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Raciocínio clínico ¾ o processo de decisão diagnóstica e terapêutica.

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Raciocínio clínico – o processo de decisão diagnóstica e

terapêutica

A.RÉA-NETO

Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, PR.

RESUMO — O objetivo desta revisão é expor as RESUMO — O objetivo desta revisão é expor as RESUMO — O objetivo desta revisão é expor as RESUMO — O objetivo desta revisão é expor as RESUMO — O objetivo desta revisão é expor as fases e os principais constituintes do processo fases e os principais constituintes do processo fases e os principais constituintes do processo fases e os principais constituintes do processo fases e os principais constituintes do processo cognitivo que os médicos empregam no raciocínio cognitivo que os médicos empregam no raciocínio cognitivo que os médicos empregam no raciocínio cognitivo que os médicos empregam no raciocínio cognitivo que os médicos empregam no raciocínio clínico das decisões diagnósticas e terapêuticas. clínico das decisões diagnósticas e terapêuticas. clínico das decisões diagnósticas e terapêuticas. clínico das decisões diagnósticas e terapêuticas. clínico das decisões diagnósticas e terapêuticas. O processo de solução dos problemas clínicos O processo de solução dos problemas clínicos O processo de solução dos problemas clínicos O processo de solução dos problemas clínicos O processo de solução dos problemas clínicos uti-liza-se do método científico hipotético-dedutivo liza-se do método científico hipotético-dedutivo liza-se do método científico hipotético-dedutivo liza-se do método científico hipotético-dedutivo liza-se do método científico hipotético-dedutivo de resolver problemas. Tão logo um médico de resolver problemas. Tão logo um médico de resolver problemas. Tão logo um médico de resolver problemas. Tão logo um médico de resolver problemas. Tão logo um médico en-contra um paciente, várias hipóteses contra um paciente, várias hipóteses contra um paciente, várias hipóteses contra um paciente, várias hipóteses contra um paciente, várias hipóteses diagnós-ticas surgem-lhe na mente, as quais são avaliadas ticas surgem-lhe na mente, as quais são avaliadas ticas surgem-lhe na mente, as quais são avaliadas ticas surgem-lhe na mente, as quais são avaliadas ticas surgem-lhe na mente, as quais são avaliadas e refutadas ou corroboradas. A decisão e refutadas ou corroboradas. A decisão e refutadas ou corroboradas. A decisão e refutadas ou corroboradas. A decisão e refutadas ou corroboradas. A decisão

diagnós-tica é realizada quando uma hipótese atinge um tica é realizada quando uma hipótese atinge um tica é realizada quando uma hipótese atinge um tica é realizada quando uma hipótese atinge um tica é realizada quando uma hipótese atinge um certo grau de verossimilhança. A decisão certo grau de verossimilhança. A decisão certo grau de verossimilhança. A decisão certo grau de verossimilhança. A decisão certo grau de verossimilhança. A decisão tera-pêutica depende dos objetivos pretendidos e da pêutica depende dos objetivos pretendidos e da pêutica depende dos objetivos pretendidos e da pêutica depende dos objetivos pretendidos e da pêutica depende dos objetivos pretendidos e da efetividade esperada entre as diversas efetividade esperada entre as diversas efetividade esperada entre as diversas efetividade esperada entre as diversas efetividade esperada entre as diversas alternati-vas disponíveis.

vas disponíveis. vas disponíveis. vas disponíveis. vas disponíveis.

UNITERMOS: Raciocínio clínico. Solução de problemas.

Tomada de decisão. Competência clínica. Diagnóstico. Relação médico-paciente.

O raciocínio clínico é uma função essencial da atividade médica1. Embora o desempenho médico seja dependente de múltiplos fatores, seu resulta-do final não poderá ser bom se as habilidades de raciocínio forem deficientes2. A eficiência do aten-dimento médico é altamente dependente da análi-se e sínteanáli-se adequadas dos dados clínicos e da qualidade das decisões envolvendo riscos e benefí-cios dos testes diagnósticos e do tratamento.

Tem havido, nas duas últimas décadas, um grande crescimento na nossa capacidade de com-preensão do raciocínio humano e, em particular, do raciocínio clínico. As pesquisas realizadas nas disciplinas da ciência cognitiva, teoria de decisão e ciência da computação têm fornecido uma ampla visão do processo cognitivo que forma a base das decisões diagnósticas e terapêuticas em medicina3.

O MÉTODO CIENTÍFICO O MÉTODO CIENTÍFICO O MÉTODO CIENTÍFICO O MÉTODO CIENTÍFICO O MÉTODO CIENTÍFICO HIPOTÉTICO-DEDUTIVO HIPOTÉTICO-DEDUTIVO HIPOTÉTICO-DEDUTIVO HIPOTÉTICO-DEDUTIVO HIPOTÉTICO-DEDUTIVO

O método hipotético-dedutivo também pode ser chamado de método crítico ou da tentativa e erro e foi descrito por Popper no início do século4. Apre-sentado o problema, o investigador lança uma hipótese para explicá-lo. Depois, deduz-se da hipó-tese os testes com potencial para refutá-la. Se o resultado dos testes refutar a hipótese, ela é elimi-nada. Se o resultado dos testes não refutar a hipótese, ela é suportada ou corroborada.

É importante definir exatamente o que significa uma hipótese e o método hipotético-dedutivo5. Uma hipótese é uma declaração afirmativa relacionada

a uma situação que pode ser verdadeira ou falsa (embora uma incerteza sobre sua verdade ou falsi-dade sempre exista na prática). O método hipoté-tico-dedutivo é o procedimento de testagem da hipótese. A hipótese permite a dedução de quais testes podem ou devem ser realizados para avaliar sua verossimilhança (grau de verdade ou falsidade de uma hipótese).

