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Da colônia ao shopping: um estudo da evolução tipológica da arquitetura hospitalar em Natal

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Academic year: 2017

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DA COLÔNIA AO

SHOPPING

:

um estudo da evolução tipológica da arquitetura

hospitalar em Natal

Maria Alice Lopes Medeiros

Dissertação de Mestrado

Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

(2)

DA COLÔNIA AO SHOPPING

:

um estudo da evolução tipológica da arquitetura hospitalar em Natal

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo.

Área de concentração: Projeto

Orientadora:

Profa. Dra. Sônia Marques da Cunha Barreto

Natal – RN

(3)

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO

DA COLÔNIA AO SHOPPING

:

um estudo da evolução tipológica da arquitetura hospitalar em Natal

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Profª. Drª. Maísa Fernandes D. Veloso – PPGAU/UFRN Presidente

Profª. Drª. Claudia Loureiro – UFPE Examinador externo

Prof. Dr. Pedro Antônio de Lima Santos – PPGAU/UFRN Examinador interno

(4)

Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Central Zila Mamede

Medeiros, Maria Alice Lopes.

Da colônia ao shopping: um estudo da evolução tipológica da arquitetura hospitalar em Natal / Maria Alice Lopes Medeiros. – Natal, RN, 2005.

196 f. : il.

Orientadora: Sônia Marques da Cunha Barreto.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo.

1. Arquitetura – Dissertação. Arquitetura hospitalar – Dissertação. 3. Arquitetura – Tipologia – Dissertação. 4. Edifício hospitalar – Projeto arquitetônico – Dissertação. I. Barreto, Sônia Marques da Cunha. II. Título.

(5)

Escrevo esses agradecimentos mais de um ano depois do término dos trabalhos. Portanto, distante do calor dos acontecimentos, das emoções e do cansaço. Por um lado, esse distanciamento me permite observar os fatos com mais serenidade. Por outro, me arrisco a ser traída pela memória, deixando de citar alguns nomes daquelas pessoas que considero terem sido de fundamental importância para realização deste trabalho: os funcionários dos hospitais pesquisados em Natal. Falo especificamente daqueles que trabalham anos a fio nessas instituições, alguns inclusive desde sua construção. E que, por sua relação com elas como um segundo lar, guardam lembranças, escritos e fotos como se fossem suas próprias. Foi através delas que pude preencher lacunas deixadas pelos documentos oficiais quase inexistentes. Gostaria de registrar a valiosa ajuda e o apoio prestado por essas pessoas durante a execução da pesquisa – apoio e ajuda sem os quais seria difícil, ou até mesmo impossível, realizar algumas das tarefas deste trabalho.

(6)

Com base em uma discussão em torno do conceito de tipo e de seu papel na prática e na teoria da arquitetura, elabora-se um instrumental analítico com vistas a reconhecer a evolução tipológica da arquitetura hospitalar ocidental. Verifica-se então como essa evolução tipológica se reflete nos edifícios hospitalares em Natal, Rio Grande do Norte, usando-se para tanto um conjunto de 18 dos 29 hospitais implantados na cidade ao longo do século XX. Conclui-se que o itinerário tipológico da arquitetura hospitalar de Natal repete o ocidental, a menos de singularidades explicadas pelas características do desenvolvimento social e econômico da cidade.

Abstract

A conceptual discussion on architectural type and its role in theory and practice supports the construction of an analytical tool used for recognizing the typological evolution of hospital architecture in Western societies. The same tool is applied to analyze the typological evolution of hospital architecture in Natal, Brazil, through a sample of eighteen hospitals built in the city since the

beginnings of 20th century. The conclusion is that typological evolution in

Natal is almost the same as occidental one, except for a few singularities that

(7)

1. Introdução ...

1

1.1. Arquitetura e História da Arquitetura ...

3

1.2. História comparada da Arquitetura e análise tipológica ...

4

1.3. A análise tipológica ...

4

1.4. Uma leitura sintética da evolução dos hospitais ocidentais ...

5

1.5. Perguntas e hipóteses básicas de trabalho ...

7

1.6. Objetivo geral e objetivos específicos ...

9

1.7. Relevância e justificativa da pesquisa ...

9

1.8. Procedimentos metodológicos ...

10

1.9. Estrutura do documento ...

11

2. Tipo, tipologia, análise tipológica: discussão e definição conceitual ...

12

2.1. O conceito de tipo e a crise da Arquitetura Moderna ...

14

2.2. O debate tipológico: uma breve reconstituição ...

16

2.3. Antecedentes dos teóricos do século XIX ...

23

2.4. Tipo na visão de Quatremère de Quincy ...

25

2.5. O tipo na obra de Durand ...

28

2.6. O tipo na visão de Viollet-le-Duc ...

31

2.7. Integração dos conceitos de tipo ...

32

2.8. Descrição dos instrumentos de análise ...

35

3.

Evolução das tipologias arquitetônicas do edifício hospitalar ...

39

3.1. O hospital no período medieval ...

41

3.1.1. O tipo claustral ... 42

3.1.2. O tipo basilical ... 46

3.1.3. O tipo colônia ... 48

3.2. O hospital renascentista ...

50

3.2.1. A enfermaria cruzada ... 52

3.2.2. O tipo casa de campo ... 54

3.3. O hospital iluminista ...

56

3.3.1. O tipo pavilhonar ... 59

3.3.2. A influência de Florence Nightingale ... 61

3.3.3. O legado do Iluminismo para a arquitetura hospitalar ... 62

3.4. O hospital modernista ...

63

3.4.1. O tipo torre sobre pódio ... 66

3.4.2. O tipo rua hospitalar ... 68

3.4.3. O tipo sanduíche ... 72

3.5. O hospital do período pós-modernista ...

74

3.5.1. O tipo shopping/hotel/residência ... 77

(8)

4.1. Política de saúde pública e a situação do hospital em Natal no

Brasil Imperial ...

94

4.2. A Primeira República: a construção das políticas públicas de

saúde e suas repercussões nos hospitais de Natal ...

96

4.3. Estado Novo, política nacional de saúde e desenvolvimento

hospitalar em Natal ... 100

4.4. Da redemocratização ao golpe militar de 1964 ... 105

4.5. O período da ditadura miltar (1964-1985) ... 111

4.6. De 1985 ao presente ...

116

4.7. Uma visão geral do hospital em Natal ...

121

5. Análise tipológica dos hospitais de Natal ...

124

5.1. Preparação do material para análise ...

127

5.2. O tipo colônia e o Hospital Colônia São Francisco ... 128

5.3. O tipo casa de campo ... 129

5.4. A presença do tipo pavilhonar ...

133

5.4.1. O Hospital Evandro Chagas ... 133

5.4.2. Policlínica, Casa de Saúde São Lucas, Hospital Colônia João Machado ... 136

5.4.3. Hospital Sanatório Getúlio Vargas ... 139

5.4.4. Considerações gerais a respeito dos hospitais pavilhonares de Natal ... 142

5.5. Hospital Infantil Varela Santiago ...

143

5.6. Os hospitais do tipo torre sobre pódio ...

147

5.6.1. Hospital Natal Center ... 147

5.6.2. Hospital Walfredo Gurgel ... 150

5.6.3. Hospital Santa Helena, Hospital PAPI, Hospital Memorial ... 152

5.6.4. Considerações sobre o tipo torre sobre pódio ... 155

5.7. Santa Catarina e Maria Alice Fernandes: hospitais rua ... 156

5.8. Promater, Femina e Coração: uma incursão em um novo tipo? .... 159

5.8.1. Hospital Promater ... 160

5.8.2. Hospital Femina ... 161

5.8.3. Hospital do Coração ... 162

5.8.4. Considerações gerais ... 163

5.9. Agrupamentos tipológicos e aderência ao contexto ...

165

6.

Conclusões ...

177

Referências ...

187

(9)
(10)

1. Introdução

No Brasil, pode-se registrar uma maior atenção com o projeto arquitetônico de hospitais, como objeto de estudo e de formação técnico-científica, a partir dos anos 1980. Foi a partir daquela década quando, por iniciativa conjunta do Ministério da Saúde e da Universidade de Brasília, passou-se a oferecer de modo sistemático um Curso de Especialização em Arquitetura do Sistema de Saúde.

