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Javé, o pastor que abriga em belas pastagens. Contribuição exegética sobre o Salmo 23

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Academic year: 2017

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

JAVÉ, O PASTOR QUE ABRIGA EM BELAS PASTAGENS

CONTRIBUIÇÃO EXEGÉTICA SOBRE O SALMO 23

Santa Ângela Cabrera

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

JAVÉ, O PASTOR QUE ABRIGA EM BELAS PASTAGENS

CONTRIBUIÇÃO EXEGÉTICA SOBRE O SALMO 23

Santa Ângela Cabrera

Orientador: Prof. Dr. Milton Schwantes.

Dissertação: apresentada em cumprimento parcial às exigências do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, para obtenção do grau de Mestre.

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BANCA EXAMINADORA

1o Examinador

________________________________

2o Examinador

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CABRERA, Santa Ângela. Javé, o pastor que abriga em belas pastagens – Contribuição exegética sobre o Salmo 23. Universidade Metodista de São Paulo – Faculdade de Filosofia e Ciências da Religião. São Bernardo do Campo, 2007.

SINOPSE

Na América Latina temos pouca bibliografia sobre o Salmo 23. No entanto, contamos com alguns pesquisadores que podem dialogar academicamente com cientistas europeus sobre nosso objeto de estudo. Apesar do grande atrativo deste texto no mundo pastoral de nosso continente, o aporte exegético deste Salmo estava em dívida, o que se tem convertido numa de nossa justificação científica para o estud o do Salmo 23.

O Salmo 23 se incrusta dentro do saltério. É poesia hebraica, a que se caracteriza pela repetição do sentido de suas frases. Seu conteúdo está nas entrelinhas pelo uso freqüente de imagens, símbolos e figuras. Por estas e outras razões é difícil assinalar sua data de origem, mas deve ser pré-exílico.

Nosso texto revela, como lugar vital, uma comunidade litúrgica. Essa comunidade está localizada no templo de Jerusalém. Ali se encontram, por sua vez, sacerdotes, levitas, intelectuais orgânicos; enfim, pessoas que têm testemunhado de perto a controvérsia de uma pessoa refugiada no templo, a que tem achado no santuário um lugar de amparo. Desde aqui deduzimos que o Salmo 23 foi escrito por alguém de sensibilidade poética, inspirado na vida do asilado.

O salmista tem experimentado os cuidados de Javé. Ali, no templo, na área do reino de Javé, seus ameaçadores não podem capturá- lo. Os motivos de perseguição podem sugerir assuntos de dívidas e, ao mesmo tempo, assuntos de justiça. Uma vez no santuário, não carece de nada, porque seu pastor/rei lhe fornece o que precisa, isto é, comida, bebida, proteção, segurança, dignidade e fraternidade. Os agressores são testemunhas do estado de felicidade de seu inimigo, mas não podem fazer-lhe nada. Por isso o salmista, não teme e, na presença de Javé, encontra seu consolo.

Javé, como pastor/rei, hospeda a seu protegido. Pela inocência reconhecida do refugiado, nasce o ambiente de festa, porque a comunidade litúrgica celebra a salvação alcançada. As graças recebidas têm para o salmista uma repercussão comunitária, o bem e a solidariedade que experimentou voltarão aos que o circundam, não por obrigação e sim por gratidão. Por assuntos de segurança e agradecimento o salmista deseja permanecer na casa de Javé.

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CABRERA, Santa Ângela. Yahweh, the Shepherd Who Gives Shelter in Beautiful Pastures: Exegetical Contribution on Psalm 23. São Bernardo do Campo: Methodist University of São Paulo, 2007.

ABSTRACT

In Latin America we have little bibliography on Psalm 23. Nevertheless, we have a few researchers who are able to dialogue academically with European scholars about our object of study. In spite of the great attractiveness of this text in the pastoral world in our continent, exigetically we have come up short with this Psalm, which has become our justification for making a study of this Psalm.

Psalm 23 in enwrapped in the Psalter. It is Hebrew poetry, which is characterized by the repetition of the meaning of its phrases. Its content is between the lines, thanks to the frequent use of images, symbols, and figures. For these and for other reasons, it is difficult to point to its date of origin, but it must be pre-exilic.

Our text reveals, as a vital place, a liturgical community. This community is located in the Jerusalem temple. There are there, each in turn, priests, levites, organic intellectuals, in sum, persons who have witnessed up close the controversy of a person who has sought refuge in the temple and who has found a supportive place in the sanctuary. From this we deduce that Psalm 23 was written by someone with poetic sensibility, inspired by the life of the person sheltered.

The Psalmist has experience Yahweh’s care. There in the temple, in the area of the kingdom of Yahweh, those who threaten him cannot capture him. The reasons for persecution may suggest debt matters and at the same time matters of justice.. Once in the sanctuary, he is lacking for nothing, because his shepherd/ king provides him with what he needs, that is, food, drink, protection, security, dignity and fraternity. The agressors are witnesses of the happy state of their enemy, but they can do nothing to him. For this reason the Psalmist has no fear and, in the presence of Yahweh, finds comfort.

Yahweh as shepherd/ king is host to the one he protects. From the innocence of the refugee is born the air of celebration, because the liturgical community celebrates the salvation which has been received. The graces received have for the Psalmist a communitarian repercussion, the good and the solidatiry which he has experienced will come back to those who surround him, not by obligation but as gratitude. For reasons fo security and gratitude the Psalmist wishes to remain in the house of Yahweh.

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CABRERA, Santa Ángela. Yavé, el pastor que abriga en bellos pastos – Contribución exegética sobre el Salmo 23. Universidad Metodista de São Paulo – Facultad de Filosofía y Ciencias de la Religión. São Bernardo do Campo, 2007.

SINOPSIS

En América Latina tenemos poca bibliografía sobre el Salmo 23. Sin embargo, contamos con algunos investigadores que pueden dialogar académicamente con científicos europeos sobre nuestro objeto de estudio. A pesar del grande atractivo del texto en el mundo pastoral de nuestro continente, el aporte exegético de este Salmo estaba en deuda, lo que se convirtió en una de nuestra justificación científica para el estudio del Salmo 23.

El Salmo 23 se incrusta dentro del salterio. Es poesía hebrea, la que se caracteriza por la repetición del sentido de sus frases. Su contenido está entrelíneas por el uso frecuente de imágenes, símbolos e figuras. Por estas y otras razones es difícil señalar su fecha de nacimiento, pero debe ser pre-exílico.

Nuestro texto revela, como lugar vital, una comunidad litúrgica. Esa comunidad está localizada en el templo de Jerusalén. Allí se encuentran, a su vez, sacerdotes, levitas, intelectuales orgánicos; en fin, personas que han sido testigos oculares de la controversia de una persona refugiada en el templo, la que ha hallado en el santuario un lugar de amparo. Desde aquí, deducimos, que el Salmo fue escrito por alguno de sensibilidad poética, inspirado en la vida del asilado.

El salmista ha experimentado los cuidados de Yavé. Allí, en el templo, en el área del reino de Yavé, sus amenazadores no pueden capturarlo. Los motivos de persecución pueden sugerir asuntos de deudas y, al mismo tiempo, asuntos de justicia. Una vez en el santuario, no carece de nada, porque su pastor/rei le providencia lo que necesita, esto es, comida, bebida, protección, seguridad, dignidad y fraternidad. Los agresores son testigos del estado de felicidad de su enemigo, pero no pueden hacerle nada. Por eso el salmista no teme y, en la presencia de Yavé, encuentra consuelo.

Yavé, como pastor/rei, hospeda a su protegido. Por la inocencia reconocida del refugiado, nace el ambiente de fiesta, porque la comunidad litúrgica celebra la salvación lograda. Las gracias recibidas tienen para el salmista una repercusión comunitaria, el bien y la solidaridad que experimentó volverán a los que le circundan, no por obligación y sí por gratuidad. Por asuntos de seguridad y agradecimiento el salmista desea permanecer en la casa de Yavé.

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AGRADECIMENTOS

Quero agradecer infinitamente a cada ser humano que colaborou para mediar e propiciar na minha vida este projeto de Deus. É por isso que não posso ser sintética neste espaço.

Agradeço a minha família, especialmente a minha mãe Cristina, e minha outra mãe celeste, Maria Francisca. A uma por ser o ponto de referência que me fala de amor incondicional, e à outra pelos princípios de vida que me transmitiu e que hoje se inc rustam na minha personalidade.