O PROCESSO DE SOLUÇÃO DOS O PROCESSO DE SOLUÇÃO DOSO PROCESSO DE SOLUÇÃO DOS O PROCESSO DE SOLUÇÃO DOSO PROCESSO DE SOLUÇÃO DOS

PROBLEMAS CLÍNICOS PROBLEMAS CLÍNICOSPROBLEMAS CLÍNICOS PROBLEMAS CLÍNICOS PROBLEMAS CLÍNICOS

Várias pesquisas têm mostrado que quando o médico se defronta com um paciente que apresenta um problema, ele se utiliza de um método cognitivo de resolver problemas muito semelhante ao méto-do científico hipotético-dedutivo6,7. Recentemente, vários trabalhos procurando identificar os passos cognitivos que os médicos realizam no processo diagnóstico têm demonstrado uma rápida geração de hipóteses diagnósticas8,9. Na seqüência, os mé-dicos realizam testes para corroborar ou refutar cada hipótese até obter uma que tenha forte veros-similhança e que possibilite uma tomada de ação, como, por exemplo, o início de um tratamento.

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uma solução do problema do paciente. Os médicos experientes empregam esses dois componentes de forma totalmente entrelaçada. A presente revisão procura descrever o processo de utilização do co-nhecimento segundo o método científico hipoté-tico-dedutivo.

O modelo que os médicos utilizam para solucio-nar problemas clínicos é muito semelhante à abor-dagem dos detetives diante de um crime ou dos cientistas quando confrontados com fenômenos inexplicados10. Em cada uma dessas situações, um problema surge para o qual uma explicação segu-ra não é imediatamente evidente e várias hipóte-ses são levadas em consideração. As informações necessárias à decisão sobre qual das hipóteses é correta requer a coleta de outras informações, a interrogação de testemunhas e a busca de pistas pelo detetive; a observação e a experimentação pelo cientista; e a entrevista, o exame físico e testes laboratoriais pelo médico.

Com esse método, tenta-se resolver um proble-ma, quer seja ele clínico, uma pesquisa científica ou um crime, sempre começando com uma hipótese. O detetive levanta sua lista de suspeitos; o cientis-ta, suas hipóteses a serem pesquisadas; e o médico, seus diagnósticos possíveis. Cada um sabe que a maioria de suas hipóteses é incorreta e que seu trabalho é eliminar as hipóteses incorretas e esco-lher a correta, dois processos complementares mas muito diferentes. Por exemplo, o detetive usa o álibi na eliminação e o motivo ou a evidência da presença na cena do crime, ou ambos, na incri-minação. O cientista propõe uma hipótese, define suas implicações e delineia experimentos para testar a hipótese. Se o experimento contradiz sua hipótese, ela é eliminada; se confirma as expecta-tivas, a hipótese é suportada.

O número de locais possíveis onde os detetives podem procurar pistas é virtualmente infinito. Os delineamentos, seleções de amostras, aferi-ções e análises que os cientistas podem utilizar nas suas pesquisas são inúmeros. Da mesma forma, os médicos poderiam fazer milhares de perguntas, realizar várias manobras no exame físico e solicitar centenas de testes laboratoriais. No entanto, nenhum desses profissionais faz isso. Haveria um gasto enorme de tempo, esforço e dinheiro antes que informações relevantes pudessem ser coletadas para resolver o proble-ma. O que esses profissionais fazem é usar hipó-teses sugeridas pelo problema para, a partir delas, determinar exatamente quais informa-ções são necessárias para deduzir qual das hipó-teses é a mais correta7,8. Um típico método hipo-tético-dedutivo (fig. 1).

Essa abordagem seqüencial de testagem de múltiplas hipóteses no processo de solução dos problemas clínicos é mais eficiente que o acúmulo de dados sem propósito, um processo no qual todos os dados coletados são revisados de uma só vez na esperança de reconhecer um padrão diagnóstico11. Essa última abordagem é altamente sujeita a er-ros, ineficiente e custosa, além de não permitir a formulação de conceitos, elementos fundamentais na compreensão do problema do paciente.

O PROCESSO DE SOLUÇÃO DOS O PROCESSO DE SOLUÇÃO DOSO PROCESSO DE SOLUÇÃO DOS O PROCESSO DE SOLUÇÃO DOSO PROCESSO DE SOLUÇÃO DOS

PROBLEMAS CLÍNICOS PROBLEMAS CLÍNICOSPROBLEMAS CLÍNICOS PROBLEMAS CLÍNICOS PROBLEMAS CLÍNICOS

O processo de solução de um problema clínico começa quando o paciente se apresenta ao médi-co12. O sucesso na resolução do problema do pacien-te, que é o objetivo de todo o processo, é a obtenção de um diagnóstico correto e de um tratamento efetivo. A solução desse problema é caracterizada por duas grandes fases de tomada de decisão: a designação de um diagnóstico num nível de espe-cificidade adequado para as considerações tera-pêuticas e a seleção de um tratamento que afete o problema de forma a resolvê-lo ou aliviá-lo. Além dessas duas grandes fases de tomada de decisão, o processo de resolver problema clínico é repleto de muitos outros estágios de tomada de decisão de menor ordem (seleção de que perguntas fazer, decidir que respostas são confiáveis, interpretar um sinal físico, selecionar um ou mais testes de laboratório, escolher uma das formas alternativas de tratamento etc.). Como veremos, a tomada de decisão está tão envolvida no processo de solução dos problemas clínicos que é essencial a ele. No entanto, é preciso reconhecer que, embora as to-madas de decisões sejam necessárias para se resol-ver o problema, o objetivo final não está nelas (na tomada de decisão em si), mas sim na melhor solução possível do problema.

A formulação de um conceito inicial A formulação de um conceito inicial A formulação de um conceito inicial A formulação de um conceito inicial A formulação de um conceito inicial

O primeiro elemento na tentativa de solucionar um problema clínico é obter informações relacio-nadas ao problema do paciente. Quando o médico encontra o paciente pela primeira vez e após uma ou duas perguntas abertas, o paciente começa a

Problema Hipóteses Teste(s) Resultados Clínico

Diagnósticas

→→→→→

→ → → → →

Fig. 1 Fig. 1 Fig. 1 Fig. 1

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descrever seus sintomas ou suas preocupações, ele oferece ao médico várias informações, além de suas respostas e comentários iniciais, como sua aparência, sexo, idade, postura, expressão facial, linguagem, aflições etc. Outras informações já podem estar disponíveis também nessa fase, como o prontuário antigo ou notas de referência. Com esses dados bem iniciais, o médico percebe que há um problema e qual a sua natureza inicial, ponto de partida na procura de outras informações que lhe parecem mais importantes na busca de uma solução. Esse é o conceito inicial ou a síntese inicial do problema13.

