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A accountability no sistema antitruste brasileiro: as indefinições de seu desenvolvimento institucional

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Academic year: 2017

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FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS

ESCOLA DE ADMINISTRAÇÃO DE EMPRESAS

DANIEL STRAUSS

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A A CCOUNTABILITY NO SISTEMA ANTITRUSTE BRASILEIRO: as indefinições de seu desenvolvimento institucional

SÃO PAULO

2005 FGV-SP / BIBLIOTECA

(2)

DANIEL STRAUSS

A ACCOUNTABILITY NO SISTEMA ANTI TRUSTE BRASILEIRO:

as indefinições de seu desenvolvimento institucional

Dissertação apresentada à Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, como requisito para obtenção de título de Mestre em Administração Pública

Campo de conhecimento:

Transformações do Estado e Políticas Públicas Orientador: Prof. Dr. Fernando Luiz Abrucio

(3)

la de AdministraçAo de mpresas de sao Paulo Data N° de cィXAyiセL@ :

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(4)

Strauss, Daniel.

A accountability no sistema antitruste brasileiro: as indefinições do seu desenvolvimento institucional / Daniel Strauss. - 2005.

xxx f.

Orientador: Fernando Luiz Abrucio.

Dissertação (mestrado) - Escola de Administração de Empresas de São Paulo.

1. Concorrência. 2. Concorrência - Política governamental. 3. Concorrência - Brasil. 4.

Responsabilização. 5. Reforma do estado. 6. Democracia. 7. Poder judiciário e questões políticas. I. Abrucio, Fernando Luiz. lI. Dissertação (mestrado) - Escola de Administração de Empresas de São Paulo.

IH. Título.

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Dedico esse trabalho à minha esposa, Erika, aos meus pais, Celina e Eduardo,

e à minha avó, Annelise.

Dedicatória

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Agradecimentos

Agradeço a todos aqueles que me apoiaram nesta pesquisa.

Faço uma especial menção ao meu orientador Prof. Fernando L. Abrucio e aos Professores George A velino, Maria Rita Loureiro Durand, Marta F. Santos Farah e Peter K. Spink. Agradeço a esses professores pela formação intelectual que me proporcionaram e pela sua dedicação exemplar na busca da excelência no ensino e na pesquisa acadêmica.

Expresso aqui a minha gratidão por toda a força que recebi de minha doce esposa Érika, desde antes de começar o programa de mestrado.

(7)

RESUMO

A Dissertação procura fazer uma análise do desenvolvimento institucional da política de defesa da concorrência no Brasil, mostrando as indefinições que dificultam a responsabilização de sua burocracia, identificando inclusive que o sistema anti truste não é só composto por entidades do Poder Executivo, como também por juízes e membros do Ministério Público. Busca-se alertar para o fato de que a accountability não fez parte das agendas que promoveram o insulamento dos burocratas desse sistema. Com isso, pretende-se trazer uma reflexão sobre o significado e a urgente necessidade de democratização das instituições públicas responsáveis pela regulação e fiscalização das práticas de mercado.

PALAVRAS CRAVES

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ABSTRACT

This dissertation intends to analyze the institutionaI development of the Brazilian competition policy, showing the indeterminations which difficult the accountability of its bureaucracy, inclusive identifying that the antitrust system is not only composed by Executive's entities, but also by judges and members of Ministério Público (prosecutors). It alerts for the fact that accountability has not been making part of the agendas that have promoted the bureaucracies of this system. This analysis pretends to show the signification and the urgent need for democratization of the public institutions responsible for regulation and overseeing the market practi ces.

(9)

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica, autarquia vinculada ao Ministério da Justiça, responsável pelo julgamento de processos administrativos de condutas anti competitivas (ex.cartel) e atos de concentração econômica.

SDE - Secretaria de Direito Econômico, órgão da administração direta, vinculado ao Ministério da Justiça, responsável pelas investigações de condutas anti competitivas no Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, dentre outras funções.

SEAE - Secretaria de Acompanhamento Econômico, órgão da administração direta, vinculado ao Ministério da Fazenda, responsável pela expertise econômica no Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, dentre outras funções.

SBDC - Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, estabelecido pela Lei Federal 8884/1994, que compõe as seguintes entidades da administração pública: CADE, SDE e SEAE.

(10)

SUMÁRIO

INTRODUÇAO ... 04

CAPÍTULO 01 - A DISCUSSÃO TEÓRICA ... 11

1.1 Accountability e democracia ... 11

1.1.1 Modelo agent-principal ...... 12

1.1.2 Os custos de accountability: controles procedimentais e substantivos ... 13

1.1.2.1 Os custos de accountability: "alarme de incêndio" e "patrulha de poIícia" ... 15

1.1.3 Accountability no Presidencialismo Brasileiro ... 16

1.2 Democracia consensual, presidencialismo e as constituições rígidas: a politização da revisão judiciaL ... 18

1.2.1 A judicialização da política e a problemática da accountability e da legitimação do sistema judicial ... ; ... 20

1.2.2. Sistema Antitruste no Presidencialismo Brasileiro: choques entre as esferas judicial e administrativa ... 22

1.3 A linha teórica proposta e seu contexto na análise de políticas públicas ... 23

CAPÍTULO 02 - PRECEDENTES HISTÓRICOS DO SISTEMA BRASILEIRO DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA (SBDC) ... 28

2.1 A atual estrutura do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) ... .35

CAPÍTULO 03 - CONTROLES DEMOCRÁTICOS SOBRE O SBDC: O TIPO DE CONHECIMENTO E O SEU AMBIENTE ...•..•... 38

3.1. O tipo de conhecimento ... 38

3.2 O ambiente: as forças externas sobre o SBDC ... 42

CAPÍTULO 04 - O PODER JUDICIÁRIO E OS DESAFIOS PARA A ACCOUNTABILITYNO SISTEMA ANTITRUSTE ...•... 54

(11)

4.2. Mobilizadores do Sistema Judicial Antitruste: visão comparada com o sistema

norte-americano ... 56

4.3 Os descompassos do projeto SBDC com o sistema judicial brasileiro ... 62

4.4 Sobreposição de funções e demarcação de território ... 65

4.5 A estratégia das empresas na utilização do sistema judicial antitruste ... 70

4.6. Incentivos e restrições do controle judicial sobre as autoridades antitrustes ... 73

4.7 A duplicidade de papéis do Judiciário e as indefinições de accountability no sistema antitruste ... 75

CAPITULO 05 - MINISTÉRIO PÚBLICO: PARCERIAS E FRAGILIDADES INSTITUCIONAIS DO SBDC E AS REPERCUSSÕES PARA OS MECANISMOS DE ACCOUNTABILITYDO SISTEMA ANTITRUSTE ... 79

5.1 O indefinido papel do Ministério Público ... 79

5.1.1 A politização do Ministério Público ... : ... 79

5.2 O contexto da política de defesa da concorrência no processo de fortalecimento institucional do Ministério Público nos anos 1990 ... 83

5.3 A ampliação da atuação do Ministério Público nas esferas cível e penal e os mecanismos de investigação e negociação pré-processuais e extrajudiciais: como esses fatores fortalecem a posição do parquet na arena anti truste ... 84

5.4 A duplicidade de papéis do Ministério Público: o agente antitruste e o fiscal dos agentes antitrustes ... 91

5.4.1 Reflexões sobre o caso paradigmático da venda da Oi ... 92

5.5 Ministério Público e Secretaria de Direito Econômico ... 99

5.5.1 Os incentivos do jogo cooperativo entre o Ministério Público e a Secretaria de Direito Econômico ... 104

(12)

