p r o c u r a de proteção. N o i n t e r v a l o entre as crises a p r e s e n t a v a comportamento n o r m a l , inicialmente; porém, com o p a s s a r do tempo foi modifi-cando o comportamento. Antecedentes —• Desde m a r ç o de 1967, passou a e l i m i n a r proglótides de tênia. Sem teníase entre os f a m i l i a r e s . Exame clínico-neurológico — Q u a d r o psíquico c a r a c t e r i z a d o p r i n c i p a l m e n t e p e l a s alucinacões visuais, e n t r e m e a das de períodos de a p a t i a . E x a m e neurológico n o r m a l e a oftalmoscopia foi n o r -m a l . Exa-mes subsidiários — Radiografias de crânio: n o r -m a l . Eletrencefalogra-ma: disritmia difusa contínua, constituída por o n d a s lentas delta e teta de v o l t a g e m m é d i a e e l e v a d a ; foco irritativo (espículas e ondas "sharp") n a r e g i ã o occipital esquerda. Pneumencefalograma: n o r m a l . Exames de L.C.R. — Eletroforese das proteínas: a u m e n t o d a s g a m a g l o b u l i n a s . E m 17-4-1967 p u n ç ã o suboccipital; liqüido levemente t u r v o e incolor; límpido e incolor após c e n t r i f u g a ç ã o ; 257 células por m m3
(58% linfócitos, 9% monócitos, 2% neutrófilos, 31% eosinófilos); 60 mg% d e proteínas totais; 710 m g % de cloretos; 44 m g % de glicose; reações d e P a n d y e N o n n e - A p e l t positivas; r e a ç ã o de T a k a t a - A r a positiva, de tipo floculante; reações de W a s s e r m a n n e Steinfeld n e g a t i v a s ; r e a ç ã o de W e i n b e r g positiva com 0,5 ml. D u r a n t e o periodo das duas internações a i n d a realizou mais 5 e x a m e s de L . C . R . , cujos resultados f o r a m semelhantes, e m b o r a a pleocitose tivesse v a r i a d o de 40 a 341 células por m m3
.
C O M E N T Á R I O S
Esta série de pacientes oferece alguns aspectos a serem analisados,
inclusive a curiosa coincidência de todos serem do sexo feminino, embora a
incidência total de neurocisticercose em crianças revele uma
preponderân-cia (54%) para o sexo masculino (Canelas, 1962). O quadro psiquiátrico
ofereceu alguns aspectos constantes: todas estas meninas apresentavam um
quadro de agitação psicomotora, com períodos de exacerbação, em geral
coincidentes com alucinações visuais terroríficas sob a forma de zoopsias.
Estas alucinações visuais eram especialmente dramáticas em 5 dos casos
em que havia grande deficit visual e mesmo amaurose total; as pacientes,
a despeito de reconhecerem a falta de visão, gritavam assustadas afirmando
ver bichos avançando sobre elas.
Nenhum dos casos permitiu exame psiquiátrico ou psicológico mais
detalhado durante a fase aguda, em virtude da agitação psicomotora. A
evolução foi relativamente satisfatória, tendo em vista o mau prognóstico
da neurocisticercose. Assim, é que, após o tratamento de rotina
(sulfamí-dicos, corticóides, anticonvulsivos e sedativos), apenas o caso 6 continuou
com quadro psiquiátrico grave, a ponto de precisar ser recolhido à uma
instituição especializada. Em todos os demais, os sintomas psiquiátricos
registrados por ocasião da internação, desapareceram.
Parece-nos importante o resultado obtido com a terapêutica; embora
o número de casos seja pequeno, a remissão do quadro clínico em 5 dos 6
pacientes merece registro. Aguardamos a ampliação da casuística bem como
a observação de casos semelhantes por outros autores para a confirmação
dos resultados aqui registrados. Desejamos deixar assinalado que na
litera-tura que pudemos compulsar não verificamos o registro de casos
semelhan-tes aos aqui apresentados.
R E S U M O
Os autores apresentam as observações clínicas de 6 casos de
neurocis-ticercose em crianças, todas do sexo feminino. De um total de 54 casos de
neurocisticercose em crianças, destacaram estes 6 nos quais havia, de
co-mum, o fato das pacientes apresentarem intensa agitação psicomotora, com
alucinações visuais terroríficas (zoopsias), sendo que 5 destas crianças
ha-viam perdido totalmente a visão, o que tornava o quadro ainda mais
dra-mático. As características clínicas destes casos são relatadas sendo
desta-cada a evolução relativamente satisfatória, tendo em vista o mau
prognós-tico da neurocisticercose.
S U M M A R Y
Psychic disturbances in children with neurocysticercosis
(zoopsias) and psichic disturbances. Five of the patients also had a total
loss of sight. The clinical characteristics of the patients are reported. The
relatively satisfactory response to treatment in 5 cases is commented.