Esse conceito inicial formulado pelo médico é fortemente influenciado pela circunstância do atendimento (consultório ou serviço de emergên-cia), pelas características demográficas do pacien-te, pela sua aparência, pela capacidade de percepção e da especialidade do médico, além da queixa inicial. Por exemplo, um paciente agitado, com 50 anos de idade, levemente obeso, queixando-se de uma dor precordial que se iniciou há uma hora, poderá ter o seguinte conceito inicial: “um homem de meia-idade com uma dor precordial por prová-vel insuficiência coronariana”. E uma paciente com 32 anos de idade, olhar cabisbaixo, com pouca expressão facial, voz vagarosa, queixando-se de uma dor precordial que se iniciou há uma hora, poderá ter como conceito inicial “uma mulher jo-vem, deprimida, com uma provável dor precordial de origem psicossomática”. Embora as queixas principais sejam essencialmente as mesmas, os conceitos iniciais foram muito diferentes para ambos os pacientes porque o médico percebeu ou-tros elementos que mudaram seus conteúdos.

A geração de múltiplas hipóteses diagnósticas A geração de múltiplas hipóteses diagnósticas A geração de múltiplas hipóteses diagnósticas A geração de múltiplas hipóteses diagnósticas A geração de múltiplas hipóteses diagnósticas

Tão logo o médico formula seu conceito inicial, várias hipóteses brotam-lhe na mente8,11. Isto ocor-re bem pocor-recocemente no encontro com o paciente. Pelo menos uma hipótese é inicialmente gerada; freqüentemente, três a cinco hipóteses e raramen-te mais de cinco hipóraramen-teses são geradas após a formulação do conceito inicial. Esses resultados estão em conformidade com as avaliações realiza-das por psicólogos sugerindo que a nossa memória de trabalho não suporta mais de quatro a sete idéias ou conceitos separados ao mesmo tempo14.

As hipóteses geradas nessa fase dependem, fun-damentalmente, da natureza do conceito inicial e da capacidade do médico em conceber explicações plausíveis8. Nesse processo, o médico pode basear suas hipóteses em dados estatísticos de preva-lência das possíveis explicações para cada dado ou conjunto de dados clínicos obtidos. Entretanto,

mais freqüentemente, os médicos utilizam-se de heurísticas15. Heurísticas são associações rápidas que os médicos fazem entre dados (manifestações clínicas) e explicações potenciais (processo fisio-patológico, síndrome ou uma doença específica), baseadas nas suas experiências pregressas com situações similares. Elas surgem mediante associa-ções entre o conceito inicial formulado e os conheci-mentos que os médicos têm na memória, a longo prazo. As heurísticas são essenciais para reduzir a necessidade de fazer muitas perguntas ou realizar testes supérfluos de laboratório e para tornar prá-tica e eficiente a tarefa de analisar e sintetizar dados.

A base de conhecimentos que os médicos utili-zam para gerar hipóteses pode ser dividida em conhecimento centrado no dado e conhecimento centrado na doença12. O conhecimento centrado no

dado capacita o médico a avaliar um sintoma, ou

um sinal, ou um resultado laboratorial em particu-lar. Com esse conhecimento, quando um determi-nado dado qualquer (fadiga, esplenomegalia ou uma elevação da fosfatase alcalina) é observado, suas possíveis causas são lembradas e avaliadas. O

conhecimento centrado na doença permite ao

mé-dico conhecer as manifestações clínicas que, tipi-camente, caracterizam uma doença. Esse conheci-mento pode ser dividido em de protótipo e de sistemas. O conhecimento de protótipo é o das doenças como elas estão descritas na maioria dos livros de textos e se compõem do conjunto de manifestações que um doente freqüentemente apresenta quando portador de determinada doen-ça. O conhecimento de sistemas consiste em prin-cípios fisiopatológicos que explicam as relações dos dados com as doenças incluídas nos protótipos. O conhecimento mais utilizado pelos médicos, na fase de geração de hipóteses, é o centrado no dado. A fase de geração das hipóteses diagnósticas é fortemente dependente da memória e do conhe-cimento dos médicos16. Tanto a disponibilidade quanto a recuperação dos conhecimentos relevan-tes guardados na memória são variáveis críticas no processo de raciocínio clínico e se relacionam intensamente com a qualidade da solução dos pro-blemas clínicos.

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focos de pesquisa para avaliação dos sintomas. Eles auxiliam na compreensão acurada e precisa das queixas, no entendimento do possível processo fisiopatológico de base e na obtenção de infor-mações adicionais, todos úteis na elaboração das hipóteses.

Devido à grande incerteza que caracteriza a fase inicial do encontro clínico, as hipóteses têm uma função primordial: elas estruturam o problema clínico e fornecem um contexto para a progressão do raciocínio clínico e da exploração diagnóstica6-8,13. O contexto estrutura o problema e restringe o número de explicações possíveis, limita as ações necessárias na busca da solução do problema e fornece uma base para as expectativas. Essas expectativas são predições de achados clínicos ba-seados no modelo mental da síndrome ou da doença do contexto. Por isso, a representação mental que o médico tem das síndromes e das doenças é um fator crítico na eficiência do processo de solução dos problemas clínicos.

Cada hipótese diagnóstica evoca um modelo com o qual as manifestações clínicas do paciente podem ser comparadas11. Uma hipótese diagnóstica de “síndrome nefrótica”, por exemplo, demanda a presença de proteinúria maciça, tipicamente acompanhada de hipoalbuminemia e edema, com fatores predisponentes (diabetes melito, amiloi-dose, lúpus eritematoso sistêmico), complicações potenciais (trombose venosa, aterosclerose), asso-ciações fisiopatológicas (ingesta de sódio, pressão oncótica diminuída e edema) e correlações histo-patológicas (nefropatia membranosa) característi-cas. Então, quando síndrome nefrótica se torna uma hipótese, suas características formam um contexto para avaliar outros dados clínicos do paciente. Dentro desse contexto, novos dados são coletados e avaliados, preservando e refinando a hipótese ou rejeitando-a.