5.5.1.2 Análise dos casos paradigmáticos ... ,., ... ; ... 109

5.5.2 O ambiente competitivo entre o Ministério Público e a SDE: as possíveis repercussões naaccountability do sistema antitruste ... 110

CAPÍTULO 06 - SOCIEDADE CIVIL E POLÍTICOS: A NECESSIDADE DE MAIOR ENVOLVIMENTO NA POLÍTICA ANTITRUSTE ... 120

6.1. Estado e sociedade na política antitruste ... .120

6.1.2 A política anti truste na década de 1990: privatização, abertura comercial e Reforma do Estado ... 126

6.2 O choque de paradigmas ... 130

6.3 Os usuários do sistema antitruste: empresas e associações empresariais ... .134

6.4 O papel da sociedade civil no atual contexto da defesa da concorrência ... 136

6.4.1 O Consumidor-cidadão na política antitruste ... .140

6.5 A necessidade de pluralidade na arena antitruste e relevância do debate público ... .148

6.6. O Congresso e a accountability do sistema antitruste ... .150

CONCLUSAO ... 154

BIBLIOGRAFIA ... 162

, GLOSSARIO ... 168

(13)

INTRODUÇÃO

o

presente trabalho busca apresentar uma análise crítica sobre a responsabilização,

accountability, das autoridades que atuam nas agências e órgãos públicos encarregados de formular e implementar a política de defesa da concorrência no Brasil. As questões centrais desse trabalho são: O que é o sistema antitruste brasileiro atualmente e quem são os seus principais atores? Quais foram as agendas que promoveram a construção do atual sistema antitruste? Em que medida a temática da democratização das instituições públicas fez parte da agenda da política de defesa da concorrência? Quais as indefinições institucionais que afetam a accountability da política antitruste no Brasil?

A nossa primeira hipótese é que o sistema antitruste brasileiro é mais amplo e complexo do que o denominado Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), composto por entidades ligadas ao Poder Executivo. Defende-se nesta Dissertação que o Ministério Público e o Poder Judiciário também fazem parte do sistema antitruste brasileiro. Essas instituições do que aqui chamamos de sistema judicial exercem papéis paradoxais, quais sejam: (a) fiscalizar as agências anti trustes da administração pública e (b) exercer diretamente o papel de agentes executores da legislação de defesa da concorrência. O primeiro papel, de fiscalização das autoridades anti trustes, é mais fácil de se identificar, pois tanto o Ministério Público como o Poder Judiciário são mecanismos clássicos de controle de procedimentos das autoridades da administração pública (CLAD, 2000). O segundo papel, de executores da legislação antitruste, não é tão claro assim, pois exige um olhar mais pormenorizado da estrutura político institucional do sistema judicial.

Pretende-se demonstrar que o sistema anti truste brasileiro é composto por uma esfera administrativa e outra judicial. Esse cenário apresenta algumas novas problemáticas para a

(14)

A segunda hipótese que se apresenta nesta Dissertação é que houve duas agendas distintas, promotoras do desenvolvimento institucional do sistema antitruste brasileiro. No que se refere ao sistema antitruste administrativo, o SBDC, a agenda que prevaleceu foi a da primeira geração do processo de Reforma do Estado da década de 1990, de mudança do Estado produtor para regulador, que propunha o insulamento burocrático de determinados núcleos que seriam responsáveis pela regulação dos mercados (MARQUES,1997). Como a defesa da concorrência era o eixo central desse novo modelo de intervenção estatal na economia, seria necessário criar uma agência isenta de influências políticas dos Poderes, para que as suas decisões obedecessem apenas a critérios técnicos. A pressuposição dessa agenda foi a incompatibilidade entre política e economia, sendo a política irremediavelmente geradora de ineficiências e sendo os políticos atores que sempre tomam decisões contrárias à racionalidade técnica (ABRUCIO e LOUREIRO,2004).

Por outro lado, a agenda que promoveu o sistema judicial antitruste na década de 1990 foi originada da Constituição de 1988, cujo foco foi a ampliação de direitos civis e coletivos. Muito mais até do que o Judiciário, que pela sua natureza deve ter uma postura passiva, o Ministério Público foi o grande beneficiário dessa agenda. Houve um tremendo desenvolvimento institucional do parquet (Ministério Público), também baseado na premissa do insulamento burocrático alheio a influências políticas, para que os promotores e procuradores se tomassem os defensores dos direitos e interesses da sociedade, inclusive aqueles relacionados ao antitruste, estabelecidos pela Carta Magna e pela legislação dos anos 1990. Essa agenda teria sido fortemente influenciada pelo voluntarismo político idealizado por promotores e procuradores, que se auto proclamaram defensores da sociedade frente às agências governamentais ineficientes e aos políticos corruptos. Essa idéia baseada numa sociedade hipossuficiente serviu como justificativa para o fortalecimento institucional do Ministério Público e a sua independência frente aos demais Poderes (ARANTES, 2002).

(15)

a preocupação com o checks and balances e com a democratização das instituições pertencentes aos sistemas judicial e administrativo, de modo que essas instituições são hoje formadas por burocratas que praticamente não estão sujeitos à prestação de contas de suas ações à sociedade.

A nossa terceira hipótese é de que há urna série de indefinições no atual sistema antitruste brasileiro que afetam sua estabilidade e inteligibilidade. A reformulação do sistema antitruste na década de 1990 foi permeada por visões antagônicas sobre o papel do Estado na economia, pois, de um lado, havia aqueles propunham a permanência do modelo intervencionista e, do outro lado, aqueles que propunham a regulação de mercados baseada na defesa da concorrência. A conseqüência desse choque de visões foi a criação de um sistema administrativo de defesa da concorrência formado por instituições com naturezas bastante distintas.

o

atual Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) congrega uma autarquia, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), com autonomia para exercer função judicante no âmbito administrativo e dois órgãos pertencentes à administração pública direta, a Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça, cuja atribuição principal é a investigação de condutas anti competitivas (ex. cartéis), e a Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) do Ministério da Fazenda, com competência para exercer a expertise econômica no sistema. A separação de funções entre essas instituições não é cartesiana. Há sobreposições que comprometem a clareza (e eficiência) do sistema antitruste.

A consolidação do SBDC ocorre num momento de ampla reformulação do papel do Estado na economia, provocada pela crise interna do Estado nacional desenvolvimentista e a tendência de reformas do setor público na década de 1990 no cenário internacional (GIAMBIAGI e ALÉM, 2001).

(16)

dos serviços e preços "justos" ao consumidor (GIAMBIAGI e ALÉM, 2001). A estabilização de preços obtida pelo Plano Real também pavimentou o estabelecimento de uma estrutura anti truste mais efetiva, pois no período anterior a alta inflação limitava o acirramento da concorrência, uma vez que as decisões dos agentes econômicos eram sempre norteadas pela indexação e incerteza em relação ao futuro (OLIVEIRA, 2000).

A heterogeneidade das entidades da administração pública, encarregadas de zelar pela legislação de defesa da concorrência, mostra o caráter híbrido das reformas na administração pública ocorridas na década de 1990 (OLIVEIRA, 2000). O CADE é um paradigma das novas formas de gestão pública dos anos 1990, porém éonvive em estreita interdependência com órgãos sujeitos a pressões políticas diretas do Executivo, modelo típico do longo período intervencionista da história brasileira, que se arrastou até a primeira metade da década de 1990, quando o Estado ainda controlava diretamente os preços no mercado.

A reformulação do CADE precedeu o processo de estabelecimento das agências reguladoras iniciado em 1996, tais como a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e a Agência Nacional de Petróleo (ANP). O seu desenho institucional pretende conferir autonomia para aplicar a legislação anti truste, baseada em critérios técnicos e sem interferências políticas. O seu papel é o âmago dos novos contornos de intervenção do Estado na economia, direcionado à regulação de mercados e à promoção de um ambiente de livre concorrência, desvencilhado do padrão interventor do poder público no desenvolvimento capitalista.