No programa do Curso, o hospital era abordado como elemento integrante de um sistema hierarquizado de atenção à saúde e, como requisito da formação do especialista, desenvolvia-se ali um projeto arquitetônico de um edifício hospitalar. Nesse projeto, trabalhava-se com base em normas, elaboradas pelo Ministério, as quais definiam fluxos, programas e dimensionamento dos espaços, além de recomendações e prescrições quanto a circulações, modulação do espaço, taxa de ocupação do terreno, localização urbana e configuração geral, entre outros aspectos e elementos do edifício.

Não se levantavam, nem se discutiam questões tais como:

x por que a configuração geral recomendada era a mais adequada?

x como se chegou a essa conclusão?

x que outras formas foram tentadas no passado e por que foram abandonadas?

Além dessas, outras indagações mais críticas podiam ser levantadas:

x se aquelas configurações recomendadas também se tornariam ultrapassadas, então como saber em que direção se estava caminhando?

x se fosse possível entender como se dariam as mudanças, seria possível projetar estruturas mais adaptadas ou adaptáveis a elas?

x as recomendações, prescrições e normas eram transferíveis a geografias com diferentes níveis de desenvolvimento social e econômico?

(11)

1.1. Arquitetura e História da Arquitetura

Um ramo da História da Arquitetura, cujo tratado mais representativo é A History of Architecture, de autoria de Sir Banister Fletcher (publicado por primeira vez em 1896 e reeditado freqüentemente – foram 19 edições até agora, a última de 1987), admite implicitamente a importância das questões acima colocadas. Mais que isso, Fletcher (1987) estabelece conexões explícitas entre a arquitetura e seu entorno físico-geográfico, ambiental, cultural e socioeconômico, quando analisa a evolução da arquitetura segundo um método de história comparada.

O enfoque historiográfico de Fletcher parte da descrição dos aspectos climáticos, geomorfológicos, socioculturais, tecnológicos e econômicos de cada região, em determinada época. Para Fletcher, é desses aspectos caracterizadores do entorno que, com a interveniência do ato criativo do arquiteto, resultam os elementos e soluções que compõem a arquitetura regional naquele período. Portanto, planta, volumetria, estrutura, aberturas e vedações, entendidas em conjunto, tendem a ser, inevitavelmente, condicionadas pela cultura (NEWTON, 1991). Em conseqüência, produção arquitetônica e contextos culturais podem ser associáveis.

Assim, é possível compreender a evolução da Arquitetura em estreita relação com a evolução histórica das sociedades. E entender como cada solução arquitetônica, em uma dada época e região, surgiu em resposta a desafios contextuais, consolidou-se e, posteriormente, foi alterada ou substituída como conseqüência de ulteriores transformações da sociedade.

Apropriando e adaptando a metodologia historiográfica de Fletcher para analisar a história da arquitetura hospitalar, pode-se entender como e porque, em cada período analisado, surgiu e se consolidou uma solução arquitetônica de natureza geral, que veio a concretizar um hospital característico do período – no sentido de representação sintética idealizada de uma série de edifícios hospitalares concretos.

(12)

1.2. História comparada da Arquitetura e análise tipológica

Nesses termos, o estudo da Arquitetura precedente e sua sistematização vinculada ao contexto histórico-geográfico, nos moldes empregados por Fletcher, são assimiláveis à técnica da análise tipológica. A análise tipológica arquitetônica se constitui em ferramenta bastante utilizada quando se trata do estudo da produção arquitetônica, quer seja ela contemporânea ou precedente, com vistas ao conhecimento sistematizado dessa produção e/ou à adequação de soluções já testadas a novos projetos.

Essa assimilação da tipologia à história pode ser reafirmada pela reaproximação da teoria e do projeto ao legado histórico arquitetônico, aproximadamente a partir da década de 1960, meio século depois de o movimento moderno haver rompido com a tradição arquitetônica precedente. O estudo tipológico foi um instrumento adequado para aquela reaproximação, na medida em que conseguiria captar, para cada período histórico, a essência representativa de sua Arquitetura.

É evidente que, enquanto instrumento, a análise tipológica adquire as feições do conceito de tipo que é subjacente a sua formulação: distintos conceitos de tipo levam a distintas ferramentas de análise tipológica. E, portanto, somente estudos tipológicos fundados em conceitos de tipo que incorporem a referência ao contexto têm a possibilidade de alcançar significação historiográfica.

Deste modo, a abordagem da arquitetura hospitalar com o fim de encaminhar respostas àquelas questões acima colocadas impõe que se adote um conceito de tipo – e, por conseguinte, uma matriz de análise tipológica – que seja coerente com a necessidade do referenciamento histórico do objeto arquitetônico estudado. Por outro lado, requer que se problematize, em uma perspectiva tipológica, a evolução do edifício hospitalar em face de relevantes alterações no seu contexto histórico.

1.3. A análise tipológica

(13)

As raízes intelectuais desse conceito de tipo podem ser rastreadas até a obra seminal de Quatremère de Quincy (1985, 1998)1. Não obstante, uma importante polêmica em torno do conceito de tipo teve lugar a partir do seu resgate, em 1962, por Argan (1996, 2001)2 e de sua assimilação pelos teóricos e projetistas italianos da Tendenza, a partir da segunda metade da década de 1960.

Nesse debate, foram se firmando distintas versões para o conceito de tipo – entre outros, Rossi, 1995 (publicado originalmente em 1966); Vidler, 1977; Oeschlin, 1985 –, como também se apresentavam discordâncias de peso quanto à validade ou à oportunidade do conceito para o estudo ou para a projetação em arquitetura (ver, por exemplo, Pérez-Gómez, 1991), até o ponto em que o tipo se firmou como um dos temas fundamentais da agenda teórica do pós-modernismo (NESBITT, 1996a).

Situar-se na polêmica e definir-se por um conceito é, portanto, um ponto de partida para uma abordagem analítica da evolução histórica dos edifícios hospitalares, um produto arquitetônico complexo e, em função da natureza pública de sua utilização, extremamente dependente de definições político-culturais da sociedade.

Por outra parte, essa abordagem não deve ser desenvolvida sem tomar em conta o objeto arquitetônico hospital, de modo que uma visão resumida de uma história geral dos hospitais pode ser útil para estabelecer as bases de uma compreensão tipológica de sua linha evolutiva.

1.4. Uma leitura sintética da evolução dos hospitais ocidentais

No início, os hospitais foram exclusivamente associados à idéia de morte. Os enfermos chegavam em busca de preparação espiritual, que lhes era dada em locais onde apenas se amontoavam as pessoas doentes.

1 O texto fundamental de Quatremère de Quincy a respeito do seu conceito de tipo é o verbete correspondente

que aparece em duas de suas obras: a Encyclopédie méthodique, originalmente publicada entre 1788 e 1825, e o Dictionnaire historique de l’architecture, de 1832. Neste trabalho, as citações do verbete tiveram por base duas fontes: a transcrição completa do texto de Quatremère, traduzida para a edição italiana de 1844 por Antonio Mainardi e reproduzida integralmente em Casabella, ano XLIX, n. 509/510, 1985 (ver Quatremère de Quincy, 1985); a tradução para o inglês (não creditada) do verbete type da Encyclopédie méthodique

conforme publicada em Oppositions, n. 8, primavera de 1977, sob uma introdução de Anthony Vidler e reproduzida em Hays (1998) (ver Quatremère de Quincy, 1998).

2 O artigo de Argan que introduziu as idéias de Quatremère de Quincy no debate teórico contemporâneo foi

(14)

Risse (1999) mostra como, a partir dessa origem medieval, os hospitais foram, gradualmente, adquirindo uma vinculação à vida. Em primeiro lugar, se tornaram espaços de recuperação de enfermos; depois, em lugar de atuação preventiva em prol da saúde e de melhoria da qualidade de vida. Tal evolução conceitual se refletiria nos espaços dedicados a estas atividades, e os hospitais foram se transformando em edifícios de estrutura arquitetônica complexa.

Na Idade Média, a finalidade do hospital era dar abrigo, sustento, assistência e consolo espiritual aos desamparados pela sociedade – peregrinos, pobres, enfermos e insanos. Os cidadãos minimamente abastados tinham atendimento domiciliar a seus problemas de saúde, e isso se manteve até meados do século XIX (GOLDIN, 1984).

Hospitais medievais eram construídos por ordens religiosas, bispos, senhores feudais e reis (ROSEN, 1994). Na verdade, não eram edifícios autônomos, pois se integravam às estruturas físicas dos mosteiros e catedrais, reproduzindo os esquemas dos claustros ou das basílicas de uma ou várias naves, com uma capela na cabeceira (GOLDIN, 1994). Esses hospitais se multiplicaram durante os séculos V ao XIII, e estavam, quase sempre, superlotados, sujos e insalubres.