Clinicamente, as hipóteses devem ser vistas como rótulos pessoais que os médicos aprenderam a usar para identificar um conjunto de elementos que caracterizam uma doença, um conceito fisio-patológico, etiologias etc.13. São idiossincrasias usadas para um arquivo pessoal de fatos ou concei-tos clínicos de forma a facilitar o acesso à memória. Embora dois médicos possam chamar a mesma hipótese pelo mesmo nome, suas definições e com-preensões daquela hipótese podem ser muito dife-rentes. O contrário também é verdadeiro. Os con-ceitos relacionados com cada termo em particular são produto do estudo e da experiência passada com outros pacientes, vivenciados de forma pessoal por cada médico. O nome que o médico dá a cada uma de suas hipóteses não tem valor nesta fase da

solução do problema médico. O que interessa são os seus conteúdos. Como as hipóteses científicas, uma vez que as hipóteses médicas sejam claras (na mente do médico que a gera) e estabeleçam rela-ções entre seus elementos (manifestarela-ções clíni-cas), elas serão válidas e úteis neste momento do processo de solução dos problemas clínicos.

A formulação de uma hipótese inicial baseada em apenas umas poucas observações clínicas é dependente da habilidade cognitiva em relacionar situações novas com as experiências anteriores. Experiência clínica, claramente, aumenta a quali-dade das hipóteses geradas. Um grande conheci-mento das informações de livro é insuficiente para uma eficiente geração de hipóteses, em parte por-que, no mundo real, as doenças e as síndromes variam mais em seus atributos constituintes que nas descrições típicas dos livros. Mas habilidades cognitivas bem desenvolvidas são, também, insufi-cientes para se atingir eficiência na geração de hipóteses, se o médico não possui conhecimento teórico suficiente. Mesmo o uso brilhante do racio-cínio não é capaz de reconhecer uma doença ou uma síndrome desconhecida.

O diagnóstico de um problema médico é fre-qüentemente comparado com a resolução de um complicado jogo de quebra-cabeça ou com as histó-rias de ficção de detetives17. Mas uma análise atenta desses processos mostra que o processo diagnóstico é diferente. Quando compramos um jogo de quebra-cabeça, junto com as peças vem uma figura, elemento importante como orientação na montagem lógica das peças. Nas histórias de detetive, o final está na mente do autor. Embora em ambas as situações haja sempre um problema a ser resolvido no começo, o fim já é conhecido, servindo de guia para a montagem do jogo ou para o desenrolar da história. Quando o médico se de-fronta com um problema clínico, as soluções em potencial são desconhecidas. Somente uma hipó-tese pode lhe permitir encontrar o final correto.

A avaliação e regeneração das hipóteses A avaliação e regeneração das hipóteses A avaliação e regeneração das hipóteses A avaliação e regeneração das hipóteses A avaliação e regeneração das hipóteses

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eliminada. O que se transforma ao longo da avalia-ção é o conceito inicial, a representaavalia-ção que o médico faz do problema a ser resolvido, a qual cresce e se desenvolve durante o processo de solu-ção do problema clínico13.

Durante a avaliação, o médico processa um con-ceito do problema, o qual reúne um conteúdo que se amplia continuamente a partir dos dados cole-tados, guiados pelas hipóteses. Os novos fatos que são acrescentados ao conceito inicial são continua-mente usados para reformular esse conceito que é, então, sucessiva e repetidamente comparado com as hipóteses, suportando-as, refutando-as ou subs-tituindo-as. Cuidado especial deve ser tomado para que não seja forçada a conveniência do con-ceito dentro da hipótese. O concon-ceito é confrontado com a hipótese, e não forçado a se encaixar nela.

No início do processo de avaliação das hipóteses, quando somente um pequeno número de dados clínicos significativos estão disponíveis, as hipóte-ses tendem a ser mais numerosas e abertas3,8. Nesse estágio, a entropia diagnóstica (incerteza) é alta, a diferenciação entre as hipóteses é pequena e o número de expectativas do médico é enorme. A eficiência do processo requer que os caminhos escolhidos pelo médico (perguntas, manobras no exame físico, testes) sejam os mais prováveis de reduzir a incerteza diagnóstica. Isso requer que cada dado novo obtido consiga aumentar ou dimi-nuir consideravelmente a verossimilhança de pelo menos uma das hipóteses consideradas. No final do processo, a discriminação entre as hipóteses restantes pode exigir testes específicos e custosos. As hipóteses diagnósticas iniciais são empíricas ou plausíveis. Ao longo do processo, apenas a(s) hipótese(s) validada(s) sobrevive(m).

Esse processo de geração, avaliação e regenera-ção das hipóteses médicas assemelha-se em muito ao racionalismo crítico na avaliação das hipóteses, como descrito por Popper, e à seleção natural na evolução biológica, como descrito por Darwin18. A teoria de Darwin repousa na afirmação de que a seleção natural é a força criativa da evolução, na medida em que somente as variações casuais (mu-tações) mais aptas ao ambiente são preservadas e transmitidas às gerações futuras. A “luta” da evo-lução seria a busca de uma melhor adaptação ambiental e só. O mesmo ocorre com as hipóteses médicas. Uma hipótese gerada só “sobrevive” se estiver adaptada ao seu ambiente (conjunto de manifestações do paciente). Modificações no ambiente (novas manifestações clínicas) alteram a adaptação da hipótese; enquanto as hipóteses adaptadas são mantidas, as hipóteses não adapta-das são eliminaadapta-das.

A formulação de uma estratégia de avaliação A formulação de uma estratégia de avaliação A formulação de uma estratégia de avaliação A formulação de uma estratégia de avaliação A formulação de uma estratégia de avaliação

Após o médico ter construído seu conceito inicial e várias hipóteses terem surgido na sua cabeça, por associação ou de forma criativa, é necessário iniciar um processo de avaliação (ou testagem) das hipóteses. Quais informações são necessárias (advindas da entrevista, do exame físico, do labo-ratório ou de procedimentos) para estabelecer uma hipótese apropriada?