Contraditoriamente, os eixos de investigação e de expertise econômica do sistema antitruste continuaram sob domínio direto do Executivo, sujeitos a ingerências políticas. Essa fragmentação do sistema anti truste brasileiro dificulta a transparência de propósitos do poder público na implementação da política de concorrência. A clareza sobre as responsabilidades dos agentes públicos é fundamental para urna efetiva prestação de contas perante a sociedade. Além disso, essas indefinições causam desequilíbrios institucionais que prejudicam a

accountability horizontal entre as instituições do sistema antitruste brasileiro.

(17)

administração pública e o administrado. A revisão judicial pode, portanto, interferir numa

decisão do CADE que é de natureza administrativa. A própria lei 8884/94, que estabeleceu o SBDC, expressamente dispõe que o direito de ação pode ser exercido inclusive quando pendente um processo administrativo. Desse modo, a função judicante do CADE pode ser

suplantada pelo Poder Judiciário. Na medida em que o Judiciário detém esse poder, tomam-se necessárias formas de accountability sobre a sua atuação, da mesma maneira como deve ser esperado em relação à atividade judicante do CADE.

As indefinições na interface da esfera judicial com a administrativa também dificultam a inteligibilidade do sistema anti truste ao público leigo, que não saberia diferenciar as

responsabilidades de cada ator. Além disso, a falta de coordenação e comunicação entre juízes e autoridades do SBDC inviabilizaria uma relação de checks and balances entre eles e, por conseqüência, a coerência das decisões das autoridades antitrustes do sistema administrativo e judicial.

Nossa última hipótese é que os políticos e a sociedade civil, principalmente os grupos de

consumidores-cidadãos (HIRSHMAN: 1983), não estão acompanhando a implementação da política de defesa da concorrência. Esse cenário não só afeta negativamente a accountability do sistema antitruste, como compromete o seu fortalecimento institucional. Nesse sentido, procura-se trazer para reflexão o papel da política antitruste tanto para o incremento do

bem-estar ao consumidor-cidadão, como para o alargamento de liberdades políticas e de garantias de transparência de agentes públicos e privados (SEN, 2000).

(18)

Foi dada preferência a comparações com o sistema antitruste nos Estados Unidos devido a algumas semelhanças do modelo institucional daquele país com o caso brasileiro, o que servirá para caracterizar melhor as particularidades da política de defesa da concorrência no Brasil. Muito mais do que no Brasil, nos Estados Unidos o Poder Judiciário é figura central no julgamento de casos relacionados à defesa da concorrência. Além disso, nos Estados Unidos existem duas agências da administração pública voltadas à investigação de condutas anticompetitivas e à análise de atos de concentração econômica. Importante também considerar que os Estados Unidos têm mais de um século de experiência na defesa da concorrência, sendo uma referência internacional sobre esse assunto (KOV ACIC e SHAPIRO, 2000).

Estaremos utilizando neste trabalho os termos "anti truste" e "defesa da concorrência" como perfeitos substitutos, embora se assevere que alguns especialistas, baseados na experiência dos Estados Unidos, relacionam a chamada "política antitruste" a uma ênfase maior no controle das estruturas de mercado, principalmente sobre o grau de concentração dos mesmos. Já a "política de defesa da concorrência", baseada na experiência européia, seria mais próxima ao controle e repressão de condutas consideradas anti competitivas (SANTACRUZ LIMA,1998: 10).

Como última observação, incumbe esclarecer que os dados apresentados nesta pesquisa não são suficientes para defender tendências e um quadro acabado do sistema antitruste, mas servem para elucidar alguns elementos indeterminados da estrutura institucional da política de defesa da concorrência no Brasil e os desafios impostos à construção dos seus mecanismos de

(19)

CAPÍTULO 01 - A DISCUSSÃO TEÓRICA

1.1 Accountability e democracia

Essa Dissertação pretende trazer para reflexão a accountability sobre a administração pública brasileira, tomando-se como caso de análise o sistema antitruste. Utilizamos neste trabalho a de definição de accountability de ABRUCIO e LOUREIRO (2004:57), qual seja, a "( ... ) construção de mecanismos institucionais segundo os quais os governantes e burocratas são constrangidos a responder, ininterruptamente, por seus atos e omissões perante os governados". Trata-se de um valor que deve ser perseguido pelos regimes democráticos (CLAD, 2000: 19). A accountability é composta por um amplo sistema de instrumentos. O processo eleitoral é a forma básica do que se denomina por accountability vertical. Paralelamente, as democracias modernas desenvolveram formas de responsabilização dos governantes baseadas nos controles pelo Legislativo e por outros controles procedimentais (Judiciário, Tribunal de Contas, auditorias), o que se convencionou chamar de mecanismos de

accountability horizontal. Para O'DONNEL (1998), entende-se por accountability horizontal:

"( ... ) a existência de agências estatais que têm o direito e o poder legal e que estão de fato dispostas e capacitadas para realizar ações, que vão desde a supervisão de rotina a sanções legais ou até o impeachment contra ações ou omissões de outros agentes ou agências do Estado que possam ser qualificadas como delituosas" .(0 'DONNEL, 1998:40)

Posteriormente, foram estabelecidos novos instrumentos que possibilitaram a participação dos cidadãos no controle das políticas públicas, bem como na formulação e implementação delas. As recentes mudanças na administração pública latino-americana alargam o papel do controle social, abarcando tanto a probidade da conduta dos governantes, como a prestação de contas sobre os resultados das políticas públicas. Trata-se de uma mudança da perspectiva estado-cêntrica, para uma ótica socio-cêntrica, que remodela e amplia o espaço público, algo vital para a consolidação da democracia na América Latina (CLAD, 2000:20; OSZLAK: 1997).

(20)

democratização da sociedade". O autor defende a aproximação da democracia representativa com a democracia direta (entendida no sentido de deliberação direta pelos cidadãos, sem intermediários), não como substituição de uma pela outra, mas como uma integração recíproca desses dois sistemas (BOBBIO, 2000:65). Entre as fonnas extremas da democracia representativa e da democracia direta existe um continuum de formas intermediárias que se confonnam com as diversas situações e exigências. BOBBIO (2000:67) percebe uma ampliação do papel da sociedade civil na esfera pública, nas suas várias articulações. Isso não significa um novo tipo de democracia, mas sim a conquista de novos espaços até agora dominados por modelos hierárquicos e burocráticos de organizações.

°

desafio do processo de democratização são os blocos de poder descendente e hierárquico das sociedades complexas, "enquanto estes dois blocos resistirem à agressão das forças que pressionam a partir de baixo, a transfonnação democrática na sociedade não pode ser dada por completa" (BOBBIO,2000:71).

Nesse aspecto, remete-se ao fato de que o controle sobre os governantes não se limita aos políticos eleitos, mas também à burocracia. BOBBIO (2000:47) afirma que um obstáculo inesperado à democracia foi o constante crescimento do aparato burocrático. A distribuição de poder na burocracia, baseada num ordenamento hierárquico do vértice à base, é diametralmente oposta ao sistema de poder democrático, que nasce da base em direção ao vértice.

°

autor aponta para o paradoxo de que todos os Estados que se tomaram mais democráticos, também se tomaram mais burocráticos. A democratização possibilitou o aumento das demandas sociais face ao Estado e isso inevitavelmente resultou no crescimento de aparelhos de prestação de serviços e de outros bens públicos.