No Renascimento, a Igreja e a Corte deixaram de ser as fontes principais de financiamento da assistência aos pobres e enfermos. Ricos cidadãos burgueses tomaram a responsabilidade de construir hospitais. Goldin (1984) enfatiza que é então que se dá o crescimento de importância do conhecimento médico dentro do hospital: surgiram os primeiros hospitais civis, os chamados hospitais palácios de arquitetura neoclássica, de estrutura pavilhonar, como resultado de uma maior preocupação com ventilação e insolação.

No período do Iluminismo, o avanço científico permitiu a compreensão dos processos de infecção cruzada e propagação de infecções. A prática cirúrgica desenvolvida nos hospitais militares foi incorporada aos hospitais civis, junto com o surgimento da anatomia patológica, que permitiu o conhecimento médico dos órgãos humanos internos (RISSE, 1999).

(15)

Esses fatos produziram uma importante transformação no edifício hospitalar, onde, a partir de então, a ciência penetrou, modificando espaços que, antes, refletiam somente a influência religiosa (GOLDIN, 1994). O hospital começou a ser atrativo para os afluentes da sociedade, vez que já oferecia uma possibilidade de cura mais alta que aquela que se poderia conseguir com o atendimento domiciliar.

Mais ou menos em meados do século XX, implantou-se nos edifícios hospitalares a sistematização projetual funcionalista: separação de funções, projeto modular, formas simplificadas, adoção de dimensões mínimas. Buscava-se viabilizar financeiramente o hospital pela via de sua racionalização e massificação, em um contexto em que eram crescentes os custos com equipamentos, pessoal, fármacos e materiais (CARPMAN et al., 1986). Várias soluções arquitetônicas foram exercitadas, todos refletindo uma preocupação funcionalista que passará a ser criticada nos anos 1960 e 1970.

As críticas se intensificaram a partir dos anos 1980, com a emergência da pesquisa sobre a influência do ambiente no bem-estar dos usuários (KUFFLNER, 1986). Esses críticos reagiram contra o caráter estéril e impessoal dos hospitais, mais voltados para o seu funcionamento eficiente que para o bem-estar do paciente. Passou-se a defender, segundo Hosking e Haggard (1999), a aplicação das ciências do comportamento no planejamento e desenho do ambiente hospitalar. Acreditava-se que os edifícios hospitalares do século XX tinham feito pouco para satisfazer as necessidades humanas do dia a dia, e defendiam-se hospitais “humanizados”, com foco nas expectativas do paciente e de seus familiares, contando com ambientes apropriados para apoiar o processo de recuperação do enfermo.

Esses pensamentos e suas manifestações na forma do edifício dominariam o período desde 1980 até o final do Século XX. Verderber e Fine (2000) relatam como o hospital assimilou soluções espaciais diferentes das anteriormente vigentes, buscando – sem perder de vista a eficiência econômica – assumir uma natureza mais familiar para o visitante e para o paciente.

1.5. Perguntas e hipóteses básicas de trabalho

(16)

associam a uma demanda social crescente pela aplicação de novos conhecimentos médicos ao campo da atenção à saúde. Por fim, cabe salientar também as naturais mudanças nos materiais e métodos construtivos. Todos juntos, influenciando-se simultaneamente, esses fatores podem ser considerados como motores das mudanças nas tipologias arquitetônicas hospitalares que se registraram ao longo da história.

Na medida em que esses fatores são disseminados mundialmente, de alguma forma eles devem ter sido assimilados por arquiteturas locais na projetação de novos edifícios hospitalares, ou mesmo na reabilitação, recuperação ou expansão de edifícios hospitalares já existentes. Como foram assimilados, com que ritmo? Ou seja, como uma arquitetura hospitalar local responde à dinâmica transformadora daqueles fatores responsáveis pela evolução tipológica dos edifícios hospitalares?

Evidentemente, as respostas a estas perguntas estão vinculadas intimamente ao caso que se toma como local. Assim, ao recolocar a questão em termos mais concretos, faz-se necessário explicitar que o interesse expresso neste trabalho se centra em uma análise do caso de Natal.

Por outro lado, concentrar-se-ia a preocupação analítica no período que vai de princípios a fins do século XX, quando a crítica ao modernismo e a busca de novas perspectivas arquitetônicas puseram o edifício hospitalar em uma nova rota conceitual. Define-se então como objeto de pesquisa a evolução tipológica do edifício hospitalar em Natal ao longo do século XX.

Daí, as questões-chave da pesquisa podem ser formuladas nos seguintes termos:

x de que forma se deu a evolução tipológica do edifício hospitalar em Natal em um dado período histórico (o século XX)?

x em que medida a evolução registrada nas tipologias hospitalares em Natal corresponde àquela que se pode depreender da análise tipológica geral, explícita ou implicitamente refletida na literatura especializada?

(17)

1.6. Objetivo geral e objetivos específicos

O objetivo geral do trabalho consiste na descrição e análise do processo evolutivo das tipologias arquitetônicas hospitalares em Natal, identificando os fatores indutores das mudanças e das singularidades do processo com respeito à evolução tipológica dos hospitais ocidentais, tomada como referência.

O desenvolvimento do trabalho de pesquisa requereu a realização de objetivos específicos, de caráter instrumental, tanto no campo teórico-conceitual, quanto no terreno do empírico. No que concerne ao quadro metodológico, dois eixos de discussão devem ser ressaltados. Por um lado, foi preciso formular um conceito operativo de tipo, com base em uma discussão das principais contribuições teóricas relativas ao tipo e à tipologia em arquitetura. Por outro, enfocou-se a evolução histórica do conceito de hospital, no mundo ocidental, com vistas a compreender esse processo pelo filtro da abordagem tipológica associada ao conceito de tipo previamente formulado.

No que respeita a objetivos instrumentais de natureza empírica, foi necessário levantar o processo histórico de implantação de hospitais na cidade de Natal, recuperando e sistematizando as suas definições arquitetônicas, bem como a informação caracterizadora do contexto socioeconômico urbano e da política pública nacional para o setor de saúde.

1.7. Relevância e justificativa da pesquisa

A importância deste trabalho resulta de sua própria abordagem. Considera-se que a análise tipológica constitui um elemento importante no aprimoramento conceitual da projetação. Na mesma medida da complexidade do edifício hospitalar, seu projeto arquitetônico requer preocupação com definições conceituais que implicam em um conhecimento sistematizado da forma como, historicamente, a arquitetura proveu soluções para problemas que se apresentavam.

Por outro lado, o edifício hospitalar é um edifício de alto custo, que tem, portanto, a vocação da permanência. Paradoxalmente, entretanto, a dinâmica tecnológica do setor médico implica em uma necessidade quase permanente de mudanças e reformas arquitetônicas.

(18)

adequadamente as quase permanentes requalificações, ampliações e recuperações exigidas pelo edifício hospitalar na contemporaneidade.

Por fim, julga-se também de importância o trabalho por seu caráter historiográfico, uma vez que as suas intenções se direcionam para o entendimento do processo histórico de desenvolvimento dos edifícios hospitalares implantados em Natal.

1.8. Procedimentos metodológicos

Tendo em vista a consecução dos objetivos fixados na seção anterior, os procedimentos metodológicos foram projetados de forma a encadear o processo de investigação em uma lógica consistente com as questões-chave e as hipóteses do trabalho.

A formulação de um conceito operativo de tipologia teve por base uma revisão bibliográfica da literatura sobre o tema, projetada em dois níveis seqüenciais. Em primeiro lugar, enfocou-se o debate tipológico contemporâneo (dos anos 1960 aos 1990), confrontando-se interpretações e proposições dos autores mais significativos. Nesse processo, identificaram-se as raízes intelectuais mais expressivas do debate nos aportes teóricos de Quatremère de Quincy, Durand e Viollet-le-Duc. As suas contribuições foram então examinadas, principalmente por meio de leitura indireta, mas sem excluir a consulta e discussão de textos originais, em traduções contemporâneas.

Essa reflexão levou à elaboração de uma interpretação, não propriamente dos conceitos de tipo e tipologia emanados das obras desses teóricos do século XIX, mas de suas abordagens tipológicas. Ou seja, a matriz de análise tipológica construída e utilizada neste trabalho, embora se informe da teoria tipológica dos 1800, se define a partir do vigoroso debate acadêmico de que foram objetos o tipo e a tipologia a partir dos anos 1960.