Agradeço, na pessoa de Faustina Posada, como representante da Congregação Missionárias Dominicanas, a cada uma das irmãs que confiou nesta proposta, com apoio e oração. Agradeço especialmente às irmãs do grupo da República Dominicana e às da Nicarágua. Obrigada pela abertura, por me deixar ir atrás de um sonho que a princípio parecia uma verdadeira loucura.

Agradeço à Ordem dos Pregadores pelo seu incentivo e apoio à formação das mulheres dominicanas, fato que nos faz sentir, mediante laços fraternos, uma só família. Agradeço também ás Irmãs da Imaculada Conceição, que me acolheram na sua casa, quando pisei nesta terra.

Agradeço ás Irmãs Dominicanas de Monteils, que me receberam na sua comunidade como se sempre fizesse parte deste grupo, que se converteram em colaboradoras direitas de um esforço compartilhado. Com todas vocês, a distância foi mais aceitável, os momentos de solidão e sacrifícios se fizeram mais leves, porque com a sua amizade eu compreendi melhor a gratuidade de Deus. Muito obrigada por abrir as portas a esta peregrina que, sem vocês conhecerem, decidiram aceitar em casa, por tanto tempo.

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pacientemente, foram fazendo realidade este sonho tão desejado. Obrigada por acompanhar meu processo na Faculdade desde o principio.

Ao diretor do Programa, Antonio Carlos Magalhães, por confiar em mim e abrir possibilidades para consolidar a formação de pessoas com capacidade e poucas oportunidades de estudos. Muito obrigada por ser partícipe das coisas justas, por estar atento a cada uma das minhas necessidades como estudante do Programa, pelo seu incentivo e apoio solidário.

Também quero agradecer ao Professor Tércio Machado Siqueira, pela sua palavra e apoio alentador nos momentos certos; por incentivar minha pesquisa na área de salmos, e por sempre estar disponível para orientar, compartilhar e, sobretudo, valorizar o esforço de meu trabalho.

Ao Professor Archibald Woodruff, por me contagiar com seu espírito cientista, por ser homem sábio e simples, que coloca a inteligência a serviço da procura da verdade. Obrigada pela sua delicadeza, sua atitude de pronta ajuda, e a disponibilidade de deixar o escritório e acompanhar minhas pesquisas na Biblioteca.

Ao Professor Renatus Porath, por contribuir na realização deste trabalho. Obrigada pelo empenho mostrado para que esta pesquisa fosse concluída o melhor possível.

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A meus amigos e amigas, aqueles que me fazem ver a vida bela e renovada: Leonor, Miguel Angel, Flavio, Donaldo, Jorge, Alma, Nieves, Mairolet, Mônica, Isabel, José Angel, Rui Manuel, Rafael, Genildo, Givaldo, Oscar, José Luis, Pedro, Kenia, Serley, Sintia, Damares, Reina, Franklin, Erasmo, André, Elizanias, Marcelo, Deolinda, Juan Bosch, Luis, Chia e Favio.

Agradeço de maneira especial as palavras de despedida do sacerdote Teodoro, na Nicarágua: Angelita, não se esqueça por quais pessoas você vai estudar.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO GERAL---

CAPÍTULO I

UM OLHAR SOBRE A INTERPRETAÇÃO DO SALMO 23 NA AMÉRICA LATINA

1.1.Introdução---

1.2.Teorias expostas sobre o Salmo 23---

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1.2.5. José Bortolini--- 1.2.6. Hans Strauss---

1.3. Encerramento do capítulo---

CAPÍTULO II EXEGESE DO SALMO 23

2.1. O texto e sua tradução (hebraico-português)--- 2.2. Crítica textual--- 2.3. Delimitação--- 2.4. Divisão e coesão interna---

2.5. Análise do estilo---

2.5.1. Estilo poético da primeira estrofe (v.1-4a)--- 2.5.2. Estilo poético da segunda estrofe (v.4b-6)---

2.6.Algumas considerações sobre o gênero literário ---

2.7. Lugar--- 2.7.1. Data---

2.7.2. Autoria---

2.7.3. Aproximação ao contexto --- 2.7.3.1. O templo de Jerusalém como lugar de asilo---

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2.8.1.1. Encerramento da primeira estrofe--- 2.8.2. Segunda estrofe (v.4b-6)---

2.8.2.1. Encerramento da segunda estrofe---

CONCLUSÃO GERAL--- ---

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS---

INTRODUÇÃO GERAL

As comunidades cristãs de nosso continente latino-americano possuem um significante atrativo pelo saltério, especialmente pelo Salmo 23. Com freqüência reparamos neste texto um companheiro na caminhada dos povos pobres.

Uma das principais motivações para a realização desta pesquisa é contribuir, mediante um estudo bíblico-científico, o conhecimento do Salmo 23. Queremos voltar tanto ao setor popular quanto ao acadêmico, um material exegético, elaborado para nosso contexto latino-americano.

Este trabalho possui dois momentos. O primeiro funciona como ponto de partida. Nele apresentamos um mapeamento das mais importantes abordagens que se têm feito do Salmo 23 em nosso continente latino-americano.

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Perceber o estado atual da literatura bíblica latino-americana é uma constatação que pode ajudar a focalizar as forças e as fraquezas que distinguem este tipo de pesquisa. Ao mesmo tempo, é um ponto interessante porque nos alerta no desenvolvimento da nossa proposta de leitura científica.

Esta primeira parte, em comparação com a segunda, não é extensa. O fato, talvez ponha em evidência a precariedade de literatura bíblica confiável, especialmente na área do saltério. Contudo, apresentamos uma seleção de autores cujas hipóteses, relativas ao Salmo 23 podem ser consideradas como ponto de referência.

Os autores selecionados para este momento são: José Fonseca, Fidel Oñoro, Luís Stadelmann, Leonardo Boff, José Bortolini e Hans Strauss. Eles representam o setor acadêmico latino-americano, cujas propostas de interpretação do Salmo 23 são expostas. No primeiro capítulo só apresentamos um breve resumo da principal contribuição de cada um deles em relação a nosso objeto de estudo. No segundo capítulo, alguns deles participam do diálogo acadêmico com outros autores europeus.

O segundo momento, capítulo II, consiste numa exegese do Salmo 23. O eixo transversal de nossa metodologia está condicionado pelo método histórico-crítico, ou seja, analisaremos o texto historicamente de forma rigorosa, buscando descobri- lo inserto no passado, nascido em ambiente e circunstância determinados.

Afirmamos que o Salmo 23 tem como falar de sua história e de sua circunstância vital. Para entender a sua linguagem é preciso permitir- lhe expressar-se. Isto apresenta a segunda parte, a mais consistente de nosso trabalho.

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Os principais autores selecionados para este momento são aqueles que, em questões do saltério, se destacam com relevância: Hans-Joachim Kraus, Erhard Gerstenberger, Luis Alonso Schökel e Cecília Carniti. Eles são os representantes do setor acadêmico europeu que, em diálogo com os autores latino -americanos, contribuem no desenvolvimento de nossa pesquisa.

Esta exegese tem, por assim dizer, como ponto de partida, o texto e a nossa tradução do hebraico para o português. Tentamos conjugar uma tradução literal e, ao mesmo tempo, compreensível na língua portuguesa. Pela natureza deste capítulo II, o principal referencial é a Biblia Hebraica Stuttgartensia, porque este texto massorético ainda tem demonstrado bom grau de fidelidade literária.

Imediatamente trabalhamos no texto: crítica textual, delimitação, divisão e coesão interna. Analisamos o estilo poético das duas estrofes que distinguimos no Salmo. Quando falamos de estrofe referimo-nos ao conjunto de frases que formam uma unidade de pensamento, dentro do texto, pela forma e o conteúdo.

No mesmo aspecto, uma frase, a partir da perspectiva de nosso estudo, é um conjunto de palavras que dão a conhecer um sentido. Na maioria dos casos a frase possui um verbo, em outras ocasiões está delimitada pela sua circunstância gramatical. Também abordamos algumas considerações sobre o gênero literário.

Apresentamos temas que têm a ver com o sentido histórico do texto. Abordamos uma possível aproximação ao lugar e data de origem de nosso texto, assim como um breve esboço no problema da autoria. No mesmo sentido, mostramos alguns tópicos que iluminam o possível contexto externo do Salmo 23.

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Na elaboração destes passos primários, no primeiro momento fazemos um breve percurso do trabalho feito por alguns autores, que damos a conhecer na sua hora. Uma vez elaborada a visão de conjunto, procuramos fornecer nossas próprias considerações em relação a cada um dos tópicos analisados.