Diante de praticamente todos os problemas, o clínico necessita, após ter construído seu conceito inicial e gerado inúmeras hipóteses, de novas in-formações para testar essas hipóteses e chegar ao diagnóstico. Ele tem que decidir quais informações adicionais são necessárias a partir da história clínica, do exame físico e do laboratório, para então tomar uma decisão diagnóstica. Essa deci-são, a escolha da hipótese correta, é o caminho para a seleção do tratamento apropriado para o paciente. A seqüência de perguntas a serem feitas, de manobras semiológicas a realizar no exame físi-co e de testes laboratoriais a solicitar para decidir a hipótese correta é a estratégia de avaliação13.

A estratégia de avaliação pode ser descrita como tendo dois grandes componentes que se inter-relacionam constantemente: a investigação e o rastreamento.

A estratégia de investigação

A investigação é uma atividade orientada pelas hipóteses. Novas informações são deliberadamen-te procuradas para avaliar as hipódeliberadamen-teses ativas. Perguntas, pontos específicos do exame físico e resultados laboratoriais são pesquisados na busca de dados significativos para suportar ou refutar hipóteses. O conhecimento utilizado nessa fase é o centrado na doença. A investigação é planejada com dedução a partir da hipótese para atingir seus objetivos. Ou seja, com uma hipótese em mente, o médico deduz quais dados são significativos para suportá-la ou refutá-la.

Dedução é o processo de análise e síntese dos dados que serão usados para fortalecer e suportar ou enfraquecer e refutar uma hipótese. O sucesso da dedução depende de a informação produzida ser ou não um bom teste para avaliar as hipóte-ses. A nova informação produzida aumenta ou diminui a probabilidade de uma ou várias hipóte-ses? Se a informação produzida pela avaliação não altera a verossimilhança de qualquer das hipóteses, a estratégia de avaliação utilizada é de baixa qualidade.

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necessárias para a coleta desses diferentes tipos de informações, muitas são as características comuns na avaliação de todas essas informações. Como não é possível nem desejável obter todos os dados pos-síveis em todos os pacientes, é necessária uma seletividade na determinação de quais informações são necessárias. Essa decisão é dependente dos atributos comuns a tais informações, como os se-guintes: acurácia, precisão, sensibilidade, especi-ficidade, valor preditivo, benefícios, custos e riscos19. A maior utilidade dos testes diagnósticos ocorre nos pacientes com a probabilidade pré-teste da doença intermediária20. Nesses pacientes, a proba-bilidade pós-teste da doença aumenta considera-velmente com o teste positivo (principalmente se o teste for bem específico) e diminui notavelmente com o teste negativo (principalmente se o teste for bem sensível). Nos pacientes com probabilidade pré-teste alta, a probabilidade pós-teste tem pouco aumento com o teste positivo. Porém, se o teste for negativo, não há grande queda na probabilidade pós-teste e a probabilidade de falso-negativo do teste é alta. Nos pacientes com probabilidade pré-teste baixa, a probabilidade pós-pré-teste não diminui notavelmente com o teste negativo, e se o teste for positivo, não há grande aumento na probabilidade pós-teste e a probabilidade de falso-positivo do teste é alta.

A estratégia de rastreamento

Além da investigação, a outra estratégia de avaliação é o rastreamento. Assim como o radar rastreia um segmento do espaço aéreo na procura de objetos significativos, não facilmente detecta-dos de outra forma, os médicos também utilizam uma estratégia similar na busca de informações. Rastreamento é uma estratégia de avaliação não diretamente orientada pela hipótese. Nesse caso, procuram-se fatos, sintomas e achados semioló-gicos que possam estar relacionados com o proble-ma ou possam representar um outro probleproble-ma que também necessite ser investigado. Revisão de sis-temas, palpação do abdome em pacientes com quei-xas respiratórias e alguns testes de laboratório de rotina podem se prestar para essa estratégia. Aqui, os atributos de benefícios, riscos e custos também devem servir de guia.

Rastreamento é especialmente útil quando o processo de raciocínio encontra-se encalhado. A produção de novas informações pode gerar novas hipóteses ou sugerir novos caminhos de investiga-ção. Rastreamento também é utilizado para aumen-tar a confiança do médico na hipótese escolhida por descobrir novos fatos que lhe dão suporte ou por não fornecer qualquer dado adicional que

pudesse estar escondido, assegurando que todos os dados fundamentais estão sendo considerados.

O desenvolvimento da síntese do problema O desenvolvimento da síntese do problema O desenvolvimento da síntese do problema O desenvolvimento da síntese do problema O desenvolvimento da síntese do problema

Guiado por múltiplas hipóteses, o médico dese-nha uma estratégia para avaliar os dados necessá-rios para solucionar o problema clínico. Através de suas habilidades, ele colhe dados e os adiciona continuamente ao conceito inicial. Durante esse processo, novas hipóteses são geradas e novas estratégias são desenhadas no caminho da decisão diagnóstica e terapêutica. Quando a análise suge-re que uma nova informação é suge-relevante, positiva ou negativa, ela deve ser adicionada ao conceito inicial. Essa adição de um novo dado ao conceito prévio aumenta e modifica o conteúdo significativo do problema clínico. Como um processo contínuo e cíclico de raciocínio, a adição de novos dados trans-forma o conceito inicial na direção de uma síntese do problema13.

A síntese do problema é o elemento resultante da análise e síntese científica do problema e é um produto essencial do bom uso do raciocínio clínico. Quando um médico experiente é questionado sobre um determinado problema, ele oferece um resumo com dados altamente significativos que estão sen-do usasen-dos no processo de solução de problemas médicos. Esse resumo, a síntese do problema, ra-ramente tem dados sem importância e está, ge-ralmente, organizada dentro de um contexto fisio-patológico. Os dados incluídos nessa síntese são o resultado da avaliação orientada pelas hipóteses.

Mesmo que a síntese do problema seja muito sugestiva de um diagnóstico, a hipótese desse diagnóstico é somente um rótulo conveniente. A síntese do problema é a verdadeira representação do paciente. O conteúdo da síntese do problema deve ser descrito e guardado na memória durante todo o processo. Quando novos dados são disponí-veis, eles podem mudar esse conteúdo e sugerir novos diagnósticos.