A validação dessa matriz para o caso da análise tipológica da arquitetura hospitalar teve lugar quando, após concentrar-se em extensa revisão bibliográfica da evolução histórica dos hospitais e da arquitetura hospitalar ocidentais, construiu-se uma interpretação tipológica dessa evolução histórica sob a mediação do conceito e do instrumental de análise definidos na etapa anterior.

(19)

permitissem reconstituir o mais fielmente possível o processo histórico de implantação de hospitais em Natal. A leitura desse processo histórico contextualizou os hospitais natalenses com respeito à evolução da cidade e das políticas públicas relevantes no setor saúde.

Para um subconjunto dos hospitais implantados, foi possível reconstituir satisfatoriamente o projeto de arquitetura inicialmente implantado. Esses hospitais foram objetos de análise, aplicando-se para tanto a matriz de análise tipológica previamente elaborada, permitindo enfim avaliar suas afiliações aos diferentes tipos arquitetônicos hospitalares fixados pela arquitetura ocidental.

1.9. Estrutura do documento

O presente documento está estruturado de formas a salientar o processo metodológico seguido no trabalho de pesquisa. Além deste capítulo inicial, o documento apresenta outros cinco capítulos e três anexos.

O capítulo 2 está dedicado a apresentar os resultados do estudo realizado sobre o conceito de tipo e tipologia, culminando com a apresentação da matriz tipológica elaborada com base na discussão conceitual sobre o tema. No capítulo 3, o enfoque se dirige para a evolução tipológica da arquitetura hospitalar no mundo ocidental, apresentada sob a ótica da matriz de análise apresentada no capítulo anterior.

O processo histórico de implantação de hospitais em Natal é analisado no capítulo 4, em que o pano de fundo das políticas nacionais de saúde pública e a evolução urbana de Natal marcam e conformam o cenário contextual que problematiza cada hospital implantado na cidade. Esses hospitais são então analisados tipologicamente no capítulo 5, apresentando-se os resultados já de forma a salientar suas afiliações aos tipos arquitetônicos que, decantados da história dos hospitais no Ocidente, foram definidos no capítulo 3.

Por sua vez, o sexto e último capítulo apresenta de forma sintética todos os resultados relevantes obtidos no curso do projeto de pesquisa conducente à elaboração dessa dissertação.

(20)
(21)

2. Tipo, tipologia, análise tipológica: discussão e definição conceitual

Este capítulo tem por finalidade a construção de um marco teórico que sirva de referência para o balizamento das etapas empíricas do trabalho de pesquisa. Assim, o objeto deste capítulo é o desenvolvimento de um conceito operativo de análise tipológica, com vistas a sua aplicação, no capítulo seguinte, ao estudo da evolução da arquitetura hospitalar no mundo ocidental, da Idade Média até a contemporaneidade. Os tipos arquitetônicos hospitalares decantados nesse estudo serão, posteriormente, adotados como referências para o enquadramento e análise da evolução da arquitetura hospitalar em Natal, ao longo do século XX.

Como resultado dos estudos que se apresentam neste capítulo, definem-se a configuração e a especificação de um instrumental de análise tipológica, com base na discussão em torno dos conceitos de tipo que, com mais relevância, estão disponíveis na literatura teórica sobre o tema. A seleção dos conceitos de tipo que foram considerados para o desenvolvimento do quadro analítico teve por base uma revisão bibliográfica extensiva, a qual enfocou principalmente a produção intelectual sobre o tema que teve lugar a partir dos anos 60 do passado século.

O exame dessa literatura apontou a relevância das proposições teóricas de Quatremère de Quincy, Jean-Nicolas-Louis Durand e Eugène Emmanuel Viollet-le-Duc, todas do século XIX. Tal seleção não se orientou apenas pelo nível ou intensidade com que esses três teóricos alimentaram o debate tipológico no século XX. Levou em conta também o fato de que suas elaborações teóricas, entendidas como distintas abordagens conceituais que se complementam – como se mostrará no corpo do capítulo –, podem ser integradas em um quadro de análise tipológica.

(22)

contemporâneo, bem como na utilização – implícita ou explícita – da abordagem tipológica na atividade projetual.

Para atingir os seus objetivos instrumentais, este capítulo está estruturado em oito seções. Na primeira delas, situa-se a emergência do debate tipológico nos anos 1960, em conexão com a crise da Arquitetura Moderna. Os elementos e contribuições mais centrais desse debate – que marcou significativamente a cena teórica da arquitetura por, pelo menos, trinta anos – são escrutinados na segunda sessão. Na terceira, examinam-se as condições objetivas em que surgiram, nos primeiros anos do século XIX, as primeiras manifestações teóricas explicitamente concernentes à tipologia e ao tipo. As três seções seguintes estão respectivamente dedicadas à exploração dos conceitos de tipo desenvolvidos por Quatremère de Quincy, Durand e Viollet-le-Duc. Já a sétima seção se concentra no exame da possibilidade de, à luz das contribuições surgidas no debate tipológico contemporâneo, articular esses três conceitos relevantes de tipo em uma matriz de análise tipológica, a qual será detalhada na oitava e última seção.

2.1. O conceito de tipo e a crise da Arquitetura Moderna

A partir dos primeiros anos da década de 1960, estendendo-se até quase o final do século passado, o debate em torno dos conceitos de tipo e tipologia passou a desempenhar um papel significativo na retomada da investigação teórica orientada pela busca de uma essência para a Arquitetura (NESBITT, 1996a). Quase ao mesmo tempo, como observou Moneo (1998), o conceito de tipo passou a ser explicitamente tratado no âmbito da teoria e da prática projetual, destacadamente no caso dos neo-racionalistas italianos.

Analistas como Nesbitt (1996a) têm reivindicado para o tipo a capacidade de sintetizar os elementos essenciais da arquitetura – significado, forma, função e tectônica –, o que alçaria a tipologia à condição de elemento-chave da análise e/ou do processo projetual em Arquitetura.

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Nesse sentido, pode-se entender o interesse pela tipologia no âmbito da busca do significado e da identidade arquitetônicas: o recurso ao tipológico oferece “continuidade histórica, o que confere inteligibilidade a edificações e cidades em uma dada cultura” (NESBITT, 1996a, p. 44). Isso esclarece porque o debate tipológico emergiu, nos anos 1960, como uma das respostas tentativas à crise então vivenciada pela Arquitetura Moderna.

Afinal, uma característica fundamental do Modernismo na arquitetura foi a ruptura com a tradição. Essa ruptura se deu segundo dois pólos articulados que garantiram unidade e suporte ideológico-programático ao movimento em seus primeiros tempos: a negação estilístico-projetual-construtiva do século XIX, em prol da adesão às novas possibilidades tecnológico-formais da Era da Máquina; e a opção ética por um conteúdo social – utópico e transformador – para a prática da Arquitetura (PORTOGHESI, 1981; LARA, 1999). A desarticulação entre esses pólos minou a unidade política do Movimento, com a hegemonia tendendo para as preocupações de ordem formal-construtiva e reduzindo-se gradualmente a importância das questões sociais.

Enquanto Lara (1999) data essa guinada em torno da Segunda Guerra Mundial (ou no período entre os CIAMs de 1937 e 1947), Vidler (1976) situa ainda no período entre as duas guerras mundiais (1919-1938) o surgimento de uma progressiva proeminência do processo tecnológico de produção industrial. Para ele, a tecnologia de produção em série passaria, já nos anos 1930, a servir de base para a projetação arquitetônica, estabelecendo-se a máquina como tipo generalizado (a coluna, a casa e a cidade vistas analogamente à pirâmide de produção industrial) e como elemento de contorno, restritivo à investigação formal.

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“exigências políticas radicais do início do movimento tinham sido abandonadas”, até que “o idealismo liberal triunfou completamente” no pós-guerra.

Dessa forma, a essência da arquitetura passaria a estruturar-se a partir de um elemento externo – a tecnologia industrial da construção civil, com seus padrões inspirados pelo objetivo da eficiência econômica3 –, ao mesmo tempo em que se deturpava ou se perdia de vista a missão política transformadora que validaria socialmente a arquitetura dos tempos modernos.

A esse quadro corresponde, como afirma Lara (1999, p.1), uma “profunda crise de valores, tanto interna (referente à falta de um suporte teórico consistente), quanto externamente (referente a seu papel nas esferas cultural e social)”. Em suma, uma crise de identidade e autonomia, em que o elemento central é o cerne mesmo da arquitetura: o significado.