A burocracia pública, portanto, recebeu por delegação dos políticos diversas funções do Estado, o que torna central a questão da accountability sobre as agências burocráticas. Esse fenômeno se torna mais problemático com o aumento da politização das burocracias, na medida em que passam a exercer papel ativo na formulação de políticas públicas (ABERBACH; PUTNAM; ROCKMAN,1981). Esses autores identificam um dilema moral entre a crise de legitimidade da excessiva politização da burocracia face ao problema da efetividade no caso de excessivo envolvimento de políticos no policy maldng.

(21)

questionada pelas imperfeições do sistema eleitoral e pela constatação da falta de resultados da atuação das burocracias, bem como pela ausência de responsividade dos burocratas frente aos cidadãos e aos representantes eleitos.

No atual contexto da administração pública latino-americana, os mecamsmos de responsabilização são fundamentais para republicanizar o sistema político. Por um lado, combatem as gramáticas c1ientelistas e patrimonialistas da administração pública, do outro lado evitam a visão tecnocrática característica da primeira onda de reformas na América Latina (CLAD, 2000; NUNES,1999).

1.1.1 Modelo agent-principal

o

modelo agent-principal será a principal referência de análise da accountability no sistema antitruste brasileiro (DAN WOOD e WATERMAN, 1994:22-26; PRZEWORSKI,1998). A teoria da agência emergiu no início da década de 1980. A sua estrutura assume que os cidadãos e os representantes eleitos (principais), como o presidente ou os membros do Congresso, têm incentivos para controlar a burocracia (agents). Esse modelo parte originalmente de estudos de economistas sobre a relação entre administradores de empresas e seus empregados ou prestadores de serviços; posteriormente foi utilizado para analisar a relação do administrador público eleito e os funcionários da burocracia. A teoria da agência estabelece uma relação hierárquica entre os principais e os agents. A vida social compara-se a uma série de contratos, de um lado o comprador de produtos ou serviços (principais) e, do outro lado, o provedor desses produtos e serviços (agent). Os principais desejam moldar o comportamento do agent de acordo com as suas preferências.

(22)

teoria da captura, pois esta assume que os principaIs eleitos são passivos e ineficientes no controle das burocracias, a teoria da agência pressupõe uma postura ativa e que podem efetivamente influenciar na conduta dos burocratas (DAN WOOD e WATERMAN, 1994:25).

o

modelo agent-principal será utilizado nesta Dissertação para uma reflexão crítica e propositiva sobre a accountability da política antitruste no Brasil. Procurar-se-á também integrar outras perspectivas de análise sobre a responsabilização dos atores envolvidos na arena de defesa da concorrência.

1.1.2 Os custos de accountability: controles procedimentais e substantivos

Os controles sobre os governantes podem ser procedimentais e/ou substantivos. Segundo Judith GRUBER (1987), o foco do controle substantivo são os resultados das políticas públicas. Alguns critérios característicos dessa perspectiva são a adequação da aplicação de recursos, a avaliação do impacto sócio-econômico e a emissão de regulamentos. Já o controle procedimental baseia-se em aspectos operacionais e em normas de procedimento, como por exemplo, a motivação das decisões do administrador público, a prestação de contas perante o Legislativo, consultas públicas, publicidade de informações, dentre outros.

Desse modo, para GRUBER (1987:13-15) existem dois aspectos básicos de controle do comportamento dos burocratas: os procedimentos para a tomada de decisão e o mérito da decisão propriamente dita. Para a autora, a questão sobre o controle democrático não é apenas se existem ou não existem restrições ao comportamento dos burocratas, mas também como

(23)

o

controle democrático de procedimento tem maior facilidade de implementação pela clareza de seu objetivo. Os deveres de motivação das decisões do administrador público, de publicidade de informações, da prestação de contas perante o Legislativo e outros do gênero são simples de compreensão e de fácil aceitação.

Tema mais controvertido é o controle substantivo sobre o comportamento do administrador público, diante da multiplicidade de objetivos a que estão submetidas as burocracias públicas. Para PRZEWORSKI (1998) é quase impossível reduzir esses múltiplos objetivos numa dimensão única. Trabalhos desenvolvidos pelo CLAD (2000), WILSON (1989:263) e ABRUCIO (1998) também demonstram como a complexidade de parâmetros pode afetar a avaliação das políticas públicas. Segundo ABRUCIO (1998: 185), "na gestão pública estão em jogo valores como equidade e justiça, que não podem ser medidos ou avaliados por meio dos conceitos do managerialism puro".

O contexto de cada agência burocrática também influi na complexidade e na forma como serão estabelecidos os controles democráticos. Para GRUBER (1987) variações de ambiente e de tecnologia influem nos custos e nas estratégias de controle. As variáveis de ambiente seriam as forças externas à organização que afetam as atividades da mesma. As variáveis de tecnologia seriam os meios necessários para produzir um determinado bem/serviço e o grau de especialização em expertise.

Nessa perspectiva, GRUBER (1987) observa que para cada tipo de controle democrático há um custo correspondente. Pelas variáveis de tecnologia, os custos de controle podem depender da própria determinação da tecnologia e dos seus graus de especialização,

enfarcement casto Dependendo do grau de especialização de uma determinada área, pode-se gerar controles custosos do ponto de vista da eficácia, effectiveness cost. Um exemplo seria a temática da energia nuclear, dada a falta de conhecimento do controlador sobre o assunto. O mesmo ocorre quando a tecnologia é incerta Em relação às características do ambiente a que estão sujeitas as agências burocráticas, os custos podem variar de acordo com os conflitos, instabilidades, complexidade e a independência das mesmas.

(24)

incentivos e restrições. O comportamento da burocracia poderá ser politicamente estimulado pelo Presidente, pelo Congresso, pelos Tribunais e pelo ambiente político.

Fator crucial para o exercício do controle democrático é a informação. A disponibilidade de informação ocorre quando os burocratas são obrigados a motivar suas decisões. Haveria, por assim dizer, um "processo legislativo aberto" (PRZEWORKI,1998:66). Essa disponibilidade de informação depende do uso de autoridade formal, obrigando a burocracia a repartir recursos críticos, como por exemplo, o conhecimento especializado (GRUBER, 1987: 202). Segundo GRUBER (1987:205), uma outra forma de mobilizar a repartição de recursos pela burocracia é através do incentivo à troca de recursos, gerando uma relação de interdependência com atores externos.

Portanto, o controle democrático vana entre os eIXOS subs.tantivo/procedimental do comportamento da burocracia, ora primando pelo controle de procedimentos, ora pelo controle substantivo, ora mesclando a avaliação substantiva com a procedimental. O aspecto substantivo de controle tem com desafio a multiplicidade de objetivos das atribuições das agências burocráticas. Ademais, devem ser mensurados os custos do controle democrático, que podem variar de acordo com a tecnologia predominante e o ambiente do entorno das agências burocráticas. Mas isso não significa que as agências burocráticas estejam ou possam estar ausentes de controle. Atores externos influenciam no comportamento dos burocratas (Congresso, Cortes etc). Um dos principais elementos que fortalecem a accountability é a disponibilidade de informação, que pode decorrer de obrigação legal e/ou da interdependência entre controlador/controlado propiciando a troca de recursos.