A decisão diagnóstica A decisão diagnóstica A decisão diagnóstica A decisão diagnóstica A decisão diagnóstica

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Após estabelecer a síntese do problema, o médico deve decidir qual das hipóteses ativas tem maior poder explicativo para solucionar o problema clí-nico10,11. Para se chegar a essa decisão, o médico avalia se a síntese do problema se encaixa em uma das hipóteses ativas. Esse “encaixe” ocorre quando o paciente apresenta um número suficiente de achados positivos e negativos esperados em uma determinada hipótese diagnóstica, suficientes para dar ao médico a segurança de que a hipótese explica o problema do paciente. Um encaixe perfei-to raramente ocorre, já que a expressão das doen-ças é variável. Cada paciente é único em resposta e estilo. A aferição da integridade funcional dos órgãos é limitada e muito suscetível a erros (ne-nhuma aferição tem acurácia e precisão absolu-tas). Mesmo assim, o papel do médico é interpretar os sintomas, sinais e resultados de exames labo-ratoriais e de procedimentos de maneira individual e avaliar seus resultados nos termos das mani-festações das doenças. Uma decisão diagnóstica tem de ser feita! O médico deve praticar para estar confortável em tomar decisões, ainda que diante de dados inadequados e conflitantes, mais regra que exceção no processo de solução de problemas clínicos.

Os princípios lógicos do diagnóstico diferencial

O processo diagnóstico é realizado tão freqüen-temente pelos médicos que se torna espontâneo e inconsciente. A experiência torna nossas tarefas ordinárias tão fáceis de reconhecer quanto os ros-tos que nos são familiares. Mas, mesmo sendo o processo de reconhecimento uma parte essencial do diagnóstico, ele falha quando o problema é complicado ou não habitual. O diagnóstico por estereótipo restringe o diagnóstico apenas aos casos comuns, como quando a avó reconhece o sarampo no neto.

Para usarmos o raciocínio dedutivo com um mínimo de erro, é preciso conhecer as falácias lógicas que o médico pode cometer21. Diagnósticos corretos são baseados em raciocínios adequados e em informações válidas. O médico que descarta a lógica pode assumir ingenuamente que provou um diagnóstico, quando apenas estabeleceu um diag-nóstico provável ou possível. O conhecimento da base lógica da prova ou da refutação pode não somente dar maior precisão ao diagnóstico indivi-dual como, também, fornecer uma base racional para avaliar as decisões diagnósticas.

A lógica estuda as formas corretas de raciocí-nio10. Existem regras para guiar o uso de argumen-tos válidos e sólidos por caminhos que nos condu-zam ao encontro da verdade. O que se deseja

evitar, a todo custo, é o estabelecimento de falsas conclusões a partir de evidências verdadeiras.

Entretanto, o uso do raciocínio lógico não é uma garantia de conclusões verdadeiras. A lógica pos-sui regras úteis para processar as informações clínicas na busca de uma solução adequada para o problema clínico, mas não integra nenhuma segu-rança de que as informações clínicas e suas inter-pretações estão corretas. A lógica estuda somente as formas de raciocínio e, não, os seus conteúdos. O médico necessita obter, analisar, sintetizar e avaliar adequadamente informações clínicas pre-cisas e acuradas para, depois, processá-las de for-ma lógica. Somente assim ele estará próximo do raciocínio correto e da decisão certa.

Com esses conceitos em mente, o clínico, usando a lógica no diagnóstico diferencial, testa uma de suas hipóteses de cada vez, tentando refutar as incorretas e suportar a correta. Ele faz isto respon-dendo a duas perguntas: 1ª) o diagnóstico explica todos os achados clínicos?; e 2ª) todos os achados clínicos esperados estão presentes?

Com a resposta da primeira pergunta, procura-mos saber se o problema se encaixa na hipótese proposta. O problema de um paciente idoso, com dor óssea, emagrecimento, anemia e uma velocida-de velocida-de hemossedimentação acelerada se encaixa na hipótese de mieloma múltiplo? Para a segunda pergunta, nossa perspectiva é invertida e exami-namos a hipótese para avaliar se os seus atributos (critérios diagnósticos) são congruentes com o pro-blema. O referido paciente tem lesões osteolíticas no esqueleto? A eletroforese de proteínas demons-tra um pico monoclonal das gamaglobulinas? Há proteínas de Bence-Jones na urina? Nesse proces-so lógico de raciocínio, o clínico precisa ter em mente que o problema é real e existe; a doença é apenas um construto lógico, um agrupamento con-veniente, sem nenhuma outra existência além dessa.

O delineamento demonstrado na fig. 2 refere-se às perguntas realizadas no suporte ou refutação das hipóteses21. Baseia-se no uso de um teste espe-cífico positivo para suportar um diagnóstico e um teste sensível negativo para refutá-lo.

A validação diagnóstica

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pouca ou nenhuma investigação diagnóstica futu-ra, geralmente, é necessária e uma ação pode ser tomada. Quando alguma manifestação difere do padrão clínico conhecido, uma decisão sobre se a manifestação é meramente uma variação clínica ou se ela invalida o diagnóstico deve ser feita pelo médico. Esse dilema é mais provável de ser encon-trado quando o médico tem pouca experiência pregressa com a hipótese diagnóstica. Em todas essas situações, uma revisão detalhada das mani-festações clínicas pode auxiliar a decidir se um achado clínico em particular é consistente com a hipótese ou a invalida definitivamente.

Essa fase de validação das hipóteses visa obter um diagnóstico que auxilie na planificação de ações futuras. Como o processo diagnóstico é inferencial, ele reflete, necessariamente, uma crença ou uma convicção do médico com relação às manifestações clínicas do paciente. Em virtude da natureza das evidências clínicas, o médico deve sempre manter uma dúvida saudável quanto aos dados clínicos, bioquímicos, radiológicos ou histo-lógicos dos dados disponíveis. Para diminuir as possibilidades de erro, o médico deve buscar, en-tão, uma validação do seu diagnóstico. Esse teste de validade envolve avaliar cada hipótese para a presença de coerência, adequação e parcimônia11.