Em decorrência, o debate que se abre no âmbito dessa crise nos anos 1960 se nortearia pela retomada de uma preocupação com a essência disciplinar da arquitetura, o que colocava a questão de uma teoria inerente ao próprio objeto arquitetônico, mesmo quando essa teoria se articule com o entorno social, cultural, econômico e histórico.

Colquhoun (2004, p. 92) assinala que, entre outras discussões, buscava-se então “redefinir o racionalismo nos termos de uma tradição autônoma da arquitetura”, pois “o que é ‘racional’ em arquitetura é o que conserva a arquitetura como um discurso cultural que perpassa toda a história”.

Assim, no âmbito da crise da arquitetura que culminou cinqüenta anos de permanência do paradigma modernista, o esforço pela reconstrução de uma identidade e de uma autonomia para a disciplina encontrou, entre outras alternativas, uma âncora legítima no debate tipológico e no conceito de tipo.

2.2. O debate tipológico: uma breve reconstituição

O debate tipológico na contemporaneidade foi aberto por Giulio Carlo Argan, com seu artigo Sobre o conceito de tipologia (ARGAN, 1996, 2001), em que sugeria a retomada das proposições de Quatremère de Quincy, formuladas em princípios do século XIX.

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3 Colquhoun (2004, p. 89-90) revela que “o progresso técnico alcançou um patamar em que era possível

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Naquele artigo, Argan não explorava a fundo, em verdade, a obra de Quatremère de Quincy. Tão somente partia da diferenciação tipo-modelo proposta por Quatremère para elaborar um entendimento do processo de formação tipológica e uma argumentação em defesa do papel da abordagem tipológica do processo projetual em arquitetura.

Para os propósitos de Argan, o tipo arquitetônico é um esquema vago, um princípio ou regra geral, cujo caráter meramente nocional não pode afetar diretamente o projeto do edifício singular, muito menos suas qualidades formais. Trata-se de uma idéia-base, capaz de produzir infinitas variantes formais. Já um modelo seria um objeto real, concreto, a ser copiado perfeitamente, num processo eminentemente acrítico e não-criativo.

Para Argan, um tipo arquitetônico nasce em função da existência

de uma série de edifícios que têm entre si uma evidente analogia formal e funcional. Em outras palavras, quando um ‘tipo’ se forma na prática ou na teoria da arquitetura, ele já existe, como resposta a um complexo de demandas ideológicas, religiosas ou práticas, em uma dada condição histórica de alguma cultura (ARGAN, 1996, p. 243, tradução da autora4).

Logo, o processo tem uma dinâmica implícita, pois cada vez que uma série formal tem o incremento de uma nova variante – um novo objeto arquitetônico –, o tipo deduzido poderá ser mais ou menos alterado, em função do impacto mais ou menos intenso que o mais recente elemento introduzido na série possa produzir no princípio geral dedutível dessa série. Portanto, reflete Argan, a abordagem tipológica não inibe a inventividade do processo de projetação: há um momento tipológico, de apropriação de uma regra geral que se deduz da tradição, e há um momento criativo, inovador, em que essa regra geral, cotejada pelas demandas e exigências da situação presente, é traduzida em um objeto arquitetônico singular.

A retomada das idéias de Quatremère por meio do artigo seminal de Argan foi oportuna. Naquele momento, como assinala Colquhoun (2004), se desenvolvia na Itália uma nova visão racionalista (o neo-racionalismo) pela qual as características da arquitetura não se vinculariam à tecnologia ou a formas especificamente contemporâneas das relações sociais e do comportamento em sociedade. Os neo-racionalistas, ao contrário, propunham que as características fundamentais da arquitetura persistem com as mudanças nos campos da

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4 Todas as citações presentes neste trabalho, à exceção de referências cujo idioma original seja o português,

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tecnologia e na sociedade, vinculando-se assim a uma imagem permanente do homem. Ou, nas palavras do mesmo Argan,

os ‘tipos’ históricos [...] não pretendem satisfazer requerimentos práticos contingentes; eles se voltam a lidar com problemas mais profundos que – ao menos nos limites de uma dada sociedade – são entendidos como fundamentais e permanentes. Daí ser necessário aprender da experiência amadurecida no passado de modo a ser capaz de conceber formas que se apresentem como válidas no futuro (ARGAN, 1996, p. 244).

Assim, a interpretação arganiana do conceito de tipo em Quatremère assimilava a preocupação de garantir uma continuidade autônoma para a arquitetura.

Entretanto, a formulação de Argan de um processo criativo em dois tempos – um tipológico, outro de definição formal do novo objeto arquitetônico – restringia a abordagem tipológica a exame da arquitetura precedente como informação do processo projetual. Segundo Francescato (1994), coube a Ernesto Rogers ampliar a interpretação de Argan e assimilar mais intensamente a proposta de Quatremère, ao entender que o processo projetual não apenas se inicia com um momento tipológico, mas que também consiste de operações tipológicas.

Na lógica projetual de Rogers, revela Francescato (1994), o ajuste forma-função não poderia ser garantido por uma série de procedimentos técnicos sobre o programa de necessidades, vez que resulta de um processo histórico em que edifícios reais são usados por pessoas e grupos em uma cultura específica.

Por isso, questões de natureza tipológica teriam de ser conscientemente trabalhadas na fase de definição da forma. Além disso, ressalte-se que a escolha do tipo é um processo ativo, em que o arquiteto é levado a escolher, entre as referências tipológicas disponíveis, aquela que ele mesmo julgue como a mais adequada para o problema projetual que tem em mãos.

Tal valoração do tipo, evidentemente, trazia implícita a necessidade de uma elaboração sistemática para o processo de abordagem tipológica da arquitetura e do projeto. As proposições de Rossi, tanto no campo acadêmico quanto na atividade projetual, vão nessa direção (MONEO, 1998; BRAGHIERI, 1997).

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sua essência”. E, se esse tipo for uma constante, então ele “poderá ser encontrado em todos os fatos arquitetônicos”, constituindo-se como um “elemento cultural” que, embora determinado, conflita e articula-se com “a técnica, com as funções, com o estilo, com o caráter coletivo e o momento individual do fato arquitetônico”.

Sobre essas bases, Rossi propunha a tipologia “como o estudo dos tipos não ulteriormente redutíveis dos elementos urbanos, tanto de uma cidade como de uma arquitetura”, afirmando a necessidade de seu amplo tratamento sistemático, pois se “nenhum tipo se identifica com uma forma”, “todas as formas arquitetônicas” são redutíveis a tipos, em um processo lógico.

Quase vinte anos depois da primeira edição, em 1966, de A Arquitetura da Cidade (Rossi, 1995), Rossi (1985, p. 100) afirmaria entender “a tipologia de um edifício como uma coleção de dados geométricos, técnicos e históricos que estão na base de todo projeto”, abrangendo também um componente antropológico, e cuja relevância é indubitável, seja para a teoria da arquitetura, seja para a prática profissional.

Para Colquhoun (1975, p. 368), essa utilização da tipologia na obra de Rossi partia da idéia de tipo em um nível tão alto de generalização que ele se tornava quase invulnerável à interferência tecnológica e social. Decorriam daí imagens subjetivas e poéticas, mas fortemente vinculadas a utilizações de analogias ou contrastes, com resultados que, freqüentemente, evocavam leituras tipológicas próprias do arquiteto, e não reveladas pela cultura. Como sugeriu Moneo (1978, p. 36), os tipos parecem ter saído da imaginação de Rossi, resgatados de “um passado que pode não ter existido”.

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Oeschlin (1985, p. 67) situa o grupo mencionado como membros de um “círculo de iniciados” que, a partir da Itália, conseguiu produzir nos anos 1960 e 1970 uma discussão aprofundada e reveladora sobre a essência da arquitetura e sobre o processo criativo em projetação arquitetônica.

Essa discussão, centrada na distinção tipo-modelo e nos modos de apropriação da análise tipológica na atividade projetual, pôde estabelecer um contraponto inicial a uma compreensão superficial do conceito de tipo. Oeschlin (1985, p. 66) identifica uma primeira reação à valoração da abordagem tipológica, atribuindo a Bruno Zevi a afirmação de que “a arte é anti-tipológica, toda criação arquitetônica é inevitavelmente uma interpretação individual do artista”.

Nesse sentido, a tipologia veio a ser confundida com tipificação, e o conceito de tipo arquitetônico aproximado ao conceito de tipo funcional de edifício, como no conhecido trabalho de Pevsner (1976), ou ao de padrão volumétrico.