Uma vez apresentados esses pontos indispensáveis, que fazem parte da exegese, preparamo- nos para mostrar as questões de conteúdo. Para estas questões, nos vemos com necessidade de estudar cada uma das frases que compõe o Salmo, a partir da inter-relação entre ambas, dentro de sua sub - unidade e dentro de sua unidade textual.

A transliteração utilizada, na medida do possível, apresenta-se próxima à língua portuguesa, para facilitar a comunicação entre diversos leitores. Pelo mesmo motivo, neste trabalho utilizamos poucas abreviaturas. As que aparecem mostramos a seguir: LXX, Septuaginta; v., versículo; p., página.

Após a conclusão de cada estrofe, oferecemos um encerramento na forma conclusiva. Este passo permite expressar em forma sintética as principais afirmações de conteúdo obtidas em cada uma das sub-unidades do Salmo.

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CAPÍTULO 1

UM OLHAR SOBRE A INTERPRETAÇÃO DO SALMO 23 NA AMÉRICA LATINA

Neste primeiro momento, nosso objetivo se concentra em indagar a interpretação bíblica que se tem produzido na América Latina sobre o Salmo 23. O capítulo busca colocar-nos no momento atual em que se encontra a pesquisa relativa a este texto bíblico. Este é nosso ponto de partida. Ele nasce do mapeamento que fizemos nas publicações latino-americanas que tratam do Salmo 23.

O tema está imerso na realidade geral da produção bíblica na América Latina. Precisamos, porém, situá-lo no hemisfério que o condiciona e o caracteriza, o que delimita os trabalhos nascidos em nosso continente.

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A produção bíblica de qualidade na América Latina tem-se destacado significativamente por tentar conjugar ciência e realidade. Ou seja, os exegetas latinos, na sua maioria, relêem a ciência bíblica a partir do contexto imediato em que estão situados, tendo o ser humano como lugar teológico. Este fato permite constatar a tensão existente entre o rigor acadêmico e a pedagogia pastoral.

A parir desta circunstância, além de exercitar-se no aprofundamento dos assuntos bíblico-científicos, os pesquisadores e pesquisadoras vêem-se na necessidade de fazer chegar, de maneira digerível, suas investigações ao povo. Isto nos faz pensar, imediatamente, no pouco acesso formativo-acadêmico que possui a maioria dos destinatários.

Em um recente estudo, Víctor Mora comenta que a exegese em nosso contexto continua sendo colaboradora do labor teológico, o que se aproxima do dogmatismo. Para este autor, a América Latina carece de um sério debate em nível de especialização. Isso, segundo ele, por causa do interesse pastoral.1

Para Víctor Mora, o exegeta latino-americano não se dedica por completo à tarefa científica, a não ser na participação ativa do labor catequético/pastoral. Além disso, assinala que existe o preconceito segundo o qual uma atividade acadêmica não seja pastoral.2

Segundo o parecer de Víctor Mora, nosso continente não tem sido suficientemente valorizado no âmbito acadêmico-exegético pela razão principal que não conseguimos ser interlocutores eloqüentes em diálogos internacionais, não por falta de capacidade, e sim pela dependência acadêmica do primeiro mundo.3

No momento de querer tomar uma postura ante a intervenção de Víctor Mora, se nos apresentam vários pontos divergentes e entrelaçados entre si. Por um lado, constatamos

1 Víctor Mora, Lectura de la Biblia en América Latina, em Revista de Ciencias Religiosas y Pastorales, San

José, Instituto Teológico de América Central Intercongregacional, vol.29, n.86, 2007, p.121.

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o avanço que tem alcançado nosso continente nos últimos anos em assuntos bíblico-científicos. O acontecimento tem permitido mais independência científica e a gestação de novas janelas hermenêuticas.

Podemos dizer que, neste momento crucial da história exegética latino -americana, estamos em um ponto de relevância, sem polaridades qualitativas de conteúdo entre nós e os países europeus. Por outro lado, ainda nos defrontamos com a precária produção literária em algumas áreas. Estamos afirmando, então, que a bibliografia bíblica, cientificamente confiável, em geral, abrange temas distantes do saltério.

Neste sentido, é possível afirmar que exista pouca bibliografia latino -americana sobre o Salmo 23? Se considerarmos que a maioria dos escritos sobre este texto bíblico é de caráter devocional, poderíamos dizer que sim. É por isso que nosso mapeamento se limita a algumas apresentações de autores selecionados.

No entanto, uma outra questão se apresenta. Se o Salmo 23 se destaca no saltério pelo grande atrativo que desperta no povo cristão de nosso continente, por que o temos trabalhado pouco desde a perspectiva científica? É possível que a reposta nos leve a um dos pontos justificativos desta pesquisa.

1.2. Teorias expostas sobre o Salmo 23

Neste momento, de maneira breve, abordamos diversas hipóteses sobre o Salmo 23, elaboradas por autores que selecionamos. O critério da escolha está baseado na qualidade científica das investigações que temos disponíveis. Também escolhemos alguns deles porque fornecem uma idéia da metodologia exegética utilizada em nosso continente.

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O estudo permitirá considerar os passos, desde a perspectiva exegética, alcançados. Buscaremos construir uma visão de conjunto do estado atual no qual se encontra a pesquisa do Salmo 23.

1.2.1. José Fonseca

Em um breve artigo de 2002, José Fonseca apresenta um estudo do Salmo 23. Na sua análise, destaca uma leitura bíblico-teológica do texto. Considera que este é um canto de esperança, onde se revela a confiança no Senhor como pastor.4

José Fonseca não se concentra com uma leitura minuciosa do texto. Pelo contrário, vai intercalando aspectos do Salmo com realidades atuais que ele considera paralelas às circunstâncias vividas pelo salmista. Neste aspecto, compara o texto com a situação dos excluídos da sociedade, aqueles que só têm Deus como lugar de refúgio.5

Este autor faz referência ao estado interior do salmista. Dele, diz estar longe do conformismo. Descreve esta pessoa como o fiel que vive uma situação verídica, na que experimenta, após as precariedades, a abundância e a segurança na presença de Deus. Para José Fonseca, vida e oração estão relacionadas neste canto.6

Notamos que o artigo de José Fonseca tem lúcidas intuições, mas elas não se concretizam em assinalamentos que revelem a realidade vital que circunda o salmista. O contínuo paralelismo hermenêutico, típico de alguns escritos latino-americanos, impede que o autor mergulhe na fonte literária como objeto de pesquisa.

1.2.2. Fidel Oñoro

4 José Fonseca, Salmo 23, em Revista de Orientación Bíblica, México, Hermanos Menores Capuchinos de

México, n.91, 2002, p.30.

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Um outro estudo sobre o Salmo 23, por Fidel Oñoro, encontra-se em uma revista chilena. Esta publicação se baseia em um resumo de um curso de formação que o autor dirigiu em Santiago de Chile, no ano 2001. Seu escrito pode ser considerado como uma tentativa de interpretar cada uma das frases que compõem o Salmo.7 Mas, no seu intento, cai na tentação de deixar de lado a coesão textual.

Fidel Oñoro concorda com José Fonseca ao considerar que no Salmo 23 existe uma pessoa que passa de uma situação agitada a uma experiência de paz. Contudo, o próprio deste autor é apresentar o Salmo como um texto composto por duas imagens. Por um lado, a do pastor, e, por outro, a de dois amigos que se encontram para uma fraterna refeição.8

Para Fidel Oñoro, essas imagens do texto dividem o Salmo em duas partes. Ambas, para ele, alcançam um equilíbrio entre a autoridade que se reflete na primeira parte, com a figura do pastor, e a igualdade que emerge na outra metade, com a imagem da mesa compartilhada.9

Segundo esta interpretação, o Salmo estaria em função de revelar a dimensão autoridade-fraternidade do Deus dos israelitas, e não a causa que fez nascer este texto poético. Estamos querendo dizer que o Salmo 23 seria uma projeção teológica da imagem de Deus, dos fatos que ele é capaz de fazer em favor de seu protegido, e não uma confissão, onde o protagonista principal poderia ser o próprio salmista.

1.2.3. Luís Stadelmann

Vejamos agora a Luís Stadelmann, conhecido pelos seus escritos, destacado significativamente por sua seriedade acadêmica. Sugere um método exegético para interpretar os salmos através de um significativo estudo sobre o Salmo 23. Desta maneira,

7 Fidel Onõro, Comentario al Salmo 23, em La Revista Católica, Santiago, Seminario Pontificio Mayor,

n.1133, 2002, p.7-11.