A coerência busca uma consistência entre as

mani-festações clínicas do paciente e o modelo da doença hipotetizada (suas causas, relações fisiopatoló-gicas, achados clínicos, prognóstico etc). A

ade-quação requer uma hipótese que explique todos os

achados clínicos normais e anormais do paciente.

E a parcimônia é a procura da hipótese mais

simples para explicar os achados clínicos. A coe-rência é a resposta à primeira e a adequação é a resposta à segunda pergunta da lógica no diagnós-tico diferencial.

O processo de falsificação também é usado nessa fase para eliminar hipóteses diagnósticas4. Um dado clínico que, claramente, é inconsistente com

uma hipótese é usado para descartá-la. A credibi-lidade de um diagnóstico é, também, uma função de sua probabilidade. O diagnóstico com maior probabilidade é o que mais, provavelmente, repre-senta o problema clínico do paciente1.

A aprovação de uma hipótese diagnóstica antes da sua validação é conhecida como “fechamento prematuro”23. Isto, muitas vezes, ocorre quando o médico deixa de obter todos os dados clínicos rele-vantes ou quando, da decisão diagnóstica, não leva em consideração todo o conjunto de manifestações clínicas significativas (presentes e ausentes). Quando, após uma validação adequada, o médico não obtém um diagnóstico aceitável, ele deve con-tinuar à procura por novos dados clínicos ou reexaminar todos os dados disponíveis e conside-rar novas hipóteses diagnósticas.

O resultado do processo de validação diagnós-tica, geralmente, resulta num diagnóstico simples (parcimônia) e altamente provável, capaz de expli-car as principais manifestações clínicas do pacien-te (adequação) e coerenpacien-te nas suas relações cau-sais e fisiopatológicas1,11. E nenhuma manifes-tação clínica presente é inconsistente para invali-dá-lo completamente. Após a sua validação, o diag-nóstico clínico permite que decisões terapêuticas e prognósticas possam ser implementadas.

A decisão terapêutica

Uma vez feita a decisão diagnóstica, o médico deve executar a tarefa de selecionar o tratamento apropriado (fig. 3). O tratamento deve ser dirigido ao paciente com o diagnóstico em questão e não ao diagnóstico propriamente dito24. Apesar dos esfor-ços da medicina moderna em procurar estabelecer o melhor tratamento para cada doença em particu-lar, a escolha terapêutica é influenciada pelas condições clínicas do paciente, pela presença de doenças intercorrentes, complicações, riscos tera-pêuticos, disponibilidade de recursos, custos e ex-periência do médico25. Então, essa decisão repou-achados específicos hipótese suportada

1) O diagnóstico explica achados inespecíficos hipótese possível os achados clínicos?

somente uma doença provável hipótese refutada mais de uma doença provável hipótese não refutada

achados específicos hipótese suportada 2) Os achados esperados achados inespecíficos hipótese possível

estão presentes?

dado ausente sine qua non hipótese refutada dado ausente não sine qua non hipótese não refutada

Fig. 2 Fig. 2 Fig. 2 Fig. 2

Fig. 2 – O delineamento da lógica diagnóstica (adaptado da referência 21). sim

não

sim

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sa, principalmente, no conhecimento do médico e de sua avaliação da possível utilidade que cada tratamento alternativo teria para cada um dos problemas do paciente.

As decisões terapêuticas, no processo de solução dos problemas clínicos, envolvem a idealização de planos ou cursos de ação que tenham por objetivos mudar a situação atual do problema para uma outra melhor. A mudança pode ser a cura, o alívio de um sofrimento, a prevenção de uma doença grave iminente ou de uma complicação, a redução das preocupações do paciente ou a compreensão realista do problema. Em todas essas situações, entretanto, o médico deve ter uma síntese do pro-blema e uma hipótese diagnóstica adequada para permitir a planificação do tratamento. A avaliação cuidadosa e científica do paciente é apenas um meio para a escolha do tratamento apropriado13. O diagnóstico, embora um caminho fundamental no processo da solução do problema clínico, não é o seu objetivo final. O objetivo final do processo é a solução do problema com a terapêutica dirigida pelo diagnóstico e pela síntese do problema.

A base científica das decisões terapêuticas

Muitos princípios científicos auxiliam o médico na tomada de decisão terapêutica. Deve-se evitar as decisões baseadas em descrições não controla-das de eficácia e risco terapêutico, porque fatores como efeito placebo e alterações espontâneas nas manifestações clínicas obscurecem a

interpre-tação das respostas individuais. Para se evitar vícios de confusão, os médicos devem preferir ava-liações terapêuticas advindas de estudos controla-dos, randomizados e duplo-cegos. Esses estudos são caros, trabalhosos e também sujeitos a falhas, mas fornecem uma valiosa informação terapêuti-ca. Os resultados dos ensaios clínicos rando-mizados são guias importantes na seleção de trata-mentos individuais19,25. No entanto, devem ser uti-lizados de forma criteriosa pelo clínico. Muitas vezes, seus pacientes diferem em um ou mais aspectos dos pacientes incluídos no estudo, fazen-do a resposta fazen-do paciente ao tratamento variar também em alguma extensão. Essas diferenças incluem o sexo, idade, raça, constituição genéti-ca, intensidade da doença, doenças e tratamentos concomitantes, complicações presentes e estágios de evolução clínica. Quando o paciente não se assemelha àqueles incluídos numa coorte de estu-dos controlaestu-dos ou quando nenhum estudo é dis-ponível, o julgamento do médico se torna crítico, fazendo-o retornar aos princípios da tomada de decisão em face da incerteza.