No primeiro caso, como enfatiza Lampugnani (1985), o caráter banalizante da interpretação – tipologia assimilada a tipificação – está em sintonia com o conceito de eficiência econômica da produção de edifícios, de que se imbuiu o processo de edificação em massa da “casa mínima” a partir do CIAM de 1927. Aqui, o tipo não é derivado do precedente arquitetônico, e sim definido a partir das possibilidades tecnológicas de produção industrial de componentes padronizados.

No segundo caso, assinala Francescato (1994), a banalização do conceito de tipo se dá pelo sentido meramente taxonômico que adquire. Um sentido que é capaz tão somente de produzir catálogos que são, no máximo, um passo intermediário no processo de estruturação do conhecimento, nunca um fim em si mesmo (UNGERS, 1985). Como afirma um crítico do pensamento tipológico, essas “formulações simplistas são pouco mais do que catálogos intermináveis e negligentes para os tímidos e os sem imaginação [...] confundem tipo e pensamento tipológico com cenografia histórica” (BELL, 1991, p. 19).

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Talvez o mais reiterativo e contundente crítico da abordagem tipológica, Peréz-Gómez (1991, p. 14-15) entende as formulações de Quatremère de Quincy como uma proposição de tipo como modelo formal, o que assimilaria a tradição arquitetônica a uma “auto-referenciada história dos edifícios” que elude “a dimensão invisível” da arquitetura.

Kahn (1991, p. 111) retruca que essa é uma compreensão univalente do tipo em Quatremère: ao ressaltar a natureza convencional da tipologia, confunde-se tipo e modelo e se omite “a tensão entre convenção e inovação” que é inerente ao ato arquitetônico de confrontar a “dimensão invisível” do tipo ao edifício material concreto.

Por outro lado, Symes (1994) tenta extrair elementos para uma análise generalizada dos usos do tipológico na prática arquitetônica, a partir de uma caracterização de Vidler (1989, p. 147) pela qual “a idéia de tipo na teoria arquitetônica [...] tem um significado deveras abrangente de concepção, forma essencial, e tipo edilício”, devido ao fato de que as múltiplas acepções do termo tipo “fizeram com que se prestasse bem a representar uma idéia ao mesmo tempo vaga e precisa”. Symes (p. 165) propõe, então, uma nomenclatura em que o conceito de tipo é assimilado à palavra tipo para designar tipos de prática arquitetônica, tipos de arranjo físico e tipos de uso: tudo isso para descrever como “os arquitetos usam o pensamento tipológico em seu trabalho profissional”.

Diante dessa profusão de leituras distintas, cabe estabelecer alguns elementos de partida com vistas a delimitar o entendimento do pensamento tipológico que guiará este trabalho. Admite-se a avaliação de Reichlin (1985) que, discutindo a natureza taxonômica do tipo, afirma que ele promove um censo do conhecimento e um reordenamento da experiência histórica em torno da disciplina arquitetônica.

Mas, o remontar ao significado histórico não se dá somente pela permanência do tipo, como enfatiza Corona Martínez (2000), mas também por meio de processos de analogia ou mesmo de confrontação (SOLÁ-MORALES, 1996).

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geral quanto para temas específicos de originalidade e repetição relativos ao papel do passado na produção arquitetônica de hoje” (KAHN, 1991, p. 113).

Em verdade, o tipo revela e consolida a norma e os valores estéticos acumulados, como resultado de fatores socioculturais que condicionaram a formação desses valores e dessa norma.

Mas, na mesma medida da permanente transformação dos fatores culturais da sociedade, o tipo e a abordagem tipológica estão associados ao processo contínuo de mudanças na norma e nos valores estéticos vigentes a cada momento (Colquhoun, 1996b).

É daí que Hinson (1991, p. 5) realça a natureza dialética do conceito de tipo, expressa na relação conflituosa entre convenção e inovação, de modo que “o comum em arquitetura é o atributo sem o qual o incomum não pode ser criado nem apreciado”.

A abordagem tipológica, então, traz implícita a necessidade de uma aproximação com a história, sem deixar de revê-la criticamente, de modo que o tipo sirva de base, natural ou social, para a constituição da forma e de referência de validação para a produção da Arquitetura (Vidler, 1976), dê-se essa validação pela utilização criativa do tipo, pela evolução ou pela revolução tipológica.

Nas palavras de Colquhoun, a adoção de abordagens tipológicas não equivale

a advogar uma reversão para uma arquitetura que aceite impensadamente a tradição. Isso implicaria acatar que formas e significado guardam uma relação fixa e imutável. A característica dos nossos tempos é a mudança, e é precisamente por isso que é necessário investigar o papel desempenhado por soluções-tipo com respeito a problemas e soluções que não têm precedente em qualquer tradição recebida (COLQUHOUN, 1996a, p. 257).

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2.3. Antecedentes dos teóricos do século XIX

As primeiras explicitações teóricas do tipo e da tipologia remontam a princípios do século XIX, quando, de acordo com Lavin (1992) e Madrazo (1995), Quatremère de Quincy introduzira por vez primeira o termo tipo na teoria da arquitetura. Entretanto, Madrazo (1995) assinala que a noção teórica e, mais tarde, o conceito de tipo sempre estiveram historicamente ligados a questões teóricas fundamentais na Arquitetura: a origem da forma e seu significado, a sistematização do conhecimento prevalente e a compreensão do processo criativo do projeto.

Mauro (1985) informa que na filosofia grega o vocábulo typos era associado à noção de

modelo, significando então um conjunto de características obrigatoriamente presentes em um grupo de indivíduos concretos. Madrazo (1995) fixa no século XVIII a apropriação do vocábulo tipo para designar o significado epistemológico da noção de forma, enquanto anteriormente o termo idéia integrava o significado epistemológico aos significados metafísico, ético e estético, como em Platão.

No âmbito da teoria da arquitetura, as raízes do conceito de tipo podem ser rastreadas até os tempos de Vitrúvio (Madrazo, 1995). Para Vitruvio, as origens da arquitetura estavam na Natureza, de onde as criações humanas foram imitadas antes que se tornassem criações intelectuais ou artificiais. Na Renascença, Leonardo da Vinci e Palladio, com seus desenhos de igrejas de planta central e suas villas, exercitaram sua criatividade e seu talento, de origem divina, expondo variações sobre um mesmo tema.

Para Madrazo, é nos séculos XVII e XVIII que os teóricos da Arquitetura vão por vez primeira separar os significados da idéia, dando origem à emergência de uma leitura epistemológica da forma que leva ao conceito de tipo em princípios do século XIX.

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O desenvolvimento científico-tecnológico ocorrido no século XVIII não havia sido absorvido pela Arquitetura, enquanto que era rapidamente introduzido na formação profissional seguida nas escolas politécnicas francesas (PICON, 2000). O novo profissional egresso dessas escolas, o engenheiro, estava mais capacitado para absorver a dinâmica científico-tecnológica de seu tempo e, em conseqüência, era mais requisitado para dar conta das novas necessidades edilícias e urbanísticas surgidas no seio da Revolução Industrial e intensificadas com a consolidação da burguesia.

Assim, a não-apropriação do progresso técnico vai desqualificar o arquiteto como cientista, obrigando-o a rever os princípios teóricos de sua profissão, e fazendo a arquitetura ingressar em uma crise que, segundo Marques (199-), só seria superada com o Modernismo. Entretanto, ao longo do século XVIII, os paradigmas vitruvianos já vinham sendo questionados por teóricos como o Abade Laugier, Boullée e Ledoux. Em seus trabalhos, como mostra Vidler (1977), a noção de tipo já aparecia, embora sob distintas óticas, como uma diretriz de reconstrução da disciplina arquitetônica que se opunha à simples manipulação das ordens vitruvianas (MADRAZO, 1995).

A linha de investigação de Laugier nasceu como um degrau a mais na pesquisa sobre percepção da forma arquitetônica, manifestada na distinção entre real e aparente desenvolvida pelos escritores franceses e ingleses no inicio do século XVIII (VIDLER, 1977). Para Madrazo (1995), o Abade traduzia uma reação contrária ao excesso de formalismo na arquitetura de seu tempo (o barroco e o rococó).

Para corrigir esses excessos, Laugier achou necessário retornar à origem da Arquitetura para encontrar os seus princípios fundamentais, atribuindo então à “cabana primitiva” um caráter normativo, e erigindo-a no modelo a partir do qual toda arquitetura poderia ser criada (VIDLER, 1977). A cabana primitiva de Laugier é um construto conceitual, mais que um protótipo físico. Trata-se de um padrão abstrato que é deixado na mente depois de observações de similaridades entre objetos diferentes. Logo, revela um processo relacional entre percepção e aquisição do conhecimento.