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coloca-se como um dos pontos de referência para nosso diálogo bíblico em torno do nosso objeto de estudo.10

Em assuntos de conteúdo, Luís Stadelmann nã o se contradiz com Fidel Oñoro, no aspecto de dividir o Salmo em duas partes. Mas, agora, essas subdivisões mostram diferentes perspectivas. Para este autor, a primeira parte do texto (v.1-4) apresenta a proteção divina sobre o grupo de peregrinos que se dirigem ao templo.11 A segunda parte (v.5-6) revela a presença de Deus no templo, lugar de refúgio, onde acontece a celebração de um culto religioso.12

Os destaques de Luís Stadelmann são atrativos no momento de abordar a reconstrução histórica do texto. Contudo, interrogamo-nos sobre este autor ver o Salmo como uma literatura que, na sua gênese, teve duas realidades vitais diferentes: uma na peregrinação e outra no templo. Será possível encontrar um ponto de união entre as duas sub-unidades, pensarmos o texto como unidade coesa e com um só contexto vital? Isso o verá a exegese.

A principal hipótese de Luís Stadelmann se baseia em considerar o Salmo 23 como um texto que surgiu no contexto da tradição religiosa de Israel. Dentro deste ambiente, o autor destaca a peregrinação como experiência de autênticos valores de espiritualidade.13

Estamos de acordo com Luís Stadelmann no sentido de ver o Salmo como um poema que se incrusta na tradição religiosa de Israel. Mas, ao momento de uma indagação detalhada no texto massorético, encontramos um drama individual e não coletivo. Acreditamos que colocar o texto dentro de um ambiente de peregrinação comunitária é forçá- lo a abandonar a singularidade pessoal que explicitamente o distingue.

10 Luís Stadelmann, Método exegético para interpretar os salmos – Salmos 1; 8; 23, em

Revista Perspectiva Teológica, Belo Horizonte, Faculdade de Teologia do Centro de Estudos Superiores da Companhia de Jesus,

n.82, 1998, p.421-430.

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1.2.4. Leonardo Boff

Continuando nossa pesquisa, apresentamos o estudo de Leonardo Boff, teólogo e escritor brasileiro, de renome internacional, distinguido entre os pesquisadores do continente pela sua produção literária a partir da realidade latino-americana. Entre suas numerosas obras, destacamos uma como ponto de análise e referência para nossa pesquisa,

O Senhor é meu pastor – Consolo divino para o desamparo humano.14

Mesmo que o livro de Leonardo Boff não possa ser avaliado como material exegético, pela forma e pelo conteúdo se converte em objeto de análise para qualquer pesquisador ou pesquisadora do Salmo 23, especialmente se o seu estudo tem a ver com a realidade da América Latina.

Na sua obra, Leonardo Boff analisa o Salmo de maneira global e, ao mesmo tempo, parcial, detendo-se em cada uma das frases que compõem o texto. Tenta extrair cada detalhe das figuras apresentadas. Desde uma visão teológica, pode ser considerada uma excelente abordagem. No entanto, exegeticamente, o material precisaria crescer em rigorosidade científica.

Para este estudo sobre o Salmo 23, o teólogo se apóia em algumas pesquisas feitas por especialistas no assunto. Além disso, procura estabelecer um diálogo entre cada frase do Salmo e a realidade paralela que hoje circunda a humanidade.

Leonardo Boff, com relação a outros autores, distingue-se por argumentar no sentido de defender a figura do rei Davi como autor do Salmo 23. Mas esta teoria foi afastada desde o momento que estudos modernos, como demonstraremos mais adiante, têm confirmado que os cabeçalhos do saltério são posteriores à redação final.

14 Leonardo Boff, O Senhor é meu pastor – Consolo divino para o desamparo humano, Rio de Janeiro,

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Este teólogo se une aos autores que vêem uma divisão no interior do Salmo (v.1-4 e v.5-6). Em um primeiro momento, a imagem do pastor, que para ele transmite a impressão de um suave idílio lírico-romântico, e que trará consigo o drama que acompanha a vida humana, o vale tenebroso. E, no segundo, a imagem do hospedeiro, cujos símbolos se articulam com os da primeira subdivisão.15

Ambas imagens, para Leonardo Boff, sintetizam o eixo transversal que atravessa o Salmo: segurança e proteção do pastor e hospedeiro. Estes símbolos, segundo ele, estão a serviço do propósito central do texto, sendo colocado exatamente no centro dele: “tu (estás) comigo”.16

Poucos autores latino-americanos trabalham de forma tão detalhada este texto poético. Leonardo Boff alcançou, com sua análise, a confirmar- nos algumas de nossas suspeitas, especialmente as referentes a assuntos como segurança e proteção. Contudo, ele pode ser catalogado entre os estudiosos deste Salmo que ainda deixa m inconclusa a harmonia contextual de suas análises.

1.2.5. José Bortolini

José Bortolini elaborou um outro estudo relevante sobre o Salmo 23. Na sua obra,

Conhecer e rezar com os salmos,17 se destaca por ser um grande exegeta. Um dos aspectos que caract eriza sua pesquisa é a conjugação entre a exigência acadêmica e a clareza pedagógica, fato que faz de seu trabalho uma ferramenta útil em diversos âmbitos.

Com José Bortolini, cresce o número dos autores que descobrem no Salmo uma mudança interna. A primeira localizada, como anteriormente comentamos, na imagem do pastor. Daí resulta que o salmista se compara com uma ovelha (v.1-4). E a segunda (v.5-6) faz alusão a uma pessoa fugindo dos inimigos, através do deserto.18

15 Leonardo Boff, O Senhor é meu pastor – Consolo divino para o desamparo humano, p.29.32. 16 Leonardo Boff, O Senhor é meu pastor – Consolo divino para o desamparo humano, p.37. 17 José Bortolini, Conhecer e rezar os salmos, São Paulo, Paulus, 2000, 624p.

18 José Bortolini,

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Segundo a proposta de José Bortolini, torna-se-nos difícil conjugar a relação entre uma e outra estrofe. Será que se trata de dois salmos posteriormente unidos? O mesmo autor introduz uma abordagem interessante no momento em que se pergunta pela origem do texto. Para ele, o Salmo 23 remete à idéia de um indivíduo que foge e se esconde no templo. Baseia-se no estudo da etapa da monarquia, em que o santuário de Jerusalém servia de refúgio para casos como esses.19

É interessante a colocação do refugiado no templo, no momento de pensar uma integração entre a imagem do pastor e a imagem da hospitalidade. Desta maneira, elas poderiam corresponder-se mutuamente.

1.2.6. Hans Strauss

Agora vamos expor o parecer de Hans Strauss. Com ele concluiremos as diversas hipóteses apresentadas. Trata-se de um exegeta que faz uma rigorosa abordagem científica sobre o nosso texto objeto. Mesmo sendo de origem européia, o autor destaca-se pela sua experiência acadêmica na América Latina, onde escreveu um comentário sobre alguns salmos, entre eles, o Salmo 23.20

O manual de Hans Strauss, de caráter exegético, chega a nossas mãos especialmente pela colaboração dos participantes nas aulas do Primeiro Testamento na Faculdade Luterana de Teologia de São Leopoldo, durante os semestres do ano 1969.

Em diferença de autores como Fidel Oñoro, Luís Stadelmann e José Bortolini, Hans Strauss afirma que o Salmo 23 não pode ser dividido em duas situações de origem. Considera que o texto, apesar de sua métrica irregular, está coeso mediante um diálogo que transcorre com fluidez entre um indivíduo e Javé.21

19 José Bortolini, Conhecer e rezar os salmos, p.103-104.

20 Hans Strauss, Comentário a salmos escolhidos, São Leopoldo, Sinodal, 1970, 99p. 21 Hans Strauss,

(26)

25

Segundo Hans Strauss, o v.5 revela que o Salmo provém de uma experiência pessoal, pré-exílica, de direito ao asilo e à hospitalidade. Neste aspecto, lembra a intuição de José Bortolini. Na experiência de refúgio, para Hans Strauss, se expressa a solidariedade demonstrada por Javé para com o orador perseguido. Considera que a imagem de Javé como pastor não deve ser separada da figura de Javé como hospedeiro. Quer dizer que onde se experimenta o auxílio de Javé, é o mesmo lugar onde se forma a confissão teológica.22

Hans Strauss vem ao encontro de nossas suspeitas de indagar no Salmo uma situação de origem que se converta em eixo transversal do texto. Estamos de acordo que todo o Salmo transcorre em um lugar, mesmo que suas frases evoquem circunstâncias passadas e presentes. Também consideramos que o texto fala explicitamente de uma realidade pessoal. Esta poderia ser, perfeitamente, a situação desse indivíduo que, concretamente, experimentou o auxílio de Javé.