Antes de finalizar sua decisão quanto ao trata-mento, o médico deve tentar estreitar suas possí-veis alternativas terapêuticas, que são lançadas e testadas de modo semelhante à avaliação das hipó-teses diagnósticas. Nesse processo, a resposta a duas perguntas são úteis no auxílio da escolha da melhor alternativa13: 1ª) Qual é o objetivo do trata-mento? É a cura do paciente, correção do estado fisiopatológico alterado, alívio dos sintomas, pre-venção de complicações ou o prolongamento da vida? Embora, freqüentemente, sejam distinções difíceis de fazer, o médico deve sempre procurar estabelecer claramente seus objetivos. Sem conhe-cer seus objetivos previamente, o médico nunca saberá se seu tratamento foi efetivo. 2ª) Qual é o grau de efetividade esperada? Só a definição do objetivo não é suficiente. É preciso conhecer quanto do objetivo previamente definido se quer obter e em que se baseia essa efetividade esperada. Prolongar quanto a vida? Aliviar totalmente ou parcialmente os sintomas? Qual a base de conhecimento que permite esperar tal efetividade? Os estudos que mostraram uma determinada efetividade foram feitos em pacientes semelhantes ao seu?

Além das duas questões anteriores, relaciona-das com o benefício potencial de uma escolha tera-pêutica, o médico também precisa levar em consi-deração seus custos e riscos. Estes envolvem o custo financeiro do tratamento, efeitos colaterais e as inconveniências e desconfortos associados a cada tratamento. Teoricamente, a alternativa com o menor custo e risco e o com maior benefício deve

Percepção Informações disponíveis

no início do encontro médico-paciente

Análise

Síntese do problema

Decisão terapêutica Decisão

diagnóstica Múltiplas hipóteses

Avaliação

→→→→→

→→→→→

→→→→→

→→→→→

→→→→→

→ → → → →

Fig. 3 Fig. 3 Fig. 3 Fig. 3

Fig. 3 – As decisões diagnóstica e terapêutica (adapta-do da referência 13).

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ser escolhida. Muitas vezes, isso não é tão simples e o médico tem de avaliar se benefícios adicionais compensam maiores custos e riscos.

Ainda, respeitadas todas as outras considera-ções, quando a eficácia do tratamento disponível para uma dada condição clínica é baixa ou o risco do tratamento é alto, esse tratamento só deve ser dado se a probabilidade da doença for alta. Se o risco do tratamento é insignificante e sua eficácia é muito grande, a decisão pode ser iniciar o trata-mento mesmo quando a probabilidade da doença não é muito ou tão alta26,27.

Outras vezes, o médico tem que decidir se um tratamento com significância estatística possui significância clínica. Quando, avaliando uma deci-são entre dois tratamentos, o clínico procura esta-belecer as vantagens de um sobre o outro. Algumas vezes, o benefício é grande e a decisão é fácil. Outras vezes, uma diferença de sobrevida de alguns poucos dias ou um controle melhor de uma manifestação clínica secundária (embora com sig-nificância estatística nos estudos) não são sufi-cientes para justificar a escolha de um dos trata-mentos (sem significância clínica). Se os riscos e custos também são semelhantes, a decisão é consi-derada empatada. Nesses casos, a experiência prévia do clínico ou a preferência do paciente são essenciais para a escolha.

A educação do paciente

Nenhum plano de tratamento é completo se o médico não delineia um plano de educação indivi-dualizado para o paciente13. O sucesso do plano de tratamento depende, muitas vezes e em grande parte, do doente. Então, o plano educacional é um componente essencial de virtualmente qualquer processo de solução de problemas clínicos. Muito freqüentemente, ele é o mais importante item da decisão terapêutica e, algumas vezes, é a única decisão.

A monitorização

Dentro do processo de solução dos problemas clínicos, após as decisões diagnóstica e terapêuti-ca, a próxima demanda do médico é a monitori-zação dos efeitos do tratamento na progressão da doença11. Isto é tipicamente feito por meio da ins-peção cuidadosa e repetida de um dado ou de um grupo de dados, verificando sua estabilidade ou sua tendência. Os dados clínicos selecionados para a monitorização (sintoma ou sinal clínico, dados vitais, exames de laboratório etc.) são deduzidos a partir das decisões diagnósticas e terapêuticas. Se as expectativas não são encontradas, uma decisão deve ser reinvestigar as possibilidades

diagnós-ticas ou modificar o tratamento. A monitorização emprega o conhecimento do médico, suas habilida-des de observação e a memória dos dados recentes do paciente, podendo levar a um aumento signifi-cativo do uso do laboratório.

Assim como o conhecimento científico cresce às custas de hipóteses, leis e teorias que se suportam ao longo do tempo, validadas pelos múltiplos tes-tes a que são submetidas, também as decisões diagnósticas mantêm seu caráter hipotético ou conjectural ao longo da monitorização clínica. Como um processo cíclico e dinâmico, os resultados da monitorização modificam constantemente a síntese do problema. O médico deve se manter aten-to a essas modificações porque elas são essenciais no suporte cada vez mais firme dos diagnósticos já assumidos, na refutação de hipóteses anterior-mente tidas como certas, na identificação de novos diagnósticos (p. ex. complicações) ou na manuten-ção ou modificamanuten-ção do esquema terapêutico esco-lhido. Visto dessa forma, a monitorização não é o fim do processo de solução dos problemas clínicos. É um meio para se atingir o fim do processo, ou seja, a solução do problema do paciente.

SUMMARY SUMMARY SUMMARY SUMMARY SUMMARY

Clinical reasoning – the diagnostic and Clinical reasoning – the diagnostic and Clinical reasoning – the diagnostic and Clinical reasoning – the diagnostic and Clinical reasoning – the diagnostic and thera-peutic decision process

peutic decision process peutic decision process peutic decision process peutic decision process

The goal of this review is to demonstrate the steps and the main items of the cognitive process used by doctors in clinical reasoning of diagnostic and therapeutic decisions. The clinical problem-solving process makes use of the hypothetic deduc-tive scientific method to solve problems. As soon as the doctor meets his (her) patient, many diagnostic hypotheses emerge in his (her) mind, which are evaluated and refuted or corroborated. The diag-nostic decision occurs when a hypothesis reach a certain degree of likelihood. The therapeutic deci-sion is based on the intended objectives and the waited efectiveness among many available

alter-natives. [Rev Ass Med Brasil 1998; 44(4): 301-11.]

KEY WORDS: Clinical reasoning. Problem solving. Decision making. Clinical competence. Diagnosis. Physician-patient relations.

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