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formas elementares e os aspectos funcionais do espaço arquitetônico. A ênfase de Boullée nas formas geométricas mais puras partia do entendimento de serem elas mais facilmente apreendidas pelos usuários. Os estudos de Boullée e Ledoux, entretanto, não chegaram a sintetizar as duas dimensões (sensações e funcionalidade), de modo que seus conceitos básicos não resultaram operacionais (VIDLER, 1977).

É a partir dessas duas matrizes de investigação – Laugier, de um lado; do outro, Boullée e Ledoux – que o conceito de tipo se desenvolveria na virada do século XVIII para o XIX. Os trabalhos do Abade Laugier seriam redimensionados por Quatremère de Quincy, enquanto que as investigações de Boullée e Ledoux seriam retomadas por Durand.

2.4. Tipo na visão de Quatremère de Quincy

Quatremère explicitou pela primeira vez na teoria da arquitetura o termo tipo, em 1825. Em sua obra, as idéias neoplatônicas de Laugier sobre o caráter original da cabana vão encontrar uma tradução culturalista (LAVIN, 1992). Tanto Laugier como Quatremère acreditavam que a arquitetura tinha de ser regenerada, depois do excesso cometido no passado imediato. Eles estavam certos que depois do abandono do modelo clássico, a arquitetura se sentiria sem direção (MADRAZO, 1995). A solução que eles defendiam era a mesma: era necessário voltar ao principio. Para Laugier, esse princípio era a cabana; para Quatremère, era o tipo.

Pesquisando diferentes culturas, Quatremère concluiu que a cabana não era a única fonte de toda arquitetura. Havia três fontes básicas, das quais toda arquitetura teria sido derivada. A essas fontes ou germes, Quatremère chamou tipos – a cabana, a tenda e a caverna –, cada um deles correspondente a uma organização social: respectivamente, comunidades agrícolas sedentárias, tribos nômades, e caçadores. Daí, Quatremère concluiu que o tipo estabelece uma conexão entre Arquitetura e sociedade, entre o projeto e as forças sociais subjacentes, indicando uma dinâmica tipológica correspondente à dinâmica social (LAVIN, 1992).

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um modelo concreto (mimese direta); a segunda, uma imitação ilusória ou abstrata, na qual o objeto de imitação é o tipo (mimese indireta).

Assim, para Quatremère (apud MADRAZO, 1995, p. 188), “... para tudo é necessário um antecedente, nada sai do nada”. Para ele, o artista arquiteto compõe sua criação a partir da apreensão e da compreensão de uma regra interna que estrutura a forma. Trata-se do tipo, um elemento abstrato a partir do qual se produzem obras (modelos) diferentes. Tipo e modelo são assim diferenciados por Quatremère:

A palavra tipo não representa tanto a imagem de uma coisa que tenha que se copiar e imitar-se perfeitamente, senão a idéia de um elemento que deve servir de regra ao modelo [...] O modelo, entendido segundo a execução prática da arte, é um objeto que deve se repetir tal qual é; o

tipo, ao contrário, é um objeto de acordo com o qual cada um pode conceber obras que não se assemelham em absoluto entre si. Tudo está dado e é preciso no modelo; tudo é mais ou menos vago no tipo. Assim vemos que a imitação dos tipos não tem nada que o sentimento e o espírito não possam reconhecer (QUATREMÈRE DE QUINCY, 1985, p. 75).

Basicamente, Quatremère afirmou a necessidade de transcender a mera aparência dos modelos e descobrir as regras e princípios a ele subjacentes, em uma atividade intelectual criativa que captura o ponto de partida da criação a partir do modelo. As palavras de Quatremère afirmam sua visão de que o modelo é uma forma para ser repetida, copiada e imitada, e desta forma, é mais apropriada para o artesanato ou para tecnologias da produção industrial do que para a arquitetura. A doutrina da imitação era válida tanto para a arquitetura como para a pintura e a escultura. A diferença era que, em arquitetura, o objeto de imitação – o tipo – é abstrato; nas artes figurativas, o modelo é um objeto concreto.

Indo mais além, afirma Lavin (1992), o conceito de tipo foi a estrutura na qual Quatremère ancorou seu entendimento da história da arquitetura. Para Quatremère, a relação entre as arquiteturas primitiva e moderna pode ser entendida pelo estudo do processo de transformação do tipo, uma metamorfose conceitual requerida cada vez que um edifício foi projetado. Como resultado, o tipo arquitetônico do passado tornou-se chave para o tipo futuro e, mais importante, para a sua legitimação pública e social.

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atividade intelectual criativa de conceber e reconhecer um princípio ideal que estruture a atuação criadora do arquiteto. Esse princípio, como assinala Oeschlin (1985), pressupõe um enfoque sistemático, não apenas descritivo, do contexto histórico das regras, permitindo que essas sejam transpostas para a metodologia projetual.

Oechslin (1985) conclui das reflexões de Quatremère a evidência de que o tipo não é um modelo simplificador, um padrão reduzido da descoberta arquitetônica. Ao contrário, Oeschlin considera o conceito de tipo como uma construção teórica inteligentemente edificada, a partir da qual se pode estabelecer uma compreensão tanto do processo evolutivo da Arquitetura quanto do processo criativo da projetação, nas suas recíprocas interdependências.

Entretanto, não cabe dúvida de que a formulação conceitual de Quatremère é extremamente abstrata, de forma vaga e de difícil operacionalização. Alguns, como Pérez Gómez (1991), a consideram com uma noção bastante confusa e, de certa forma, inútil. Essas críticas, entretanto, segundo Francescato (1994), estão muito ligadas à idéia de que o enfoque tipológico aprisiona a mente criadora do arquiteto nos limites da convenção, o que seria indesejável em um campo em que deve sobressair-se a invenção.

O próprio Quatremère já entendia o tipo como algo limitante, mas ao mesmo tempo liberalizante das energias criadoras do arquiteto (FRANCESCATO, 1994). Afinal, a dinâmica tipológica certamente supõe a progressiva alteração dos tipos, da mesma forma que admite tanto a permanência do precedente quanto a sua negação pela geração de um tipo novo.

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Para Francescato (1994), há que se admitir que existe uma prática de utilização do conceito de tipo, em arquitetura, meramente como um esquema taxonômico, geralmente associado a categorias funcionais ou de construção. Mas, nesses casos de utilização do conceito, em que se salienta o elemento funcional ou tecnológico, o atributo da forma não é central.

Para Quatremère, ao contrário, a geração da forma está no núcleo do conceito de tipo. Portanto, essa visão meramente “classificadora” não pode ser assimilada a Quatremère. Sua teoria tipológica, ao diferenciar claramente os conceitos de tipo e modelo e definir o tipo como um núcleo abstrato capaz de gerar obras diferentes, ressalta o papel criativo do arquiteto ao afirmar que a forma resulta de operações intelectuais criativas operando sobre as idéias (o tipo) que estão por trás das formas precedentes.

2.5. O tipo na obra de Durand

Contemporâneo de Quatremère, Jean-Nicolas-Louis Durand retomou os estudos de Boullée e Ledoux em busca de identificar fundamentos da arquitetura precedente. Boullée e Ledoux haviam trabalhado, sem êxito, na direção de sintetizar duas vertentes da análise dos espaços arquitetônicos: as sensações produzidas e os aspectos funcionais. Durand, entretanto, se fixou apenas nos elementos formais da arquitetura pregressa (PICON, 2000), com o objetivo de produzir um método operativo de análise e projetação que internalizasse o conhecimento e a manipulação de soluções prevalentes.

Arquiteto, teórico pragmático e professor da Escola Politécnica de Paris, onde o ensino se centrava em conhecimentos científicos e tecnológicos, Durand orientou seu esforço de pesquisador para uma fazer arquitetônico que fosse, nas palavras de Picon (2000), tão rigoroso quanto as ciências da observação e dedução, tão eficiente quanto a engenharia.

Durand rejeitava as teorias de Vitrúvio e de Laugier, que defendiam que o princípio fundamental da arquitetura estava no corpo humano e na cabana, respectivamente. Para ele, o verdadeiro princípio fundamental da arquitetura – ou seja, o tipo – devia ser buscado na própria arquitetura. Por isso, Durand analisou os edifícios do passado, sintetizando-os para revelar suas características comuns, representadas em formas geométricas básicas (MADRAZO, 1995).