No entanto, é necessário prevenirmos que as afirmações de Hans Strauss são dadas sem a suficiente justificativa. É preciso examinar com detenção estas teorias e confirmá- las, não só no discurso, mas também com o próprio texto bíblico em seus textos circundantes.

Antes de abordar as conclusões desta apresentação, achamos interessante observar as diversas propostas de traduções que fornecem alguns destes autores. É oportuno considerá- las pelo fato de colocarem em evidência o grau de coerência que os pesquisadores alcançaram na intenção de enfrentar-se com o texto massorético e a linguagem própria de América Latina.

Apresentaremos os textos em forma sinóptica para permitir a comparação entre eles. Seguiremos na ordem anteriormente assinalada. A divisão de frases ficou a nosso critério, para uma melhor apreciação de conjunto.

22 Hans Strauss,

(27)

26

Primeiro quadro

Tradutor Fidel Oñoro Luís Stadelmann Cabeçalho Salmo de Davi Salmo de Davi

Frase principal O Senhor é meu pastor O Senhor é meu pastor

v. 1 Nada me falta Nada me falta

v. 2 Em verdes campos me faz recostar Em verdes pastagens me faz repousar

Para água de repouso me conduz Conduz-me até às fontes tranqüilas

v. 3 Me conforta E reanima minha alma Me guia por caminhos de justiça Guia-me por sendas da justiça Em honra de seu nome Para a honra de seu nome

v. 4 Embora passe por vales tenebrosos Ainda que eu ande por um vale de espessas trevas

Mal nenhum temerei Não temo mal algum Porque vais comigo Porque tu estás comigo Tua vara e teu cajado Teu bordão e teu cajado

v. 5 Me sossegam Me confortam Preparas uma mesa para inveja de

meus adversários

Diante de mim preparas a mesa, bem à vista de meus inimigos Me unges com perfume a cabeça Me unges com óleo a cabeça E minha taça está cheia Minha taça transborda

v. 6 Dita e graça me acompanharão todos os dias de minha vida

Sim, bondade e amor me acompanharão todos os dias de minha vida

E habitarei para sempre na casa do Senhor

(28)

27

Segundo quadro

Tradutor

Leonardo Boff José Bortolini Hans Strauss

Cabeçalho Salmo de Davi Salmo de Davi Salmo de Davi

Frase principal O Senhor é meu pastor Javé é meu pastor Javé é meu pastor

v. 1 Nada me falta Nada me falta Assim não sou enfraquecido

v. 2 Em verdes pastagens me faz descansar

Em verdes pastagens me faz repousar

Faz-me repousar em pastos abundantes Conduz-me até fontes

repousantes

Para fontes tranqüilas me conduz

Conduz-me a água do descanso

v. 3 E repara minhas forças E restaura minhas forças

Traz-me de volta a vida

Guia-me por caminhos seguros

Ele me guia por bons caminhos

Dirige-me por trilhos certos

Como pede sua missão Por causa de seu nome Por causa de seu nome

v. 4 Ainda que devesse passar pelo vale da sombra da morte

Embora eu caminhe por um vale tenebroso

Ainda que tivesse de andar pelo vale da escuridão

Não temo mal algum Nenhum mal temerei Não teria desgraça a temer

Tu vais comigo Pois junto a mim estás Pois tu estás comigo Teu bastão e teu cajado Teu bastão e teu cajado Tua vara e teu cajado Me dão segurança Me deixam tranqüilo Dão-me ânimo

v. 5 Na minha frente preparas a mesa sob o olhar de meus inimigos

Diante de mim preparas a mesa, à frente de meus opressores

Assim preparas diante de mim uma mesa, frente a meus adversários

Unges minha cabeça com perfume

Unges minha cabeça com óleo

(29)

28

E minha taça transborda

E minha taça transborda

Meu cálice transborda

v. 6 Sim, bondade e fidelidade me escoltam todos os dias de minha vida

Sim, felicidade e amor me acompanham todos os dias de minha vida

Somente bondosa solidariedade me perseguirá enquanto viver

E habitarei na casa do Senhor por todo tempo em que viver

Minha morada é a casa de Javé por dias sem fim

E permanecerei na casa de Javé por toda a vida

Quanto às traduções observadas, podemos perceber que alguns pontos transcorrem similares, como nos casos do cabeçalho que, a propósito, deixamos aberto. Além disso, queremos assinalar as pequenas variações de alguns termos importantes que merecem ser comparados.

Primeiramente, tratamos de um termo localizado no v.4, que os autores traduzem de diversas maneiras: Fidel Oñoro, “vales tenebrosos”; Luís Stadelmann, “vale de espessas trevas”; Leonardo Boff, “vale da sombra da morte”; José Bortolini, “vale tenebroso”; Hans Strauss, “vale da escuridão”. O vocábulo torna-se interessante porque revela uma realidade

que pode ser parte do eixo transversal de todo o Salmo.

Também nas traduções, destaca-se o emprego que os autores fazem de um verbo complicado, isso porque pode condicionar a perspectiva direcional do texto. Estamos nos referindo ao termo localizado no v.6, que é traduzido da seguinte maneira: Fidel Oñoro, “habitarei”; Luís Stadelmann, “retornarei”; Leonardo Boff, “habitarei”; José Bortolini, “minha morada”; Hans Strauss, “permanecerei”.

(30)

29

Apresenta-se a necessidade de chegar a um acordo na tradução, porque das pequenas variações literárias, as vezes esquecidas pelos autores, pode emanar maior riqueza de simbologia e conteúdo. Perguntamos: será possível alcançar uma tradução literal do texto massorético que ao mesmo tempo se torne compreensível para nossa língua?

1.3. Encerramento do capítulo

Na forma conclusiva, com esta exposição, abrimos as janelas para observar o avanço da pesquisa científica sobre o Salmo 23 na América Latina. O capítulo nos permite uma panorâmica geral que concentra nosso ponto de partida.

Este capítulo enriquece nossa investigação. A consulta dos diferentes autores nos facilita concentrar elementos, às vezes para confirmar hipóteses, outras para descartá- las. Neste sentido, percebemos que não podemos analisar nosso texto com duas situações de origem. Nos sentimos motivados a seguir as pistas daqueles que observam o Salmo como um texto integral, com principio, meio e fim harmonizados.

A partir de uma apreciação de conjunto, consideramos que a bibliografia produzida não é suficiente para obter do texto uma proposta de leitura confiável, a que se alcança mediante um estudo cientificamente rigoroso.

Com esta conclusão, introduzimos o que será considerado como nossa tarefa exegética. Precisamos harmonizar o conteúdo e demonstrar afirmações que nos permitam conhecer com olhos novos um texto tantas vezes visitado. Do Salmo 23 se poderia dizer algo mais? É isso o que veremos em nosso segundo capítulo.

(31)

30

CAPÍTULO II EXEGESE DO SALMO 23

Neste capítulo, buscamos elaborar um estudo exegético do Salmo 23. No desenvolvimento da temática, como falamos na introdução, vamos apoiar- nos nas ferramentas próprias do método histórico crítico para alcançar nosso objetivo.

2.1. O texto e sua tradução (hebraico-português)

dwI+d"l. rAmðz>mi

ynIcE+yBir>y:

av,D<â tAaån>Bi

2

`rs")x.a, al y[iªro÷

hw"ïhy

bbe_Avy> yviîp.n:

3

`ynIlE)h]n:y>

tAxånUm. ymeÞ-l[;

`Am*v. ![;m;äl. qd<c,©÷-yleG>[.m;b.

(32)

31

[r"ª

ar"Ûyai«-al{ tw<m'‡l.c; aygEáB.

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`ynImU)x]n:)y>

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!x'ªl.vu yn:“p'l. %roì[]T;

`hy")w"r> ysiîAK yviªaro÷ !m,V,îb;

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yY"+x; ymeäy>-lK' ynIWpD>r>yIâ ds,x,äw"

bAjÜ %a:Ü

`~ymi(y" %r<aoål. hw"©hy>÷-tybeB.

yTiîb.v;w>

Tradução ao português:

(33)

32

Javé (é) meu pastor23,

não carecerei24:

2.em pastagens de belas ervas me faz deitar25. Sobre águas de descansos me conduz26,

3.minha garganta restaura27.