1.1.2.1 Os custos de accountability: "alarme de incêndio" e "patrulha de polícia"

(25)

cumprimento de um regulamento, haveria uma semelhança com um "alarme de incêndio". Nesse caso os políticos vão procurar supervisionar a burocracia quando houverem escândalos sobre uma determinada agência governamental, ou quando receberem reclamações de seus eleitores. ABERBACH (1990: 190) observa que os incentivos para que os políticos atuem através de mecanismos formais ou informais de controle da burocracia variam conforme o tempo, dependendo de como cada alternativa poderá oferecer a melhor contrapartida aos seus interesses (reeleição, influência política etc). ABERBACH (1990) contraria a visão de muitos autores que entendem que o controle de "alarme de incêndio" é o que mais desperta o interesse dos políticos, uma vez que há retornos mais imediatos em termos de contato com os eleitores, ganho de publicidade etc. Para PRZEWORSKI (2001 :58), a supervisão do tipo "alarme de incêndio" permite que o principal adquira informação por um custo menor do que a supervisão do tipo "patrulha de polícia", além de prover melhor informação, principalmente nos casos de violações mais graves por parte dos agents.

Na supervisão do tipo "alarme de incêndio", também são necessários mecamsmos institucionais que permitam o controle da burocracia.

Esses mecanismos devem ser acessíveis aos cidadãos, pois são eles os diretamente afetados pelas políticas públicas e, portanto, terão melhores condições de avaliar o desempenho da burocracia. Exemplos do "alarme de incêndio" são o ombudsman, dotado de poderes para conduzir investigações independentes, e recursos administrativos e judiciais que possam ser utilizados pelos cidadãos para contestar decisões da burocracia (PRZEWORSKI,2001 :59).

1.1.3 Accountability no Presidencialismo Brasileiro

(26)

Os presidentes brasileiros também utilizam indicações para cargos na administração pública e recursos orçamentários como forma de agregar aliados no Congresso. Para MAINWARING e SHUGART (1997:84,85) essa estratégia de patrimonialismo serve para enfrentar a minoria que os presidentes detém no Congresso. Esses incentivos seletivos tem grande impacto, na medida em que há uma característica de pouca disciplina e lealdade partidárias. GEDDES (1994:134-148) observa também para as escolhas estratégicas do presidente no uso da burocracia. Por um lado, a burocracia é uma moeda de troca para recrutar aliados políticos, especialmente nas situações em que o presidente detém uma coalizão frágil. Do outro lado, o presidente cria "ilhas de competência" através de agências burocráticas para lidar com temas estratégicos para o governo. Esse insulamento burocrático procura evitar interferências políticas, principalmente do legislativo. Evidentemente, essa conjuntura toma problemática a

accountability sobre a burocracia, seja pelo seu uso clientelístico e patrimonialista, seja pelo seu isolamento tecnocrático dos seus ramos insulados (NUNES, 1999).

(27)

possa exigir a prestação de contas da administração pública, além de possibilidade de votar e deliberar publicamente.

1.2 Democracia consensual, presidencialismo e as constituições rígidas: a politização da revisão judicial

As democracias podem ser classificadas em dois sistemas: sistema consensual e sistema majoritário. No sistema majoritário prevalece o poder da maioria. Ela ocorre tipicamente em regimes parlamentaristas. Seu modelo mais acabado é o inglês. O partido que vence as eleições leva tudo, o parlamento e o gabinete. Já no sistema consensual, mais comum em regimes presidencialistas, procura-se incluir as minorias de forma a garantir uma participação mais ampla da sociedade. No modelo majoritário, o poder é concentrado nas mãos da maioria, ao passo que, no modelo consensual, tenta-se dividir, partilhar e dispersar o poder (LIJPHART, 1999:02).

Na democracia de modelo majoritário, o poder executivo é geralmente forte e concentrado em um único partido, os sistemas eleitorais são desproporcionais, os governos são centralizados e o poder legislativo é unicameral. No sistema consensual, pelo contrário, os governos são multipartidários de coalizão, há equilíbrio nas relações executivo-legislativo, prevalece os sistemas de representação proporcional e os governos são descentralizados.

Existem ainda outras características que diferenciam os sistemas majoritários dos consensuais. Para esse estudo, vale destacar principalmente as diferenças nos tipos de constituições e nos papéis do Poder Judiciário. No sistema majoritário, a constituição é flexível. Isso quer dizer que ela pode ser facilmente reformada pelo parlamento. A constituição britânica é um bom exemplo. Não há uma constituição escrita determinando qual é a composição e os poderes do governo e quais são os direitos dos cidadãos. Além disso, a Constituição pode ser mudada com os mesmos procedimentos que qualquer outra lei (LIJPHART, 1999: 19).

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necessitam de dois terços, ou o equivalente, para ser viável uma reforma constitucional. Adotam esse segundo modelo a Áustria, Costa Rica, Noruega, Espanha e Portugal. Por último, o terceiro modelo exige a maioria de dois terços e maiorias ordinárias. Fazem parte desse grupo, a Dinamarca, Grécia, Irlanda e Itália.

No Brasil, que também adota uma constituição rígida, exige-se quorum de três quintos para emendas constitucionais (art. 60, §2°), além das cláusulas pétreas (art.60, §4°) que excluem determinadas matérias de qualquer deliberação de proposta de emenda, como por exemplo, a forma federativa de Estado, os direitos e garantias individuais e a separação dos poderes.

No sistema majoritário, justamente pelo fato das constituições serem flexíveis, a revisão judicial é muito limitada para questões constitucionais. Segundo LIJPHART (1999: 19), no caso inglês a revisão judicial constitucional é ausente pelo fato da constituição não ser escrita, embora assevere que a Inglaterra esteja sujeita à Corte Européia de Justiça e à Corte de Direitos Humanos de Strasburg, por força de sua entrada na União Européia e pela assinatura da Convenção Européia de Direitos Humanos.

No sistema consensual, por sua vez, há uma instância judicial de resolução de conflitos relativos ao abuso de poder entre níveis de governo, entre os poderes independentes e nos casos em que haja a violação de direitos e preceitos estabelecidos na Constituição. A intensidade e a abrangência da revisão judicial constitucional varia de país para país. Quanto mais rígida for a constituição, maiores atribuições terão as cortes constitucionais. Nesse sentido, VILHENA VIEIRA (2002) observa que:

"Em conseqüência, a função entregue ao judiciário, ou a uma corte constitucional, também é mais relevante, pois aos tribunais se atribui o poder de resguardar valores constitucionais contra decisões deliberadas, inclusive, pela vontade da maioria". (VILHENA VElRA,

2002:30)

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1.2.1 A judicialização da política e a problemática da accountability e da legitimação do sistema judicial

SOUZA SANTOS (1996:51,52), ao escrever sobre as funções dos tribunais contemporâneos, aponta as seguintes tipologias: funções instrumentais, funções políticas e funções simbólicas. As funções instrumentais são aquelas relacionadas com a resolução de litígios, ao controle social, á administração e á criação do direito. As funções políticas têm haver com a mobilização dos tribunais pelos cidadãos, como fonna de exercício da cidadania e de participação política. Por fim, as funções simbólicas, mais amplas do que as outras duas, têm haver com o impacto do Judiciário nas práticas de socialização, firmando valores e estruturas de relações sociais.

Para SOUZA SANTOS (1996:31,54) a politização da função judicial se deu durante o período do Estado de Bem-Estar com o incremento dos direitos de cidadania. O Poder Legislativo e o Poder Executivo ficaram responsáveis pela prestação dos serviços públicos e pela dotação orçamentária e, o Judiciário, pela garantia dos direitos correspondentes à prestação positiva e negativa do Estado. Esse papel político das cortes tornou-se mais necessário com o aumento da administração pública e da criminal idade.