R E F E R Ê N C I A S
1 . A L M E I D A , G . M . ; P E R E I R A , W . C. & F A C U R E , N . O. — V e n t r i c u l o - a u r i ¬ c u l o s t o m i a nos b l o q u e i o s a o t r â n s i t o d o l í q u i d o c e f a l o r r a q u e a n o na c i s t i c e r -c o s e e n -c e f á l i -c a . A r q . N e u r o - P s i q u i a t . ( S ã o P a u l o ) 24:169, 1966.
2 . B R O T T O , W . — A s p e c t o s n e u r o l ó g i r o s d a c i s t i c e r c o s e . A r q . N e u r o - P s i q u i a t . ( S ã o P a u l o ) 5:258, 1947.
3 . C A E T A N O S I L V A Jr., J. A . — C i s t i c e r c o s e c e r e b r a l . R e s u l t a d o s o b t i d o s c o m o t r a t a m e n t o s u l f a m i d i c o . A r q . N e u r o - P s i q u i a t . 9:43, 1951.
4 . C A N E L A S , H . — N e u r o c i s t i c e r c o s e : i n c i d ê n c i a , d i a g n ó s t i c o e f o r m a s c l í n i c a s . A r q . N e u r o - P s i q u i a t . ( S ã o P a u l o ) 2 0 : 1 , 1962.
5 . C A N E L A S , H . & R I C C I A R D I C R U Z , O . — F o r m a s c l í n i c a s p o u c o f r e q ü e n t e s d a n e u r o c i s t i c e r c o s e : F o r m a s h e m i p l é g i c a s . A r q . N e u r o - P s i q u i a t . ( S ã o P a u l o ) 20:89, 1962.
6 . C A N E L A S , H . M . ; R I C C I A R D I C R U Z , O . & T E N U T O , R . A . — F o r m a s c l í n i -cas p o u c o f r e q ü e n t e s d a n e u r o c i s t i c e r c o s e : F o r m a s d o â n g u l o p o n t o - c e r e b e l a r . A r q . N e u r o - P s i q u i a t . ( S ã o P a u l o ) 20:102, 1962.
7 . C A N E L A S , H . M . ; R I C C I A R D I C R U Z , O . & E S C A L A N T E , O . A . D . — C y s t i ¬ c e r c o s i s o f t h e n e r v o u s s y s t e m : less f r e q u e n t c l i n i c a l f o r m s : s p i n a l c o r d f o r m s . A r q . N e u r o - P s i q u i a t . ( S ã o P a u l o ) 21:77, 1963.
8 . F O R J A Z , S. V . & M a r t i n e z , M . — F o r m a s o b s t r u t i v a s d a n e u r o c i s t i c e r s o s e v e n -t r i c u l a r . A r q . N e u r o - P s i q u i a -t . ( S ã o P a u l o ) 19:16, 1961.
9 . L O N G O , P . W . ; P U P O , P . P . ; Z U K E R M A N , E . ; L O N G O , R . H . ; M O R E I R A , M . H . F . R . ; J O R D Y , C ; L I M A , J. G . C. & Z O R L I N I , G. — A s e p c t o s e l e t r e n ¬ c e f a l o g r á f i c o s d a c i s t i c e r c o s e e n c e f á l i c a A r q . N e u r o - P s i q u i a t . ( S ã o P a u l o ) 1 7 : 357, 1959.
1 0 . R I C C I A R D I C R U Z , O . — C o m p r e s s ã o r a d i c u l o m e d u l a r p o r c i s t i c e r c o : r e g i s t r o de d o i s casos c o m t r a t a m e n t o c i r ú r g i c o . A r q . N e u r o - P s i q u i a t . ( S ã o P a u l o ) 19:231, 1961.
1 1 . S I L V E I R A , A . ; R O B O R T E L L A , M . & M A F F E I , W . E . — Q u a d r o c l í n i c o d o l o b o o r b i t á r i o c o m crises c e r e b e l a r e s : c i s t i c e r c o s e r a c e m o s a d o â n g u l o p o n t o -c e r e b e l a r . A r q . N e u r o - P s i q u i a t . ( S ã o P a u l o ) 18:152, 1960.
1 2 . S P I N A - F R A N Ç A , A . — V a l o r d o e x a m e e l e t r o f o r é t i c o d a s p r o t e í n a s d o l í q u i d o c e f a l o r r a q u e a n o na c i s t i c e r c o s e d o s i s t e m a n e r v o s o c e n t r a l . A r q . N e u r o P s i -q u i a t . ( S ã o P a u l o ) 18:301, 1960.
1 3 . S P I N A F R A N Ç A , A . — S í n d r o m e l i q u ó r i c a d a n e u r o c i s t i c e r c o s e . A r q . N e u r o -P s i q u i a t . ( S ã o -P a u l o ) 19:307, 1961.
1 4 . S P I N A - F R A N Ç A , A . — A s p e c t o s b i o l ó g i c o s d a n e u r o c i s t i c e r c o s e : a l t e r a ç õ e s d o l í q u i d o c e f a l o r r a q u e a n o . A r q . N e u r o - P s i q u i a t . 20:17, 1962.