Me dirige28 em trilhos de justiça, por causa de seu nome.

4.Em especial, ainda que ande29 em vale de trevas, não temerei30 mal.

Eis que!, tu (estás) comigo.

Teu cetro e teu bastão, eles me consolam31.

5.Preparas32 diante de mim uma mesa, na presença de meus agressores33; unges34 com o óleo minha cabeça,

meu cálice (está) transbordando.

6.Somente bondade e solidariedade me perseguirão,35 todos os dias de minha vida. E morarei36 na casa de Javé, para prolongamento dos dias.

2.2. Crítica textual

23 Particípio do qal, primeira pessoa, masculina, singular, construto, sufixo primeira pessoa, masculina,

singular; raiz: r‘h “pastorear”, “pastar”.

24 Imperfeito do qal, primeira pessoa, comum, singular; raiz: hsr “sentir falta”, “escassear”.

25 Imperfeito do hifil, terceira pessoa, masculina, singular, sufixo primeira pessoa, comum, singular; raiz: rbs

“deitar”, “reclinar”, “recostar”.

26 Imperfeito do piel, terceira pessoa, masculina, singular, sufixo primeira pessoa, comum, singular; raiz:

nhl

“conduzir”, “guiar”, “levar”, “dirigir”.

27 Imperfeito do pual, terceira pessoa, masculina, singular; raiz:

xvb “restabelecer”, “refrescar”.

28 Imperfeito do hifil, terceira pessoa, masculina, singular; raiz:

nhh “dirigir”, “conduzir”, “guiar”.

29 Imperfeito do qal, primeira pessoa, comum, singular; raiz: hlk “andar”. 30 Imperfeito do qal, primeira pessoa, comum, singular; raiz: yr’ “temer” .

31 Imperfeito do piel, terceira pessoa, masculina, plural, sufixo primeira pessoa, comum, singular; raiz: nhm

“confortar”.

32 Imperfeito do qal, segunda pessoa, masculina, singular; raiz:

‘rk “colocar”, “dispor”, “apresentar”.

33 Particípio do qal, masculino, plural, construto, sufixo primeira pessoa, comum, singular; raiz:

srr “atacar”,

“oprimir”, “agredir”.

34 Perfeito do piel, segunda pessoa, masculina, singular; raiz: dsn “dar vigor”, “robustecer”, “fazer prosperar”. 35 Imperfeito do qal, terceira pessoa, masculina, plural, sufixo primeira pessoa, comum, singular; raiz: rdf “ir

detrás de”, “custodiar”, “seguir”.

36 Perfeito do qal waw, primeira pessoa, comum, singular; raiz:

(34)

33

Os cientistas que hoje indagam sobre as variantes, câmbios textuais e outras informações das Escrituras, comparadas entre os diversos manuscritos históricos, não têm constatado amplas complicações no Salmo 23. É por esse fato que o aparato crítico deste texto apresentado pela Biblia Hebraica Stuttgartensia não é grande. Contudo, veremos onde se encontra seu estado atual, aberto a novas descobertas.

O texto massorético, no Salmo 23, apresenta diversas divisões de expressões compostas de conjuntos de palavras. Estas palavras agrupadas, na forma de frase, sugerem

um sentido completo. Para sua divisão se utilizam dois pontos (

`

), que convidam a uma

pausa moderada no texto. Estes sinais, colocados pelos massoretas, soem nos apoiar no momento de construir uma seqüência exegética.

A forma verbal

ynIcE+yBir>y

“me faz deitar”, no v.2 do texto

massorético, aparece como objeto de crítica. Trata-se do verbo hifil, imperfeito, terceira pessoa, masculina, singular. Tem como sufixo a primeira pessoa, masculina, singular. O aparato crítico da Bíblia Hebraica Stuttgartensia37 propõe uma mudança do acento atnah: ^.

A função principal do acento atnah é a divisão da frase.38 Ao invés de estar colocado na antepenúltima sílaba do termo, sugere-se colocá-lo na última. O motivo da mudança poderia ser o de colaborar com uma sintaxe lógica em função de melhorar a musicalidade.

No v.4, mostra-se outra forma verbal

ynImU)x]n:)y>

“me

consolam”, verbo piel, imperfeito, terceira pessoa, plural, que tem como sufixo a primeira

37 Para distinguir e focalizar alguns signos abreviados utilizados no aparato crítico da

Bíblia Hebraica Stuttgartensia, facilitando sua leitura e análise, consultamos: Edson de Faria Francisco, Manual da Bíblia Hebraica-Introdução ao texto massorético, São Paulo, Vida Nova, 1a edição, 2003, 270p. Das abreviaturas para o sinal do acento atnah se fala na p.49.

38 Ernst Kautzsch,

(35)

34

pessoa, comum, singular. Os cientistas propõem utilizar

ynIU)x]n:)y>

“me

descansam”.

A sugestão oferecida nesse v.4 alcançaria uma mudança de sentido, podendo significar, na forma acusativa, “descansam”. Contudo, o vocábulo, no verbo piel no Primeiro Testamento, tem o sentido de “consolar”. Ele compartilha a mesma raiz localizada em Is 40,1. Sendo assim, nossa proposta de trabalho confere com o texto massorético.

No v.5, o objeto de crítica é um substantivo, comum, masculino, singular

!x'ªl.vu

“mesa”. Ao invés, sugere-se copiar

x'ªl.v

considerando que a

letra

n

nun é um erro de ditografia.39 Pela localização, a consoante seria uma duplicação,

tendo em conta que o próximo termo é

dg<n<

neged “na presença de”. Além disso, o

fato da sugestão ser a raiz do vocábulo, ajuda-nos a focalizar seu sentido textual, porque possui vários, como veremos.

No cognato árabe

!x'ªl.vu

significa “esfolar o couro”; no siríaco, “o couro

que foi esfolado de um animal”. Tanto no hebraico quanto no ugarítico, tem um sentido parecido, pois trata do “couro sobre o chão para comer”. A identificação com o árabe e o hebraico pode ser errônea ou, pelo contrario, pode ser algum empréstimo. De toda forma, o vocábulo, segundo a sua raiz, se refere à “mesa”.40

O v.5 tem um outro objeto de crítica. Trata-se de um substantivo, masculino,

singular, construto. Tem como sufixo a primeira pessoa, comum, singular

ysiîAK"

“meu cálice”. O aparato crítico sugere comparar o vocábulo na Septuaginta, onde se encontra a seguinte expressão kai. to. poth,rio,n sou, que significa “e o teu

cálice”. Notemos que aqui se encontra uma mudança acidental ou um erro dos copistas.

39 Edson de Faria Francisco, Manual da Bíblia Hebraica-Introdução ao texto massorético, p.44.

40 Hermann Austel, Mesa, em Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento, São Paulo, Vida

(36)

35

Em casos como este (v.5), não se pode determinar com certeza se a LXX se desviou de um texto hebraico semelhante ao texto massorético ou se o texto massorético se desviou de um hebraico mais antigo, que a LXX traduziu com fidelidade.

O v.6 mostra três chamadas a comentar. Primeiramente, fala-se dos termos

%a:Ü

“somente”, e

bAjÜ

“bondade”. O primeiro uma partícula de advérbio, e o

segundo um substantivo, comum, masculino, singular. Este trecho os cientistas sugerem comparar com a LXX. Na consulta, percebe-se que a LXX, simplesmente, omite qualquer tradução de ak, “somente”, e tob,“bondade”.

O outro substantivo, comum, singular é

dsx

“solidariedade”. Dele se diz que o

Código Sinaítico, datado no século IV41, lhe adiciona ao vocábulo um sufixo, a segunda

pessoa singular. Ficando traduzido como “tua solidariedade”.

Por último temos a forma verbal

yTiîb.v;w>

“e morarei” (v.6). Refere-se

ao verbo qal waw, perfeito, primeira pessoa, comum, singular. Consideramos que é o ponto de crítica mais complicado, pelas seguintes razões: segundo a LXX, se traduz “e meu habitar”; no Siriaco, século II antes da era cristã, no Targum, século II antes da era cristã e na Vulgata, século IV-V depois da era cristã, lê-se “e eu habitarei”.42

Alguns estudiosos deste assunto, comparando o texto grego com o Salmo 27,4, acharam que shabti, no v.6 do Salmo 23, pode ser lido como “estar”, “habitar”. A partir desta perspectiva, consideraram que o vocábulo é o sujeito de uma oração sem verbo de ligação, “meu habitar na casa do Senhor será para extensão dos dias”. Porém, concluíram que na vocalização massorética shabti pode ser perfeito inverso de xvb “retornar”.43

41 Edson de Faria Francisco,

Manual da Bíblia Hebraica-Introdução ao texto massorético, p.75.