A constitucionalização dos direitos e princípios fundamentais ampliou profundamente as atribuições do Judiciário. Para CAPPELLETTI (1996:66), "a tarefa dos tribunais, de dar atuação aos modernos "Bill of Rights", grandemente contribui para "expandir" o âmbito de direito judiciário e aumentar a criatividade dos juízes". Na mesma linha, VILHENA VIEIRA (2002) afirma que:

"( ... ) a função dos tribunais constitucionais será tanto maior, quanto mais constitucionais forem os sistemas políticos, o que significa dizer, quanto maior for o número de assuntos colocados acima dos procedimentos de decisão majoritários, por intermédio da sua constitucionalização". (VILHENA VIEIRA, 2002:66)

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adotou o sistema de controle de constitucionalidade difuso e concentrado. O controle é difuso porque, segundo José Afonso da SILVA (1996:55), "qualquer interessado poderá suscitar a questão de inconstitucionalidade, em qualquer processo, seja de que natureza for, qualquer que seja o juízo" (grifos nossos). O controle é também concentrado, porque o Supremo Tribunal Federal é competente para processar e julgar originariamente a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal (artigo 102, inciso I, CF /88).

A co-responsabilidade política dos tribunais dependerá do seu protagonismo social e político (VILHENA VEIRA, 2002), do grau de interferência de outros poderes, muito comum durante o último regime autoritário brasileiro, e da sua capacidade financeira e administrativa. A independência política do Judiciário dependerá de sua vontade política em responder às demandas da sociedade, como garantidor de direitos e preceitos constitucionais. CAPPELLETTI (1999) observa que:

"Inevitavelmente, o tribunal investido da árdua tarefa de atuar a constituição é desafiado pelo dilema de dar conteúdo a tais enigmáticos e vagos preceitos, conceitos e valores ( ... ), ou considerar como não vinculante justamente o núcleo central das constituições modernas". (CAPPELLETTI,1999:68)

Portanto, o Judiciário está cada vez mais sendo pressionado a adotar uma postura política. Há um crescente dilema entre adotar uma postura pró-ativa, ou abster-se dessa tarefa. No caso do Brasil, percebe-se que cada vez mais o Judiciário está se politizando em razão da crescente judicialização das relações sociais (VIANNA, 1999). Conforme observa VIANNA (1999:53):

"O Tribunal começa a migrar, silenciosamente, de uma posição de coadjuvante na produção legislativa do poder soberano, de acordo com os cânones clássicos do republicanismo jacobino, para uma de ativo guardião da Carta Constitucional e dos direitos fundamentais da pessoa humana."

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cada vez mais assumindo funções de natureza política, o que exige a necessidade controles externos sobre os mesmos (SADEK, 2001).

A mesma problemática ocorre com a crescente politização do Ministério Público (ARANTES, 2002), que também integra o sistema judicial brasileiro e será analisado em capítulo seguinte. Diante disso, essa Dissertação pretende trazer reflexões sobre as duas faces do atual sistema judicial, que é um mecanismo de accountability horizontal e, concomitantemente, uma estrutura burocrática cada vez mais politizada, sendo necessárias formas de responsabilização de juízes, promotores e procuradores.

1.2.2 Sistema Antitruste no Presidencialismo Brasileiro: choques entre as esferas judicial e administrativa

Conforme exposto, é comum no presidencialismo que o Judiciário seja independente" com poderes suficientes para exercer checks and balances sobre os outros Poderes. No Brasil, além disso, foi adotada uma Constituição rígida, que em determinados casos dificulta e, em outros, proíbe o legislador de realizar reformas constitucionais (LIJPHART: 1999). O Judiciário recebeu a tarefa de proteger a Constituição frente aos atos da administração pública e do legislador. Cabe também ao Judiciário brasileiro apreciar qualquer lesão ou ameaça a direito. Por conseguinte, esse Poder tem grande importância para a realidade socioeconômica brasileira. Em razão disso, são comuns conflitos de diversas naturezas entre o Judiciário e a administração pública, principalmente naqueles setores em que houve um insulamento burocrático destinado a evitar pressões externas, as ilhas de tecnocracia (GEDDES,1994; NUNES, 1999). Em diversas situações as agências burocráticas atuam na mediação e arbitragem de conflitos, atribuição típica do Judiciário (MARQUES N., 2000:92). Nesses casos são inevitáveis os choques entre as esferas judicial e administrativa.

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autoridades públicas que atuam na defesa da concorrência. A fragmentação e a morosidade do sistema anti truste toma difícil a compreensão do público leigo e dificulta a interação com a sociedade.

Por esse motivo, essa Dissertação fará algumas comparações com o sistema antitruste nos Estados Unidos, que também está no contexto de um regime presidencialista. O Poder Judiciário americano centraliza a função judicante por infrações à legislação de defesa da concorrência (ABA, 1992), diferente do Brasil, no qual o CADE foi projetado para exercer essa função.As cortes americanas já têm mais de um século de história nesta temática (KOV ACIC e SHAPIRO, 2000). A revisão judicial conseguiu flexibilizar a política antitruste conforme as transformações da economia e, ao mesmo tempo, moderar as relações entre a comunidade empresarial e os formuladores de política antitruste (OCDE, 1997).

No Brasil, a defesa da concorrência somente começa a ter um significado maior na conjuntura política e econômica brasileira a partir de 1994. O Judiciário não dispunha de capacidade e de cultura organizacional para lidar com essa temática. O insulamento burocrático através de uma agência judicante foi a solução. No entanto, escondeu-se debaixo do tapete o peso institucional do Judiciário na organização política e administrativa do Estado brasileiro. Esse descompasso será discutido nesta Dissertação, procurando-se problematizar as deficiências de

accountability sobre o sistema antitruste brasileiro.

1.3 A linha teórica proposta e seu contexto na análise de políticas públicas

A presente Dissertação faz parte do contexto de pesquisas sobre Reforma do Estado. A literatura desse gênero se expandiu na década de 1980 (MELO, 1999:83). Inicialmente, centrava-se em questões referente à autonomia e à capacidade do Estado. Com a difusão internacional das reformas neoliberais, que tinha por pressuposto a redução do escopo da intervenção pública, novas questões foram formuladas, tais como, os fatores que levaram às reformas, os seus padrões diferenciados e suas trajetórias políticas.

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desse novo enfoque na administração pública se deu nos governos conservadores da Grã-Bretanha (governo Thatcher - a partir de 1979) e nos EUA (governo Reagan - a partir de

1980). Esse fato provocou reações fortes e acusações equivocadas de neoliberalismo sobre essas mudanças na administração pública, principalmente por parte de servidores públicos. Entretanto, o que se percebeu, especialmente nas administrações social-democratas, foi que o ajuste fiscal e a eficiência do gerencialismo não tinham cunho ideológico, mas sim condição imprescindível para qualquer governo forte e efetivo.

MELO (1999:84) assevera que a pnmeIra geração de estudos sobre reforma do Estado propunha que o êxito das reformas estruturais e dos programas de estabilidade dependiam da capacidade de insulamento das elites burocráticas. Esse insulamento, baseado na autonomia de agências estatais, no recrutamento meritocrático, etc, tinha como pressuposto fazer prevalecer a racionalidade técnica sobre a racionalidade política. Posteriormente, surgiram análises mais cautelosas que evitaram relações causais entre regime e desempenho econômico ou reformas. Ademais, começa-se a identificar a carência de accountability horizontal e vertical das experiências de refonna do Estado, surgindo críticas sobre o caráter pouco democrático dessas refonnas e sobre o insulamento burocrático enquanto pré-requisito para o êxito de políticas econômicas. Procurou-se defender maior cooperação, coordenação e legitimidade das políticas públicas.