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leçons d’architecture données à l’École Polytechnique (DURAND, 2000). Este último, um curso básico em arquitetura para futuros engenheiros, lançava mão do material sistematizado no primeiro para orientar a aprendizagem da projetação de edifícios. Daí pode-se depreender uma preocupação essencial na obra de Durand: o projeto.

O Recueil tinha o objetivo de apresentar, desenhados em uma mesma escala, edifícios relevantes de todos os gêneros, novos ou antigos, e em vários países. Os edifícios eram comparados entre si, sugerindo, segundo Villari (1990, p. 55), a idéia de investigação em que a arquitetura – “concebida como um modelo de organização funcional para a atividade humana” – seria uma representação das formas da vida social e do modo de vida. Nessa direção, o trabalho de Durand no Recueil pode ser entendido como um levantamento sistemático de exemplares precedentes, que podem ser usados de forma a constituir-se, na mente do estudioso arquiteto, em fonte de conhecimento e cultura.

As intenções de Durand eram as de apresentar plantas e elevações dos edifícios analisados na forma mais limpa possível. Para ele, o desenho era apenas um instrumento de representação da arquitetura dos edifícios, uma transcrição tecnográfica (VILLARI, 1990). Em suma, Durand buscava uma representação o mais fiel possível da anatomia do edifício, descartando efeitos meramente decorativos e concentrando-se nas definições mais puramente geométricas do projeto, para ele os princípios genéricos da Arquitetura (MADRAZO, 1995).

Vê-se que o Durand do Recueil não desmerece o Durand do Précis. Neste livro, Durand (2000) propunha um método de projeto baseado em três etapas. A primeira, cujo objeto são os elementos da arquitetura, está concentrada em alvenarias, colunas, arcadas etc., analisadas dos pontos de vista da qualidade do material e de seu uso, ou seja, a tecnologia construtiva (VILLARI, 1990).

A segunda etapa do método de Durand se dirige à composição, a qual ele mesmo definia como um processo de agregação ou encaixe (assamblage) dos elementos e das partes da arquitetura. Nas palavras de Durand:

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o resultado satisfatório, devemos então combinar as partes para compor o edifício (DURAND, 2000, p. 119).

Na terceira etapa do Précis, Durand examina diversos edifícios com respeito a suas funções, como elas se combinam e como se traduzem espacialmente, para finalmente estudar a articulação desses espaços (DURAND, 2000). Para Villari (1990), o resultado desse processo é uma classificação tipológica que, entretanto, só tem sentido quando está relacionada com as duas etapas anteriores. Assim, embora Vidler (1977) atribua a Durand a paternidade do moderno conceito de tipologia, não parece ter sido a categoria do edifício, assim definida pela função, o objeto central das preocupações de Durand.

Com efeito, Oeschlin (1985) ressalta em Durand o apego à geometria, a suas formas básicas e à riqueza de possibilidades que se abrem mediante a articulação dessas formas básicas em formas cada vez mais complexas. Se, lembra Oeschlin, o Précis mostra precisamente como edifícios existentes podem ser reduzidos geometricamente até serem “anatomicamente” dissecados em partes constituintes singelas, isso se deve a que Durand estava realmente interessado em tornar legível na arquitetura pregressa a vinculação entre categorias de edifícios e determinados arranjos compositivos, organizados a partir de formas elementares da geometria plana. Ou seja, a partir das formas das figuras geométricas, reconhecer o pensamento arquitetônico a elas subordinado.

Além disso, Picon (2000) acredita que o método proposto no Recueil representa para Durand a formalização do material histórico através da redução para o essencial para uso no processo projetual concreto. Assim, a relação entre a sistematização da geometria e da história forma premissas fundamentais para uma introdução racional da tipologia.

É admissível, então, ressaltar na obra de Durand a catalogação extensiva de alternativas de composição no plano dos elementos da arquitetura, em um primeiro nível, e de articulação entre partes da arquitetura, no segundo. Daí pode-se depreender que o esforço tipológico de Durand se concentra, não no edifício (ou seja, não na visão de tipo edilício de Pevsner, 1976), mas no método. Essa leitura pode ser reforçada com o uso de palavras do próprio Durand no Précis:

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A idéia subjacente é de que uma mesma via é seguida em sentidos diferentes, um para o processo de análise, outro para o de síntese. O processo criativo do arquiteto, propõe Durand, deve ser iluminado pelo conhecimento das soluções de composição (o catálogo de soluções pregressas), mas não pressupõe nem uma atitude passiva de incorporação de formas-tipo adequadas a funções, nem a rigidez de um processo pré-definido.

O trabalho teórico de Durand carrega a marca do novo contexto técnico-científico de seu tempo. Em muitos aspectos, tanto na definição dos elementos de arquitetura ou teorizando o uso de tipos arquitetônicos, ele retomou e completou o trabalho inacabado de Boullée e Ledoux. Mas, segundo Picon (2000), houve um preço a ser pago: desaparecem os aspectos mais “poéticos” e em seu lugar está um “método”. Pérez Gómez (1983), inclusive, chegou a chamar Durand de arquiteto “enxuto”, um possível eufemismo para “limitado” ou “redutor” da complexidade da arquitetura a um plano puramente racional.

Para De Fusco (1990, p. 72), entretanto, Durand “elabora uma tipologia morfológica com flexibilidade e capacidade de adaptação a demandas e usos funcionais diversos do edifício singular”, concebendo aí um mecanismo de análise ajustável a qualquer edifício. Dessa forma, a abordagem tipológica de Durand – embora sua técnica de projetação possa parecer hoje ingênua ou simplista – aponta significativamente na direção do entendimento de como o ato arquitetônico de projetar opera com elementos geométricos estruturais, articulando-os por meio de soluções combinatórias para propor espaços arquitetônicos complexos (MADRAZO, 1995).

2.6. O tipo na visão de Viollet-le-Duc

Eugène Emmanuel Viollet-le-Duc foi um dos mais proeminentes teóricos da Arquitetura no século XIX. Como Quatremère e Durand, Viollet-le-Duc não aceitava o paradigma vitruviano das ordens naturais como princípio fundamental da Arquitetura. Por outro lado, como assinala Madrazo (1995), Viollet-le-Duc compartia com outros teóricos de seu século o sentimento de que os anos 1800 eram anos sem “estilo”, ou seja, sem uma arquitetura peculiar que o distinguisse, como ocorria com a arquitetura grega, egípcia, romana ou medieval.

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o tipo de Quatremère ao estilo de Viollet-le-Duc. Ambos os conceitos invocam, segundo Madrazo, um princípio genérico inerente à natureza que o arquiteto deve imitar (a mimese indireta de Quatremère).

Mas, para Viollet-le-Duc, esse princípio que constitui a base da genuína criação na Arquitetura não é necessariamente derivado da natureza. Para Viollet-le-Duc – um racionalista e, portanto, um seguidor da idéia de que as razões do homem e da natureza são equivalentes –, a arquitetura precedente que tinha estilo também podia ser objeto de imitação, desde que o arquiteto não se limitasse a copiar a aparência dos estilos passados (ou seja, suas formas aparentes), mas sim que buscasse entender os princípios essenciais inerentes à formação desses estilos (VIOLLET-LE-DUC, 1990).

Em seu trabalho como restaurador, afirma Colquhoun (1996b), Viollet-le-Duc procurava a essência da arquitetura gótica, reduzindo-a a um conjunto de princípios instrumentais, em um método de trabalho que, implicitamente, revela uma tentativa de encontrar a base da intervenção restauradora na idéia escondida dentro do edifício analisado.

Essa idéia, ou “forma oculta”, equivalente do princípio estruturador da forma visível em Quatremère, estaria condicionada, na visão de Viollet-le-Duc, pela solução estrutural e pela lógica ditada pelos materiais e técnica construtiva (GUBLER, 1985). Segundo Madrazo (1995), isso significava um entendimento de que o suporte físico do edifício – a estrutura – era inseparável do princípio interior que dá unidade à forma, o que inclui também o desenvolvimento espacial do edifício.

Há, portanto, na teoria de Viollet-le-Duc, uma menção explícita a um trabalho de análise que precede a elaboração criativa do projeto. Esse trabalho analítico, concretizado no conhecimento e no estudo da arquitetura precedente, exigia, porém, uma valoração crítica, um juízo de valor, sobre a qualidade (a existência ou não de estilo) da arquitetura estudada.

2.7. Integração dos conceitos de tipo

Referências

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