42 Michael Goulder, David and Yahweh in Psalm 23 and 24, em Journal for the Study of the Old Testament,

Oxford/Sheffield, University of Oxford/University of Sheffield, vol.30, n.6, 2006, p.465.

43 Luis Alonso Schökel, em Elena Bosetti e Salvatore Panimolle, Deus –Pastor na Bíblia – Solidariedade de

(37)

36

Em nosso contato com o texto massorético, descobrimos que

yTiîb.v;w>

“e morarei”, apresenta uma raiz problemática, porque pode

confundir-se com

bWv

xvb “retornar”. Contudo, estudando a frase a qual o vocábulo

pertence (v.6), e notando que a partícula que prossegue trata-se da preposição bet “em”, pela forma, conteúdo e coesão do texto, consideramos mais coerente traduzir por “e morarei”, sendo o verbo, então, da raiz yxb.

2.3. Delimitação

Nosso objeto de estudo é o Salmo 23. Poder-se-ia dizer que o texto, ao se apresentar como unidade literária, já tem autonomia própria. Ele concentra sentido completo e harmoniza internamente principio, meio e fim, características que lhe conferem independência textual.

No entanto, o Salmo 23 apresenta significativa afinidade com seu contexto literário circundante, ou seja, com os salmos que lhe estão mais próximos, especialmente com os três que lhe antecedem e o que lhe precede, embora estes textos também mostrem certa autonomia. Estamos falando dos Salmos 20; 21; 22 e 24. Consideramos que o lugar que ocupa o Salmo 23 dentro do saltério não é um acaso. Esta chave levanta a necessidade de estudá- lo dentro de seu imediato contexto literário.

Os cabeçalhos dos Salmos assinalados, 20; 21; 22; 23 e 24 fazem menção a Davi. Mas isto não pode ser o único critério de relação, já que 73 deles são relacionados a este rei. Notamos, além do mais, que os Salmos 20 e 21 são textos que cientistas identificam como reais.44 E nós agregamos que os Salmos 22 e 24 também fazem referência à realeza.45

44 Hermann Gunkel,

Introducción a los salmos, Valencia, Edicep, 1983, p.194.

45 O Salmo 22,29 diz: “pois a Javé pertence a realeza, ele governa as nações”. Estas palavras fazem lembrar

(38)

37

O Salmo 23 parece mostrar indícios reais. As imagens que nomeia fazem lembrar a missão dos reis: providenciar o necessário (v.1), conduzir, proteger (v.2) dirigir com justiça (v.3), fornecer paz, consolar (v.4), celebrar, ungir (v.5), manter vigente a tradição religiosa (v.6).

Os salmos vizinhos do 23 também apresentam sinais messiânicos: o Sl 20,7 fala claramente de “ungido”, “messias”.46 No Sl 21,4 faz-se referência a Javé como quem cinge uma coroa de ouro sobre a cabeça do rei.47 O salmista interpela a Deus pelo seu abandono no momento da angústia (Sl 22,2).48 Comenta-se de um justo do qual se repartem as vestes e se sorteiam a túnica (Sl 22,19).49 Diz-se de pobres que comerão e ficarão saciados (Sl 22,27).50

O Salmo 23 faz recordar o bom pastor (v.1).51 E o Salmo 24 evoca a entrada triunfal do rei da glória no templo de Jerusalém.52 Se a denominação de Javé-pastor (Sl 23,1) evoca a figura do rei, então estaríamos ante um conjunto de textos onde predomina a ideologia da realeza e o sentido messiânico.53

Além do mais, observamos que estes salmos, de uma ou outra forma, relacionam a presença de Javé com o santuário. De alguma maneira mostram que no momento do conflito, o auxílio do salmista vem desde Sião, onde se encontra Javé como fonte de proteção para aqueles que o buscam (Sl 20,2-3; 21,7).

46 Evoca a Jesus. Ele mesmo se declarou ungido de Deus (Lc 4,18-22). 47 Lembra a Cristo rei (Mt 16,28).

48 Também Jesus interpela a Deus pelo seu abandono (Mc 15,34). 49 Situação que fizeram com Jesus (Jo 19,23-24).

50 Faz alusão ao festim messiânico (Is 55; Mt 26,29).

51 O Segundo Testamento apresenta Jesus como pastor messiânico (Mt 2,6), aquele que busca suas ovelhas

(Mt 6,34). Jo 10,1-30 apresenta na figura de Jesus o verdadeiro e único pastor.

52 Também faz referência à realeza de Deus compartilhada com o filho e que se manifesta no Segundo

Testamento. Em Jo 12, 12-19, achamos descrita a entrada triunfal de Jesus rei em Jerusalém.

53 Luis Alonso Schökel e Cecília Carniti, Salmos – Tradução, introdução e comentário, São Paulo, Paulus,

(39)

38

Notamos que existem sinais de ameaça constante para a pessoa que acredita em Javé. Ante a ameaça de morte, vem a aclamação pela proteção com o objetivo de garantir a vida no meio da controvérsia. Nota-se a promessa de votos e festas litúrgicas uma vez que o conflito esteja superado (Sl 22, 23.26).

Existem evidências que dão unidade ao pensamento teológico do Primeiro Testamento. Elas falam dos critérios para aqueles que, desde a montanha de Javé, esperam bençãos, justiça e salvação. Trata-se de pessoas inocentes, de coração puro, que não se entregam à falsidade, nem fazem juramento para enganar (Sl 24, 3-5).

Pelas indicações já assinaladas, estas evidências nos fazem sentir em harmonia com a principal hipótese que buscaremos provar ao longo desta indagação científica. Com isto queremos dizer que o Salmo 23 pode ser lido como um texto de asilo.

No momento de estabelecer a seqüência de sentido dos textos próximos do Salmo 23, achamo- nos com um texto alfabético, no Salmo 25. Este concentra o sentido da súplica do salmista, que reconhece seus pecados, e que se encontra num momento de perigo. No texto, não fica evidente indício de messianismo nem de realeza. Este texto apresenta uma pequena mudança, que daria por terminada a seqüência narrativa. A mesma coisa poderíamos dizer do Sl 26.

É de considerável importância dizer que o Salmo 27 oferece, paralelamente com o Salmo 23, um forte sentido de confiança e de asilo. Achamos, não obstante, que estes três Salmos, 25; 26 e 27, não reúnem as características do anterior bloco assinalado (Salmos 20; 21; 22; 23 e 24) onde podemos levantar a possibilidade de serem textos reais ou de expressarem sentido messiânico.

(40)

39

2.4. Divisão e coesão interna

Desde décadas anteriores, o Salmo 23 tem sido objeto de diversas opiniões enquanto a sua estrutura interna. Neste aspecto, Erhard Gerstenberger considera os v.1-3 como uma confissão que destaca o status do Senhor. Para ele, os v.4-5 são vistos como uma afirmação da confiança, onde a expressão “não temo porque tu (estás) comigo” evoca a mensagem central do texto. Segundo este autor, o Salmo é concluído no v.6, manifestando uma expressão de esperança.54

Contrariamente, L. Köhler afirma que o Salmo 23 é um poema uniforme, que transcorre sem interrupções, no qual aparece uma só imagem, a do pastor. Considera que a mudança de cena no interior do Salmo é a metáfora que determina a totalidade do mesmo. Analisa o v.5 como o remédio para curar as feridas das ovelhas, que segundo diz, se ferem com facilidade. 55

Hans-Joachim Kraus, em debate com L. Köhler, lhe contra-argumenta a teoria, pois pensa que nela se omite o detalhe da mesa no mesmo v.5. Além disso, faz- lhe a pergunta: desde quando as ovelhas bebem em copo?56

Kraus propõe dividir o Salmo em duas partes: os v.1-4, onde se reflete a imagem de Deus como pastor, e os v.5-6, que evocam a Deus oferecendo hospitalidade no lugar santo.57

Seguindo o debate sobre a divisão interna de nosso objeto de estudo, Luis Alonso Schökel e Cecília Carniti destacam a individualidade das duas imagens que, segundo

54 Erhard Gerstenberger,

Psalms Part 1 with introduction to cult poetryThe forms of the Old Testament Literature, Michigan, Willian B. Eerdmans Publishing Company, vol.14, 1988, p.115. [Série: FOTL].