(34)

Nesse panorama, a nossa pesqUIsa procura enfatizar as deficiências de accountability na administração pública, tomando o sistema antitruste como caso de estudo. A perspectiva de análise dessa Dissertação se aproxima da perspectiva do neo-institucionalismo histórico (MARQUES: 1997). O neo-institucionalismo procura ressaltar o papel das instituições na análise de processos políticos e sociais. Não apresenta postulados definitivos, sendo percebido corno uma teoria de médio alcance. Para MARQUES (1997:76), o neo-institucionalismo representa numa reação aos estudos de caráter hegemônico na academia americana até a década de 1970. O neo-institucionalismo possui duas correntes teóricas, a corrente da escolha racional e a do neo-institucionalismo histórico (MARQUES, 1999:76,77). Apesar das duas correntes terem em comum a questão sobre corno as instituições moldam as estratégias e os resultados políticos, partem de premissas diferentes. O neo-institucionalismo de escolha racional tem urna premissa exógena, ou seja, considera o impacto das instituições sobre a estratégia dos atores. O neo-institucionalismo histórico tem preferência por aspectos endógenos, enfocando a interlocução das instituições com os atores e as situações políticas decorrentes.

MARQUES (1999:78) define corno objetivo central do neo-institucionalismo histórico a construção de "uma teoria de médio alcance que estabeleça urna ponte entre análises centradas no Estado e na sociedade, enfocando variáveis de nível intermediário para dar conta da variação histórica e conjuntural dos fenômenos". Essa corrente teórica se distancia de teorias gerais globalizantes como o marxismo, o funcionalismo e a teoria dos sistemas. Não há variáveis especiais para serem analisadas, como no marxismo que vê as classes e os grupos de interesse corno agentes principais.

(35)

Entretanto, essa pesqmsa estará dialogando com outras perspectivas de análise, dada a fragmentação do sistema anti truste brasileiro e sua emergência recente no cenário político brasileiro. Isso significa dizer que se busca uma perspectiva analítica que integre as ações do Estado com os processos sociais que mantém relativa independência por ele traçados (CERQUEIRA e BOSCHI,1986:27-30). Não se quer perder de vista a especificidade de cada ator envolvido no cenário da defesa da concorrência, no qual há um processo de contínua interdependência entre agentes estatais e entre agentes estatais e o setor privado. Há uma riqueza de detalhes que merecem atenção, como a competição interburocrática, superposição de esferas de competência, aliança entre setores e subsetores da burocracia e de políticos com grupos privados e os conflitos entre a atuação empresarial e a competência administrativa. Por isso, no bojo dessa pesquisa o leitor poderá ser surpreendido por traços de análise setorial, de

State-in-Society e de pluralismo, sem perdermos o olhar sobre a importância da atuação do Estado e de suas instituições nos processos políticos e sociais (MARQUES, 1999; BOBBIO, 2000).

Nessa perspectiva, apesar da diminuição do domínio estatal com as reformas de desregulamentação e de abertura de mercados, além das profundas transformações no capitalismo e no sistema de produção e organização social, o Estado continua sendo a instância máxima de articulação social (OSZLAK, 1997). O desafio colocado será propor um novo desenho ao Estado corno um meio de relegitimação social e política, tomando capaz de administrar mais eficientemente e fortalecer sua interação com a sociedade civil, de forma a ampliar o espaço público. No caso da defesa da concorrência, o Estado nacional deverá também fortalecer seu aparato regulatório para que possa fazer frente aos poderosos interesses de monopólios e oligopólios privados criados pelo recente processo de privatização, de desregulamentação e de reestruturação econômica (OSZLAK, 1997:19). Além disso, a ação antitruste deverá se aproximar do consumidor-cidadão para conseguir enraizar-se na sociedade e também para que o consumidor-cidadão possa contribuir para a construção da defesa da concorrência no Brasil (RACHAGAN, 2003; HIRSHMAN,1983).

(36)

Quadro 01 - Referencial teórico

Principal referência: ACCOUNTABILlTY

Conceito: mecanismos institucionais segundo os quais os governantes e burocratas são cons-trantragidos a responder, ininterruptamente, por seus atos e omissões perante os governados (ABRUCIO&LOUREIRO,2004).

Classificação:

Accountability Vertical: cidadãos controlam de forma ascendente os governantes (mediante voto),

com formas de democracia semidireta (como plebiscito) ou pelo controle social.

Accountability Horizontal: fiscalização mútua entre os Poderes (checks and balances) ou por meio

de outras agências governamentais que monitoram o Poder Público. (ABRUCIO&LOUREIRO,2004)

Referências teóricas relacionadas:

Reforma do Estado e democratização das instituições públicas: a segunda geração de estudos sobre reforma do Estado levanta a questão da accountability sobre burocratas e _governantes.

Neoinstitucionalismo histórico: teoria de médio alcance que estabeleça uma ponte entre análises centradas no Estado e na sociedade, enfocando variáveis de nível intermediário para dar conta

da variação histórica e conjuntural dos fenômenos (MARQUES:1999).

Modelo AgentlPrincipal: cidadãos e políticos (principaIs) devem controlar a burocracia (agents). Com-parável a um contrato, de um lado, o comprador de produto/serviço (principal) e, do outro, o vendedor(

agent). A interação entre principaIs e agents é dinâmica. Uma problemática é a assimetria de

infor-mação em desfavor dos principaIs, sendo necessários mecanismos de イ・セオゥャ■「イゥッN@

Presidencialismo e Democracia Consensual:

1) Separação de poderes, checks and balances.

2) Papel das instituições judiciais no controle de burocratas e governantes 3)

°

problema da accountabilíty sobre juízes e membros do Ministério Público.

Controles democráticos:

Categorias I Custos

J

Procedimental: objetiva os procedimentos pelos Baixos custos: facilididade de implemen-quais os burocratas e governan- tação pela clareza de propósito.

tes tomam suas decisões.

Substantivo! objetiva o conteúdo das deci- Altos custos: multiplicidade de objetivos da Mérito sões das autoridades públicas. atuação governamental e dificuldade de

re-duzí-Ios numa dimensão única.

Variáveis de custo dos controles democráticos.

Ambiente Iforças externas à organização que afetam as atividades da mesma.

Tecnoloqia I meios necessários para produ ção de determinado bem ou

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CAPÍTULO 02 - PRECEDENTES HISTÓRICOS DO SISTEMA BRASILEIRO DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA (SBDC)

Para compreendermos a atual estrutura do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) é importante buscar seus antecedentes históricos, para que se possa contextualizar o seu significado político e os seus contornos institucionais (FORGIONI, 1995:95). Boa parte desse resumo da história da defesa da concorrência no Brasil é baseado na obra de Paula A. FORGIONI (1995), intitulado "Os Fundamentos do Antitruste".

Na fase fiscalista, assim denominada por FORGIONI (1995), que correspondeu ao período anterior à chegada da corte portuguesa no Brasil, a atuação estatal baseou-se apenas nos aspectos fiscais, por meio da imposição de impostos à colônia. O sucesso dessa política dependia da imposição de severas restrições ao desenvolvimento industrial brasileiro. Um exemplo foi o Alvará de 05 de janeiro de 1975, que proibiu inúmeras atividades fabris e manufatureiras. Segundo FORGIONI (1995),

"Seria até ilógico falarmos, nos primeiros tempos do Brasil colônia, em "defesa da livre concorrência", uma vez que não havia qualquer concorrência significativa estabelecida entre os agentes econômicos. Além disso, a nível interno, o mercado consumidor não assumia maiores proporções em virtude mesmo da acentuada dispersão demográfica". (FORGIONI, 1995:61)

O início da implementação de políticas de desenvolvimento econômico ocorreu a partir do estabelecimento da coroa portuguesa no Brasil e da consolidação do interesse da Inglaterra para alargar suas fronteiras comerciais. O Alvará de 10 de Abril de 1808 liberalizou a produção fabril no Brasil, conforme assim disposto: "daqui em diante seja lícito a qualquer dos meus vassalos, qualquer que seja o País em que habitem, estabelecer todo o gênero de manufaturas, sem exceptuar alguma, fazendo os seus trabalhos em pequeno, ou em grande, como entenderem que mais lhes convém". O contraponto dessa liberalização foi a concorrência estrangeira, que inibiu o desenvolvimento da indústria nacional.