55 L. Köhler, em Hans-Joachim Kraus, Los salmosSalmos 1 -59, Salamanca, Sígueme, vol.1, 1993, p.469. 56 Hans-Joachim Kraus, Los salmos – Salmos 1-59, p.469.

57 Hans-Joachim Kraus,

(41)

40

dizem, o Salmo apresenta. A imagem do pastor e a imagem do anfitrião. Para estes autores, o Salmo percorre duas etapas sem transição explícita.58

Para Luis Alonso Schökel e Cecília Carniti, uma frase do v.4 é o centro do texto pela forma e o conteúdo, “tu (estás) comigo”.59 Daqui surge para ele a pergunta que o leva a analisar a afirmação que antes fizera Hans-Joachim Kraus: existe um fator que unifique as duas partes do Salmo 23?60 Na sua pesquisa exegética, Alonso Schökel reconhece que esta questão ainda não foi resolvida.61

Buscando uma reposta conclusiva, podemos deduzir que os exegetas que se inclinam por dividir o texto em duas situações vitais diferentes, talvez não tenham indagado o suficiente em relação à inter-relação entre todas as frases que compõem o Salmo. Em suma, o livro de salmos, diferente dos outros livros da Bíblia Hebraica, não é dividido em perícopes ou seções.62 Nosso texto forma uma íntegra unidade. Vejamos porquê.

O texto inicia enfatizando o sujeito Javé. Pelo lugar e a forma que ocupa a frase “Javé (é) meu pastor” (v.1) tem a função de frase principal. Notamos uma série de verbos imperfeitos, dez no total, desde o v.1 até o v.6. Este detalhe mostra que se trata de um texto em contínuo movimento, do principio ao fim.

Também observamos que desde o v.1 até o v.4a e o v.6 sobressaem a primeira e terceira pessoa do singular. Depois, desde a metade do v.4 até o v.5 aparece significativamente a segunda pessoa. Percebemos uma mudança interna que divide o texto em duas partes segundo sua forma verbal. Só no v.6 retorna-se à primeira pessoa.

A quebra se localiza na metade do v.4, entre as frases “em especial, ainda que ande em vale de trevas, não temerei mal” e “eis que!, tu (estás) comigo”. Esta última frase abre a participação da segunda pessoa, ou seja, de Javé “pastor”.

58 Luis Alonso Schökel e Cecília Carniti

, Salmos – Tradução, introdução e comentário, p.384.

59 Luis Alonso Schökel e Cecília Carniti, Salmos – Tradução, introdução e comentário, p.381. 60 Luis Alonso Schökel e Cecília Carniti, Salmos – Tradução, introdução e comentário, p.384. 61 Luis Alonso Schökel e Cecília Carniti, Salmos – Tradução, introdução e comentário, p.385. 62 Edson de Faria Francisco,

(42)

41

Para confirmar a nossa proposta divisória devemos observar as duas partículas subordinadas que apresenta o texto massorético. Trata-se de ki na primeira frase do v.4, que nos traduzimos por “ainda que” e que está introduzindo a máxima circunstância de perigo pela qual atravessa o salmista, a qual termina numa fórmula de confiança, “em especial, ainda que ande em vale de trevas, não temerei mal”.

A segunda conjunção se localiza, imediatamente, no mesmo v.4, ki “eis que!” Esta abre campo para manifestar a cúpula do Salmo “eis que!, tu (estás) comigo”. Consideramos que estas partículas gramaticais favorecem os sinais divisórios das duas estrofes, embora permaneçam integramente unidas.

Observamos que a primeira estrofe, integrada desde o v.1 até a metade do v.4, gira em torno da descrição de um conflito do salmista, o qual se encontra assistido por Javé. E a segunda, composta desde as restantes frases do v.4 até o v.6, gira em torno à superação do conflito. Nota-se uma interdependência entre uma e outra estrofe, fato que as integra progressivamente.

Além do mais, no interior das duas estrofes, observamos mínimas variações que não impedem a coesão textual como sub-unidade. Exemplo: na primeira sub-unidade (v.1-4a), após a fórmula de confiança, “não carecerei” (v.1) vêm três frases relacionadas: “em pastagens de belas ervas me faz deitar”, “sobre águas de descansos me conduz” (v.2) e “minha garganta restaura” (v.3). Depois parece apresentar-se um novo tema, “me dirige em trilhos de justiça, por causa de seu nome” (v.3), esta frase parece culminar com um tom conclusivo. Imediatamente iniciase o que consideramos a última frase da primeira sub -unidade de sentido, “em especial, ainda que ande em vale de trevas, não temerei mal”.

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o v.5 dá sinais de que o texto se encontra situado no lugar específico. Por último, o v.6 parece ser uma formulação de votos na forma conclusiva.

Temos a realçar que o contraste de tempos verbais que se observa no v.5, imperfeito, particípio, perfeito, sugere estar indicando as ações ou eventos que tiveram início em tempos passados, que ainda continuam ou que estão em processo de realização.63

Em suma, para fornecer uma visão mais clara do que acabamos de dizer, mostramos um breve esquema de nossa proposta de divisão:

Cabeçalho: salmo para Davi

Primeira estrofe (v.1-4a): assistência de Javé para o salmista que atravessa um momento de risco

Fórmula de confiança: não carecerei

em pastagens de belas ervas me faz deitar. Sobre águas de descansos me conduz,

minha garganta restaura. Javé (é) meu pastor

Me dirige em trilhos de justiça, por causa de seu nome.

Fórmula de confiança: Em especial, ainda que ande em vale de trevas, não temerei mal.

Segunda estrofe (v.4b-6): superação do conflito, apresentado em três momentos

63 Ernst Kautzsch,

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1) Presença de Javé como consolo do asilado

Eis que!, tu (estás) comigo, teu cetro e teu bastão, eles me consolam.

2)Ato litúrgico como ação de graças

Preparas diante de mim uma mesa, na presença de meus agressores, unges com o óleo minha cabeça,

meu cálice (está) transbordando.

3) Fórmula de votos na forma conclusiva

Somente bondade e solidariedade me perseguirão todos os dias de minha vida. E morarei na casa de Javé, para prolongamento dos dias.

2.5. Análise do estilo

Neste momento vamos estudar o estilo do Salmo. Como ponto de partida,

apresentamos a opinião de alguns autores com relação à poesia hebraica, dentro da qual se incrusta nosso texto.

Segundo Luis Alonso Schökel, os salmos como poesia devem ser estudados desde seu universo poético, para que a análise aproxime seu sentido.64 Segundo esta afirmação, com a qual concordamos, ao pretender estudar o Salmo 23 nos encontramos diretamente com a poesia hebraica.

64 Luis Alonso Schökel,

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A poesia hebraica se caracteriza por estar preenchida de repetições e variações. É considerada por alguns especialistas, como Maria Cristina Ventura, semelhante às voltas de um pássaro, em torno a um só pensamento.65

A opinião de Maria Cristina Ventura também é estimada por Cássio Murilo Dias da Silva quem argumenta que o paralelismo não é o aspecto mais forte nem mais característico deste estilo literário. Isso pelo fato de que nesta poesia, mais que rima, encontra-se a combinação das idéias ou dos conceitos.66

Com a motivação apresentada, tentaremos abranger o caráter poético do Salmo 23. Algumas observações podem parecer já assinaladas, não obstante, a intenção neste momento gira em torno ao aspecto poético do texto. Pela precariedade de referências bibliográficas concernentes a nosso objeto de estudo, nos vemos na necessidade de criar uma proposta de trabalho sobre a poesia que o Salmo apresenta.

Nós também consideramos que o Salmo 23 é de caráter hebraico-poético. E reafirmamos que este caráter se distingue pela repetição de sentido entre suas frases. É isso o que vamos ver neste momento, as correspondências de sentido que o texto apresenta entre suas frases.

Como vimos na divisão interna do Salmo, este texto está separado mediante duas sub-unidades de sentido. A cada uma destas partes nós chamamos de estrofe (compostas por frases). Agora vamos apresentar o estilo de poesia que caracteriza a primeira sub -divisão.

2.5.1.Estilo poético da primeira estrofe (v.1-4a)

65 Em Maria Cristina Ventura, Uma contribuição ao conceito de trabalho a partir do Salmo 127, São

Bernardo do Campo, Universidade Metodista de São Paulo/Faculdade de Filosofia e Ciências da Religião, UMESP, 1999, p.54. [Série: dissertação e tese].

66 Cássio Murilo Dias da Silva,

Referências

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