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tendo em vista que o mercado nacional era primordialmente abastecido por mercadorias estrangeiras.

A Constituição de 1934 inaugura a constitucionalização da liberdade econômica. Ela diz: "Art. 115. A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da justiça e as necessidades da vida nacional, de modo que possibilite a todos existência digna. Dentro desses limites, é garantida a liberdade econômica". Essa liberdade econômica nasce com a concomitante possibilidade de intervenção do Estado no resguardo de interesses nacionais, com o escopo de possibilitar o governo federal a contornar os efeitos da crise de 1929, que se estendeu por toda a década de 1930 (FORGIONI, 1995:71).Em referência à Constituição de 1934, FORGIONI (1995:72) salienta:

"( ... ) a concorrência não deveria ser encarada como um direito ilimitado dos agentes econômicos. Como se sabe, entretanto, não houve sob a égide dessa Constituição, a promulgação de qualquer lei que regulamentasse o processo competitivo, sob uma ótica antitruste". (FORGIONI,1995:72)

A Constituição de 1937 reforça a tendência crescente na época de substituição pelo Estado da atividade econômica privada, para promover a sustentabilidade do desenvolvimento econômico. Conforme o seu art. 135 estabeleceu: "Na iniciativa individual, no poder de criação de organização e de intervenção do indivíduo, exercido nos limites do bem público, funda-se a riqueza e a prosperidade nacional. A intervenção do Estado no domínio econômico só se legitima para suprir as deficiências da iniciativa individual e coordenar os fatores de produção, de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos e introduzir no jogo das competições individuais o pensamento dos interesses da Nação, representados pelo Estado. A intervenção no domínio econômico poderá ser mediata ou imediata, revestindo a forma do controle do estímulo e da gestão direta". O governo teria assumido a função de agente externo, seja mediante o controle, estímulo ou atuação direta na economia.

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jurídico brasileiro como uma forma de repressão ao abuso do econômico (FORGIONI, 1995:75).

Algumas das normas introduzidas pelo Decreto n.869/38 são válidas até hoje (FORGIONI, 1995:76). Apenas como exemplo, aponta-se a coibição do açambarcamento de mercadorias (art. 2°, I e II); fixação de preços mediante acordo entre empresas (art.2°, V), exclusividade (art. 3°, I), dentre outros. FORGIONI (1995) salienta que o Decreto-Lei 869/38, em conformidade com a Constituição de 1937, apenas autorizava a atuação estatal com o objetivo de neutralizar os efeitos autodestrutíveis da estrutura de mercado, sem assunção de maiores funções de condução do sistema.

No ano de 1945 foi aprovado o Decreto-Lei 7.666/1945, impulsionado pelo Ministro de Getúlio Vargas, Agamenon Magalhães. Esse decreto, chamado Lei Malaia durou apenas três meses, sendo revogado pelo Presidente Provisório José Linhares, que sucedeu Getúlio Vargas. Essa normativa foi interpretada como altamente nacionalista, pois possibilitava práticas protecionistas, facultando inclusive ao Estado controlar os agentes econômicos por meio de intervenção em empresas que se comportassem de modo a prejudicar o interesse público. Com o fim de fiscalizar as práticas contrárias ao interesse da economia nacional, aplicar sanções e autorizar práticas restritivas, foi criada a Comissão Administrativa de Defesa Econômica. Segundo FORGIONI (1995:81), "facultava-se ao Poder Executivo, segundo seu juízo de conveniência e oportunidade, autorizar determinada prática".

A Constituição de 1946 introduz pela primeira vez o princípio da repressão ao abuso do poder econômico. Conforme estabeleceu o seu art. 148: "A lei reprimirá a toda e qualquer forma de abuso do poder econômico, inclusive as uniões ou agrupamentos de empresas individuais ou sociais, seja qual for a sua natureza, que tenham por fim dominar os mercados nacionais, eliminar a concorrência e aumentar arbitrariamente os lucros". O papel dessa inovação constitucional foi consolidar uma tendência verificada pelo Lei 869/1938 e Decreto-Lei 7666/1945 de coibir o abuso do poder econômico que tenha por fim dominar o mercado nacional, eliminar a concorrência e aumentar arbitrariamente os lucros (FORGIONI, 1995:84).

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Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) cUJa incumbência era apurar e reprimir abusos do poder econômico. Além disso, outorgou competência ao CADE para autorizar práticas restritivas à concorrência. Para FORGIONI (1995 :94), isso significou no estabelecimento da possibilidade de controle a priori, por parte da autoridade administrativa, dos atos praticados pelos agentes econômicos que pudessem produzir os efeitos tipificados por essa lei ..

A Constituição Federal de 1988 inaugurou uma nova fase da defesa da concorrência, definindo a livre concorrência e a defesa do consumidor como princípios da ordem econômica (art. 170). Estabelece também que a "a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros." (art. 173, §4°, CF). Visando regulamentar esse dispositivo constitucional, o legislador federal discutiu no Congresso diversos projetos. A primeira lei originada dessa nova tendência foi a Lei n08137/90 que, ao definir crimes contra a ordem tributária, econômica e relações de consumo, tipificou práticas anti competitivas como infrações penais.

Contudo, só a partir da Lei 8158 de 1991 que se mudou o desenho institucional da política anti truste. Até então o Conselho Administrativo de Defesa Econômica figurava como o único órgão responsável para apurar e reprimir abusos do poder econômico (art. 8°, L.4137/62). Essa nova lei criou a Secretaria Nacional de Direito Econômico (SNDE), vinculada ao Ministério da Justiça, cuja função, conforme estabelecido pelo seu art 1°, era "apurar e propor as medidas cabíveis com o propósito de corrigir as anomalias de comportamento de setores econômicos, empresas ou estabelecimentos, bem como de seus administradores e controladores, capazes de perturbar ou afetar, direta ou indiretamente, os mecanismos de formação de preços, a livre concorrência, a liberdade de iniciativa ou os princípios da ordem econômica" .

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e anuência da SNDE". Cria-se, portanto, uma nova instância administrativa na política anti truste.

Posterionnente, veio a Lei 8884/94, que trouxe outras profundas mudanças ao sistema de defesa da concorrência (SALGADO, 1995: 16-19). Essa lei conferiu autonomia institucional ao CADE, constituindo-o numa autarquia federal (art. 3°). Isso possibilitou ao CADE adquirir uma personalidade jurídica e uma administração organizacional e financeira própria. Essa autonomia institucional foi fortalecida pelo impedimento de revisão, no âmbito da administração pública, das decisões do CADE. Nesse sentido, estabelece o art. 50 o seguinte: "As decisões do CADE não comportam revisão no âmbito do Poder Executivo ( ... )". Outro aspecto importante foi o estabelecimento de mandatos fixos aos membros do conselho do CADE, que só poderão perder mandato "em virtude de decisão do Senado Federal, por provocação do Presidente da República, ou em razão de condenação penal irrecorrível por crime doloso, ou de processo disciplinar de confonnidade com o prevê a Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990 e a Lei n° 8.429, de 2 de junho de 1992, e por infringência de quaisquer das vedações previstas no art. 6°". Por último, vale apontar a criação de uma Procuradoria para o CADE, que além de executar as decisões do CADE, terá a função de defendê-lo em juízo (art. 10).

Referências

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